打印全文
Processo n.º 842/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data: 9/Julho/2020

Descritores:
- Falta de legitimação para dispor terrenos de que não era titular
- Manifesta desproporção entre o valor dos terrenos objecto de troca
- Extinção do procedimento de troca de terrenos

SUMÁRIO
Conforme resulta da matéria provada, para além das três parcelas de terreno com a área total de 3002 m², as restantes parcelas de terreno da Fábrica de Panchões já não pertenciam à recorrente, em virtude de as concessões por arrendamento já terem sido declaradas caducadas e rescindidas pelo Despacho do Encarregado do Governo n.º 59/86, de 28 de Fevereiro, enquanto os terrenos concedidos por aforamento e os terrenos omissos no registo predial, passaram a ser terrenos disponíveis do Estado, nos termos previstos no artigo 8.º da Lei de Terras.
Isto é, para além daquelas parcelas de terreno com a área total de 3002 m², a recorrente não era titular dos restantes terrenos.
Não obstante que foi outorgado em 10.1.2001 um Termo de Compromisso entre o Governo da RAEM e a recorrente, segundo o qual o Governo da RAEM prometeu conceder à recorrente o terreno localizado na Baía da Nossa Senhora de Esperança, com a área aproximada de 152073 m², enquanto a recorrente prometeu ceder ao Governo da RAEM todas as parcelas de terreno identificadas na planta n.º 514/89 emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, mas, não sendo a recorrente titular de todas as parcelas de terreno identificadas na respectiva planta cadastral, falta-lhe, portanto, legitimação para dispor as parcelas de terreno de que não era titular.
Dispõe o n.º 2 do artigo 86.º da Lei n.º 10/2013: “No caso previsto no n.º 2 do artigo 83.º, podem ser concedidos, mediante troca, terrenos de valor superior aos recebidos, desde que o valor dos terrenos recebidos não seja inferior à metade do valor dos terrenos concedidos, pagando o concessionário, a título de prémio, a importância correspondente à diferença dos valores dos dois terrenos em troca.”
Ora bem, a recorrente era apenas titular de parcelas de terreno com uma área total de 3002 m², portanto, não sendo titular dos restantes terrenos com uma área de cerca de 29122,42 m², concedidos tanto por arrendamento como por aforamento, nem dos terrenos omissos, há que concluir pela existência de uma manifesta desproporção entre o valor dos terrenos a receber pelo Governo (isto é, correspondente à área total de 3002 m²) e o valor do terreno a conceder à recorrente (com a área aproximada de 152073 m²).
Isto posto, por não existir igualdade de prestações exigida pelo artigo 86º, ex vi do artigo 213.º, ambos da Nova Lei de Terras, o referido Termo de Compromisso não deixa de ser inválido.
Prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA: “O órgão competente para a decisão pode declarar o procedimento extinto quando a finalidade a que este se destinava ou o objecto da decisão se revelarem impossíveis ou inúteis”.
Estando em causa uma impossibilidade superveniente que condiciona o normal prosseguimento do procedimento administrativo de troca dos terrenos, detectada no seu decurso, nenhuma censura merece a Administração ao declarar extinto o procedimento de troca de terreno da Fábrica de Panchões B.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 842/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data: 9/Julho/2020

Recorrente:
- Desenvolvimento Predial A S.A.

Entidade recorrida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com o despacho do Exm.º Chefe do Executivo, de 25.7.2017, que declarou a extinção do procedimento de troca do terreno da Fábrica de Panchões B, recorreu a sociedade Desenvolvimento Predial A S.A., ora recorrente, contenciosamente para este TSI, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente não se conforma com o Despacho do Chefe do Executivo, de 25 de Julho de 2017, exarado na proposta n.º 255/DSO/2017 da DSSOPT, que declarou a extinção do procedimento de troca do terreno da Fábrica de Panchões B.
2. Toda a área da Fábrica de Panchões B, composta por parcelas em regime de propriedade perfeita, em regime de aforamento e terrenos omissos, é ocupada e está na posse da Recorrente desde a data em que adquiriu os terrenos em propriedade perfeita, tendo sucedido na posse dos anteriores proprietários em relação às parcelas de terreno de que não é proprietária registada.
3. Em 10 de Janeiro de 2011, o Governo da RAEM e a Recorrente celebraram um Termo de Compromisso para a troca de todas as parcelas de terreno que a Recorrente possui e ocupa e formam a antiga Fábrica de Panchões B, pela concessão de um terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança, nos termos permitidos pelos artigos 78º e 80º da Lei n.º 6/90/M.
4. A Administração reconheceu os direitos da Recorrente à titularidade dos terrenos em regime de propriedade perfeita, aforamento e aos que se encontram omissos no Registo Predial e verificou que, nas concessões por arrendamento, a Administração não terá diligenciado em procurar saber da verdadeira situação jurídica dos terrenos a conceder neste regime, dando origem a que fossem concedidos terrenos em regime de arrendamento que já se encontravam concedidos em regime de aforamento válido.
5. Reconheceu também que esse erro sucedeu também com o Despacho n.º 59/86, que apenas rescindiu os contratos de concessão por arrendamento, mantendo intactas as antigas concessões por aforamento.
6. Resulta do processo administrativo, nomeadamente dos documentos acima indicados, que o montante de MOP$213.000.000.00 fixado no Termo, inclui o valor de MOP$77.000.000,00 a ser restituído à Companhia de Investimento e Fomento Predial C, S.A., concessionária do Terreno denominado Lote X na Taipa.
7. Bem como que o pagamento da última prestação do prémio relativo à concessão do Lote X, no valor de MOP$14.157.052,00, só era devido quando fosse concretizada a concessão dos lotes de terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança em troca dos terrenos da antiga Fábrica de Panchões B.
8. Por a Administração sempre ter reconhecido os direitos da Recorrente e da Companhia de Investimento e Fomento Predial C, o actual Chefe do Executivo sublinhou o compromisso e determinou, por Despacho de 15 de Março de 2013, acima citado, a suspensão do pagamento dessa prestação do prémio relativo à concessão do Lote X até à concretização da aludida troca de terrenos.
9. A Administração, para corresponder às negociações com concessionárias de jogo e sociedades relacionadas, alterou, por Despacho do STOP n.º 87/2006, o Termo de Compromisso, alteração aceite pela Recorrente em 25 de Julho de 2005, e reduziu para 53.073m2 a área a ser concedida por arrendamento à Recorrente na Baía de Nossa Senhora da Esperança.
10. Tanto assim que as Sociedades «D, Serviços Recreativos, S.A.» e «Propriedades E, S.A.», retiraram benefício do Termo de Compromisso, que foi celebrado apenas com a Recorrente, para obterem, em seu exclusivo proveito, a concessão do terreno designado por lote B, do quarteirão B2, da zona B dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
11. Ora, reconhecer e manter direitos de terceiros constituídos com base no Termo de Compromisso, que foi apenas celebrado com a Recorrente, e invocar decorridos 17 anos a sua nulidade e a extinção do procedimento de troca, configura, para além de abuso de direito, uma violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade previstos dos artigos 5º e 7º do Código do Procedimento Administrativo.
12. Foi a confiança na Administração que levou a que a Recorrente e os anteriores titulares nunca tenham concretizado qualquer projecto nos terrenos da Fábrica de Panchões em propriedade perfeita, nem tenham intentado, antes do ano de 1999, acção de usucapião dos terrenos omissos no Registo Predial.
