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Processo nº 55/2020 Data: 01.07.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Declaração de caducidade da concessão por arrendamento.
Decurso do prazo da concessão.
Acto administrativo vinculado.
Princípios de direito administrativo.
Direito de propriedade.
Lei Básica de R.A.E.M..



SUMÁRIO

1. Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.

2. Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 55/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO HIO KENG VAN, S.A.”, (“曉景灣置業發展股份有限公司”), sociedade comercial com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 03.05.2018 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 4.169 m², situado na península de Macau, designado por lote 3 da zona A, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 53 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 16.12.2019, (Proc. n.° 592/2018), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 213 a 245).

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Inconformada com o decidido, do mesmo, traz a recorrente o presente recurso para esta Instância, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:

“I. Quanto à violação dos princípios fundamentais da lei administrativa – Princípios da boa fé, da decisão e da igualdade
- Indica a opinião da declaração de voto vencido do acórdão recorrido que a concessão e aproveitamento do terreno é uma situação típica da concessão administrativa, após o acto de concessão, há ainda uma série de actos que requer a cooperação da Administração, ou seja há ainda uma série de prestações suplementares e de obrigações acessórias que necessitam de ser praticada e cumprida por parte da autoridade administrativa, caso contrário, não é possível que o concessionário possa exercer o seu direito de aproveitamento.
- No âmbito de concessão de terreno, não se pode considerar concluído o trabalho consoante um despacho de concessão ou contrato de concessão e que pode o concessionário aproveitar à vontade o respectivo terreno, ou, em suma, não é possível que o concessionário possa totalmente pôr em prática os conteúdos estipulados no contrato de concessão consoante sua vontade. Tais conteúdos, nomeadamente as obrigações, as quais podem ser executadas precisamente ou não, em grau absoluto, isto depende da cooperação da Administração. Isto não quer dizer que, depois de obter a concessão, já possa o concessionário iniciar o trabalho de forma completamente livre e autodeterminada e realizar o objecto de concessão.
- Se forem ajustadas à parte concedente e ao concessionário uma série de regras e obrigações por causa da concessão, devem ambas as partes cooperar no exercício de direitos e obrigações, bem como executar o contrato de boa fé, o chamado “pacta sunt servand” também é aplicável ao contrato administrativo, o qual também é um dos contratos que, para além de estar vinculado ao direito público, também às regras básicas do direito civil.
- No exercício das suas funções, nomeadamente das obrigações estipuladas no contrato administrativo, a Administração está vinculada a uma série de normas e regras rigorosas, não podendo agir à vontade, à toa ou se omitir de agir, sob pena de assumir as responsabilidades resultantes disso.
- Segundo os factos dados como provados no acórdão recorrido, neles foi indicado claramente que, perante a situação em que ainda não se concretizou o aproveitamento do Lote A3, não se podia imputar à recorrente, tal facto também causou a que a recorrente tivesse confiança na Administração, bem como expectativa razoável sobre a autorização do seu pedido de prorrogação do prazo de concessão do Lote A3 que iria dar a Administração.
- Segundo o decurso dos factos, são positivas todas as respostas, sugestões e opiniões dadas pela DSSOPT à recorrente, tendo os mesmos serviços também, por várias vezes, autorizado os pedidos de prorrogação do prazo de arrendamento do Lote A3 formulados pela recorrente.
- É de salientar que, em 14 de Agosto de 2014, mediante o parecer da Comissão de Terras n.º79/2014, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do Lote A3 até 30 de Julho de 2016. Isto também significa que não existe tal vontade da decisão tomada pela Administração pela declaração de caducidade da concessão do terreno com base em que a recorrente não tinha observado a obrigação contractual antes do dia 14 de Agosto de 2014 (por não ter concluído o uso do terreno dentro do prazo de aproveitamento).
- No dia 14 de Agosto de 2014 quando a Administração autorizou a prorrogação do prazo de aproveitamento do Lote A3, já tinha prefeito conhecimento de que tal prazo de aproveitamento não era suficiente, também sabia bem que os procedimentos de plano, de formalidades iriam causar à recorrente a redução do tempo do aproveitamento de terreno.
- De facto, até à presente data, o Governo da RAEM ainda não elaborou o planeamento relativo ao Lago Nam Van, então, como é que se desenvolve a aludida zona? Qual é o planeamento? Como é que se pede ao concessionário para apresentar a concepção do projecto de construção?
- O que é pior ainda é que, na prática concreta, a DSSOPT (Administração) levou cerca de um ano para emitir a planta de condições urbanística do Lote A3 (só foi emitida até 27 de Abril de 2016).
