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Processo nº 58/2018 Data: 25.03.2020
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Embargos de terceiro.
Cessão da posição contratual de promitente comprador.
Arresto.
“Direito incompatível”.



SUMÁRIO

1. Os embargos de terceiro tem como pressuposto a existência de uma situação de “posse” ou de “outro direito incompatível”, a qualificação do titular da dita situação como “terceiro”, e a “origem judicial do acto ofensivo” àquelas; (cfr., art. 292°, n.° 1 do C.P.C.M.).

2. Se assente estiver que o registo da cessão da posição contratual de promitente comprador de um imóvel a favor do embargante for anterior ao arresto, verificados estão os pressupostos do art. 292°, n.° 1 do C.P.C.M..

O relator,

José Maria Dias Azedo




Processo nº 58/2018
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por apenso aos autos de execução por A (甲), instaurados contra B (乙), (CV2-16-0232-CEO-A), foi decretado o arresto da fracção autónoma habitacional “G-18”, sito na [Endereço(1)]; (cfr., fls. 116 a 143 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Contra o aludido arresto, deduziu, C (丙), embargos de terceiro; (cfr., fls. 2 a 38).

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Por despacho do Mmo Juiz titular do processo, decidiu-se não receber os ditos embargos; (cfr., fls. 46 a 47).

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Inconformado, o embargante recorreu para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 91 a 95).

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Por Acórdão de 14.12.2017, (Proc. n.° 975/2017), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 147 a 159).

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Novamente inconformado, traz o embargante o presente recurso, onde, nas suas alegações, produz as conclusões seguintes:

“1. Com o devido respeito pela decisão proferida pelo tribunal a quo, o recorrente não concorda;
2. Tal como afirmou o Venerando TUI no Acórdão n.º 26/2008 quanto ao direito incompatível referido no art.º 292.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau, "Em relação ao conceito de direito incompatível, 'Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização desta função, isto é, a transmissão forçada do objecto apreendido.'" "Quando, por exemplo, é penhorado um direito de crédito, tem legitimidade para embargar de terceiro quem, em vez do executado, se arrogue a respectiva titularidade (incluindo o pretenso cessionário), não obstante não estar em causa um direito absoluto."
3. No entanto, a providência cautelar de arresto, através da qual a recorrida A a posição contractual de B enquanto promitente-compradora em relação à fracção no 15.º andar "G" do edifício sito na [Endereço(1)] (doravante designada simplesmente por "fracção acima mencionada") (sic), foi exactamente para que no futuro, o arresto possa transitar em penhora, ou que a transmissão forçada do objecto apreendido possa acontecer.
4. Segundo as informações constantes dos autos, o recorrente não é parte, antes somente obteve a posição contractual como promitente-comprador da fracção acima mencionada do lado da executada B, através de cessão da posição contractual;
5. Do acima dito resulta obviamente que em sustentar arrestar a posição contractual de B como promitente-compradora da fracção acima mencionada, o Venerando TSI deixará possivelmente que o recorrente perca a posição contractual do recorrente como promitente-comprador da fracção acima mencionada;
6. Além disso, sabe-se da lei de experiência comum, os bancos não estão dispostos a correr o risco de conceder empréstimo ao recorrente, sob a influência do registo do arresto da coisa garantida; pelo mesmo motivo, os outros igualmente não estão dispostos a correr o risco de deixar a posição contractual como promitente-comprador da fracção acima mencionada ser alienada a si próprios, sob a influência do registo do arresto em causa;
7. Mostra-se mais do que muito óbvio que o registo do arresto da fracção acima mencionada é evidentemente incompatível com o direito do recorrente, que não é parte, e provocará danos inadmissíveis ao recorrente;
8. Se o Mm.º Juiz do TUI entender diversamente, deixe-se por favor mencionar que aos 13 de Junho de 2017, o recorrente já apresentou embargos de terceiro ao TJB, afirmando que os bens em causa não pertenciam a B, antes ao próprio recorrente;
9. A recorrida A está claramente ciente do conteúdo dos embargos de terceiro apresentados pelo recorrente; porém, para além de requerer meramente que fosse sustentada a providência de arresto, a recorrida A não colocou em questão adicional nem por meios processuais nem de registo no que tange à posição contractual do recorrente como promitente-comprador.
10. A isso acrescenta o disposto na primeira parte do art.º 87.º, n.º 6 do Código de Registo Predial, "As inscrições referidas nas alíneas a) … do n.º 2 do artigo anterior caducam se, … a acção declarativa não for proposta e registada dentro do prazo de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do artigo 106.º", e o no art.º 86.º, n.º 2, alíneas a), "As inscrições de penhora, arresto ou apreensão em processo de falência ou insolvência, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado ou requerido";
11. Resumindo, em sustentar o arresto, existe entendimento erróneo em relação ao art.º 292.º do CPC, ao art.º 351.º do CPC, ao art.º 87.º, n.º 6 e ao art.º 86.º, n.º 2, alíneas a) do CRP, no acórdão proferido pelo Venerando TSI;
12. Como o acórdão do Venerando TSI tem o "vício causado por entendimento errado de direito", previsto pelo art.º 400.º, n.º 1 do CPP, é de declarar que seja revogado, e que seja extinto o arresto da fracção para habitação no 18.º (sic) andar "G" do edifício sito na [Endereço(1)], e de mandar cancelar o registo do arresto n.º XXXXXX”; (cfr., fls. 37 a 44).