13. O projecto imobiliário na Baía de Nossa Senhora da Esperança foi a única alternativa que a Recorrente ponderou ao longo de todos estes anos, pois confiou no compromisso e na palavra da administração, não tendo sequer desenvolvido qualquer projecto para os terrenos da Fábrica de Panchões cuja titularidade o Governo reconheceu.
14. Durante a vigência da anterior Lei de Terras, a posse pública, pacífica e de boa-fé mantida pelo prazo previsto na lei permitia a aquisição de direitos sobre terrenos omissos no Registo Predial, como sucedeu com outros terrenos na Taipa e em Coloane.
15. O valor dos terrenos da Fábrica de Panchões B, em meados dos anos 90, quando começou a ser negociada a troca de terrenos, não diferia do valor do terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança, que àquela data estava numa zona isolada, coberto por água na Baía de Nossa Senhora da Esperança, tanto mais que eram necessárias complexas e dispendiosas obras de aterros e de infraestruturas para o aproveitamento da futura concessão, custos que são cada vez mais onerosos.
16. Por a Administração reconhecer os avultados custos de desenvolvimento de um projecto imobiliário num terreno alagado, incluiu no Termo de Compromisso que, do prémio global que viesse a ser fixado, nos termos legais, seria, ainda, deduzido o montante de MOP$215.000.000,00 pela execução de obras de infraestruturas.
17. Revisto o Termo de Compromisso, a Recorrente apresentou estudos prévios para o desenvolvimento dos lotes de terreno a conceder na Baía da Nossa Senhora da Esperança, em 22 de Maio de 2007 e em 25 de Janeiro de 2008, sem que houvesse resposta, por parte da DSSOPT, no processo de concessão na Baía de Nossa Senhora da Esperança.
18. Atendendo ao valor global de MOP$428.000.000,00 que, no Termo de Compromisso, se determina será deduzido do prémio da concessão, pode concluir-se que foi respeitado o princípio da equivalência, tanto mais que a Sociedade trocou a totalidade do terreno que titulava e ocupava na Baixa da Taipa por um terreno de 53.073m2, alagado numa zona isolada e sem quaisquer infraestruturas urbanas.
19. Mais, os valores acima referidos foram calculados pela Administração de acordo com as regras legais habitualmente seguidas, conforme se verifica, por exemplo, nas listas de cálculo do prémio, realizadas nos termos da Portaria n.º 293/92/M, e que constam como anexo ao Memorandum 009/98 da DSSOPT, de 5 de Março de 1998.
20. A anterior Lei de Terras permitia, nos termos do artigo 80º, a troca de terrenos de valor superior aos recebidos, desde que a concessionária pagasse, a título de preço ou aluguer, a importância correspondente à diferença.
21. A decisão da Administração de declarar a extinção do procedimento, quase 17 anos depois da celebração do Termo de Compromisso causa prejuízos de difícil reparação à Recorrente, sendo que o artigo 213º, n.º 2 da Lei n.º 10/2013 determina que a aplicação da nova Lei a situações de pretérito não deve implicar prejuízos para os interessados.
22. Certo é que a Recorrente cede direitos de propriedade em troca do arrendamento de um terreno do Estado e que a futura concessão por arrendamento será destinada ao desenvolvimento, em terreno público, do projecto imobiliário que for aprovado pela Administração, tal como sucedeu no lote B, do quarteirão B2, da zona B do NAPE.
23. O Despacho do STOP n.º 87/2006, publicado no Boletim Oficial n.º 23, Série II de 7 de Junho de 2006, deu a conhecer, para os devidos efeitos, o conteúdo integral do Termo de Compromisso, sendo evidente que cabe ao Governo e não à Concessionária, determinar a publicação de contratos administrativos.
24. O Director dos SSOPT representa o Governo da RAEM e só celebra contratos depois obtida aprovação do Secretário e do Chefe do Executivo, que, foram concedidas, respectivamente, em 8 e 9 de Janeiro de 2001, conforme mencionado no artigo 43º supra.
25. Os artigos 41º, 124º e 125º da anterior Lei de Terras determinam que a concessão de terrenos é da competência do Chefe do Executivo, contudo o Termo de Compromisso não é uma concessão, mas sim de uma promessa para celebrar um contrato, pelo que não existindo concessão (cujo contrato ainda não foi celebrado) não há violação de nenhum preceito da Lei de Terras.
26. O Termo de Compromisso é válido e produz efeitos entre as partes, salvo se for anulado pelo Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 113º e ss. do Código de Processo Administrativo Contencioso, ou se a sua anulação for consentida por ambas as partes.
27. A Recorrente agiu sempre de boa-fé e que o comportamento da Administração, ao longo de dezassete anos, induziu a Recorrente a acreditar que tinha adquirido uma posição juridicamente válida e tutelada.
28. O facto do Termo de Compromisso ter dado origem a uma concessão por arrendamento a favor de terceiros, sem que até agora a entidade recorrida tenha cumprido o acordo celebrado com a Recorrente, resulta num tratamento desigual, proibido nos termos do artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo, e em violação do artigo 25º da Lei Básica, que consagra o princípio da igualdade.
29. Constitui abuso de direito a conduta da Administração que contraria todo o seu anterior comportamento, ao longo de dezassete anos, que tornava justificada a confiança e expectativa de que não fosse invocada a nulidade do Termo de Compromisso e a extinção do procedimento para a troca de terrenos.
30. Da parte da Recorrente existiu um verdadeiro investimento de confiança, que, do seu lado, se traduziu na vinculação aos termos do negócio aceite e dado como bom por ambas as partes, e na sua actuação de boa-fé ao aceitar todas as condições propostas pela Administração, nomeadamente, a revisão do acordo celebrado com a redução da área a conceder.
31. A invocação da invalidade do Termo de compromisso e a declaração de extinção do procedimento de troca de terrenos por parte da Administração, quando sempre da sua conduta resultou que não o iria fazer e sendo ela quem provocou a nulidade formal que agora alega e que protelou a execução do contrato prometido, resulta num flagrante atentado à boa-fé.
32. Resultando tal prática em abuso de direito, conforme prescrevem os artigos 8º, n.º 2, al. a) do Código do Procedimento Administrativo e 326º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium.
33. A ordem jurídica tem de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens, poder confiar é condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação.
34. A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprobabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa-fé.
35. A Administração Pública é, por excelência, uma pessoa de boa-fé, apta a suscitar a confiança dos particulares, devendo ser protagonista, em todos os momentos, disso mesmo.
36. É verdade que existem decisões que recusam o abuso de direito com o argumento de que se ilegítimo é o exercício de tal direito, menos ilegítimo não é impor-se a validade do contrato quando a lei é expressa no sentido de ser o mesmo nulo.
37. Contudo, entendeu o Tribunal de Segunda Instância, no Acórdão n.º 577/2006, proferido em 18 de Janeiro de 2007, que, é de se ter este entendimento por ultrapassado, sendo antes de se admitir a invocação do abuso do direito, pois que se a nulidade é de interesse de ordem pública, também o é a ilegalidade do exercício do direito por abuso deste.
38. Pois, como naquele douto Acórdão se refere, o abuso do direito constitui uma válvula de segurança com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito conferido por lei.
39. A promessa administrativa traduz-se numa decisão e constitui uma autovinculação da Administração à prática de um acto, regulamento ou contrato.