- Como autoridade de técnica, a Administração tinha perfeito conhecimento dos pressupostos essenciais para a elaboração da planta de arquitectura, quer dizer, antes de ter sido emitida a planta de condições urbanísticas pela DSSOPT, a recorrente, de nenhuma maneira, não podia fazer nada sobre o desenvolvimento do terreno. Segundo as regras de experiência, não pode a Administração desconhecer que só faltavam apenas três meses para o prazo de arrendamento e aproveitamento do terreno, depois de emitida a supracitada planta de condições urbanísticas, quanto a isso, não era possível que a recorrente pudesse concluir o aproveitamento do terreno dentro do prazo remanescente.
- Razão pela qual, nos termos do processo legal, a recorrente, junto da Administração, formulou o pedido de prorrogação do prazo de arrendamento.
- Contudo, na relação do contrato de concessão, mesmo que haja a coordenação do concessionário, caso a Administração demore a apreciação e autorização do plano ou, devido à alteração do planeamento urbanístico, o concessionário não conseguiu realizar a obra ou demorou a realização da obra, e decorrido o prazo de concessão, a Administração não autoriza a prorrogação do prazo, isto, sem dúvida, prejudica a confiança e expectativa razoável que o concessionário deposita na Administração, causando prejuízos imprevisíveis e inaceitáveis ao concessionário e contra a justiça social.
- In casu, a Administração estabeleceu a relação de confiança com o concessionário, tendo praticado continuamente actos causando a que o concessionário acreditasse que podia desenvolver o respectivo terreno. Mas a Administração não emitiu a licença e documentos sobre o aproveitamento de terreno, isto pode ser considerado como um acto de venire contra factum proprium, violando o princípio da boa fé, sendo isso censurável nos termos da lei.
- Se o concessionário tiver culpa durante o processo de cumprimento do contrato de concessão, a Administração também tem! Todos os métodos adoptados pela última são incompatíveis com o princípio da decisão, também violam o princípio da boa fé, uma vez que os serviços de planeamento urbanístico não conseguiram definir novas directivas de planeamento nem emitiram qualquer Planta de Alinhamento Oficial para a respectiva zona depois da Portaria n.º 69/91/M ter sido revogada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, de 21 de Agosto de 2006, consequentemente, o terreno não pôde ser aproveitado.
- Pelo que deve a Administração assumir a responsabilidade.
- Face à situação de não aproveitamento do terreno dentro do prazo de arrendamento por motivo não imputável ao concessionário, a Administração tem a sua solução constante: Expirado o prazo de arrendamento, é declarada a caducidade da concessão, o terreno será concedido de novo ao concessionário, cabendo ao governo da RAEM celebrar o novo contracto de concessão com o concessionário mediante o pagamento do prémio ajustado.
- Quanto à solução do termo do prazo de arrendamento, podem servir de exemplos, os despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 89/2007 e 8/2009 onde consta a solução de dois casos semelhantes que foram primeiramente recuperados os terrenos e depois foram novamente concedidos.
- Nos termos do princípio da igualdade, face à situação de não aproveitamento do terreno dentro do prazo de arrendamento por motivo não imputável à recorrente, a Administração tomou uma decisão diferente da prática habitual, tendo directamente declarado a caducidade da concessão do terreno, não tendo, contudo, ao mesmo tempo concedido de novo o terreno à recorrente. Evidentemente, isto viola o princípio da igualdade.
- Pelo que, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o acto recorrido violou os princípios de boa fé, da igualdade e da decisão, o qual deve ser anulado.
II. Errada aplicação dos art.ºs 41.º, 48.º, n.º1 e 104.º, n.º5 da Lei de Terras
- A interpretação do art.º 48.º da Lei de Terras por parte da entidade recorrida só se cingiu à letra, mas não procurou saber a intenção legislativa da dita lei nos termos do art.º 8.º do Código Civil, nomeadamente o cumprimento do princípio da culpa.
- Do ponto de vista da integridade do sistema, a Lei de Terras dispõe em vários preceitos que “quando haja motivo não imputável ao concessionário e este não tenha culpa”, confere o poder discricionário ao Chefe do Executivo para “avaliar e determinar se é justificativo ou não o motivo alegado por concessionário”.
- Segundo a opinião emitida pelo Digno Magistrado do Ministério Público no processo n.º434/2015, justamente reflecte o supracitado ponto de vista.
- Por outro lado, o Digno Magistrado do Ministério Público também emitiu opinião se a concessão provisória sempre não pode ser renovada:
“… Pois bem, afigura-se-nos que sob pena de cair na lamentável ruptura da coerência do sistema jurídico, não deve ser admissível a opinião de que o prazo da concessão expirará anteriormente ao prazo do aproveitamento já suspenso ou prorrogado de acordo com o n.º4 do art.104º.”
- Indica também a opinião da declaração de voto vencido do acórdão recorrido que o prazo de concessão do terreno por arrendamento de 25 anos não deve ser considerado como caducidade-preclusão mas sim caducidade-sanção. Assim no contrato de concessão, à Administração e ao concessionário cabem obrigações, devem os mesmos agir de boa-fé e cumprir rigorosamente as obrigações. Por outras palavras, em caso de incumprimento das obrigações, é necessário saber se existe justa causa, quem é o culpado e qual é o grau de culpa? Isto é um princípio e pensamento básico para o conhecimento do cumprimento do contrato, sendo exigências fundamentais consagradas no princípio da boa fé.
