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Processo nº 257/2020
Data do Acórdão: 11JUN2020


Assuntos:

Divórcio litigioso
Violação de deveres conjugais
Danos não patrimoniais pela cessação definitiva dos laços conjugais
Regra de substituição


SUMÁRIO

1. No caso do decretamento do divórcio com fundamento na culpa exclusiva ou principal de um dos cônjuges, sendo a cessação dos laços matrimoniais baseada nos comprovados factos, imputáveis ao cônjuge declarado culpado e integrantes da violação de determinados deveres conjugais na constância do casamento, os eventuais danos causados pelo cônjuge culpado ao outro cônjuge, cujo ressarcimento visa tutelar o artº 647º/1 do CC, não devem limitar-se aos causados pela própria cessação definitiva dos laços matrimoniais, mas sim devem abranger também os danos produzidos na constância do casamento pelas condutas violadoras de deveres conjugais da autoria do cônjuge declarado culpado que acabaram por ser acolhidas pelo Tribunal para determinar a cessação definitiva das relações matrimoniais.

2. Portanto, o ressarcimento desses danos pode ser peticionado na própria acção de divórcio, e não tem de o fazer em acção autónoma à do divórcio por via do instituto geral da responsabilidade civil.

3. Não obstante a revogação em sede de recurso do indeferimento liminar do pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais formulado ao abrigo do disposto no artº 647º/1 do CC, não há lugar à remessa dos autos à primeira instância para se proceder à apreciação do pedido de indemnização dos danos não patrimoniais, se o Tribunal a quo já investigou todo o thema probandum articulado pelo demandante e a matéria de facto tida por assente na sentença final que decretou o divórcio se mostra suficiente para o Tribunal de recurso, por força da regra de substituição consagrada no artº 630º do CPC, se substituir ao Tribunal a quo na apreciação e na decisão de direito desse pedido.

4. São pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos o facto voluntário; a ilicitude do facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 257/2020


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base uma acção especial de divórcio litigioso que veio a ser registada sob o nº FM1-18-0156-CDL e corria os seus termos no Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, contra B, devidamente identificada nos autos.

Citada a Ré, veio impugnar os factos articulados pelo Autor, pugnando pela improcedência do pedido do Autor, e deduzir pedidos reconvencionais pedindo o decretamento de divórcio com fundamento na culpa exclusiva do Autor e a condenação do Autor na obrigação da reparação dos danos não patrimoniais causados a ela.

Pela seguinte decisão inserida no despacho saneador, foi liminarmente indeferido o pedido reconvencional de indemnização a título de danos não patrimoniais, formulado pela Ré contra o Autor:
非財產損害賠償
  被告B在反訴中,除了提出離婚請求及要求判處原告為唯一過錯方之餘,亦以原告在婚姻存續期間之過錯行為及因原告提出離婚而對其造成之精神傷害為事實依據,要求判處原告A支付澳門幣100,000元之非財產損害賠償。
  首先,根據澳門《民法典》第1647條第1款之規定:“被宣告為唯一或主要過錯人之一方,及以第一千六百三十七條c項所指之理由而請求離婚之一方,應向他方彌補因解銷婚姻而造成之非財產損害”。
  很顯然,上述條文中所指的「非財產損害賠償」,僅是針對訴訟一方當事人因解銷婚姻,而非因夫妻婚姻存續期間所受之精神傷害要求對方予以金錢賠償。
  然而,在本案中,被告提出損害賠償請求卻是以原告在婚姻存續期間內發展婚外情、對妻兒不理不顧且暴力對待被告等一系列違反夫妻義務之事實為依據,故此,被告之非財產損害賠償請求不符合澳門《民法典》第1647條之相關規定,有關請求不應於本訴訟離婚案中提出,而是應透過其他普通民事訴訟程序予以實現。
  