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Adequadamente processados os autos, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

2. O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14.12.2017 que, como se referiu, negou provimento a anterior recurso do ora recorrente em relação a um despacho judicial que não recebeu os embargos de terceiro que deduziu.

Atenta a questão colocada – “errada aplicação de direito” – e merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Dos factos

3. Pelo Tribunal de Segunda Instância foi dada como assente a seguinte factualidade:

“1- No dia 19 de Abril de 2013 “D – Investimento Predial, Limitada” prometeu vender a B, e esta prometeu comprar-lhe, a fracção habitacional G, do 18 º andar, ainda em construção, no [Endereço(1)], descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº XXXXX (fls. 10-18 do apenso “traduções”).
2- Em 2/12/2016, A intentou contra B acção executiva para pagamento de quantia certa tendo por títulos executivos documentos comprovativos de quatro empréstimos que a primeira fez a a esta, datados de 12/10/2016, 18/10/2016, 25/10/2016, 28/10/2016, e 15/11/2016, num valor total de HK$ 16.018.000,00, que a executada não chegou a reembolsar-lhe (doc. 129-133).
3- Em 2/12/2016 B prometeu ceder a sua posição contratual sobre a referida fracção a C (fls. 2 a 5 e fls. 6 a 8 do processo).
4- Em 7/12/2016 A instaurou procedimento cautelar de arresto de várias fracções autónomas, devidamente identificadas (doc. fls. 117-128).
5- Em 9/12/2016 C (embargante) efectuou junto da Direcção de Serviços de Finanças o pagamento do imposto de selo (doc. 3 junto com os embargos).
6- No dia 13/12/2016 o embargante, B e a construtora “D – Investimento Predial, Limitada” celebraram o contrato de cessão da posição contratual sobre a dita fracção a favor do embargante C.
7- Em 15/12/2016 foi proferida sentença que deferiu a providência e decretou o arresto nos referidos bens, entre os quais o direito que a ali requerida B detinha sobre a fracção G-18 (doc. fls. 134-143).
8- Em 20/12/2016 foi efectuada a inscrição provisória nº XXXXXX X (doc. nº1 junto com a petição de embargos).
9- em 28/03/2017 C deduziu embargos de terceiro (CV2-16-0232-CEO-C).
10- Nesses autos de embargo, após a apresentação da respectiva petição foi proferido o seguinte despacho, aqui sindicado:
“A fls. 206 dos autos de arresto apensos foi decretado arresto do direito da ali requerida relativamente a uma fracção autónoma de um prédio urbano (“G18”). Tal direito consistia na posição contratual de promitente-compradora que aquela requerida tinha num contrato-promessa de compra e venda.
Nos referidos autos de arresto veio a promitente-vendedora dizer que o direito da requerida que foi arrestado (posição contratual de promitente-compradora) já não existe, uma vez que tal requerida já o havia alienado a terceiro antes de arrestado.
Notificado da afirmação do promitente-vendedor, o requerente do arresto já disse nos autos de arresto que pretende manter o arresto que foi decretado. Independentemente das regras do registo, designadamente se o registo for lavrado como provisório, no caso de o arresto vir a ser convertido em penhora1, o direito arrestado apenas poderá ser vendido na execução como direito litigioso (art. 744º, nº 3 do CPC). E quem o adquirir sabe que terá de defrontar terceiros, nomeadamente o promitente-vendedor que afirma que não está obrigado a vender a tal adquirente, mas a um terceiro que havia adquirido do requerido “arrestado”.
Vem agora este terceiro deduzir embargos e dizer que o arresto lhe ofende o seu direito de adquirir do promitente-vendedor, pelo que deve ser levantado aquele arresto.
Mas não ofende. O arresto não ofende o direito do terceiro embargante. Na verdade o arresto da posição contratual da anterior promitente-compradora (requerida nos autos de arresto) não belisca a posição contratual do terceiro embargante. Com efeito, se a posição contratual da requerida do arresto já não existia quando o arresto foi decretado (por ter sido anteriormente transferida), nenhuma posição contratual foi efectivamente arrestada. Seja como for, a posição contratual do terceiro embargante é que não foi arrestada. Se existe, continua a existir intocada pelo arresto. E se não existe, continua a não existir, sem que o arresto interfira. E se o arresto “arrestou” uma posição contratual que já não existia (da requerida), arrestou apenas “nada”, o que não prejudica ninguém. O certo é que não foi arrestada nenhuma posição contratual do terceiro embargante. E não interferem as regras do registo, porquanto o arresto não foi registado em data anterior à do registo de qualquer direito do embargante, designadamente daquele que afirma ofendido pelo arresto.
O arresto da posição contratual de promitente-comprador consiste na notificação ao promitente-vendedor para que não cumpra a sua obrigação de vender ao outro contraente, mas que venda a quem o tribunal lhe vier a indicar, depois de, em execução, transferir aquela posição contratual arrestada. Ora, se o promitente-vendedor já não tem qualquer obrigação de vender ao promitente “arrestado”, a notificação que lhe foi feita a nada o obriga.
Nos termos do art. 292º do CPC, o que autoriza a oposição por embargos de 3º é o facto de o acto judicial de apreensão ou entrega ofender direitos de quem não é parte nos autos onde tal acto ofensivo foi determinado.
Ora, não tendo sido arrestada a eventual posição contratual de promitente-comprador do embargante, mas de outrem, não é possível o arresto ter ofendido direitos do embargante, razão por que, nos termos do art. 295º do CPC, não se recebem os embargos.
Custas pelo embargante.
Notifique.””; (cfr., fls. 149 a 150).