- Sobre o disposto no art.º 104.º, n.º5 da Lei de Terras, segundo o entendimento da declaração de voto vencido do acórdão recorrido, deve a Administração prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno na situação em que o concessionário não tinha culpa.
- De facto, segundo o Parecer n.º3/IV/2013 sobre a Lei de Terras elaborado pela 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa da RAEM, há deputado colocou dúvidas quanto à situação de não conclusão de aproveitamento do terreno no prazo por motivo não imputável ao concessionário, tendo o proponente da lei também admitido que, na realidade, existem casos de não concretização do aproveitamento no prazo estipulado por motivo não imputável ao concessionário, e tais casos podem ser resolvidos de forma excepcional nos termos da Lei de Terras.
- Pelo que, de nenhuma maneira, não se deve interpretar a intenção legislativa do art.º 48.º, n.º1 da Lei de Terras como não pode ser renovada a concessão provisória sem distinção. A interpretação correcta do art.º 48.º, n.º1 da Lei de Terras é quando não for concluído o aproveitamento no prazo de arrendamento por motivo imputável ao concessionário, não pode ser renovada a concessão provisória.
- Uma vez que tal questão não foi regida na Lei de Terras, a respectiva lacuna jurídica deve ser preenchida nos termos do art.º 9.º do Código Civil.
- Salvo haja melhor entendimento, pode a Administração, nos termos do art.º 9.º, n.º2 do Código Civil, aplicar analogicamente o art.º 104.º, n.º5 da Lei de Terras.
- E/ou com base nos princípios de equidade e de justiça, deve a Administração, nos termos do art.º 9.º, n.º3 do Código Civil e segundo o espírito legislativo, criar a solução específica, a fim de preencher a lacuna jurídica: Conceder ao concessionário um prazo razoável para que este possa concretizar o aproveitamento do terreno no prazo, e depois de concluído o aproveitamento do terreno e emitida a licença de utilização, converter a concessão provisória em definitiva.
- Tal como o presente caso, no prazo de aproveitamento do terreno ocorreram certos factos não imputáveis ao concessionário, em particular, devido a vários procedimentos, formalidades da Administração e/ou ao tempo prolongado de apreciação e autorização que impediram o desenvolvimento do terreno pelo concessionário, tal período de tempo que obstou o aproveitamento também foi incluído no prazo de concessão ou de aproveitamento, sendo essa situação muito irrazoável e injusta para a recorrente por facto a ela não é imputável.
- A correcta prática é, nos termos do art.º 323.º do Código Civil, quando a Administração tenha praticado qualquer acto que simbolizasse o reconhecimento do direito do concessionário ao aproveitamento do terreno, deve ser impedida a declaração da caducidade de aproveitamento do terreno por si feita.
- A renovação e a prorrogação são dois conceitos diferentes. A lei não permite a renovação não implica que esteja proibida a prorrogação, sobretudo em caso de compensação do tempo perdido por causa da Administração.
- O conceito de “culpa” é expressamente usado pelo legislador no art.º 104.º, n.º5 da Lei de Terras, ou seja, exige-se à Administração que apure a quem se deve imputar o motivo de não aproveitamento do terreno no prazo estipulado. Se o motivo for imputado à Administração, deve a mesma assumir a responsabilidade.
- Não tendo a Administração, contudo, aplicado o art.º 104.º, n.º5 da Lei de Terras nem, segundo o espírito legislativo, criado a solução específica para resolver a situação de não concretização do aproveitamento do terreno no prazo estipulado por motivo não imputável à recorrente – conceder a prorrogação do prazo de aproveitamento de terreno.
- Mas ao contrário, com base em que o aproveitamento do terreno não se concretizou por motivo não imputável à recorrente, o despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018 (incluindo o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que dele faz parte integrante) erradamente aplicou as respectivas disposições da Lei de Terras, em particular, o disposto nos art.ºs 48.º, n.º1 e 104.º, n.º5 da mesma lei.
III. Protecção do direito à propriedade privada prevista na Lei Básica
- Tal como acima exposta a errada aplicação da Lei de Terras, uma vez que a Administração erradamente interpretou e aplicou os art.ºs 48.º e 104.º, n.º5 da Lei de Terras, a Administração não procedeu a qualquer diligência para apurar se à recorrente é imputável ou não, mas sim directamente tomou a decisão de indeferimento.
- Quer dizer, segundo a decisão do acórdão recorrido, tal como o acto administrativo recorrido a quo que conduziu a que a recorrente sem culpa perdesse todos os direitos emergentes da concessão do terreno.
- Esse ponto de vista implica a errada interpretação e aplicação das respectivas disposições da Lei de Terras, pelo que o próprio ponto de vista (não é a Lei de Terras) é contrário às disposições previstas na Lei Básica, quanto à protecção do direito à propriedade privada, à protecção dos contratos de terrenos legalmente concedidos antes do regresso de Macau à China e a todos os direitos respeitantes aos ditos contratos.
- Pelo que tendo o acto administrativo recorrido a quo erradamente interpretado e aplicado a Lei de Terras, rejeitou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do Lote A3 formulado pela recorrente, evidentemente esse acto administrativo violou o disposto nos art.ºs 6.º, 103.º e 120.º da Lei Básica, violando também o direito de propriedade privada da recorrente protegido pela Lei Básica.