40. Tal autovinculação gera a seu favor uma substancialidade que, sendo destacável do objecto em que se materializará, reveste-a de uma imperatividade plena por si mesma, por isso o acto devido é um acto jurídico e, mesmo que seja considerado declarativo, produz efeitos: define situações jurídicas e isso basta para qualificar como actos administrativos os actos prometidos.
41. O princípio da confiança, que miscigena a juridicidade de uma componente ética, vê a sua operacionalidade dependente da verificação dos seguintes requisitos: a) a existência de uma actuação administrativa que gere uma situação de confiança fundamentada; b) a existência de um investimento de confiança com base nessa actuação; e c) a frustração dessa confiança e consequente existência de prejuízos.
42. A toda a conduta é inerente uma responsabilidade, no sentido de responder pelas pretensões de verdade, de rectidão ou de autenticidade inerentes à mensagem que essa conduta transmite.
43. O acto recorrido viola o artigo 326º do Código Civil, os princípios da justiça, imparcialidade, igualdade e da boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração, previstos nos artigos 25º da Lei Básica e 5º, 7º e 8º do Código do Procedimento Administrativo, verificando-se o vício previsto no artigo 21º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, devendo, por isso, ser anulado de acordo com o artigo 124º do Código de Procedimento Administrativo.
Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por o acto recorrido estar ferido de ilegalidade, devendo por isso ser anulado, com as consequências legais.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, nela formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso carece de objecto, não tendo a recorrente, nas suas alegações, apontado qualquer vício ao acto recorrido, emanado pelo Chefe do Executivo.
2. Apesar de a recorrente não afirmar expressamente que a informação n.º 255/DSO/2017 consubstanciava o acto recorrido, a verdade é que é com base na fundamentação inserta nesta informação que elabora toda a argumentação para atacar o acto recorrido, em nada atacando o parecer do Gabinete do STOP, cuja fundamentação, por remissão, serviu de justificação à decisão do Chefe do Executivo.
3. Deve, por isso, a tribunal rejeitar liminarmente o presente recurso contencioso (cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 46º do CPAC), absolvendo a Entidade Recorrida da instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1º do CPAC.
4. O acto recorrido não padece de qualquer vício. Por força da entrada em vigor da Lei n.º 10/2013, ainda que a troca seja admissível, há que respeitar o limite imposto pelo n.º 2 do seu artigo 86º.
5. O termo de compromisso foi o resultado de várias negociações entre a Administração e os titulares dos terrenos da antiga fábrica de panchões, sendo que o atraso na formalização da permuta de terrenos não se ficou a dever a dilações imputáveis à entidade recorrida, mas a alterações ao negociado, solicitadas pelos titulares daqueles terrenos.
6. O termo de compromisso ficou suspenso e não foi executado globalmente até à entrada em vigor da actual lei de terras.
7. O artigo 213º da Lei n.º 10/2013 manda aplicar aquele diploma aos procedimentos de concessão ainda não concluídos, a todos os actos a praticar depois da sua entrada em vigor.
8. Embora seja verdade que o n.º 2 daquele preceito faz uma ressalva, restringindo a aplicação da nova lei ao estritamente indispensável e com o mínimo de prejuízo para os interessados, neste caso, a troca nos termos acordados revela-se legalmente impossível de efectuar, determinando invariavelmente a extinção daquele procedimento, sendo que dessa extinção não resulta qualquer prejuízo para a recorrente.
9. O termo de compromisso não é válido, porquanto, nos termos do artigo 86º da Lei n.º 10/2013, o seu objecto se mostra legalmente impossível, por não existir a igualdade de prestações exigidas por aquele preceito legal.
10. Pois, contrariamente ao disposto naquele preceito legal, o valor dos terrenos recebidos é inequivocamente inferior à metade do valor dos terrenos a conceder.
11. O termo de compromisso não é uma promessa administrativa que constitui uma autovinculação da Administração à prática do acto. Trata-se, apenas, de um acordo de princípios que representa a redução a escrito dos termos e condições que presidirão à troca de terrenos, equiparando-se a uma declaração de intenções ou a um acto informal que não traduz qualquer vinculação jurídica à prática de acto.
12. No que diz respeito à concessão titulada pelo Despacho do STOP n.º 87/2006, a favor da Propriedades E, S.A., considera-se que a mesma é válida, tendo resultado de um procedimento de concessão, com dispensa de concurso público autónomo, no qual já foram constituídos direitos de terceiros que merecem tutela jurídica.
13. A recorrente defende, sem razão, a violação dos princípios de igualdade, justiça, imparcialidade e boa-fé, bem como um abuso de direito, em virtude de a entidade recorrida ter criado uma invalidade numa situação que estava exclusivamente no seu controlo, para não cumprir as obrigações assumidas.
14. Todavia, face à existência de qualquer invalidade, a entidade recorrida tem o dever legal de reagir, sanando-a, quando possível, ou anulando o acto, nos casos em que a sanação não é possível, como acontece neste caso, em que a declaração de extinção do procedimento era a única e vinculada decisão da Administração.
15. Ora, estando em causa uma actuação em que a Administração se encontra vinculada àquela decisão, torna-se irrelevante a violação destes princípios, que são inoperantes no caso de se tratar de uma actividade administrativa vinculada.
16. A entidade recorrida pode unilateralmente declarar a invalidade do termo de compromisso, porquanto, não tem aqui aplicação o previsto nos artigos 113º e seguintes do CPAC.
17. Este artigo aplica-se no âmbito dos conflitos de interpretação, validade ou execução dos contratos administrativos e o termo de compromisso não pode ser considerado um contrato administrativo, mas apenas um acordo de vontades ou acto informal sem vinculação à prática de acto, que não assume a natureza de contrato administrativo, por não corresponder a um acordo de vontades constitutivo de qualquer relação jurídica administrativa.
18. As questões arguidas pela recorrente, que não se prendam com a invalidade do termo de compromisso, fundada na impossibilidade legal decorrente do n.º 2 do artigo 86º da Lei n.º 10/2013, não poderão ser tidas em conta, porquanto, apesar de terem sido analisadas na proposta n.º 255/DSO/2017, não foram consideradas no parecer emitido pelo Gabinete do STOP e, por isso, não consubstanciam a fundamentação do acto recorrido.
19. Dada a falta de legitimidade da recorrente para a sua arguição, o litígio existente entre a entidade recorrida e a Companhia de Investimento e Fomento Predial C, S.A., relativo ao pagamento do prémio adicional relativo à concessão do terreno sito no quarteirão X, na ilha da Taipa, não deve ser aqui carreado.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser rejeitado liminarmente ou, caso assim não se entenda, ser considerado improcedente, por não verificação de quaisquer dos alegados vícios, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.”
*
Notificadas para apresentarem querendo alegações facultativas, tendo ambas as partes reiterado a posição anteriormente assumida.
Dada vista ao Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, foi emitido o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial e alegações facultativas, a recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio, assacando-lhe o abuso de direito e a violação dos princípios da justiça, da imparcialidade, da igualdade, da boa fé na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência.
*
1. Do efeito do despacho em questão
Exarado na Proposta n.º 255/DSO/2017 (doc. de fls. 40 a 44 verso dos autos), o despacho ora posto em crise nos presentes autos determina “按運輸公務司司長建議,本人宣告消滅有關換地程序。請按建議辦理。” Ora bem, nesse Parecer do Exmo. Senhor STOP lê-se que “À consideração superior com a minha concordância com o parecer deste Gabinete”.
