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Processo nº 125/2019 Data: 03.04.2020
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Princípios fundamentais do processo civil.
Princípio da auto-responsabilidade das partes.
Princípio da preclusão.
Prescrição.
Recurso.
Questão nova.



SUMÁRIO

1. O “processo” é a sequência – ordenada, e sem lugar para “arbitrariedades” e/ou “improvisações” – de actos destinados à justa composição de um conflito de interesses ou litígio mediante a intervenção de um Tribunal.

2. Se por um lado, à parte assiste a liberdade de alegar e peticionar, e a iniciativa de impulsionar o processo, sobre ela, e sob o “princípio da auto-responsabilidade”, também se impõe o cumprimento de determinados “ónus processuais”, entendidos estes como os comportamentos que, estando na sua disponibilidade adoptar, são necessários para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio.

3. As partes é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes, redunda, inevitavelmente, em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juíz.

4. Em conformidade com o “princípio da preclusão” há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria, formando “compartimentos estanques”, pelo que, os actos que não tenham lugar no ciclo próprio, ficam precludidos.

5. O recurso (“ordinário”), como é o caso, é de “reponderação”, visando a reapreciação de uma decisão proferida atento os condicionalismos e elementos (até aí) disponíveis nos autos, não sendo o meio processual próprio para se colocar “questões novas”, não submetidas à apreciação do Tribunal recorrido.

O relator,

José Maria Dias Azedo




Processo nº 125/2019
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), A., propôs no Tribunal Judicial de Base, acção ordinária de condenação contra “B” (“乙”), R., pedindo a condenação desta no pagamento a seu favor do montante de MOP$16.740.000,00 e juros; (cfr., fls. 2 a 5 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Regularmente citada, a R. contestou, alegando, (nomeadamente), que prescrito estava o direito pelo A. reclamado; (cfr., fls. 150 a 159).

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Oportunamente, julgou o Mmo Juiz procedente a invocada excepção, absolvendo a R. do pedido; (cfr., fls. 216 a 217).

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Recorreu o A., e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 18.07.2019, (Proc. n.° 344/2019), foi o recurso julgado improcedente, confirmando-se o decidido pelo Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 267 a 271).

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Ainda inconformado, vem o A. recorrer para esta Instância, alegando para concluir nos termos seguintes:

“1. O TSI decidiu, em 18 de Julho de 2019, rejeitar o recurso do ora recorrente.
2. O recorrente está inconformado com a referida decisão.
3. Entende que o aresto impugnado padece do vício de errada aplicação e interpretação do direito.
Errada aplicação da lei processual – falta de condições para o conhecimento imediato do mérito da causa
4. O acórdão recorrido refere que, de acordo com a causa de pedir descrita pelo próprio recorrente, o direito à comissão por ele pretendido já prescreveu.
5. No entender do recorrente, apesar de, perante a excepção de prescrição levantada pela recorrida, o recorrente não ter apresentado, por via da réplica, as suas ideias sobre o ponto de início de contagem do prazo de prescrição, se houve ou não interrupção da prescrição e se o exercício do direito à excepção de prescrição violou o princípio da boa fé ou constituiu abuso de direito, é possível que essas matérias tenham ainda que ser investigadas e apuradas por tribunal.
6. A criação do instituto de prescrição extintiva visa primariamente livrar os obrigados das dificuldades decorrentes da regra de distribuição do ónus da prova.
7. Para prevenir a repetição de cumprimento dos devedores por dificuldades de prova, estabeleceu-se o regime de prescrição extintiva, que “substitui a prova com a prescrição”, com o objectivo de fornecer a protecção necessária.
8. “Não proteger permanentemente aquele que seja negligente em exercer o direito” e “respeitar a ordem objectiva” devem ser as terminologias usadas para legitimar o atrás referido caso excepcional, mas não os motivos para institucionalizar a prescrição extintiva.
9. Em caso de existir prova suficiente da falta de cumprimento de obrigação pela recorrida, não se deve considerar aplicável o regime de prescrição, a não ser que se possa legitimar a restrição imposta pelo regime ao direito do recorrente.
10. Se, pese embora a clareza dos factos e a inexistência da dificuldade de prova, uma parte invocar o direito à excepção de prescrição contra o princípio da boa fé, deve o tribunal rejeitar essa invocação por abuso de direito.
11. O acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 631.º, n.º 5 do CPC, rejeitou o recurso do ora recorrente remetendo para os fundamentos invocados na decisão da primeira instância.
12. Daí que sejam iguais os fundamentos nucleares:
a. Existe entre as partes um contrato de mediação;
b. O direito à comissão prescreveu no prazo de 1 ano a contar da data da celebração do contrato da obram;
c. O recorrente teve conhecimento da celebração do respectivo contrato já em 2014;
d. O recorrente só instaurou acção em 5 de Julho de 2018.
e. A recorrida deduziu excepção de prescrição.
13. Para saber se prescreveu ou não um direito, cabe ao tribunal apurar o ponto de início do curso da prescrição, se houve interrupção ou suspensão da prescrição e se o exercício do direito à excepção de prescrição incorreu em abuso de direito.
14. Trata-se aqui de contrato de empreitada de obra, cuja complexidade consiste em eventual variação do preço final da obra com base no volume real de trabalho, o que depende da liquidação entre a recorrida e o dono da obra.
15. Por outro lado, tal como se refere na petição inicial, o recorrente em diversas ocasiões levantou a questão de comissão junto da recorrida, que agiu com uma boa atitude que o convenceu de que pagaria a comissão. Pelo que continuou a negociar com a recorrida, sem recorrer a meios de exercício de direito mais activos. No entanto, a recorrente mudou de atitude na contestação, negando o direito à comissão do recorrente e ao mesmo tempo invocando a excepção de prescrição.
16. Citando os fundamentos usados na decisão da primeira instância, o acórdão recorrido refere que o recorrente nunca indicou a data exacta da celebração do contrato entre a recorrida e a [COMPANHIA(1)].
17. Não se trata dum erro ou negligência do recorrente, mas antes porque a recorrida e o dono da obra nunca lhe deram nenhum documento respeitante ao respectivo contrato de obra.
18. A recorrida e a terceira parte nunca o informaram da data exacta da celebração do contrato em causa, pelo que era impossível para ele a saber.
19. O recorrente inferiu, entretanto, a partir do facto do início da construção por parte da recorrida, que esta tinha celebrado contrato com a falada empresa em 2014.
20. Conforme o acordado entre o recorrente e a recorrida, a comissão corresponde a 3% do preço global da empreitada.
21. O preço global das obras de grande dimensão é geralmente provisoriamente fixado, com o valor final a variar em função do volume de trabalho, para cima ou para baixo.
22. O preço global depende da liquidação final entre o empreiteiro e o sub-adjudicatário.
23. Da qual também depende o montante da comissão a receber pelo recorrente.
24. O dito preço global só pode ser calculado após a conclusão total do empreendimento.
25. A recorrida alegou no ponto 40 da contestação que a obra ainda não foi concluída até agora.
26. Citando a decisão da primeira instância, o acórdão aqui impugnado indica: “já em 2014 é que o autor tomou conhecimento da assinatura do contrato de obra entre a ré e a [COMPANHIA(1)], e então entendia que já tinha o direito de exigir o pagamento da comissão devida.”
27. Uma coisa é o recorrente pensar ter direito à comissão, outra é a lei lhe conceder o direito de tal exigir.
28. No caso dos autos, o recorrente peticionou ao tribunal de primeira instância que condenasse a recorrida no pagamento de certa quantia como comissão. Antes de julgar procedente ou improcedente a respectiva pretensão, devia o tribunal ter-se pronunciado sobre o direito à comissão. Quer dizer que a acção de condenação também implica o pedido de reconhecimento de direito, em que se pretende obter a declaração de existência ou inexistência dum direito.