Pelo acima exposto, requer-se a V. Exas. que se dignem julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e consequentemente:
- Nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, anulando o acto administrativo recorrido a quo, com base em que o acto recorrido a quo violou os princípios fundamentais previstos no Código do Procedimento Administrativo, incluindo os princípios de boa fé, da igualdade e da decisão;
- Nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, anulando o acto administrativo recorrido a quo, com base em que o acto administrativo recorrido a quo violou os art.ºs 48.º, 104.º, n.º5 da Lei de Terras; ou,
- Nos termos do art.º 122.º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, declarando nulo o acto recorrido a quo, com base em que o acto administrativo recorrido a quo violou os direitos fundamentais de propriedade privada da recorrente, protegidos pela Lei Básica”; (cfr., fls. 254 a 286 e 110 a 179 do Apenso).

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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 291 a 297), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

«“Sociedade de Investimento Imobiliário Rio Keng Van, S.A.” vem impugnar o acórdão de 16 de Dezembro de 2019, do Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso contencioso por si interposto contra o despacho de 03 de Maio de 2018, da autoria do Exm.° Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão do terreno designado por lote 3, com a área de 4 169 m2, situado na zona A do “Fecho da Baía da Praia Grande”.
Entende que o Tribunal de Segunda Instância errou no seu julgamento sobre os vícios imputados ao acto, colocando à consideração deste Tribunal de Última Instância a apreciação desse julgamento, conforme melhor resulta das suas alegações de recurso e respectivas conclusões.
Pois bem, a alegação do recorrente usada no âmbito do recurso jurisdicional acaba por se reconduzir a um reafirmar e repisar de quanto já fora esgrimido no recurso contencioso, na tentativa de demonstrar que o acto administrativo sindicado padecia efectivamente das ilegalidades que lhe vinham imputadas.
No âmbito do recurso contencioso, e relativamente às supostas ilegalidades de que padeceria o acto recorrido, emitiu o Ministério Público o parecer inserto a fls. 207 e seguintes, onde se pronunciou pela sua improcedência e contra a tese da ilegalidade sustentada nesses invocados vícios.
No mesmo sentido da improcedência dos vícios se pronunciou o acórdão recorrido, seguindo, de resto, a orientação jurisprudencial que tem vingado em matéria de caducidade no âmbito das Leis de Terras.
Assim, temos por bem chamar à colação aquele parecer do Ministério Público, que aqui reafirmamos, o que conduz a que nos pronunciemos pela improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional.
Deve, pois, ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional»; (cfr., fls. 305-v a 306).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