Do direito

4. Feito o relato que antecede, e exposta que está a “matéria de facto” pelo Tribunal a quo dada como assente – que não vem impugnada, mas que padece de um lapso no “ponto 2”, onde se refere a “quatro empréstimos”, devendo-se ler, “cinco empréstimos” – debrucemo-nos, agora, sobre o seu “enquadramento jurídico”.

A matéria dos “embargos de terceiro” – no âmbito do C.P.C. de 1961, regulada nos artºs 1037° e seguintes como uma “acção declarativa especial” – vem (hoje) no C.P.C.M. regulada no art. 292° e seguintes, como uma das formas de “oposição” (espontânea), a nível do incidente de “intervenção de terceiros”.

Como se consignou na “Nota explicativa” da autoria do Coordenador da então Comissão de Revisão do Código de Processo Civil, “Considerou-se que o que particularmente caracteriza os embargos de terceiro não é a tramitação «especial» do processo, mas o facto da pretensão do embargante se enxertar em processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante”; (in C.P.C., edição da I.O.M., 1999, pág. XXXIII, e sobre a evolução do instituto, cfr., v.g., J.P. Remédio Marques in, “Curso de Processo Executivo Comum”, 1998, pág. 204 e segs.).

Na verdade, podendo a apreensão ou entrega de bens ser judicialmente ordenada sem a prévia audiência do requerido, (aliás, como pode suceder com o arresto; cfr., art. 353° do C.P.C.M.), e assim, sem uma prévia indagação sobre a (verdadeira) titularidade dos mesmos, pretendeu-se, com o instituto em causa, facultar-se um meio expedito de oposição com a finalidade de evitar tal apreensão ou entrega.

Nesta conformidade, cremos valer a pena reter-se que, na base da configuração dos embargos de terceiro está pois a vontade de se prever um “meio sumário para a rápida tutela do direito afectado”.

Dispõe o citado art. 292° que:

“1. Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
2. Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de falência ou insolvência”.

Tendo em conta o assim estatuído, dúvidas não havendo, face ao que dos autos consta, que foram os “embargos” em questão tempestivamente deduzidos, (cfr., art. 294°, n.° 2 do C.P.C.M.) – e sendo certo que em causa não está um “processo de falência ou insolvência”, pois que, de outra forma, apenas poderia o embargante, ora recorrente, “reclamar” a fim de obter a separação da massa falida os bens que considerava indevidamente apreendidos, (cfr. A. Ferreira in, “Curso de Processo de Execução”, pág. 207) – vejamos se a decisão recorrida merece reparo.