Não se conformando com o decidido, veio a Ré reconvinte recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
1. 原審法院認為上訴人於答辯狀所提出的非財產性損害賠償請求,是以原告違反一系列的夫妻義務之事實為依據,而不是因婚姻解銷而造成,故駁回有關請求;就此,上訴人除應有之尊重以外不予認同有關決定。
2. 參閱答辯狀第31條事實之內容,上訴人一開始便開宗明義地指出有關痛苦、 難過、被社會輕視及矮化、對婚姻失去信心、對失婚及單親家庭的壓力與擔憂等一系列的非財產損害均是由婚姻的解銷而造成。
3. 因此,上訴人提出的非財產性損害賠償是由婚姻的解銷而造成,而不是由被上訴人過錯違反夫妻義務的行為事實而造成,故屬於《民法典》第1647條第1款所規定之“離婚損害賠償”。
4. 另一方面,根據《民法典》第1647條第1款之規定,一方被宣告為過錯方亦是提起非財產損害賠償的前提要件。
5. 亦正如本澳司法見解,由於運用《民法典》第1647條第l款機制請求“非財產損害賠償”時婚姻是尚未被解銷的,故要理解婚姻解銷最終所導致的非財產損害,便必然要去論述涉及導致婚姻解銷的原因:被上訴人過錯違反夫妻義務的事實,三者是有所關聯而不能分開獨立看待的。
6. 此外,涉及被上訴人過錯行為的論述,對於判斷後續婚姻解銷時的損害之存 在及程度之深淺亦具有必要性及重要性。
7. 綜上所述,論述被上訴人過錯違反夫妻義務的事實不妨礙非財產損害賠償請 求的提出,亦屬提起《民法典》第1647條第1款所規定“離婚損害賠償”之其中一個前提,且上訴人最後亦明確指出了非財產損害賠償是由婚姻的解銷而造成,故上訴人於反訴中所提出非財產性損害賠償請求絕對符合《民法典》第1647條第1款之規定。
8. 因此,應廢止原審法院之有關裁決,並裁定接納上訴人於有關非財產損害賠 償之反訴請求。
***
基於上述所有事實及法律依據,懇請尊敬的各中級法院法官 閣下裁定上訴理由成立,因而廢止原審法院載於卷宗第65頁及背頁的裁決,並裁定接納上訴人有關非財產損害賠償之反訴請求。

Ao recurso não respondeu a Ré.

Admitido o recurso e fixado o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal e veio a final proferida a sentença julgando procedentes os pedidos de divórcio por banda de ambas as partes, por culpa exclusiva do Autor nos termos do artº 1642º do CC.

Da sentença final não houve recurso.

Mediante o requerimento a fls. 139, a Ré pediu a remessa do recurso do indeferimento liminar, já admitido pelo Tribunal a quo e motivado por ela, a este TSI, nos termos prescritos no artº 602º/2 do CPC.

Foi o recurso feito subir a este Tribunal de recurso e liminarmente admitido nesta segunda instância.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Tendo em conta o alegado e concluído na petição do recurso, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber se os danos não patrimoniais invocados na causa de pedir alegada pela Ré podem ser integráveis nos danos causados pela dissolução do casamento, a que se refere o artº 1647º/1 do CC.

Para fundamentar o seu pedido reconvencional de indemnização, a Ré invocou os danos que lhe foram causados pelas condutas praticadas pelo Autor na constância do casamento e pelo facto de ter o Autor instaurado a acção de divórcio contra ela.

Para o Tribunal a quo, estes alegados danos não são os danos contemplados no artº 1647º/1 do CC, pois a lei só se refere aos danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento. Não sendo causados pela dissolução do casamento, mas sim resultantes dos factos ocorridos na constância do casamento, os danos de que a Ré pretende ressarcir-se devem ser invocados em outra acção ordinária.