«Pelo Despacho n.º 203/GM/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de vários terrenos sitos nas Zonas A, B, C e D do empreendimento designado por “Fecho da Baía da Praia Grande”, titulada pela escritura pública outorgada em 30.7.1991, e revisto pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A..
Através do Despacho n.º 91/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 30, II Série, de 27.7.1994, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno com a área de 4169 m², situado na península de Macau, designado por lote 3 da Zona A do empreendimento denominado por “Fecho da Baía da Praia Grande”, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, S.A., ora recorrente.
O terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22292 a fls. 78 do livro B8K e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor daquela Sociedade sob o n.º 4298 a fls. 85 do livro F20K.
O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir de 30.7.1991, podendo o prazo ser sucessivamente renovado, nos termos da legislação aplicável, até 19 de Dezembro de 2049.
A finalidade de tal concessão era a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento.
Conforme o estipulado no n.º 1 da cláusula quinta do contrato de transmissão da concessão, o prazo global de aproveitamento foi fixado em 66 meses, contados a partir de 6.7.1992, ou seja, até 5.1.1998.
Até 3 de Maio de 2018, data em que foi declarada a caducidade do contrato de concessão pelo Exm.º Chefe do Executivo, o aproveitamento do referido terreno não chegou a ser concretizado.
Reunida em sessão de 13 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 57/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 4169m2, situado na península de Macau, designado por lote 3 da zona A do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 91/SATOP/94.
I
1. Através do Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de vários terrenos situados nas Zonas A, B, C e D do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», na Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), titulado pela escritura pública outorgada em 30 de Julho de 1991, na Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), e revisto pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S,A.
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho n.º 91/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 1994, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno com a área de 4169m2, situado na península de Macau, designado por lote 3 da Zona A do empreendimento denominado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991, e as condições fixadas no Regulamento do Plano de Pormenor da Zona A da Baía da Praia Grande aprovado pela Portaria n.º 134/92/M, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 25, de 22 de Junho de 1992. A altura máxima permitida seria de 92,7 m NMM.
6. De acordo com o estabelecido na cláusula quinta do contrato de revisão de concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 66 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Janeiro de 1998.
7. O terreno referido em epígrafe encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 22292 a fls. 78 do livro B8K e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 4298 a fls. 85 do livro F20K, não se encontrando o terreno onerado com qualquer hipoteca.
II
8. Por requerimento apresentado em 8 de Junho de 1998, na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), na sequência de um pedido anterior e atento o teor do ofício n.º 127/SATOP/98, a concessionária solicitou que a finalidade do terreno fosse alterada para a construção de um edifício de 141,5m (a cota máxima era de 144,5m), destinado a habitação, comércio e estacionamento.
9. Uma vez que os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, não foram revistos, o procedimento relativo à alteração de finalidade do terreno não teve seguimento.
10. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram na revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
11. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes da Zona “B”, reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
12. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados na Zona A prorrogado por 60 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2004 (1º prorrogação).
13. Em sequência do requerimento apresentado pela concessionária em 17 de Agosto de 2004, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 8 de Abril de 2005, exarado na informação n.º 039/DSODEP/2005, foi autorizado de novo a prorrogação do prazo de aproveitamento dos lotes não aproveitados situados na Zona A, desta vez por 48 meses, ou seja, até 17 de Agosto de 2008 (2ª prorrogação), sem aplicação de multa.
14. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M.
15. Após o termo da segunda prorrogação do prazo de aproveitamento, a concessionária apresentou de novo, em 24 de Fevereiro de 2009, na DSSOPT, o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 60 meses.
16. Sobre este pedido, o Departamento de Urbanização (DUR), através da comunicação do serviço interno (CSI) de 21 de Abril de 2009, esclareceu o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT que tinha sido emitido, em 17 de Dezembro de 1999, parecer favorável ao estudo prévio para alteração da finalidade do terreno apresentado pela concessionária em 4 de Março de 1998 e em 18 de Novembro de 1999, condicionado porém ao cumprimento das alterações ocorridas na Portaria n.º 69/91/M (Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande) e das alterações ocorridas no planeamento dos lotes 2 e 12 (Ofício n.º 6765/DURDEP/99, de 29 de Dezembro de 1999), as quais seriam conjuntamente publicadas. Todavia, a concessionária não apresentou o respectivo projecto de arquitectura depois do pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno de 17 de Agosto de 2004, não tendo a Administração, por isso, emitido a licença de obra.
17. Em face desta informação, na sua análise o DSO classificou o terreno como não aproveitado, pelo que não foi autorizado o pedido.
III
18. Com base no Despacho n.º 07/SOPT/2010 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 8 de Março de 2010 e nas instruções para o tratamento dos terrenos não aproveitados aprovadas por despacho do Chefe do Executivo de 31 de Maio de 2010 proferido na informação n.º 095/DSODEP/2010, a DSSOPT através de ofício de 31 de Maio de 2011, solicitou à concessionária que justificasse o incumprimento do aproveitamento do terreno.
