打印全文
Processo n.º 53/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrentes: Kuan Vai Lam e Lo Lai Meng
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 26 de Junho de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong

Assuntos: - Declaração da caducidade da concessão do terreno
- Caducidade-preclusão
- Acto vinculado
- Dever de averiguação
- Princípio da boa fé

SUMÁRIO
1. A jurisprudência dos tribunais da RAEM vai no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno por decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva.
2. No caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha concluído o aproveitamento do terreno, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão. Tratando-se dum acto vinculado.
3. O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
4. Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
5. Face à natureza preclusiva da caducidade e à natureza vinculativa do acto administrativo impugnado, não há que apurar, no procedimento administrativo conducente à declaração da caducidade pelo decurso do prazo de arrendamento e no respectivo recurso contencioso, a culpa (ou da Administração ou do concessionário ou ainda de ambas as partes) no não aproveitamento do terreno, pelo que improcede a imputada violação do dever de averiguação.
6. No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação do princípio da boa fé (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da igualdade).

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

1. Relatório
Kuan Vai Lam e Lo Lai Meng, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 27 de Março de 2017 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 659 m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, n.º 1-B.
Por acórdão proferido em 28 de Novembro de 2019, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso.
Inconformados com o acórdão, recorrem Kuan Vai Lam e Lo Lai Meng para o Tribunal de Última Instância, imputando os seguintes vícios:
- Errada qualificação do instituto da caducidade;
- Falta de audiência prévia;
- Violação do dever de averiguação;
- Erro nos pressupostos de facto;
- Erro nos pressupostos de direito; e
- Errada interpretação do princípio da boa fé.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, também no sentido de negar-se provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos considera-se assente a seguinte factualidade com relevo para a decisão da causa:
1 - através do Despacho n.º 40/SATOP/89, publicado no 2.º suplemento do B.O., n.º 52, de 29.12.1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 659m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, n.º 1-B;
2 - conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja a partir de 08.05.1991, (e até 07.05.2016);
3 - o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, afectado às finalidades industrial e de estacionamento;
4 - na cláusula quinta do contrato da concessão ficou estipulado que o prazo global de aproveitamento do terreno seria de 18 meses, contados a partir da data da publicação no B.O. do despacho que autorizou o contrato, ou seja, até 25.06.1991;
5 - conforme a cláusula sexta do contrato da concessão, constituíam encargos especiais, a serem suportados exclusivamente pela concessionária, a desocupação do terreno concedido e a remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes;
6 - a concessionária pagou integralmente o montante do prémio no valor de MOP$1.673.112,00;
7 - o terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22635 a fls. 193 do livro B147M;
8 - posteriormente, por título de transmissão extraído do processo n.º CV2-06-0082-CEO, de 08.07.2011, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Base da R.A.E.M., e depois de obtida a autorização do Chefe do Executivo, foi o direito resultante da concessão do terreno transmitido para Kuan Vai Lam, e Lo Lai Meng, (ora recorrentes), conforme inscrição n.º 229 415G;
9 - em 07.05.2016, o lote de terreno em questão não se mostrava aproveitado;
10 - reunida em sessão de 29.09.2016, a Comissão de Terras emitiu o Parecer n.º 116/2016, que aqui se dá por reproduzido, e no qual ficou exarado, entre o mais, o seguinte:
«Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 7 de Maio de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso, do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004», concluindo nos seguintes termos: «Reunida em sessão de 29 de Setembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e a proposta constantes na proposta n.º 330/DSODEP/2016, de 22 de Agosto, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 5 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 7 de Maio de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo».
11 - em 12.10.2016, o S.T.O.P. emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 52/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 659m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde n.º 1-B, a favor da Companhia de Engenharia e Indústria Guangdong (Macau), Limitada, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 7 de Maio de 2016, cuja concessão foi autorizada pelo Despacho n.º 40/SATOP/89, titulada pela escritura pública outorgada em 8 de Maio de 1991, e transmitida para Kuan Vai Lam e cônjuge Lo Lai Meng pela venda judicial.
1. Pelo Despacho n.º 40/SATOP/89, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 52, 2.º suplemento, de 26 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, a favor da Companhia de Engenharia e Indústria Guangdong (Macau), Limitada, de um terreno com a área de 659m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde n.º 1-B, para construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, afectado às finalidades industrial e de estacionamento. A concessão do referido terreno é titulada pela escritura outorgada em 8 de Maio de 1991.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, terminou em 7 de Maio de 2016.
3. Posteriormente, o direito resultante da concessão do terreno foi transmitido a Kuan Vai Lam, por via de venda judicial, tendo o Chefe do Executivo exarado despacho de autorização em 14 de Junho de 2011.
4. O terreno referido em epígrafe encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 635, a fls. 193 do livro B147M, e o direito resultante da concessão inscrito a favor de Kuan Vai Lam e cônjuge Lo Lai Meng (casados em regime da comunhão de adquiridos) sob o n.º 229 415G e não se encontra onerado com qualquer hipoteca.
5. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 7 de Maio de 2016 sem que o aproveitamento do terreno tivesse sido concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 5 de Setembro de 2016.
6. Reunida em sessão de 29 de Setembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento terminou sem que o aproveitamento estabelecido no contrato mostrasse realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade prec1usiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
(…)”;
12 - em 27.03.2017, proferiu a entidade recorrida a decisão seguinte:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 52/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 12 de Outubro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
(…)”.