29. Na contestação, a recorrida expressamente negou que o recorrente tivesse direito à comissão.
30. O tribunal de primeira instância precisou ainda de averiguar se o direito pretendido pelo recorrente realmente existe.
31. Suponha-se que o direito à comissão do recorrente prescreveu no prazo de 1 ano contado da celebração do contrato, é de salientar, porém, que o recorrente reuniu-se várias vezes com o representante da recorrida, respectivamente em Abril, Setembro e Novembro de 2017, para discutirem sobre a comissão, ocasiões em que este último lhe reconheceu tal direito.
32. Os factos alegados pelo recorrente na petição inicial, uma vez provados, resultariam, provavelmente, na interrupção ou renúncia da prescrição.
33. É manifesta que o recorrente não foi negligente em exercer o seu direito. Pelo contrário, sempre se empenhou em cobrar a comissão através das negociações e comunicações realizadas com o representante da recorrida.
34. Foi por causa da confiança que tinha no representante da recorrida que o recorrente sempre optou por continuar as ditas conversas com a recorrida em vez de recorrer directamente aos meios judiciais.
35. O exercício, pela recorrida, do direito à excepção de prescrição de forma a contrariar e contradizer o princípio de boa fé é ilícito e deve ser proibido.
36. Mesmo que o recorrente tivesse tido conhecimento do direito que lhe compete e sido capaz de o exercer, mas não o fez a tempo para interromper a prescrição em virtude da confiança tida na recorrida,
37. é de salientar que a excepção de prescrição é um direito em sentido amplo, ao qual se aplicam os limites de direito. O seu exercício é proibido, pela violação da boa fé, sempre que se verifique discrepância entre os comportamentos anteriores e posteriores de quem o exerceu.
38. Mesmo que o direito tenha prescrito, a prescrição não se deveu à negligência do recorrente, mas antes à conduta anterior desonesta da recorrida, que manifestamente violou o princípio da boa fé e constituiu abuso de direito. Logo, é ilegítimo o exercício, pela recorrida, do direito à excepção de prescrição.
39. Em conformidade com o disposto no artigo 429.º, n.º 1, al. b) do CPC, o conhecimento imediato do mérito da causa no despacho saneador – neste caso a apreciação de se o direito à comissão do recorrente prescreveu ou não – só é possível quando o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação da excepção de prescrição deduzida pela recorrida.
40. Em sintonia com o disposto no artigo 299.º, n.º 4 e artigo 317.º do Código Civil, subsidiariamente aplicáveis por força do preceituado no artigo 4.º do Código Comercial, na falta de prova dos muitos factos necessários em relação ao direito à comissão em discussão, sobretudo se o direito se formou ou não, quando a prescrição iniciou a sua contagem, se houve suspensão ou interrupção da prescrição e se o exercício do direito à excepção de prescrição constituiu abuso de direito, entre outros, o aresto recorrido ao invocar os fundamentos usados pelo tribunal de primeira instância igualmente violou o disposto no artigo 429.º, n.º 1, al. b) do CPC. Por carência de condições para o conhecimento imediato do mérito da causa, ou seja, a prescrição ou não do direito, o acórdão recorrido deve ser revogado.
41. Por conseguinte, pede que se revogue o acórdão impugnado e se determine o reenvio do processo para a primeira instância e a continuação dos seus termos com as formalidades legais.
Errada interpretação do direito – a réplica do autor não é fundamental
42. O acórdão recorrido entende que o recorrente não exerceu oportunamente o seu direito processual para invocar todos os fundamentos, fácticos e jurídicos, que podem refutar a excepção deduzida pela recorrida, nem cumpriu o ónus de prova que lhe incumbe.
43. O recorrente discorda do dito entendimento.
44. Do acórdão do TUI proferido no processo n.º 36/2015 e da jurisprudência portuguesa pode concluir-se que,
➢ Se o réu não tiver deduzido reconvenção na contestação, o conteúdo desta última não integra a real causa de pedir (factos);
➢ Se o réu só tiver deduzido excepções na contestação, a falta de resposta ou impugnação pelo autor às mesmas não tem a consequência da admissão por acordo dos factos fundamento das excepções;
➢ A réplica não é fundamental se o autor não se defender de pedido reconvencional do réu;
➢ A resposta às excepções deduzidas pelo réu é uma faculdade do autor, mas não um dever ou um ónus.
45. Ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. a) do CPC de Macau, no que diz respeito à excepção deduzida pela recorrida na contestação (no caso de inexistir reconvenção), a réplica do autor é uma faculdade processual em vez de, como entende o aresto recorrido, um dever ou um ónus.
46. Por conseguinte, em conformidade com o disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. a) e artigo 423.º do mesmo Código, o recorrente tem a faculdade processual de decidir se responde ou não à excepção de prescrição levantada pela recorrida, e a falta de impugnação por via de articulação de réplica não implica a confissão dos factos. Logo, o acórdão recorrido ao rejeitar o recurso erradamente interpretou tais normativos.
47. Por tudo o exposto, pede que se revogue o acórdão recorrido e se ordene o reenvio do processo para a primeira instância e a continuação dos seus termos com as formalidades legais”; (cfr., fls. 279 a 287).