Interpretando o despacho recorrido em articulação com o Parecer do Exmo. Sr. STOP e o parecer do seu Gabinete (vide. fls. 45 dos autos), podemos extrair que o mesmo despacho consiste em determinar a extinção do procedimento de troca de terreno, por se verificar a impossibilidade legal decorrente da disposição no n.º 2 do art. 86º da Lei n.º 10/2013, normativo legal que prescreve: No caso previsto no n.º 2 do artigo 83.º, podem ser concedidos, mediante troca, terrenos de valor superior aos recebidos, desde que o valor dos terrenos recebidos não seja inferior à metade do valor dos terrenos concedidos, pagando o concessionário, a título de prémio, a importância correspondente à diferença dos valores dos dois terrenos em troca.
*
2. Dos terrenos ocupados pela
Para os devidos efeitos, interessa realçar que “3. 根據作為《承諾書》附件2 的第514/89 號地籍圖,B炮竹廠總佔地面積28,340 平方米,…,當中最主要及核心的地塊是澳葡政府於1956 年和1957 年以租賃方式批出用作經營炮竹廠的合共21,668平方米的土地,但在1986 年已經根據第59/86 號批示宣告解除上述土地批給合同和批給失效。” (cfr. o “關於B炮竹廠土地置換事件的調查報告” do ACCIA).
Repare-se que nessa área total de 28,340 m2, a propriedade privada é de tão-só 1,655 m2, e não há dúvida de que “A公司對於B炮竹廠的其他土地依法並不享有任何權利” (cfr. o “關於B炮竹廠土地置換事件的調查報告” do ACCIA). Daí resulta irrefutavelmente que ao outorgar este Termo em 10/01/2001 (doc. de fls. 1799 a 1803 do P.A.), é ilícita e ilegítima a ocupação pela ora recorrente da restante área de 26,685 m2 cuja propriedade é do Estado (art. 7º da Lei Básica).
Na realidade, sucede ainda que “7. 由此可見,《承諾書》中所確定的B炮竹廠土地價值,不僅包括了私家地及長期租借地,也包括了已交還政府的租賃地及無主地等整個炮竹廠的土地的價值,並且將後述兩類土地的價值在溢價金中作出扣減。” O que evidencia concludentemente que o terreno ilegal e ilegitimamente ocupado pela recorrente foi qualificado no seu património para efeitos de troca do terreno do Estado na área de 152,073 m2.
*
3. Da Nulidade do Termo do Compromisso
Recorde-se que o Relatório do CCAC constata indubitavelmente que é ilegítima e ilegal a ocupação do terreno na área de 26,685 m2 pela recorrente, e este terreno foi enquadrado no seu património para efeitos de troca do terreno do Estado na área global de 152,073 m2.
3.1. Bem, a finalidade estabelecida no art.1º desse Termo de Compromisso torna absolutamente inquestionável que o terreno na área total de 152,073 m2 que constitui objecto da troca é insusceptível da ocupação por Licença, sob pena de incorrer na ilegalidade (arts. 69º a 73º da Lei n.º 6/80/M bem como 76º e 77º da Lei n.º 10/2013). E por natureza das coisas, o objecto imediato de qualquer contrato de troca não é passível de acto administrativo.
Pese embora a terra do Estado seja coisa fora do comércio (arts. 7º da Lei Básica e 193º/n.º 2 do Código Civil), mas nos termos do regime jurídico quanto à concessão onerosa de terrenos disponíveis (arts. 44º a 59º da Lei n.º 6/80/M que é diploma vigente à data da outorga do Termo de Compromisso), afigura-se-nos que o objecto imediato deste Termo de Compromisso é passível de contrato de direito privado.
Daí decorre que, a nosso ver, ao mesmo termo se aplica o regime de invalidade de negócios jurídicos consignado no Código Civil (art. 172º, n.º 3, alínea b), do CPA). Nesta linha de raciocínio, acompanhamos a tese de ser nulo o Termo de Compromisso, temos duas razões.
3.2. Prescreve expressamente o art. 933º do Código Civil de Macau que “As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.” E o art. 882º deste Código consagra imperativamente a nulidade da venda de bens alheios sempre que o vendedor carece de legitimidade para a realizar.
Ao abrigo das disposições nos arts. 933º e 882º deste Código, não podemos deixar de concluir que o Termo de Compromisso tem de ser nulo quanto ao terreno da área de 26,685 m2, em virtude de que faltou absolutamente à recorrente, na devida altura, da legitimidade para alienar ou onerar ou, de qualquer modo, dispor tal terreno, pois o terreno disponível pela recorrente em regime de propriedade privada é apenas de 1,655 m2.
3.3. Na medida em que é ilegal e ilegítima a ocupação pela recorrente do terreno da área de 26,685 m2 e, para efeitos de troca, este terreno foi calculado no património da recorrente. De outra banda, a troca fixada no dito Termo de Compromisso traz apenas a área de 1,655 m2 à RAEM que tem de conceder-lhe a área de 152,073 m2.
Basta o bom senso para inferir que o sacrifício e o custo suportados pela RAEM são manifesta e desproporcionalmente superiores ao correspondente benefício. O que patenteia concludentemente que o Termo de Compromisso infringe a igualdade da prestação sucessivamente consagrada no art. 80º da Lei n.º 6/80/M e no art. 86º da Lei n.º 10/2013.
Ressalvado o elevado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que a grave violação da “igualdade da prestação” acarreta reforçadamente a nulidade ao Termo de Compromisso. Pois, repare-se que o art. 80º e o art. 86º aludidos são comandos legais de carácter imperativo, e o art. 287º do Código Civil determina peremptoriamente que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
3.4. É verdade que é opinativa a pronúncia da Administração sobre a validade dum contrato administrativo, e ela só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente (art. 173º, n.º1, do CPA). Desta disposição legal decorre que o ponto de vista da Administração relativo à nulidade do referido Termo não vincula a recorrente.
No entanto, não se deve perder da vista que no nosso ordenamento jurídico, a nulidade tanto de negócio jurídico como de acto administrativo pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (arts. 279º do Código Civil e 123º, n.º 2, do CPA), quer dizer que é do conhecimento oficioso.
Nestes termos e na medida em que, no nosso prisma, tal nulidade constitui ponto de partida e pressuposto do despacho recorrido que consiste em declarar extinto o procedimento da troca, inclinamos a entender que o Venerando TSI é competente e pode declará-la.
*
4. Dos argumentos da recorrente
Fundamentando o pedido de anulação do despacho escrutinado, a recorrente invocou o abuso de direito bem como a violação dos princípios da justiça, da imparcialidade, da igualdade, da boa fé na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência.
4.1. Ora, o Relatório do CCAC revela cabalmente que o Termo do Compromisso causou já prejuízos ao interesse público (apontou o CCAC no seu Relatório que “2. …根據相關公司向公署提供的資料顯示,為取得A地塊的發展權利,D公司向A公司支付了港幣五億元的轉讓金”), e é previsível que o prosseguimento da troca agravará o prejuízo do interesse público. De outro lado, afigura-se-nos inquestionável que a única decisão legal não pode ser outra senão a de declarar a extinção do procedimento de troca, pois em bom rigor, é ilegal o cumprimento deste Termo por o qual ser nulo.
Bem, preconiza a sensata jurisprudência (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º 290/2017 e n.º 571/2018): O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
Em esteira, resta-nos concluir que o despacho in quaestio que se destina e é estritamente necessário para se diminuir o prejuízo do interesse público não padece do abuso do direito.