Ora, a propósito dessa questão, este TSI já chegou a pronunciar-se no Acórdão de 19JAN2006, no proc. nº 248/2005, nos termos seguintes:
  1. A questão a resolver em sede do presente recurso é a de saber se os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento se se reportam ou não a um momento anterior ou posterior à dissolução do casamento
  2. Na sentença ora posa em crise decidiu-se que, “não há lugar a qualquer indemnização visto que o mal sofrido pela A. teve lugar antes do divórcio” e que como tal “não se trata pois de danos que a A. irá ter com o decretamento do divórcio”, tendo-se absolvido o Réu do pedido.
  Discorda a recorrente do decidido porquanto entende que a indemnização peticionada se enquadra na previsão do artigo 1647.º do Código Civil, fundamento do pedido formulado que estipula que “o cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea c) do art.º 1637.º devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento”.
  3. Vejamos se houve errada inadequada interpretação do artigo 1647.º do CC.
  O cônjuge declarado único ou principal culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
  Assim, apreciando esta questão, a Mma. Juiz entendeu ser necessário indagar quais os danos indemnizáveis e se os houve no caso sub judice.
  E não deixou de consignar o entendimento, a que a recorrente anui, de que é já doutrina assente que os danos a indemnizar nesta sede são somente os resultantes da dissolução do casamento, o que significa que os danos não patrimoniais causados por factos que alicerçam tal dissolução ou que precedem o divórcio não são contemplados no referido preceito cujo ressarcimento dever ser pedido em acção autónoma com fundamento no art. 477º do CC, citando Jurisprudência pertinente1.
  Mas não concedeu a indemnização, - utilizando as suas palavras -, visto que o mal, sofrido pela A. teve lugar antes do divórcio. Não se trata pois de danos que a A. irá ter com o decretamento do divórcio.
  A lucidez da Mma Juiz fê-la agarrar-se a uma incorrecta formulação da letra da norma, da qual parece extrair-se que só os danos resultantes da dissolução e, assim, só após o decretamento do divórcio se poderia aquilatar da existência, natureza e profundidade dos danos causados pelo divórcio. Antes deste ser decretado não podia haver danos resultantes da dissolução pela razão simples de que nesse momento o efeito da acto gerador dos mesmos ainda não podia produzir quaisquer efeitos.
  Mas a entender-se desta forma ficaria sem sentido útil o conteúdo do n.º 2 da citada norma que determina que essa indemnização seja pedida na acção de divórcio, o que não pode relevar apenas no sentido processual, isto é que só após a prolação da sentença se aproveitará o próprio processo para abrir um incidente de pedido de indemnização por tais danos. Seguramente não foi isso que o legislador pretendeu e o que se requer é que o pedido seja formulado com o pedido de divórcio, embora, reconhece-se, ainda que com formulação incorrecta.
  4. Então como atender aos danos resultantes da dissolução, sem que esta tenha ainda ser decretada?
  Há que radicar tais danos na situação causada por uma situação de ruptura conjugal que levará à dissolução juridicamente decretada, mas já previamente vivida e sentida por algum dos cônjuges.
  Não interessa, pois, argumentar tanto com o facto de a lei contemplar os danos decorrentes da dissolução do casamento e não os danos decorrentes de factos que servem de fundamento ao divórcio, pois há situações em que a interdependência entre umas causas e as outras não deixam de ser uma realidade.
  A este propósito passamos a acompanhar o entendimento sufragado em acórdão do STJ2, que aqui se cita em termos de Direito Comparado, segundo o qual não se pode cair numa distinção especiosa, ausente da observação da realidade da vida, isolando a causa do efeito, esperando que este só aconteça, finda definitivamente a acção, é só então se avaliando a existência e a dimensão do dano não patrimonial sofrido pelo outro cônjuge.
  Os factos que são fundamento do divórcio conduzem à dissolução do casal, por culpa exclusiva do réu, considerado único e principal culpado.
  Não se pode fragmentar o conjunto, isolando a causa, o meio e o resultado. O elemento ponderativo é o conjunto que levou, por forma inevitável para a autora, ao resultado dissolutório do casal, sendo esse conjunto a dissolução que a lei refere, sem a dissociar da causa que lhe deu origem. Só quando tudo se liga e conduz ao resultado final, a que o réu subordinou o abandono do lar, após uma relação de amantismo com outra mulher, deixando de sustentar a família, provocando, deliberadamente, como causa geradora do direito potestativo, o divórcio, que assim logrou obter, contra a vontade da autora, ora recorrente, se compreende o comprovado desgosto desta. O dano está aí! A menos que se recuse olhar a vida!, como se escreve no aludido acórdão.
  Se olharmos de lado uma realidade formal, ao salientar a causa, alheia ao mais importante que é o efeito dissuasor do casal, então, em primeiro lugar, só haverá direito à indemnização depois do divórcio; segundo, é preciso uma acção própria, para o exercer - tudo isto contra o que diz o n.º2 do artigo 1792º.
  Por isso, o rigor formal e académico que emerge da decisão recorrida, partindo da distinção entre causa e efeito, a nosso ver, com o merecido respeito, não tem sentido, e é irrealista, porque o efeito lesivo provocado pelo réu se destina, exactamente, a criar as condições objectivas do exercício procedente do direito potestativo do divórcio, que sabe que a recorrente não pretendia - divórcio por culpa exclusiva dele - muito embora tenha sido ela a requerer o divórcio, mas a que se terá visto obrigada pela conduta do marido.
  Deve ser o «pôr fim ao casamento» provocado pelo réu, com condutas reiteradas ao longo do tempo e a que a autora terá resistido até ao dia em que resolveu propor a acção, que se deve enquadrar na expressão contida pela dissolução do casal, sendo esta dissolução o resultado final da causa, motivadora do dano que lhe origina e continuará a originar, no futuro, o desgosto de que se queixa e que se comprovou.
  Não é difícil, perante a matéria que vem comprovada, na fragilidade da avaliação, projectar o desgosto existente num momento futuro. Não se pode exigir mais para prova de sofrimento futuro, sob pena de se pedir o impossível de provar, ou nunca, ou raramente, haver demonstração do direito indemnizatório pela dissolução do casal.

