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Processo n.º 427/2020
(Autos de recurso cível)

Data: 11/Junho/2020

Descritores:
- Impugnação da matéria de facto
- Livre apreciação da prova

SUMÁRIO
Estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 427/2020
(Autos de recurso cível)

Data: 11/Junho/2020

Recorrente:
- A (requerente)

Recorridos:
- B, C e D (requeridos)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base no âmbito dos autos da providência cautelar de restituição provisória de posse, foi julgada procedente a oposição deduzida pelos requeridos B e C e, em consequência, foi revogada a providência anteriormente decretada.
Inconformado, recorreu o requerente A jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. A matéria factual constante do ponto 4 dos factos provados («Para resolver o problema dos carros estacionados nas saídas principais, houve uma assembleia de condóminos do Edifício Meng Chu, Fase III, Bloco I, em 8 de Janeiro de 2019, e decidiram tratar dos carros sempre estacionados ilegalmente nas saídas principais no rés-do-chão do estacionamento, bloqueando as passagens») não permite, por insuficiência probatória, o juízo conclusivo ínsito no parágrafo 4) da fundamentação da decisão recorrida, no sentido de que «dispor objectos pesados no espaço de estacionamento envolvido no caso foi uma execução da decisão da assembleia de condóminos realizada em 8 de Janeiro de 2019.
B. A decisão do condomínio de “tratar dos carros”, ou, segundo o depoimento da primeira das duas testemunhas dos requeridos, de que iam “tratar o assunto” (vide segmentos da gravação supra referenciados, e respectiva transcrição), não consubstancia qualquer decisão/deliberação, nada na verdade tendo sido decidido (cfr., igualmente, doc. 2 da oposição dos requeridos).
C. Parte dos actos obstrutivos praticados (a colocação de recipientes metálicos contendo pedras), foram decisões dos requeridos, alegadamente o 1º e o 2º, que por coincidência são membros da comissão de administração do condomínio da fase III do Edifício em questão. O que fazer, e o modus operandi foram decisões dos requeridos.
D. E já quanto ao restante, i.e., o estacionamento ostensivo de vários motociclos (cfr. docs. n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos com o requerimento inicial) na área desde sempre (desde 1987) pacificamente utilizada como estacionamento para o veículo do requerente (cfr. 14 a 18 dos factos provados), foi iniciativa do 3º requerido, D.
E. Portanto, tais decisões e actos materiais são a estes pessoal, directa e exclusivamente imputáveis, e não a qualquer organismo do condomínio do edifício, afigurando-se errada a conclusão da Mtm.a Juiz a quo de que, «O 1º e 2º requeridos eram apenas executores da decisão da assembleia de condóminos, portanto, o procedimento de restituição da posse deve ser feito contra o condomínio.»
F. Com efeito, em particular no que ao 3º requerido concerne, é claro e inequívoco que nenhuma legitimidade e interesse em agir detém o condomínio, o qual não é o proprietário dos motociclos, nem deliberou que fossem os mesmos colocados no estacionamento do requerente, nem foi qualquer dos seus membros, nessa qualidade, que praticou tais actos.