4.2. Ressalvado muito elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, parece-nos que o despacho recorrido constitui acto vinculado, em virtude de incorporar-se em si a única resolução legalmente admissível para defesa do interesse público.
Ora bem, no actual ordenamento jurídico de Macau encontram-se irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 32/2016, n.º 79/2015 n.º 46/2015, n.º 14/2014, n.º 54/2011, n.º 36/2009, n.º 40/2007, n.º 7/2007, n.º 26/2003 e n.º 9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Seja como for, a violação do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 7/2007)
Tudo isto aconselha-nos a entender que o despacho em questão não colide com os princípios da justiça, da imparcialidade, da igualdade e da boa fé na vertente da tutela da confiança, e patente é que a arguição da violação dos princípios da decisão e da eficiência não faz sentido algum.
Convém apontar ainda que a nulidade do Termo de Compromisso determina vinculativamente que a recorrente não adquiria o direito à troca do terreno na área de 152,073 m2. Por natureza das coisas, a inexistência do direito à troca torna inócuos os vícios assacados pela recorrente.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não há excepções nem nulidades que possam obstar ao conhecimento de mérito.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
A área da Fábrica de Panchões B é composta por: terrenos em propriedade perfeita, terrenos concedidos por arrendamento, terrenos concedidos por aforamento e terrenos “Sa Chi Kai” adquiridos pelos antigos proprietários da Fábrica de Panchões.
A antiga Fábrica de Panchões B desenvolveu a sua actividade até ao século passado, depois devido a restrições legais ao desenvolvimento daquela actividade industrial em zonas habitacionais, o Governo decidiu cancelar a licença de fabrico de produtos perigosos.
Os terrenos que compõem a Fábrica de Panchões B eram ocupados pela recorrente.
Os terrenos em propriedade perfeita de que a recorrente é proprietária correspondem a três parcelas descritas na Conservatória do Registo Predial:
- Descrição n.º …, a fls. … do Livro …, com a área de 2020 m²;
- Descrição n.º …, a fls. … do Livro …, com a área de 123 m²;
- Descrição n.º …, a fls. … do Livro …, com a área de 859 m², num total de 3002 m².
Enquanto as concessões por arrendamento foram declaradas caducadas e rescindidas pelo Despacho do Encarregado do Governo n.º 59/86, de 28 de Fevereiro (publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 11, de 15 de Março de 1986, pág. 946 e ss), nos termos do qual foi homologada a declaração de rescisão das concessões, por arrendamento, dos terrenos com as áreas de 113,85 m², 15312,40 m², 104,65 m², 2397,15 m², 2288,37 m² e 2000 m², todas da Fábrica de Panchões B.
Por seu turno, os terrenos concedidos por aforamento têm uma área total de cerca de 4627 m², e os terrenos omissos cerca de 2279 m².
Apesar das caducidades e rescisões declaradas no Despacho do Encarregado do Governo n.º 59/86, a recorrente continuou a ocupar esses terrenos, bem assim os prédios concedidos por aforamento e os terrenos adjacentes “Sa Chi Kai” ou “Papel de Seda”.
Não tendo o Governo, desde aquela altura até 2017, tomado qualquer iniciativa para reclamar os terrenos.
Foi outorgado em 10.1.2001 um “Termo de Compromisso” entre o Governo da RAEM (representado pelo então Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes Jaime Roberto Carion) e a recorrente (representada na pessoa do seu Administrador X), o qual teve por objecto dar início ao procedimento da troca de todas as parcelas de terreno da antiga Fábrica de Panchões B, alegadamente possuídas e ocupadas pela recorrente, pela concessão de um terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança, com a área de 152073 m², junto à Avenida da Praia, na Ilha da Taipa, para a construção de um complexo turístico e habitacional, a definir no plano de aproveitamento a elaborar pela recorrente.
Por Despacho do Chefe do Executivo de 1.3.2002, foi autorizada a divisão do terreno acima descrito em duas parcelas, designadas por zona A e zona B, respectivamente, com as áreas de 99000 m² e 53073 m².
Com o consentimento da RAEM, a recorrente cedeu a favor da sociedade D, Serviços Recreativos, S.A., parte dos direitos sobre aquele terreno que iria receber na troca dos terrenos da antiga Fábrica de Panchões B, designada por zona A, com a área de 99000 m².
Posteriormente, a sociedade D, Serviços Recreativos, S.A. veio requerer, juntamente com a sociedade Propriedades E, S.A., a concessão por arrendamento do terreno designado por lote B, do quarteirão B2, da zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), com a área de 18363 m², destinado à construção de um complexo constituído por um hotel de 5 estrelas e por uma área residencial, abdicando a primeira requerente (D, Serviços Recreativos, S.A.) da área de 18363 m² no terreno situado na Baía de Nossa Senhora da Esperança que o Governo da RAEM havia comprometido a conceder no âmbito do procedimento da troca de terrenos na antiga Fábrica de Panchões B.
Foi elaborada em 22.6.2017 pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a seguinte Proposta:
“Proposta N.º: 255/DSO/2017
Data: 22/06/2017
Assunto: Relatório de investigação – Intenção de tomada de decisão do Chefe do Executivo, referente à declaração da extinção do procedimento de troca do terreno da Fábrica de Panchões B (Proc n.º 6153.03)

1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 24 de Abril de 2017, foi determinada a pretensão de declaração de extinção do procedimento de troca do terreno da Fábrica de Panchões B (adiante designada por “Fábrica de Panchões”) nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 103º do «Código do Procedimento Administrativo», aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, uma vez que de acordo com o n.º 2 do artigo 86º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», existe a impossibilidade legal em relação ao respectivo objecto (Anexo 1).
2. Em conformidade com os artigos 93º e 94º do «Código do Procedimento Administrativo», esta Direcção de Serviços através do ofício n.º 324/6153.03/DSO/2017, de 9 de Maio, comunicou à interessada Sociedade de Desenvolvimento Predial A, S.A. (adiante designada por “Sociedade da A”) a referida intensão de tomada de decisão e que pode pronunciar-se sobre a mesma (Anexo 2).
3. Em resposta ao ofício acima mencionado e, para os efeitos de audiência prévia, a Advogada X, representante da Sociedade da A, apresentou uma alegação escrita registada com entrada n.º 70885/2017 de 22 de Maio de 2017, solicitando a não decisão de declaração de nulidade do “termo de compromisso” celebrado em 10 de Janeiro de 2001 e dos actos consequentes, e o seguimento do procedimento administrativo do caso vertente, pelas seguintes razões (Anexo 3):
O “termo de compromisso” não é nulo
3.1 O projecto do “termo de compromisso” foi visto e assinado pelo ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) em 8 de Janeiro de 2001 e autorizado e assinalado pelo Chefe do Executivo em 9 de Janeiro de 2001. Posteriormente em 10 de Janeiro de 2001, o “termo de compromisso” foi celebrado oficialmente pelo ex-Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e pela Sociedade da A, nestas circunstâncias, o mesmo foi celebrado sob poderes conferidos legalmente;
3.2 O “termo de compromisso” foi transcrito no Despacho do SOPT n.º 87/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM (adiante designado por “Boletim Oficial), n.º 23, II Série, de 7 de Junho de 2006;
3.3 Cabe ao Governo a decisão de publicação ou não do contrato administrativo, mas não à destinatária;
3.4 Pode-se verificar no n.º 11 deste despacho que o “termo de compromisso” e o respectivo processo já foram enviados à Comissão de Terras para discussão e parecer;
3.5 Nos termos legais, mesmo que o “termo de compromisso”, celebrado pela Sociedade da A e pelo Governo, não fosse publicado no Boletim Oficial, produziria efeito entre as duas partes e estas obrigam-se a cumpri-lo;
3.6 A antiga «Lei de terras» é aplicável ao problema do “termo de compromisso”, e de acordo com os artigos 41º, 124º e 125º desta lei, compete ao Chefe do Executivo a decisão de concessão do terreno, contudo, o “termo de compromisso” não é uma concessão de terreno;
3.7 O “termo de compromisso” tem por objectivo prometer a assinatura de um contrato e cujo conteúdo vai ser definido futuramente. Portanto, com a inexistência de concessão, não viola a antiga «Lei de terras».