Para nós, esta é a correcta interpretação do artº 1647º/1 do CC e pertinente à boa solução da questão em apreço.

Na verdade, no caso do decretamento do divórcio com fundamento na culpa exclusiva ou principal de um dos cônjuges, a cessação dos laços matrimoniais tem de ser baseada nos comprovados factos, imputáveis ao cônjuge declarado culpado e integrantes da violação de determinados deveres conjugais na constância do casamento. Assim sendo, os danos causados pelo cônjuge culpado ao outro, cujo ressarcimento visa tutelar o artº 1647º/1 do CC, não devem limitar-se aos causados pela própria cessação definitiva dos laços matrimoniais, mas sim devem abranger também os danos produzidos na constância do casamento pelas condutas violadoras de deveres conjugais da autoria do cônjuge declarado culpado que acabaram por ser acolhidas pelo Tribunal para determinar a cessação definitiva das relações matrimoniais.

E portanto, o ressarcimento desses danos pode ser peticionado na própria acção de divórcio, e não tem de o fazer em acção autónoma à do divórcio por via do instituto geral da responsabilidade civil.

Assim sendo, não é de manter a decisão recorrida.

Não obstante ser a revogação de um indeferimento liminar, não há in casu lugar à remessa dos Autos à primeira instância para se proceder à apreciação do pedido de indemnização dos danos não patrimoniais, uma vez que o Tribunal a quo já investigou todo o thema probandum articulado pela Ré na reconvenção e a matéria de facto tida por assente na sentença final que decretou o divórcio se mostra suficiente para este Tribunal de recurso, por força da regra de substituição consagrada no artº 630º do CPC, se substituir ao Tribunal a quo na apreciação desse pedido.

Na esteira da linha defendida desse Acórdão de 19JAN2006, no sentido da admissibilidade na própria acção de divórcio litigioso do pedido de indemnização a título de os danos não patrimoniais produzidos por factos que alicerçam a dissolução do casamento, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito nos termos do artº 489º do CC, vamo-nos debruçar sobre o pedido reconvencional da Ré.

A Ré pediu em reconvenção o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos com o divórcio.

Como se sabe, são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos o facto voluntário; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Então importa saber se se verificaram in casu todos estes pressupostos, e no caso afirmativo, se os danos sofridos pela Ré, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

Para o efeito, é de lembrar o que ficou demonstrado na matéria de facto assente na sentença recorrida.