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Após resposta da R., (cfr., fls. 293 a 321), vieram os autos a esta Instância.

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Estando o recurso adequadamente admitido, (cfr., fls. 440), corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

2. Pois bem, como se viu, a dada como verificada “prescrição” do direito do A., ora recorrente, (e que foi pela R. invocada em sede da sua contestação), foi a “razão” da decisão do (Tribunal Judicial de Base e do) Tribunal de Segunda Instância.

E, tanto quanto resulta do que se deixou relatado, importa decidir se adequado é o assim considerado, ou seja, se (efectivamente) prescrito está o “direito” pelo A., ora recorrente, invocado, (com base no qual pretendia a condenação da R. nos termos referidos).

Apreciando o anterior recurso do A. e analisando a (mesma) “questão”, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“(…)
Eis o objecto do presente recurso: no despacho saneador, o tribunal da primeira instância decidiu que sendo procedente a excepção apresentada pela ré, já tinha ficado prescrita a comissão que tinha sido devida ao autor, por ele, segundo afirmou ele próprio, ter agido como mediador e promovido à assinatura bem-sucedida do contrato da subcontratação de um projecto adjudicado de uma obra entre a ré e a empresa denominada [COMPANHIA(1)], pelo que foram indeferidos os requerimentos do autor.
O autor recorreu, entendendo que pelos seguintes motivos, o tribunal a quo não podia ter indeferido os requerimentos dele:
1. Nos termos do art.º 718.º do Código Comercial, passado o prazo de um ano fica prescrito o direito do mediador para poder pedir a comissão, a contar da data da celebração do contrato. No entanto, nos autos não havia uma data estabelecida com a certeza na qual a ré tinha assinado o contrato de subcontratação com [COMPANHIA(1)]; portanto, não se estava certo sobre a data do início do prazo, nem se podia saber quando é que o prazo tinha ficado prescrito.
2. Como a liquidação ainda não aconteceu na obra subcontratada, não se pode calcular a comissão; portanto ainda não começou a contagem do prazo para o efeito da efectivação do direito à comissão.
3. Os actos da ré constituíram a violação do princípio de honestidade prevista pelo art.º 326.º do Código Civil, portanto, o exercício do direito dela sobre a prescrição da comissão constituiu acto de exercício ilegal de direito pela violação da honestidade.
Quanto à primeira questão levantada pelo recorrente, este tribunal opina que no despacho saneador, o tribunal a quo já deixou claros os fundamentos factuais e jurídicos pelos quais já ficou prescrito o direito do autor de pedir o pagamento da comissão; em seguida, julgou prescrito o direito pretendido pelo autor e rejeitou o requerimento dele.
Na realidade, foi o autor que defendia na petição inicial que "em 2014 a ré recebeu com sucesso o [projecto(1)]"; e não é negócio formal o contrato de mediação previsto pelo art.º 708.º do Código Comercial; portanto, em 5 de Julho de 2018, quando o autor finalmente instaurou a presente acção ao junto do TJB, de acordo com a causa de pedir alegada pelo próprio autor, já tinha ficado prescrito o direito à comissão pretendido.
No que toca aos pontos 2 e 3, visto que comunicado da excepção apresentada pela ré na contestação, o autor não respondeu tempestivamente nos termos de art.º 420.º, n.º 1, alínea a) do CPC, para exercer o direito processual de apresentar todo e qualquer fundamento factual e jurídico que pudesse negar a excepção apresentada pela ré e de cumprir o seu ónus da prova que lhe era devido, segundo este tribunal, o autor não pode exercer o seu direito conferido pelo direito de responder à excepção apresentada pela ré por meio de recurso ordinário.
Portanto, não se pode censurar o tribunal da primeira instância ou acusar o tribunal de ter errado ao proferir o despacho saneador, seja com o motivo de que o tribunal a quo não conheceu das questões que o autor nunca tinha apresentado antes disso, seja não as levou em consideração.
Além disso, quanto ao motivo mencionado pelo recorrente, de que o montante da comissão ainda não estava determinado porque não se encontrava determinado o montante da obra, este tribunal está convicto de que o art.º 392.º do CPC já nos deu um mecanismo para resolver o problema; portanto, nem este constitui motivo do adiamento do início da prescrição do direito à comissão nos termos do art.º 718.º do Código Comercial.
Resumindo e concluindo, este tribunal concorda perfeitamente com o tribunal recorrido, que apresentou no despacho saneador fundamentos factuais e jurídicos tanto claros quanto convincentes; portanto, nos termos do art.º 631.º, n.º 5 do CPC, admitindo os fundamentos que se encontram lá e citando os mesmos, julga improcedente o presente recurso”.