A troca do terreno situado na Baía da Nossa Senhora da Esperança pelo terreno da Fábrica de Panchões não é nula
3.8 A Sociedade da A trocou o terreno situado na Baía da Nossa Senhora da Esperança pelo terreno inteiro da Fábrica de Panchões e por pagamento de $428.000.000,00 patacas. O terreno inteiro envolve os terrenos da Sociedade e os ocupados pela mesma, incluindo a área total de 3002 m2 de terreno em regime de propriedade perfeita, a qual é superior a 1655 m2;
3.9 Na antiga «Lei de terras» permite-se expressamente trocar um terreno por um outro terreno menor do que aquele quando preenchidos os pressupostos de obedecer o princípio de equivalência e de que o concessionário paga, a título de preço ou renda, a importância correspondente à diferença;
3.10 O valor do terreno a trocar indicado no n.º 1.3 do “termo de compromisso” foi calculado de acordo com a legislação em vigor naquele momento que se relaciona com prémio. Não é adequado, nem justo tomar a decisão à base duma análise procedida de acordo com critério actual mas relativa à situação decorrente no passado;
3.11 O objecto do “termo de compromisso” envolve não só o terreno da Fábrica de Panchões, mas também as construções e coisas aí existentes e, com vista a resolver o problema do processo n.º 257/99, relativo ao prémio do Lote X no valor de $77.000.000,00 patacas.
O Despacho de ex-Chefe do executivo de 1 de Março de 2002 e o documento complementar do “termo de compromisso” de 10 de Janeiro de 2001
3.12 O “termo de compromisso” não deve ser considerado nulo, e os actos consequentes também não devem ser considerados nulos, incluindo o despacho do ex-Chefe do Executivo de 1 de Março de 2002, no qual foi autorizado o pedido, efectuado pela Sociedade da A, de divisão do terreno situado na Baía da Nossa Senhora da Esperança em duas parcelas, respectivamente com as áreas de 99000 m2 e 53073 m2, e de concessão da primeira parcela a favor à D, para construir um complexo hoteleiro, bem como um documento complementar em relação ao “termo de compromisso” que foi visto pelo SOPT e aprovado pelo Chefe do Executivo, pelo que o mesmo não enfermou vício de qualquer forma.
Violação da expectativa legítima e do princípio da boa-fé
3.13 A publicação do “termo de compromisso” celebrado entre o Governo da RAEM e a Sociedade A, relativo à troca do terreno da Fábrica de Panchões, significa que o Governo da RAEM afirma que o “termo de compromisso” tem efeito jurídico;
3.14 Quer no período da Administração Portuguesa de Macau quer do Governo da RAEM, o procedimento de celebração do “termo de compromisso” foi participado e dominado pelo superior do Governo, incluindo técnicos, juristas, engenheiros, chefias funcionais dos serviços públicos, Secretários, o Governador de Macau e o então Chefe do Executivo, o que mostrando a alta transparência no todo procedimento, tanto na elaboração como na celebração. Os motivos e procedimento da troca dos terrenos e o “termo de compromisso” celebrado, todos foram autorizados após a apreciação da DSSOPT e a discussão na reunião da Comissão de Terras, aliás, o procedimento de concessão da D, sobre a troca da parcela situada na zona A da Baía da Nossa Senhora da Esperança, foi objecto da declaração de concordância assinada pela Sociedade da A, daí resulta que esta sociedade está, sem dúvida, com posição jurídica no âmbito do terreno situado na Baía da Nossa Senhora da Esperança. No fim, por despacho do Chefe do Executivo, a publicação no Boletim Oficial foi determinada, isto significa que os motivos e o resultado da troca dos terrenos foram apreciados e autorizados pelos respectivos Serviços Públicos, sendo manifestamente legais, caso declare a extinção do procedimento de troca dos terrenos pela nulidade do “termo de compromisso”, violará o princípio da boa-fé e, prejudicando a expectativa legítima da Sociedade da A.
4. Relativamente à alegação escrita da Sociedade da A, a análise ao assunto é a seguinte:
4.1 A Sociedade da A considera que o “termo de compromisso” foi celebrado sob os poderes conferidos legalmente. De facto, o que foi assinado pelo ex-SOPT, até pelo ex-Chefe do Executivo, é apenas uma minuta do “termo de compromisso”, mas não o original, pelo que não produz qualquer efeito jurídico (Anexo 4);
4.2 Pode-se verificar na cláusula primeira (objecto do contrato) do contrato de concessão titulado pelo Despacho do SOPT n.º 87/2006 que este despacho só titula a concessão de um terreno com a área de 18344 m2, situado na península de Macau, na zona B dos NAPE, junto da Avenida de Sagres e da Avenida Dr. Sun Yat Sem, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º .... Além disso, a Comissão de Terras apenas emitiu parecer sobre o processo supra referido. Isto é, o conteúdo do acordo do “termo de compromisso” não é titulado por este despacho;
4.3 O disposto do artigo 127º da «Lei de terras» em vigor é semelhante ao mesmo da antiga «Lei de terras», isto significa que a concessão e os eventuais actos de disposição relacionados com a concessão são titulados por despacho (do Secretário para os Transportes e Obras Públicas) publicado no Boletim Oficial;
4.4 Por isso, a publicação no Boletim Oficial do contrato de concessão de terreno é um acto formal obrigatório no ponto de vista jurídico, e não é uma decisão somente da parte do Governo, senão, é como o “termo de compromisso”, que fica nulo devido à falta do parecer da Comissão de Terras sobre o pedido de troca dos terrenos que não foi publicado no Boletim Oficial e que é um vício pelo que não é válido, assim implica a nulidade. Nos termos do n.º 1 do artigo 123º do «Código do Procedimento Administrativo», o acto nulo não produz quaisquer efeitos, nem vincula qualquer pessoa ou entidade;
4.5 Em conformidade com o artigo 404º do «Código Civil», aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de Agosto, o “termo de compromisso” é um contrato-promessa que tem por objectivo a convenção da celebração de um contrato prometido. Visto que o conteúdo do contrato prometido envolve a concessão dos terrenos, não há qualquer dúvida de que o mesmo se rege pela «Lei de terras», aliás, nos termos dos artigos 168º e 172º do «Código do Procedimento Administrativo», a convenção constitui acto de formação dos contratos, pelo que também se rege pelo regime de invalidade;