Ai ficou provado que:
a) O Autor e a Ré contraíram casamento no dia 24 de Setembro de 2003 em Macau; (alínea A) dos factos assentes)
b) Durante a constância do casamento, o Autor e a Ré tiveram dois filhos menores, sendo eles C (do sexo masculino, titular do BIRM nº XXX) e D (do sexo feminino, titular do BIRM nº XXX); (alínea B) dos factos assentes)
c) Foi proferida a sentença nos autos com o nº FM1-16-0252-MPS, em relação ao exercício do poder paternal e aos alimentos dos dois filhos menores; (alínea C) dos factos assentes)
d) Autor e Ré viviam na fracção 5° andar K do Edifício XXX, sito em Macau, na Rua de Francisco Xavier Pereira, n° XX e em momento não determinado começaram a ter constantes discussões em relação às questões familiares, tais como o dinheiro e a educação dos filhos; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
e) Em data não apurada do ano de 2016 o Autor saiu da casa de morada de família e, desde então, deixou de ter comunhão de mesa, leito, habitação e de vida com a Ré; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
f) Desde 2016 o Autor deixou de querer restabelecer a comunhão de vida com a Ré, nem tinha vontade de manter a vida em comum com ela; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
g) Durante o ano de 2016 a Ré descobriu que o Autor tinha uma relação extraconjugal com outra mulher o que gerou discussões entre o casal; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
h) Em Agosto de 2016 o Autor e a Ré discutiram um com o outro; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
i) Em data indeterminada durante o ano de 2016 o Autor saiu da casa onde vivia com a Ré e passou a viver com a sua namorada; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
j) Em 13.11.2016 na morada indicada no item d) o Autor e Ré envolveram-se em discussão tendo o irmão da Ré chamado a polícia o que deu origem à participação nº 13732/2016/C2; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória).

Em síntese, temos presente que, na constância do casamento, o Autor marido mantinha relações extramatrimoniais com a sua namorada e por causa da existência dessas relações abandonou o lar conjugal, tendo cessado a coabitação com a Ré e passado a viver com a sua namorada.

Não temos dúvidas de que a Ré logrou provar determinados factos praticados pelo Autor demandado que, face à lei, são ilícitos por constituirem violação de alguns dos deveres conjugais.

Todavia, da matéria fáctica assente não resultam quaisquer danos patrimoniais ou não patrimoniais, sofridos pela Ré.

Vimos supra que para haver responsabilidade civil por factos ilícitos e haver lugar à consequente obrigação de indemnizar, é preciso que haja dano que o facto ilícito tenha causado um prejuízo a alguém.

Logo, a não demonstração in casu da existência de quaisquer danos sofridos pela Ré já conduz inevitavelmente à improcedência do pedido reconvencional.

Em conclusão:

5. No caso do decretamento do divórcio com fundamento na culpa exclusiva ou principal de um dos cônjuges, sendo a cessação dos laços matrimoniais baseada nos comprovados factos, imputáveis ao cônjuge declarado culpado e integrantes da violação de determinados deveres conjugais na constância do casamento, os eventuais danos causados pelo cônjuge culpado ao outro cônjuge, cujo ressarcimento visa tutelar o artº 647º/1 do CC, não devem limitar-se aos causados pela própria cessação definitiva dos laços matrimoniais, mas sim devem abranger também os danos produzidos na constância do casamento pelas condutas violadoras de deveres conjugais da autoria do cônjuge declarado culpado que acabaram por ser acolhidas pelo Tribunal para determinar a cessação definitiva das relações matrimoniais.

6. Portanto, o ressarcimento desses danos pode ser peticionado na própria acção de divórcio, e não tem de o fazer em acção autónoma à do divórcio por via do instituto geral da responsabilidade civil.

7. Não obstante a revogação em sede de recurso do indeferimento liminar do pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais formulado ao abrigo do disposto no artº 647º/1 do CC, não há lugar à remessa dos autos à primeira instância para se proceder à apreciação do pedido de indemnização dos danos não patrimoniais, se o Tribunal a quo já investigou todo o thema probandum articulado pelo demandante e a matéria de facto tida por assente na sentença final que decretou o divórcio se mostra suficiente para o Tribunal de recurso, por força da regra de substituição consagrada no artº 630º do CPC, se substituir ao Tribunal a quo na apreciação e na decisão de direito desse pedido.

8. São pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos o facto voluntário; a ilicitude do facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.


Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam revogar o despacho de indeferimento liminar do pedido reconvencional deduzido pela Ré e julgar, nos termos prescritos no artº 630º do CPC, improcedente o mesmo pedido reconvencional.

Custas pela Ré pelo decaimento do pedido reconvencional, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Registe e notifique.

RAEM, 11JUN2020

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 - Ac. STJ de 28/5/98, in BMJ, n.º 477, pg 521; Ac. STJ de 13/3/85, in BMJ, n.º 345, pg. 414
2 - Ac. STJ, proc. 02B4593, de 30/1/2003, http://www.dgsi.pt
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Ac. 257/2020-15