3. Direito
Há de apreciar as seguintes questões suscitadas pelos recorrentes:
- Qualificação do instituto da caducidade;
- Falta de audiência prévia;
- Violação do dever de averiguação;
- Erro nos pressupostos de facto;
- Erro nos pressupostos de direito; e
- Errada interpretação do princípio da boa fé.

3.1. Questionam os recorrentes a qualificação do Tribunal recorrido sobre a caducidade de concessão do terreno, pugnando pela sua qualificação como caducidade-sanção e não caducidade preclusiva.
Desde logo, é de recordar que a questão sobre a natureza da caducidade das concessões provisórias dos terrenos foi já por várias vezes abordada e apreciada tanto pelo Tribunal de Segunda Instância como por este Tribunal de Última Instância.
A jurisprudência de Macau vai no sentido de considerar a caducidade como caducidade preclusiva.
Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018, n.º 43/2018 e n.º 90/2018, de 23 de Maio, 6 de Junho e 12 de Dezembro de 2018, para além de outros, este Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
E dá-se por integralmente reproduzido o teor dos referidos acórdãos na parte respeitante à questão ora colocada pelos recorrentes.
Repetindo, não está aqui em causa a questão de culpa no não aproveitamento do terreno.
Nos termos do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013, é estabelecida como regra a não renovação da concessão provisória, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (que não é o nosso caso).
E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
No caso vertente, a verdade é que, independentemente da questão da culpa, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento, pois não se verifica o aproveitamento do terreno, pelo que não há lugar à conversão em definitiva da concessão provisória.
A lei é muito clara quanto à não renovação da concessão provisória e à sua caducidade, independentemente da culpa, ou não, do concessionário, dai que é imposta à Administração o dever de declarar a caducidade de concessão.
Improcede a argumentação dos recorrentes.

2.2. A resolução de todas as restantes questões colocadas pelos recorrentes depende da posição tomada sobre a natureza da caducidade das concessões provisórias (como caducidade-preclusão ou caducidade-sanção) e do acto administrativo do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa.
Tratando-se duma caducidade-preclusão, é irrelevante a discussão sobre a questão de culpa no não aproveitamento do terreno concedido.
Por outro lado, tal como se decide já em muitos acórdãos anteriores, entendemos que, face à falta de aproveitamento por parte do concessionário no prazo de concessão do terreno, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.
O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Trata-se duma actividade de natureza vinculativa.
É de manter aqui a posição deste TUI, já anunciada em vários acórdãos em que se discute a questão sobre a natureza discricionária ou vinculativa do acto de declaração de caducidade.1
No presente caso, uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 7 de Maio de 2016 sem que o terreno tenha sido aproveitado, deve o Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão, pelo decurso do prazo de arrendamento, tal como sucedeu.

Nos termos do n.º 1 do art.º 93.º do CPA, “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
Ora, este Tribunal de Última Instância já teve várias ocasiões para se pronunciar sobre a questão colocada, tendo entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo2, entendimento este que também se deve manter.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.3
No caso vertente, decorrido o prazo da concessão provisória, sem que a concessão se tenha tornado em definitiva, o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade da concessão, uma vez que não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação do prazo de concessão provisória.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo4.
É de reafirmar que, ao praticar o acto impugnado, o Chefe do Executivo está a actuar no exercício dos poderes vinculados, sendo vinculado o acto praticado, pelo que não há de proceder à audiência prévia dos recorrentes.
De facto, não se vislumbra qual a utilidade e necessidade da audiência prévia à decisão de declaração da caducidade, que não ficaria em nada afectada pela audiência dos concessionários.