19. Através de carta de 27 de Junho de 2011, a concessionária alegou que após a concessão do terreno, vários factos prejudicaram o ambiente de negócios e investimento e os serviços de planeamento urbanístico não conseguiram definir novas directivas de planeamento nem emitiram qualquer Planta de Alinhamento Oficial para a respectiva zona depois da Portaria n.º 69/91/M ter sido revogada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, de 21 de Agosto de 2006, pelo que o terreno não pôde ser aproveitado.
20. Tendo em consideração as análises feitas pelo DSO, pelo Departamento Jurídico (DJU) e pelo grupo de trabalho jurídico para acompanhamento dos casos relativos a terrenos não aproveitados, criado por despacho do Chefe do Executivo, e depois de auscultado o parecer da Comissão de Terras, o Gabinete do Chefe do Executivo propôs no seu relatório da análise de 11 de Junho de 2014 o seguinte:
“(1) Não dar início ao procedimento da declaração de caducidade da concessão do terreno referido em epígrafe;
(2) Entregar o relatório à DSSOPT para que a mesma dê seguimento a um eventual procedimento de aplicação de multa e prorrogação do prazo de aproveitamento;
(3) Ordenar à concessionária que cumpra rigorosamente o contrato de concessão.”
21. O Chefe do Executivo emitiu um despacho concordante no relatório de análise em 11 de Junho de 2014 e ordenou que este fosse entregue ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas para dar seguimento ao tratamento do terreno em causa.
22. Em cumprimento deste despacho do Chefe do Executivo, o DSO, através da proposta n.º 184/DSODEP/2014, de 10 de Julho, propôs que não se desse início ao procedimento da declaração de caducidade da concessão do terreno, que fosse autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até ao termo do prazo de arrendamento, ou seja, até 30 de Julho de 2016, e que se aplicasse a multa máxima de $1.800.000,00 patacas à concessionária de acordo com as respectivas disposições.
23. Na reunião realizada em 14 de Agosto de 2014, a Comissão de Terras concordou com a proposta da DSSOPT, ou seja, aplicar a multa máxima de $1.800.000,00 patacas à concessionária e prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até ao termo do prazo de arrendamento, ou seja, até 30 de Julho de 2016, devendo a concessionária proceder ao aproveitamento do terreno nos termos das disposições fixadas no contrato de concessão. O parecer n.º 79/2014 da Comissão de Terras foi homologado pelo Chefe do Executivo por despacho de 15 de Agosto de 2014.
24. Em 26 de Agosto de 2014, a concessionária pagou a multa na sua totalidade, no entanto, ainda não procedeu a qualquer aproveitamento do terreno.
25. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
IV
26. Em 21 de Junho de 2016, a concessionária apresentou ao Chefe do Executivo um requerimento a solicitar a renovação do prazo de arrendamento do terreno até 21 de Agosto de 2026, o qual foi indeferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 5 de Setembro de 2016.
27. Por outro lado, a DSSOPT, em 27 de Abril de 2016, emitiu a Planta de Condições Urbanísticas do terreno referido em epígrafe, no qual se fixou a altura máxima permitida de 93mNMM, sendo as finalidades comércio, escritório e estacionamento.
28. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga desta escritura, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada, Nestas circunstâncias, o DSO procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 362/DSODEP/2016, de 8 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 12 de Setembro de 2016.
29. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda ao respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212º e 215º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130º e 131º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49º, 132º e 133º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
V
Reunida em sessão de 13 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 362/DSODEP/2016, de 8 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.”
Posteriormente, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu, em 4 de Novembro de 2016, o seguinte parecer:
“Proc. n.º 57/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 4169 m2, situado na península de Macau, designado por lote 3 da zona A do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 91/SATOP/94.
1. Através do Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de vários terrenos situados nas Zonas A, B, C e D do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», na Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, titulado pela escritura pública outorgada em 30 de Julho de 1991, na Direcção dos Serviços de Finanças, e revisto pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94 publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho n.º 91/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 1994, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno com a área de 4169m2, situado na península de Macau, designado por lote 3 da Zona A do empreendimento denominado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, S.A.
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicado no 2º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991, e as condições fixadas no Regulamento do Plano de Pormenor da Zona A da Baía da Praia Grande aprovado pela Portaria n.º 134/95/M, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 25, de 22 de Junho de 1992. A altura máxima permitida seria de 92,7 m NMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes Propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 12 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 13 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212º e 215º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
O Exm.º Chefe do Executivo proferiu a seguinte decisão em 3 de Maio de 2018: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 57/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”»; (cfr., fls. 220-v a 226-v).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” do terreno identificado nos autos.

Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com uma breve “nota introdutória”.

O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem – infelizmente – suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, desde já se mantém; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017, de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020, de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020, de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020 e, mais recentemente, de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020).

Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar cabal resposta às questões colocadas.

Pois bem, percorrendo a alegação de recurso apresentada e ponderando nas conclusões pela recorrente, aí, a final, produzidas, constata-se que pela mesma vem suscitadas as questões seguintes:
- “violação dos princípios fundamentais da boa fé, da decisão e da igualdade”;
- “errada aplicação dos art°s 41°, 48°, n.° 1 e 104°, n.° 5 da Lei de Terras”; e,
- “protecção do direito à propriedade privada”.

Total razão assistindo ao Ministério Público na consideração tecida no seu douto Parecer no sentido de que a recorrente se limita a “reafirmar ou repisar” no presente recurso (jurisdicional) o que antes tinha argumentado no seu (anterior) recurso (contencioso) para o Tribunal de Segunda Instância, adequado se mostra de ponderar no teor da decisão proferida e ora recorrida.

Assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância, (afigurando-se-nos de destacar o seguinte segmento decisório):

“(…)
Segundo o artigo 215.º da Lei n.º 10/2013 (Nova Lei de Terras), esta aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor.
Dispõe o artigo 41.º da Lei de Terras que “a concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano regem-se pelas disposições da presente lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável”.
Sendo que o “direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano abrange poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas ou mantidas permanecem na propriedade do concessionário ou subconcessionário até à extinção da concessão por qualquer das causas previstas na presente lei ou no contrato” – artigo 47.º, n.º 1 da Lei de Terras.
Mais se determina no artigo 44.º do mesmo diploma legal que “a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente”.
O prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato, não podendo exceder 25 anos (artigo 47.º, n.º 1 da Lei de Terras).
No caso em apreço, o prazo de concessão por arrendamento é válido até 30.7.2016.
Até 3.5.2018, o aproveitamento do referido terreno não chegou a ser concretizado.
Há-de frisar ainda que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo a seguinte excepção: a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º, n.º 1 e 2 da Lei de Terras), o que não é o caso. Fora deste condicionalismo, não pode haver lugar a renovação das concessões provisórias.
E mesmo que se recorra ao regime de suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento, por eventual motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo, ao abrigo dos termos previstos no n.º 5 do artigo 104.º da Lei de Terras, também nunca pode ultrapassar o prazo-limite de 25 anos a que se alude no artigo 47.º da mesma Lei.
Preceitua-se no artigo 167.º da Lei de Terras que “A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.
Conforme ficou decidido no recente Acórdão do TUI, no Processo n.º 7/2018: “Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.”
Ou seja, trata-se de um dos efeitos impostos pela Lei de Terras e não cabe à Administração decidir se declara ou não declara a caducidade, pois é um acto vinculado do Chefe do Executivo.
Assim, incumbe ao Chefe do Executivo declarar a caducidade pelo decurso do prazo da concessão, caso o concessionário não consiga apresentar a licença de utilização (artigo 130.º Lei de Terras), porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento do terreno urbano.
Sendo uma actividade vinculada da Administração, ao declarar a caducidade da concessão após decorrido o prazo máximo de 25 anos, a Administração está a cumprir rigorosamente um dever legal imposto pela Lei de Terras.
Assim, na medida em que a Administração tem o dever de declarar a caducidade da concessão se não houver prova do aproveitamento do terreno, não se vislumbra qualquer necessidade de ponderação dos princípios da boa-fé e da igualdade, os quais só se aplicam aos actos administrativos discricionários.
Posto isto, inserindo-se a actividade da Administração no âmbito do exercício de poderes vinculados que decorre do disposto nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1 e 48.º, n.º 1, da Lei de Terras, o acto em crise praticado pelo Chefe do Executivo não acarreta violação daqueles princípios, os quais funcionam apenas como limites internos da actividade discricionária da Administração e não no âmbito do exercício de poderes vinculados.
Quanto à alegada falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno, entende-se na jurisprudência dominante da RAEM1 que a questão não é relevante para situações de caducidade-preclusão, em que depende apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio.
Alega ainda a recorrente que o despacho da entidade recorrida viola as disposições da Lei Básica no que respeita à protecção do direito de propriedade privada.
Para já, não se deva dizer que está em causa o direito de propriedade privada a que se alude no artigo 6.º da Lei Básica.
E não obstante que a Lei Básica reconhece os direitos resultantes de contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da RAEM (artigo 120.º da Lei Básica), o certo é que os interessados terão que cumprir as regras disciplinadas por lei, ou seja, a protecção dos direitos das concessionárias é garantida em conformidade com a lei.
Tendo a lei ordinária estipulado os prazos de concessão e de aproveitamento dos terrenos, assim como as condições em que esses prazos possam ser renovados, suspensos ou prorrogados, ao indeferir os pedidos da recorrente, a Administração limitou-se a cumprir a legislação em vigor que, por sua vez, foi consentida pela própria Lei Básica2.
(…)”; (cfr., fls. 44 a 49 do Apenso).