4.6 Conforme as inscrições n.ºs … e … da CRP, verifica-se que o direito de propriedade das parcelas da Fábrica de Panchões, com a área total de 3002 m2, demarcadas e assinaladas com as letras A11 (40m2), A20 (694m2), P1 (824m2), P1a (462m2), A18a (357m2), A21 (256m2), P3 (246m2) e P2 (123m2) na planta n.º 514/1989 de 13 de Setembro de 2016, descritas na CRP sob os n.ºs … (2020m2), … (123m2) e … (859m2), acha-se inscrito a favor da Sociedade da A. Todavia, não existe registo sobre a situação de ocupação das outras parcelas da Fábrica de Panchões indicada pela Sociedade da A, esta sociedade nunca apresentou quaisquer provas ou decisão do Tribunal, comprovativas da sua alegação, ou seja, a aquisição dos respectivos direitos sobre a ocupação por meio de usucapião. Nestes termos, além das parcelas com a área de 3002 m2, a Sociedade da A não tem legitimidade sobre o direito de disposição das outras parcelas de terreno da Fábrica de Panchões, mesmo que a ocupação seja um facto, tanto nos termos da nova «Lei de terras», como da antiga, o objecto da troca de terrenos deve ser do direito de terreno, mas não sobre a situação da ocupação de terreno (Anexo 5);
4.7 De facto, devido a várias razões, o conteúdo do “termo de compromisso” não foi realizado completamente até a entrada em vigor da Lei n.º 10/2013 em 1 de Março de 2014, por outra palavra, não foi realizada conforme o “termo de compromisso” a transmissão do terreno da Fábrica de Panchões à RAEM, nem a concessão do terreno situado na Baía da Nossa Senhora da Esperança, foi apenas concedida uma parte do terreno, ou seja, o terreno descrito sob o n.º .... Assim, uma vez que o procedimento ainda está a ser prosseguido, o que não produz completamente o esperado efeito jurídico, neste caso só se pode ser aplicada a nova Lei, isto é, a Lei n.º 10/2013;
4.8 O procedimento da troca dos terrenos, indicado no “termo de compromisso”, quer por iniciativa da RAEM, quer a pedido da entidade privada, e o facto de receber um terreno apenas com 3002 m2 é incompatível com a igualdade das prestações prevista no artigo 86º da Lei n.º 10/2013, isto é, existe a impossibilidade legal sobre os fins a alcançar do procedimento de troca dos terrenos resultante do “termo de compromisso”;
4.9 Aliás, considerando o princípio de legalidade, a Administração não pode continuar a pôr em prática o “termo de compromisso” que não está em conformidade com a «Lei de terras» em vigor, tanto na competência, como na forma e no procedimento;
4.10 Devido à nulidade do “termo de compromisso”, todos os actos dependentes da existência daquele acto nulo ou todas as situações de facto resultantes do mesmo, em princípio, são nulos, incluindo o despacho do ex-Chefe do Executivo de 1 de Março de 2002, no qual foi autorizado o pedido, efectuado pela Sociedade da A, de divisão do terreno situado na Baía da Nossa Senhora da Esperança em duas parcelas, respectivamente com as áreas de 99000m2 e 53073m2, e de concessão da primeira parcela a favor à D, para construir um complexo hoteleiro, bem como um documento complementar, em relação ao “termo de compromisso”, assinado pelo Director da DSSOPT em nome do Governo da RAEM e pela Sociedade da A em Julho de 2006, no qual horam alteradas as respectivas condicionantes urbanísticas;
4.11 Sobre o prejuízo à expectativa legítima da Sociedade da A, através do n.º 19 da alegação escrita, podemos saber que esta sociedade entende bem que o “termo de compromisso” celebrado em 10 de Janeiro de 2001 tem por objectivo só a outorga de um contrato no futuro e que não existe qualquer concessão, ou seja, há incerteza de atribuir-concessão. Aliás, dado que o “termo de compromisso” enfermou vício objectivo acima referido, não é possível produzir efeito previsível, nem a expectativa legítima alegada.
5. Pelo exposto, não foram carreados para o procedimento elementos ou argumentos de facto e de direito que pudessem conduzir à alteração da declaração de extinção do procedimento de troca do terreno da Fábrica de Panchões, pelo que nos termos do artigo 86º da Lei n.º 10/2013 e da alínea b) do n.º 2 do artigo 103º do «Código do Procedimento Administrativo», submete-te a presente proposta à consideração superior a fim de declarar a extinção do procedimento de troca referente à Fábrica de Panchões B.
À consideração superior.”

Em aditamento, foi apresentada pelo Gabinete do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas a seguinte proposta:
“Assunto: Proposta n.º 255/DSO/2017 — Análise à resposta apresentada pela “Sociedade de Desenvolvimento Predial A”, em sede de audiência prévia, relativamente à intenção de se extinguir o procedimento de permuta dos terrenos da Fábrica de Panchões B

A coberto da proposta acima referenciada vem analisada a resposta apresentada pela “Sociedade de Desenvolvimento Predial A”, em sede de audiência prévia, relativamente à intenção de declarar a extinção do procedimento de troca, uma vez que o seu objecto se mostra legalmente impossível, face ao disposto no n.º 2 do artigo 86º da Lei n.º 10/2013.
Na resposta apresentada por aquela “Sociedade”, esta pronuncia-se sobre questões que não haviam sido suscitadas aquando da manifestação da intenção de declaração de extinção do procedimento, as quais não são relevantes, razão pela qual não deve ser considerada a análise sobre as mesmas efectuada na Proposta n.º 255/DSO/2017.
Quanto à impossibilidade legal decorrente do n.º 2 do artigo 86º da Lei n.º 10/2013, aquela “Sociedade” apenas se limita a fazer considerações genéricas e sobre a avaliação do terreno à época, não tendo trazido qualquer elemento que importe a alteração da intenção de extinção do procedimento de troca com aquele fundamento.
Pelo exposto, somos de opinião que este expediente pode ser levado à consideração de Sua Excelência o Chefe do Executivo, propondo-se que se declare extinto, conforme o aqui referido, o procedimento em causa.
À consideração de V. Exa.”

Foi proferida pelo Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas o seguinte despacho:
“À consideração superior com a minha concordância com o parecer deste Gabinete.”
Pelo Exm.º Chefe do Executivo foi proferido em 25.7.2017 o seguinte despacho:
“按運輸工務司司長建議,本人宣告消滅有關換地程序。請按建議辦理。”
*
Comecemos pela questão prévia invocada pela entidade recorrida.
Alega a entidade recorrida que o recurso carece de objecto, por entender que aquilo que consubstancia e serve de base ao acto emanado pelo Chefe do Executivo é o parecer emitido pelo Gabinete do Secretário para os Transporte e Obras Públicas, daí que, não tendo o presente recurso contencioso atacado o parecer emitido por aquele Gabinete, cuja fundamentação por remissão serviu de justificação à decisão recorrida, incorre na falta de objecto.
Sem necessidade de delongas considerações, julgamos não assistir razão à entidade recorrida.
Em boa verdade, dúvidas de maior não restam de que o recurso contencioso tem por objecto o próprio acto de declaração de extinção do procedimento, proferido pelo Chefe do Executivo em 25.7.2017.
E quanto à questão de saber se a fundamentação do acto recorrido está apenas contida no parecer do Gabinete do Secretário, ou também na informação da Direcção dos Serviços de Obras Públicas, nada tem a ver com a falta de objecto do recurso, pois, o objecto está correcto, que é o acto do Chefe do Executivo, quando muito se pode levantar a questão de eventual falta de fundamentação.