Antes de mais, importa referir que os embargos de terceiro tem como pressuposto a existência de uma situação de “posse” ou de “outro direito incompatível”, a qualificação do titular da dita situação como “terceiro”, e a “origem judicial do acto ofensivo” àquelas; (cfr., v.g., neste sentido, Maria Paula Ramalho in, “Fundamento possessório dos embargos de terceiro”, estudo publicado na R.O.A., Ano 51, 1991, pág. 649 e segs., L. Freitas in “C.P.C. Anotado”, vol. I, pág. 614 e segs., V. Lima in, “Manual de Direito Processual Civil”, C.F.J.J., 2018, pág. 611 e segs., e C. Pires e V. Lima in, “C.P.C.M. Anotado e Comentado”, vol. II, pág. 222 e segs.).

Como refere C. Lopes do Rego, (in “Comentários ao C.P.C.”, vol. I, pág. 325), o “problema da admissibilidade dos embargos de terceiro, aparece, deste modo, ligado, não apenas à qualificação do embargante como “possuidor”, mas também à averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime jurídico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo acto de apreensão judicial de bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada.
Na base da admissibilidade do incidente passa, pois, a estar uma questão de hierarquia ou prevalência de direitos em colisão (o actuado através do processo em que se inserem os embargos e o oposto pelo embargante), a resolver naturalmente em função das normas jurídico-materiais aplicáveis”.

Assim, atenta a factualidade atrás retratada, é pois de afirmar desde já que preenchidos estão os dois últimos pressupostos assinalados, já que inegável se nos apresenta que possui o embargante, ora recorrente, a exigida qualidade de “terceiro”, na medida em que não é “parte na causa” (principal), (cfr., L. Freitas in “Introdução ao Processo Civil”, pág. 60 a 62 e “A Acção Executiva”, pág. 227), o mesmo sucedendo em relação à “natureza da medida” decretada, (no caso, o “arresto”).

Clarificados que estão tais aspectos, detenhamo-nos na verificação e apreciação se o direito pelo embargante invocado em relação à fracção arrestada, é motivo bastante para que se decidisse pela procedência dos embargos que deduziu.

Ponderando na factualidade dada como provada, e analisando abundante e autorizada doutrina e jurisprudência sobre a questão, o Tribunal de Segunda Instância acompanhou a decisão proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, (que se encontra transcrita na “matéria de facto”), considerando não se estar numa situação de “direitos incompatíveis” para efeitos dos ditos embargos; (cfr., fls. 158-v).

Cremos, porém, não ser a melhor solução.

Desde já, cabe notar que se provado está que o ora recorrente é o (legítimo) “cessionário da posição contratual de promitente comprador” da fracção identificada nos autos, e que tão só após o registo da dita “cessão” se decretou o “arresto” em questão, (a fim de se assegurar a satisfação da quantia pelo embargado reclamada na execução que instaurou), adequado não se mostra de se ter o mesmo arresto como “irrelevante”.

Porém, o assim concluído não resolve a “questão”, havendo, para tal, que se tentar apurar o – bom ou melhor – sentido e alcance do conceito de “terceiro” e de “direito incompatível”, afigurando-se-nos de consignar o que segue.

Pois bem, como o próprio veredicto recorrido evidencia, (e como cremos ser de aceitar que, “em direito, tudo, ou quase tudo, é controvertível”), a “matéria” tem sido tratada em vasta doutrina com (uma grande) diversidade de pontos de vista; (cfr., v.g., entre outros, Manuel de Andrade in, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, pág. 19; Oliveira Ascensão in, “Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa”, pág. 29 e 30; Antunes Varela e Henrique Mesquita in, “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 127°, pág. 20 e segs.; Vaz Serra in, “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 103°, pág. 165 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela in, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pág. 92 a 94; Anselmo de Castro in, “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª ed., pág. 161; Ferreira de Almeida in, “Publicidade e teoria dos registos”, pág. 265; Orlando de Carvalho in, “Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra”, n.° 70, 1994, pág. 97 a 106; L. A. Carvalho Fernandes in, “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 57, 12.1997, pág. 1303 a 1320; Manuel Salvador in, “Terceiros e os Efeitos dos Actos ou Contratos”, pág. 74 e segs.; Diogo Bártolo in, “Efeitos do Registo Predial”, pág. 19; L. Freitas in, “A penhora de bens na posse de terceiros”, na Rev. Ordem dos Advogados, n.° 53, pág. 321; e Marco Carvalho Gonçalves in, “Embargos de Terceiro na Acção Executiva”, pág. 108 e segs., sendo também de se ter presente que, sobre a mesma, e no espaço de 2 anos, pelo Supremo Tribunal de Justiça português foram proferidos, e citando Luís A. Carvalho Fernandes in, “Lições de Direitos Reais”, 4ª ed., pág. 126, “dois desencontrados acórdãos”: o n.° 15/97 de 20.05.1997 e o n.° 3/99, de 18.05.1999, in D.R. 152/97 Série I-A de 04.07.21997 e D.R. 159/99 Série I-A, de 10.07.1999, respectivamente, no primeiro decidindo-se e uniformizando-se jurisprudência no sentido de que “Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente”, entendendo-se, no segundo que “Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.° do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”).