E, a título de “conclusão”, consignou que:

“Se o autor não respondeu tempestivamente à excepção levantada pela ré na contestação, e se o tribunal a quo julgou procedente a excepção no despacho saneador e por consequência foram rejeitados os requerimentos, então o autor não pode contestar a excepção da ré por meio de recurso ordinário.
(…)”; (cfr., fls. 354 a 357).

Que dizer?

Ora – em breve súmula – eis o que nos presentes autos sucedeu.

Considerando-se que perante a pela R. invocada prescrição, nada disse o A., ora recorrente, acabou o Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base por dar a mesma por verificada, absolvendo a R. do pedido.

Em sede do recurso do assim decidido para o Tribunal de Segunda Instância, alegou – essencialmente – o autor que adequada não era a solução a que se chegou, pois que devia-se previamente apurar se tinha ocorrido alguma causa de “suspensão ou interrupção da prescrição”, e se a sua invocação não constituía um “abuso do direito”.

Pronunciando-se sobre tais “questões”, diz, (em síntese), o Tribunal de Segunda Instância que, não tendo o A. respondido à invocada “prescrição”, afastada estava a possibilidade de o fazer em sede do recurso da decisão que a tinha dado como verificada.

Perante o que agora vem dito, (e que, no fundo, é uma “repetição” do anteriormente alegado no recurso para o Tribunal de Segunda Instância), vejamos.

Nos termos do art. 407° do C.P.C.M.:

“1. Na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por excepção.
2. O réu defende-se:
a) Por impugnação, quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor;
b) Por excepção, quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido”, devendo o réu “Na contestação deve o réu individualizar a acção e expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, especificando separadamente as excepções que deduza”; (cfr., art. 408° do mesmo código).

Por sua vez, prescreve o art. 412° que:

“1. As excepções são dilatórias ou peremptórias.
2. As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar, consoante os casos, à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3. As excepções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.

No que toca à excepção da “prescrição” pelo R. invocada nos presentes autos – que, contrariamente ao que sucede com a “caducidade”, que é de “conhecimento oficioso”; cfr., art. 325° do C.C.M. – é a mesma uma “excepção peremptória”, com os efeitos que lhe cabem nos termos enunciados no transcrito art. 412°, n.° 3 do C.P.C.M.; (cfr., v.g., V. Lima in “Manual de Direito Proc. Civil”, pág. 309; cabendo notar também que neste exacto sentido se prescrevia no art. 496° do anterior C.P.C. de 1961).

Em obediência ao “princípio do contraditório”, e dando possibilidade ao A., perante quem, em contestação, é invocada uma “excepção”, estatui-se expressamente no art. 420° do C.P.C.M. que:

“1. Na réplica pode o autor:
a) Responder à contestação, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta;
(…)”.

E, como no caso sucedeu, nada tendo alegado, (respondido), o A., ora recorrente, correcto se nos apresenta o entendimento do Tribunal de Segunda Instância no sentido de se confirmar o decidido pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base.

Com efeito, importa (desde já) ter presente que nos termos do art. 718° do C. Comercial, é de “1 ano”, a contar da data da celebração do contrato, o “prazo de prescrição do direito do mediador”, como o que o ora recorrente reclama, sendo que nos termos do pelo próprio alegado na sua “petição inicial”, (cfr., art. 17), aquele (prazo) teve o seu início no ano de 2014, totalmente esgotado estando quando a dita peça processual deu entrada em juízo, no Tribunal Judicial de Base, e que leve lugar em 06.07.2018; (cfr., fls. 2).

Por sua vez, cabe observar também que (absolutamente) inviável é reconhecer-se qualquer razão quanto ao que (agora) invoca como “causas impeditivas” da aludida prescrição, (a sua “suspensão”, “interrupção” e “abuso de direito” com a sua invocação), pois que assentando em “matéria” que não existia nos autos – por falta de oportuna alegação – aquando da decisão proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, adequada se apresenta a conclusão a que chegou o Tribunal de Segunda Instância no sentido de “não ser o recurso a sede adequada para o fazer”.