G. É igualmente insubsistente a matéria do ponto 10 dos factos provados, qual seja a de que o condomínio, para o efeito representado pelo 1º requerido, B, falou com o requerente, para que este deixasse de estacionar o seu veículo no espaço que pacificamente utilizou desde 1987, e pelo qual paga mensalmente ao respectivo condomínio (cfr. 14 a 16 dos factos provados).
H. Tal juízo assentou unicamente numa resposta meramente opinativa da 2ª da testemunha dos requeridos, que apenas calcula que o 1º requerido, B, porque era membro da comissão do condomínio, terá falado com o requerente (cfr. segmento da prova gravada, supra referenciado, e respectiva transcrição).
I. Em suma, inexiste qualquer questão de ilegitimidade, por falta de demanda do condomínio da Fase III do edifício, embora admitindo que pudesse este ter sido demandado, ao abrigo da modalidade de litisconsórcio voluntário que alguma doutrina designa por litisconsórcio conveniente.
J. Todavia, nem este mecanismo se apresenta como imperioso ou sequer indispensável para os fins almejados pelo requerente ou para a eficácia da providência decretada, porquanto o condomínio, seja a assembleia geral, seja qualquer comissão de administração (como quaisquer terceiros, embora não tendo sido partes no processo), sempre seria e será obrigado a respeitar a posse restituída ao requerente, por efeito reflexo (ou “eficácia erga omnes”) da decisão proferida. É o que a doutrina denomina de efeito reflexo da eficácia do caso julgado (que, in casu, subsiste mesmo antes de formado caso julgado sobre a decisão, dada a natureza da providência).
K. Na verdade, trata-se de uma extensão da imposição erga omnes da posse do requerente, seja ela um verdadeiro direito ou mera situação de facto, decorrente da similitude com o poder correspondente ao exercício de um direito real.
Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve proceder o presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, mantendo-se em qualquer caso a providência decretada, até ao trânsito em julgado da respectiva acção principal, já instaurada, assim se esperando de V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso responderam os requeridos B e C, nos seguintes termos conclusivos:
“1. 上訴人認為,分層建築物所有人大會只是決議處理車輛阻塞大廈地面樓層出入口的問題,並沒有做出任何決定。因此兩名被上訴人B及C的行為並非執行大會決議。
2. 然而,分層建築物所有人大會會議錄議程第3點載明: “討論並決議通過處理大廈地面樓層出入口長期被車輛非法阻礙通道事項。”亦即是要消除車輛阻塞的狀況,為了消除有關狀況,勢必需要採取一些措施從而實現目標。因此,決議的內容亦包含要採取措施去解決車輛阻塞狀況。
3. 證人E和F亦表示,在召開大會時,其中討論到涉案車輛阻塞出入口的狀況時,主要都是討論相關的解決辦法以消除狀況,最後同意交由大廈管委會採取實際的措施。
4. 因此,根據大會會議錄所記載,以及綜觀整個大會的討論過程,可見大會最終是決定要採取相關措施以解決車輛阻塞出入口的問題,而具體的執行則由大廈管委會負責。
5. 被上訴人B作為大廈管委會主席,已多次向上訴人反映車輛阻塞問題,上訴人亦不予理會,證人E亦都有反映此事。
6. 兩名被上訴人B及C是履行其作為分層建築物管理機關的法定職務。他們僅僅是決議的執行者,而並非決議的作出者。
7. 因此,應如被上訴裁判所述,上訴人應向作出決議者,即是明珠台III第一座分層建築物所有人,提起占有之臨時返還保全程序。
8. 另外,上訴人指出本案第三被聲請人 D 將其電單車輛停泊在涉案空間,其行為明顯並非執行大會決議,而且其行為嚴重妨礙上訴人對涉案空間的使用,認為第三被聲請人在本案中具有被訴正當性。
9. 首先,2020年1月13日作出的被上訴判決,主要是處理兩名被上訴人B及C提出的申請,而且因為第三被聲請人早已在2019年11月6日作出的判決中被開釋,因此有關被上訴判決並沒有審理第三被聲請人的正當性問題。
10. 其次,實際上是2019年11月6日作出的判決認定第三被聲請人不具被訴正當性。
11. 該判決總結指出第三被聲請人的行為不足以剝奪聲請人(上訴人)對車位的事實管領,最多只是對聲請人(上訴人)的占有構成妨礙,以及對於第三被聲請人而言,無法證實暴力的存在。因此認定聲請人(上訴人)上訴人應對第三被聲請人提起普通保全程序,而非臨時返還占有之特別保全程序。(見卷宗第50頁)
12. 因此,上訴陳述有關第三被聲請人的正當性問題,並不應是本次上訴中提出及處理的問題。
13. 此外,在上訴陳述中,上訴人並沒有陳述上述裁判中其認為錯誤的部分,亦沒有就該錯誤部分提出爭執。因此,被上訴人認為有關上訴陳述中關於第三被聲請人 D 的正當性問題,不能被視為已作出上訴陳述,應予以駁回;倘有不同意見,也應以其理由不成立而駁回。
綜上所述,懇請尊敬的法官 閣下判處本答覆提出的理由成立,維持原判,駁回上訴人提出的上訴請求。”

Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Feita a análise da oposição, deu-se como assente a seguinte factualidade:
聲請人停泊車輛的位置為西坑街明珠台第I、II、III期大廈停車場內三期其中一個出入口。(1º)
聲請人停泊車輛的位置沒有標示為獨立單位。(2º)
2018年9月24日,消防局人員前往明珠台第三期大廈停車場進行消防安全巡查,期間發現該大廈停車場內其中一個出入口停泊一輛私家車(屬於聲請人所有),消防局人員採取措施勸喻車主不應將車輛停泊在逃生出口,以免影響停車場的消防安全條件。(3º)
為了解決上述關於車輛停泊在逃生出口的問題,於2019年1月8日,舉行了明珠台III第一座分層建築物所有人大會,並決議通過處理大廈地面樓層出入口長期被車輛非法阻礙通道事項。(4º)
兩名被聲請人是明珠台III第一座(即明珠台三期)管理委員會的委員,任期由2018年5月30日至2020年5月29日。(5º)
兩名被聲請人在涉案停車空間放置重物,是執行2019年1月8日業主會通過的決議。(6º)
兩名被聲請人執行業主會的決議,為了大廈整體的利益,將重物放置於涉案空間上,以防聲請人將車輛堵塞在大廈逃生出口。(7º)
兩名被聲請人自始至終都沒有威嚇聲請人,更沒有以暴力令聲請人就範。(8º)
聲請人停放的車輛,實質上阻礙其他住戶通行,令其他住戶極度不便。(9º)
第一被聲請人代表業主會多番對聲請人進行勸喻,但最終不果。(10º)
O requerente adquiriu, por escritura de 7 de Agosto de 1990, a fracção autónoma denominada HCC/V, descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nºXXX, a fls. 119, do livro B48, sita na Rua da Penha, nº22, Edifício “Ming Chu Toi”, Fase 2, em Macau, conforme bem se alcança da cópia da respectiva certidão que se junta com o requerimento inicial e aqui se dá, para todos os devidos e legais efeitos, por integralmente reproduzida (doc. 1). (11º)
Na ocasião da compra, a agência imobiliária que lhe vendeu a fracção indicou-lhe também o local – o espaço preciso - onde podia estacionar a sua viatura. (12º)
Na Conservatória do Registo Predial de Macau, não havia registo de lugares de estacionamento que se encontrassem afectos a qualquer unidade habitacional do imóvel. (13º)
Pelo menos, desde a data da aquisição referida no item n.º11 que o requerente ali tem tido a sua residência, e estacionado a sua viatura automóvel no dito espaço - dentro da área do imóvel destinado ao estacionamento. (14º)
Tal estacionamento sempre foi público e pacífico. (15º)
Sendo que o requerente até pago, para o condomínio do edifício Ming Chu Toi, Fase 2, e por via desse estacionamento, a quantia de mop$120,00 (cento e vinte patacas) mensais. (16º)
Pouco tempo depois da chegada do requerido D, ele ao edifício “Ming Chu Toi”, fase 3, começou a estacionar os seus ciclomotores, todos eles registados em nome do D, (cfr. docs. 3, 4, 5 e 6 juntos com o requerimento inicial) em parte da área que o requerente sempre utilizou para estacionar o seu veículo. (17º)
O requerente protestou então contra esse facto, lembrando-lhe, através de um aviso, em língua chinesa, que afixou numa das colunas do edifício, que aquele espaço era o espaço que o ora requerente utilizava para estacionar o veículo e que, portanto, não estacionassem ali os seus motociclos. (18º)
O 3º requerido ignorou o pedido do requerente. (19º)
O carro do requerente foi riscado nas zonas laterais, mormente na que se situa do lado esquerdo da viatura, sendo que até chegou a encontrar um dos pneus dianteiros furado. (20º)
Ainda recentemente (entre 10/09/2019 e 18/09/2019), a sua viatura voltou a ser vandalizada, nos guarda–lamas da frente e da retaguarda, do lado esquerdo do veículo. (21º)
Em 10/09/2019, ao entrar na área de estacionamento do edifício onde reside, deparou com 2 recipientes metálicos, ligados por correntes fechadas a cadeado, cheios de uma matéria que lhe pareceu areia, e pedras (cfr. doc. 10 junto com o requerimento inicial). (22º)
Recipientes esses que impediram, e continuam ainda a impedir, que o requerente estacione a sua viatura. (23º)
Recipientes metálicos, acima descritos foram colocados pelos 1º e 2º requeridos. (24º)
*
O requerente começa por impugnar a decisão sobre a matéria constante dos pontos 4º e 10º dos factos provados, por entender que a prova produzida nos autos, mormente o depoimento das duas testemunhas dos requeridos, não logrou demonstrar que a assembleia de condóminos tivesse tomado qualquer decisão ou deliberação, antes pelo contrário, que os actos obstrutivos resultaram de decisões dos 1º e 2º requeridos que, apenas por coincidência, eram membros da comissão de administração do condomínio da fase III do edifício em questão.
Vejamos.
Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de prova documental e prova produzida em audiência, competindo ao julgador atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinada prova em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-los segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão ao requerente.
Efectivamente, tanto a prova documental (cfr. acta de reunião de fls. 61 e 62) como a testemunhal, foi no sentido de que foi realizada no dia 8 de Janeiro de 2019 a reunião da assembleia geral do condomínio, tendo nessa reunião sido aprovada a deliberação relativa à aplicação de medidas para resolver a questão de obstrução de passagem por causa do estacionamento ilegal pelo requerente, ficando a comissão de administração do condomínio incumbida de tratar do assunto.
Neste sentido, dúvidas de maior não existem de que as medidas tomadas foram dadas pela assembleia geral do condomínio, sendo os 1º e 2º requeridos meros executores da respectiva deliberação.
Assim, sem necessidade de delongas considerações, por não se vislumbrar qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação daquela matéria, sendo verdade que o requerente ora recorrente pretende apenas sindicar a íntima convicção do Tribunal recorrido formada a partir da apreciação e valoração global das provas produzidas nos autos, improcede o recurso nesta parte.
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Por outro lado, quanto à alegada actuação do 3º requerido D, é bom de ver que desde cedo, mais precisamente, por decisão proferida em 6.11.2019, foi julgada improcedente a providência cautelar deduzida pelo recorrente contra o tal requerido, e não tendo o requerente impugnado oportunamente a decisão, pelo que essa parte da decisão já transitou em julgado.
Isto posto, uma vez julgada improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada pelo recorrente, há-de manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 11 de Junho de 2020
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong



Recurso Cível 427/2020 Página 13