E sem prejuízo do (muito) mérito da reflexão que o Tribunal recorrido efectuou sobre a questão, temos porém para nós que mais adequado é o entendimento que, perante idêntica situação à dos autos, (embora perante uma penhora), já adoptou este Tribunal de Última Instância no seu Acórdão de 30.09.2008, (Proc. n.° 26/2008), onde, (após se considerar os aí embargantes “titulares dos direitos de aquisição dos imóveis penhorados nos autos de execução”) consignou-se, expressamente, ser “irrelevante indagar, como fez no acórdão recorrido, se se verificou realmente a restituição dos direitos de aquisição com entrega de chaves e traditio. Tal verificação só teria sentido se fossem penhorados os próprios bens imóveis. A sentença em causa ordenou apenas que os réus restituíssem aos autores os direitos de aquisição dos imóveis. E o que estão agora penhorados são os direitos de aquisição e não os imóveis em si”, consignando-se, também, em sede de sumário, que “Além da posse, para aferir a compatibilidade do direito com a realização ou o âmbito do acto judicial de apreensão ou entrega de bens nos termos do art.º 292.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não há necessidade de indagar a posse do bem objecto do referido direito, nem é exigível a natureza real desse direito”.

Com efeito, importa atentar que, também no caso dos presentes autos, o “bem” objecto do decretado arresto não é o “imóvel” – a fracção autónoma já identificada – mas apenas uma “expectativa de aquisição”.

E como notam C. Pires e V. Lima (nos trabalhos atrás referidos), “Os actos de disposição ou oneração dos bens, com data anterior ao registo da penhora (desde que devidamente registados, estando sujeitos a registo: …) prevalecem sobre esta”, salientando também que “Quando a penhora incida sobre um direito (por exemplo, o direito.de aquisição resultante de contrato-promessa de compra e venda) é incompatível com a penhora a titularidade do direito, de que um terceiro se arrogue”; (no mesmo sentido, cfr., L. Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “C.P.C. Anotado”, vol. I, pág. 664).

Na verdade, parafraseando Marco Carvalho Gonçalves, (in “Embargos de Terceiro na Acção Executiva”, pág. 108 e segs.), “Atenta a finalidade e o âmbito de protecção dos embargos de terceiro, um direito será incompatível quando, confrontado com o âmbito ou a finalidade da diligência, se revele suficientemente adequado para impedir a realização efectiva da função visada por essa diligência. A incompatibilidade do direito deverá ser aferida tendo em conta a função e a finalidade concreta que se pretende obter com a diligência ou o acto judicial, pelo que, quando esteja em causa a penhora de um bem, um direito será incompatível com essa diligência se esse direito prevalecer ou não dever caducar com a venda executiva.
Assim, não permitem, em regra, a dedução de embargos de terceiro, além dos direitos reais de garantia (constituídos em fase anterior ou posterior à penhora), todos os direitos reais de gozo que tenham sido constituídos (ou registados) após o arresto, penhora ou a garantia, salvo quando estejam em causa direitos reais que, mesmo que não tenham sido registados em fase anterior produzam efeitos contra terceiros independentemente do seu registo”.

In casu, e como na factualidade provada se deixou retratado, o “registo da cessão” a favor do embargante, ora recorrente, é “anterior”, tendo assim prioridade sobre registo do decretado arresto, pelo que não se mostra de subscrever o entendimento no sentido de que em causa não estão “direitos incompatíveis” para os efeitos do art. 292°, n.° 1 do C.P.C.M., havendo, assim, que se julgar procedentes os deduzidos embargos de terceiro com as suas legais consequências em relação ao decretado arresto.

Decisão

5. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Custas pelo recorrido.

Notifique.

Macau, aos 25 de Março de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

1 No requerimento hoje apreciado nos autos de execução apensos, a exequente não pediu a conversão em penhora do arresto decretado sobre a posição contratual de promitente-comprador relativa à fracção “G18”.
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