Invocam os recorrentes a violação do dever de averiguação, alegando que nem a Administração nem o Tribunal a quo têm averiguado a razão de não aproveitamento do terreno, ou dizendo noutra maneira, nem a Administração nem o Tribunal a quo quis tentar saber qual foi a culpa da Administração que levou ao não aproveitamento do terreno e à consequente declaração da caducidade.
Ora, face à natureza preclusiva da caducidade e à natureza vinculativa do acto administrativo impugnado, não há que apurar, no procedimento administrativo conducente à declaração da caducidade pelo decurso do prazo de arrendamento e no respectivo recurso contencioso, a culpa (ou da Administração ou do concessionário ou ainda de ambas as partes) no não aproveitamento do terreno.
Daí que não se vislumbra a verificação do vício imputado.

Quanto ao erro nos pressupostos de facto, alegam os recorrentes que o não aproveitamento do terreno é absolutamente imputável à Administração, pois eles têm sempre cumprido todos os seus deveres e ónus legalmente exigíveis para conseguir aproveitar o terreno.
A tese dos recorrentes parte, sem dúvida, duma premissa própria, diferente do entendido pelo Tribunal recorrido e por este Tribunal de Última Instância.
Os pressupostos fácticos do acto administrativo impugnado prendem-se apenas com o não aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, sendo irrelevante a questão de culpa. Por outras palavras, o decurso do prazo de arrendamento, sem o aproveitamento do terreno, conduz à declaração da caducidade da concessão do terreno.
Não se vê qualquer erro nos pressupostos de facto.
O mesmo se deve dizer em relação à invocação do erro nos pressupostos de direito, daí que também improcede a argumentação deduzida pelos recorrentes que voltam a alegar que, não havendo culpa por parte dos concessionários, a Administração nunca pode legitimamente declarar a caducidade da concessão com base no incumprimento do dever de aproveitar o terreno causado pela própria culpa da Administração.

Finalmente, dizem os recorrentes que foi por demora da Administração na análise interna sobre a transmissão dos direitos resultantes da concessão por venda judicial e na aprovação e concretização do Estudo de Revisão do Plano Urbanístico de Ilha Verde (e na emissão de planta de alinhamento) que impossibilitou o aproveitamento do terreno em causa e, com a sua actuação demorosa, a Administração violou o princípio da boa fé, plasmado no art.º 8.º do CPA, em total contradição com o disposto na al. 9) do art.º 2.º da Lei n.º 10/2013, que consagra o princípio da segurança jurídica.
Salientando, é de entendimento uniforme deste TUI que no âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação do princípio da boa fé (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da igualdade).5
Nos presentes autos, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão do terreno em causa, não se relevando pertinente a invocação da errada interpretação ou violação do princípio da boa fé.
Alegam ainda os recorrentes que a Administração criou legítimas expectativas neles, nomeadamente, ao dar concessão do terreno para aproveitamento e desenvolvimento do mesmo, ao reconhecer, através da venda judicial, a transmissão do direito resultante da concessão e ao autorizar tal transmissão por venda judicial.
É sempre de dizer que, mesmo assim, a conduta da Administração nunca poderia constituir o reconhecimento de algum direito dos recorrentes por parte da RAEM (por exemplo o direito de aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento) nem obstar à declaração da caducidade por decurso de tal prazo.
As vicissitudes ocorridas no prazo de concessão e respeitantes ao aproveitamento do terreno não se revelam pertinentes nos presentes autos, já que, repetindo, no caso de declaração da caducidade por decurso do prazo de arrendamento do terreno, não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento do terreno, pois com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a Administração deve declarar a caducidade da concessão do terreno.
Improcede também a invocada violação do princípio da boa fé.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça fixada em 12 UC.

Macau, 26 de Junho de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
Sam Hou Fai
Lai Kin Hong

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Cfr. Ac.s do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.º 28/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018, entre outros.
2 Cfr. Acórdãos do TUI, de 25 de Julho de 2012, Proc. n.º 48/2012; de 25 de Abril de 2012, Proc. n.º 11/2012; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018.
3 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
4 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
5 Cfr. Ac.s do TUI, de 3 de Maio de 2000, Proc. n.º 9/2000, de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018, de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018 e de 12 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 90/2018.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 53/2020