Aqui chegados, muito não se mostra de consignar para se concluir que adequada é a solução pelo Tribunal de Segunda Instância encontrada para a situação dos presentes autos, sendo, (até por uma questão de economia processual), de se dar por reproduzido o que aí se consignou para efeitos de fundamentação da decisão que se irá proferir.

Na verdade, certo sendo que perante “idêntica situação”, e de forma repetida e unanime, já considerou este Tribunal que idêntica “decisão administrativa” objecto de idêntico recurso para o Tribunal de Segunda Instância se limitou a ser o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” pela recorrente invocados, o mesmo sendo de dizer em relação aos preceitos da invocada Lei de Terras.

Com efeito, em conformidade com a teoria do acto administrativo, adequado se apresenta o entendimento no sentido de que o “acto administrativo vinculado” é aquele que contém todos os seus elementos constitutivos vinculados à lei, não existindo, dessa forma, qualquer subjectivismo ou valoração do administrador, mas, apenas, a averiguação da conformidade do acto com a Lei. Estabelece-se um único comportamento possível a ser tomado pelo administrador diante de casos concretos, ficando a sua actuação ligada ao estabelecido pela lei para que a actividade administrativa seja válida.

Em contrapartida, o acto administrativo é “discricionário”, quando a Lei confere liberdade ao administrador para que ele proceda à avaliação da conduta a ser adoptada segundo critérios de conveniência e oportunidade, mas nunca se afastando da finalidade do acto. A valoração incidirá sobre dois elementos constitutivos do acto administrativo, (o motivo e o objecto), autorizando o administrador a escolher de entre as várias possibilidades que lhe são conferidas, aquela que melhor corresponda no caso concreto à vontade do legislador.

Dest’arte, dúvidas não havendo que o “acto administrativo” em causa foi praticado no exercício de um “poder vinculado”, e constituindo o assim consignado o entendimento pelos Tribunais de Macau adoptado, (cfr., v.g., os arestos atrás citados, e, mais recentemente, o Ac. de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e o de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020), mais não se mostra de aqui referir sobre a(s) questão(ões) em causa.

Quanto ao “direito de propriedade privada”.

Há – evidente – equívoco.

Como resulta do que se deixou consignado, constitui objecto do presente recurso, o acto administrativo pelo Chefe do Executivo praticado que “declarou a caducidade da concessão, por arrendamento” de um terreno à ora recorrente.

E, como igualmente resulta da factualidade atrás retratada, o assim decidido tem como fundamento o “decurso do (próprio) prazo de arrendamento”, de 25 anos, que expirou em 30.07.2016.

Ora, constituiu entendimento (firme) de que:

“A Lei de Terras estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º).
Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo quando atingido o prazo máximo de concessão, de 25 anos”; (cfr., v.g., os citados Acs. do T.U.I.).

E, sendo o acto em causa, como já se viu, um acto “imperativo”, (ou “vinculado”), inexiste qualquer violação da Lei Básica.

Com efeito, é verdade, e dúvidas não há, que a Lei Básica consagra o “direito à propriedade privada”; (cfr., art. 6°).

Porém, o “direito” da ora recorrente, (admitindo-se que autores entendam ser um “direito real”), não constitui, (de forma alguma), um “direito de propriedade”, não se vislumbrando, assim, qualquer colisão ou desrespeito à referida Lei Básica.

Aqui chegados, e claras sendo as razões pelas quais nenhuma censura merece o Acórdão recorrido, impõe-se a decisão que segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 1 de Julho de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 A título exemplificativo, decidiu-se no recente Acórdão do TUI, no Processo n.º 7/2018 que: “O Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.”
2 Entendeu o Acórdão do TUI, no Processo n.º 102/2018 que: “E não é de aceitar que, com a protecção consagrada na lei Básica, os contratos de concessão, bem como os direitos deles decorrentes, continuem válidos para além do prazo de arrendamento dos terrenos, independentemente da renovação, ou não, das concessões, já que, como é lógico e legal, a protecção desses contratos e direitos dos concessionários para além do prazo inicial de arrendamento depende sempre da renovação das respectivas concessões, efectuada em conformidade com as leis vigentes na altura de renovação, tal como prevê a segunda parte do art.º 120.º da Lei Básica, segundo a qual as concessões de terras renovadas após o estabelecimento da RAEM devem ser tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da RAEM.”
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Proc. 55/2020 Pág. 36

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