Na verdade, há que atentar é que o recurso (“ordinário”), como é o caso, é de “reponderação”, visando a reapreciação de uma decisão proferida atento os condicionalismos e elementos (até aí) disponíveis nos autos, não sendo o meio processual próprio para se colocar “questões novas”, não submetidas à apreciação do Tribunal recorrido, e daí dizer-se que os recursos são meios de impugnação de “decisões judiciais” e não “meios de julgamento de questões novas”, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso; (neste sentido, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 06.12.2002, Proc. n.° 17/2002, de 17.12.2003, Proc. n.° 29/2003, de 02.05.2007, Proc. n.° 15/2007 e de 16.01.2011, Proc. n.° 3/2011).

Com efeito, necessário é ponderar no que segue.

Numa primeira acepção, o “processo” surge-nos como um conjunto ou complexo de actos que se sucedem interligadamente a caminho de determinada meta; (cfr., Castro Mendes in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L., 1963, pág. 7).

Na noção que agora nos interessa, é a sequência – ordenada, e sem lugar para “arbitrariedades” e/ou “improvisações” – de actos destinados à justa composição de um conflito de interesses ou litígio mediante a intervenção de um Tribunal, sendo, por sua vez, o “processo civil”, o conjunto de princípios e normas jurídicas que disciplinam e guiam a sua tramitação.

Como tal, e para além do “princípio do dispositivo”, do “contraditório”, da “cooperação”, da “igualdade das partes”, e outros, (cfr., os art°s 1° e segs. do C.P.C.M., podendo-se também sobre o tema ver, v.g., C. Pires in, “Os Princípios do Proc. Civil e a sua Força-Reformadora”, comunicação apresentada no Seminário “Direito de Macau e da R.P.C.: Linhas de Convergência”, publicada na Revista “Perspectivas do Direito”, n.° 2, 1997, pág. 113 e segs., e V. Lima in, “Manual de Direito Processual Civil”, pág. 5 e segs.), importa ter em conta que, de entre estes “princípios fundamentais”, (e para o que agora releva), figura o da “auto-responsabilidade das partes” que, conexionado com o do “dispositivo” e com o da “preclusão”, implica que, competindo às partes a iniciativa de conduzir o processo, ao Tribunal não caiba suprir a sua negligência, pois que o “processo civil” ainda é o campo privilegiado do funcionamento do “princípio da autonomia privada” ou da “iniciativa das partes”, (cfr., art. 3° do C.P.C.M.), da qual decorre não apenas a liberdade de “alegar” e “peticionar”, mas também a responsabilidade pelas omissões na demanda.

Desta forma, se por um lado, à parte assiste a liberdade de alegar e peticionar, e a iniciativa de impulsionar o processo, sobre ela, e sob o “princípio da auto-responsabilidade”, também se impõe o cumprimento de determinados “ónus processuais”, entendidos estes como os comportamentos que, estando na sua disponibilidade adoptar, são necessários para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio; (cfr., v.g., C. Mendes in, “Introdução ao Estudo do Direito”. U.C.P., pág. 61, e Mota Pinto in, “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 144).

Como nota M. Andrade – in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 378 – as partes é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes, redunda, inevitavelmente, em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juíz.

Como igualmente adverte M. Teixeira de Sousa, “a partir da citação, o demandado tem o ónus de apresentar na acção pendente todos os fundamentos para uma decisão incompatível com a que é requerida pelo autor”; (in “Preclusão e «contrário contraditório»”, Cadernos de Direito Privado, n.° 41, 2013, pág. 24 e segs.).

Desta forma, e segundo o (dito) “princípio da preclusão”, (cfr., o art. 409° do C.P.C.M.), importa ter pois presente que há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria, formando “compartimentos estanques”, pelo que, os actos que não tenham lugar no ciclo próprio, ficam precludidos.

Essencialmente, a “preclusão” realiza duas funções primordiais: uma, a “função ordinatória”, dado que a preclusão garante que os actos só podem ser praticados no prazo fixado pela Lei ou pelo Juiz; a outra, apelidada de “função de estabilização”, uma vez que inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada.

In casu, não tendo o ora recorrente alegado (oportunamente) quaisquer das ditas “causas” (que considera ser impeditivas da declarada prescrição), notando-se, que, em tempo, nem tão pouco alegou a respectiva “matéria de facto”, outra solução não se apresenta possível, impondo-se a confirmação da decisão de improcedência do seu recurso proferida pelo Tribunal de Segunda Instância.

Decisão

3. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 10 UCs.

Notifique.

Macau, aos 3 de Abril de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

Proc. 125/2019 Pág. 2

Proc. 125/2019 Pág. 1