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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 26/06/2020 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng.--------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 535/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A




DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 248 a 252 do Processo Comum Colectivo n.° CR1-18-0287-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), a arguida A, aí já melhor identificada, ficou condenada como autora material, na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.os 175.o, n.o 1, e 178.o do Código Penal (CP), em três meses de prisão, e de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art.o 311.o do CP, em um ano de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de um ano e um mês de prisão efectiva, para além de ficar condenada a pagar MOP187,00 (cento e oitenta e sete patacas) de indemnização patrimonial à 1.a ofendida B, com juros legais a contar desde a data desse acórdão até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogando o seguinte na sua motivação apresentada a fls. 281 a 289v dos presentes autos correspondentes:
– o Tribunal recorrido cometeu erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), no respeitante ao crime de injúria agravada, porque com base apenas nos depoimentos da 1.a ofendida e do 2.o ofendido C, ambos guardas policiais, ouvidos na audiência de julgamento, os factos provados 4 e 5 descritos no acórdão recorrido não deveriam ser factos provados, até porque o conteúdo da gravação visual sobre a ocorrência dos factos não trazia som, não havendo, assim, elementos probatórios objectivos a demonstrar a prática dos factos de injúria pela própria arguida;
– deveria ela ser, assim, absolvida do crime de injúria agravada;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre este crime deveria ser punido com pena de multa, e não pena de prisão, à luz do princípio do art.o 64.o do CP;
– ademais, a pena de prisão aplicada a este crime sempre poderia ser substituída por pena de multa, nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do CP;
– e ainda que assim não se entendesse, sempre seria excessiva a pena de três meses de prisão imposta pelo Tribunal recorrido a este crime, pelo que deveria haver redução da duração desta pena, para ficar inferior a três meses;
– e no que ao crime de resistência e coacção diz respeito, os factos provados em primeira instância integrariam mais o crime de ofensa simples à integridade física (previsto no art.o 137.o do CP) do que o de resistência e coacção, e nem a 1.a ofendida tenha desejado procedimento criminal contra a própria arguida quanto aos factos de ofensa corporal, pelo que não se poderia julgar, como sem qualquer dúvida razoável, que a arguida tivesse praticado o crime de resistência e coacção;
– deveria, pois, ser invalidada a decisão condenatória deste crime de resistência e coacção;
– e mesmo que assim não se entendesse, seria de entender que a arguida não tivesse tido intenção de praticar este crime, porquanto para já, como conforme as regras da experiência da vida humana, a taxa de sucesso do acto de fuga praticado dentro das instalações da esquadra policial seria necessariamente não superior à do acto de fuga praticado fora da esquadra, e, por outro lado, a arguida, na altura dos factos, teve, de facto, necessidade, de impossível tolerância, de ir a casa de banho, e, ainda por cima, ela nunca teve antecedentes da prática de actos de fuga, daí que a condenação dela neste crime faria incorrer no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada referido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, por falta da demonstração cabal do intuito dela de fugir da esquadra policial em causa, devendo ela, por conseguinte, passar a ser absolvida deste crime;
– e ainda que assim não se entendesse, não deixaria de ser demasiado pesada a pena de um ano de prisão aplicada no acórdão recorrido para este crime, pena esta que deveria ser reduzida;
– além disso, sempre seria também demasiado excessiva a pena única de um ano e um mês de prisão por que vinha ela condenada em primeira instância;
– deveria, pois, ser reduzida esta pena única, com também sempre almejada suspensão, a final, da execução da mesma, em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido a fls. 295 a 302 dos autos, no sentido de improcedência da argumentação recursória.
Subidos os autos, emitiu, em sede de vista, a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 313 a 316v, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir sumariamente do recurso dos arguidos, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 248 a 252, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Da análise da argumentação recursória da arguida, resulta nítido que ela pretende, inclusivamente, fazer sindicar da livre convicção do Tribunal recorrido sobre os factos por que vinha acusada a respeito dos crimes de injúria agravada e de resistência e coacção (se bem que quanto a este segundo crime, ela invoque o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, mas a argumentação concretamente tecida por ela para sustentar a verificação deste vício já tem a ver propriamente com a questão de insuficiência ou falta de prova para demonstração cabal do intuito dela de cometer o crime de resistência e coacção, questão de insuficiência ou falta de prova esta que já deve ser abordada como sendo do foro do alegado vício de erro notório na apreciação da prova).
Assim, é de ajuizar agora se o Tribunal recorrido errou ou não na apreciação da prova.
Há erro notório na apreciação da prova como vício previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Como o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, improcede necessariamente a tese da recorrente segundo a qual os factos provados 4 e 5 descritos no acórdão recorrido não deveriam ser considerados provados, e não havia factos provados demonstradores da sua intenção de cometer o crime de resistência e coacção (sendo de frisar que as regras da experiência da vida humana também ensinam que não está afastada a hipótese factual de fuga por parte de quem sob investigação policial, dentro das instalações da esquadra ou posto policial).
Há, pois, que julgar as restantes questões colocadas pela recorrente com base em toda a factualidade já apurada pelo Tribunal recorrido e como tal descrita na fundamentação fáctica do seu acórdão.
Pois bem, essa factualidade provada já sustenta cabalmente, sem dúvida alguma, a verificação do crime de resistência e coacção, que é um crime público, cujo procedimento criminal não depende da queixa da pessoa ofendida, sendo, assim, irrelevante o exercício ou não do direito de queixa, por parte da 1.a ofendida, sobre o facto de ela ficar ofendida no seu corpo pela arguida, visto que a violência sofrida pela 1.a ofendida no seu corpo por acto de ofensa praticado contra ela pela arguida é já o meio empregue por esta para praticar o crime de resistência e coacção.
E agora sobre a problemática da medida da pena: atentos os antecedentes criminais da arguida antes da prática dos factos em questão no presente processo penal, é inviável, quanto ao crime de injúria agravada, a opção pela pena de multa, bem como inviável, a respeito do mesmo crime dela, a substituição da pena de prisão por pena de multa, nos termos pretendidos na sua motivação do recurso (cfr. os critérios materiais respectivamente plasmados nos art.os 64.o e 44.o, n.o 1, do CP); e sobre a pretendida redução das penas dos dois crimes em causa e também da pena única de prisão, a razão também não está no lado da recorrente, porquanto ponderadas em conjunto todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, e consideradas inclusivamente as prementes e elevadas necessidades da prevenção dos dois crimes dela, que já não é delinquente primária, as duas penas parcelares de prisão e a pena única de prisão já achadas concretamente no acórdão recorrido não podem admitir, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP, mais margem para a pretendida redução; por fim, sobre o pedido de suspensão da pena, o mesmo também é inviável, dado que a recorrente já não é delinquente primária, com a agravante de serem prementes as necessidades de prevenção geral dos dois crimes praticados por ela.
Há, pois, que rejeitar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pela arguida, com três UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso), e três mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Após o trânsito em julgado da presente decisão, comunique-a (com cópia também do acórdão recorrido) ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública e aos dois guardas policiais ofendidos.
Macau, 26 de Junho de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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