Nestes termos, julga-se improcedente a excepção invocada pela entidade recorrida.
*
Foi proferido pelo Chefe do Executivo o despacho que declarou a extinção do procedimento de troca do terreno da Fábrica de Panchões B.
Assaca a recorrente ao referido despacho a má fé da Administração e a falta de respeito pelos princípios gerais de direito administrativo.
Ora bem, no caso dos autos, é verdade que foi outorgado entre a recorrente e a Administração um Termo de Compromisso o qual teve por objecto dar início ao procedimento de troca de todas as parcelas de terreno da antiga Fábrica de Panchões B, alegadamente possuídas e ocupadas pela recorrente, pela concessão de um terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança, com a área de 152073 m², junto à Avenida da Praia, na Ilha da Taipa, para a construção de um complexo turístico e habitacional, a definir no plano de aproveitamento a elaborar pela recorrente.
Também é verdade que em consequência daquele Termo de Compromisso, foi autorizada, por Despacho do Chefe do Executivo de 1.3.2002, a divisão do terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança, com a área de 152073 m² em duas parcelas, designadas por zona A e zona B, respectivamente, com as áreas de 99000 m² e 53073 m², tendo a recorrente cedido, com o consentimento da RAEM, a favor da sociedade D, Serviços Recreativos, S.A., parte dos direitos sobre aquele terreno que iria receber na troca dos terrenos da antiga Fábrica de Panchões B, designada por zona A, com a área de 99000 m². Posteriormente, a sociedade D, Serviços Recreativos, S.A., por sua vez, veio requerer, juntamente com a sociedade Propriedades E, S.A., a concessão por arrendamento do terreno designado por lote B, do quarteirão B2, da zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), com a área de 18363 m², destinado à construção de um complexo constituído por um hotel de 5 estrelas e por uma área residencial, abdicando a primeira requerente (D, Serviços Recreativos, S.A.) da área de 18363 m² no terreno situado na Baía de Nossa Senhora da Esperança que o Governo da RAEM havia comprometido a conceder no âmbito da troca de terrenos da antiga Fábrica de Panchões B.
Conforme resulta da matéria provada, para além das três parcelas de terreno com a área total de 3002 m², as restantes parcelas de terreno da Fábrica de Panchões já não pertenciam à recorrente, em virtude de as concessões por arrendamento já terem sido declaradas caducadas e rescindidas pelo Despacho do Encarregado do Governo n.º 59/86, de 28 de Fevereiro, enquanto os terrenos concedidos por aforamento e os terrenos omissos no registo predial, passaram a ser terrenos disponíveis do Estado, nos termos previstos no artigo 8.º da Lei de Terras.
Isto é, para além daquelas parcelas de terreno com a área total de 3002 m², a recorrente não era titular dos restantes terrenos.
Não obstante, foi outorgado em 10.1.2001 um Termo de Compromisso entre o Governo da RAEM e a recorrente, segundo o qual o Governo da RAEM prometeu conceder à recorrente o terreno localizado na Baía da Nossa Senhora de Esperança, com a área aproximada de 152073 m², enquanto a recorrente prometeu ceder ao Governo da RAEM todas as parcelas de terreno identificadas na planta n.º 514/89 emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro.
Mas como vimos acima, não sendo a recorrente titular de todas as parcelas de terreno identificadas na respectiva planta cadastral, falta-lhe, portanto, legitimação para dispor as parcelas de terreno de que não era titular.
Dispõe o n.º 2 do artigo 86.º da Lei n.º 10/2013: “No caso previsto no n.º 2 do artigo 83.º, podem ser concedidos, mediante troca, terrenos de valor superior aos recebidos, desde que o valor dos terrenos recebidos não seja inferior à metade do valor dos terrenos concedidos, pagando o concessionário, a título de prémio, a importância correspondente à diferença dos valores dos dois terrenos em troca.”
Ora bem, a recorrente era apenas titular de parcelas de terreno com uma área total de 3002 m², portanto, não sendo titular dos restantes terrenos com uma área de cerca de 29122,42 m² (113,85 m² + 15312,40 m² + 104,65 m² + 2397,15 m² + 2288,37 m² + 2000 m² + 4627 m² + 2279 m²), concedidos tanto por arrendamento como por aforamento, nem dos terrenos omissos, há que concluir pela existência de uma manifesta desproporção entre o valor dos terrenos a receber pelo Governo (isto é, correspondente à área total de 3002 m²) e o valor do terreno a conceder à recorrente (com a área aproximada de 152073 m²).
Isto posto, por não existir igualdade de prestações exigida pelo artigo 86º, ex vi do artigo 213.º, ambos da Nova Lei de Terras, o referido Termo de Compromisso não deixa de ser inválido.
Conforme observado pelo Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, e bem, o disposto no artigo 86.º da Nova Lei de Terras constitui um preceito legal de carácter imperativo, daí que o negócio jurídico celebrado contra disposição legal de carácter imperativo é nulo, nos termos previstos no artigo 287.º do Código Civil, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado, podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal, ao abrigo do artigo 279.º do Código Civil.
Prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA: “O órgão competente para a decisão pode declarar o procedimento extinto quando a finalidade a que este se destinava ou o objecto da decisão se revelarem impossíveis ou inúteis”.
No caso vertente, estando em causa uma impossibilidade superveniente que condiciona o normal prosseguimento do procedimento administrativo de troca dos terrenos, detectado no seu decurso, nenhuma censura merece a Administração ao declarar extinto o procedimento de troca de terreno da Fábrica de Panchões B.

Diz a recorrente que o n.º 2 do artigo 213.º da nova Lei de Terras determina que a aplicação da nova lei a situações de pretérito não deve implicar prejuízos para os interessados.
É verdade que a aplicação da nova Lei de Terras a situações iniciadas não deve implicar grandes prejuízos para os interessados, antes devendo os serviços competentes providenciar para que as alterações dos actos já praticados no procedimento se limitem ao estritamente indispensável e sejam feitos com o mínimo de prejuízo para os interessados.
E no caso vertente, uma vez declarado extinto o procedimento de troca, a recorrente permanecerá na titularidade dos terrenos da antiga Fábrica de Panchões de que tinha direito, ou seja, a recorrente não vai ficar com qualquer prejuízo relevante.

Invoca ainda a recorrente que houve abuso de direito por parte da entidade recorrida traduzido em venire contra factum proprium.
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, no Processo n.º 571/2018 que: q“O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões” (Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016). Neste sentido, ainda, o Ac. do TSI, de 18/10/2018, Proc. nº 370/2016.”
No caso sub judice, o acto recorrido visa exclusivamente acatar a norma imperativa de direito público, tratando-se de um acto vinculado da Administração praticado com vista a defender o interesse público, pelo que não se vislumbra, a nosso ver, que o acto tenha excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, improcedendo, assim, o recurso nesta parte.

No que se refere à alegada violação dos princípios da justiça, da imparcialidade, da igualdade e da boa fé na vertente de tutela da confiança, somos a entender que igualmente não assistir razão à recorrente.
Como vimos acima, face ao carácter imperativo do disposto no artigo 86.º da nova Lei de Terras, o acto sob escrutínio e praticado pela entidade recorrida não deixa de ser um acto vinculado.
Efectivamente, inserindo-se a actuação da Administração no âmbito do exercício de poderes vinculados, torna-se irrelevante a alegada violação daqueles princípios, os quais funcionam apenas como limites internos da actividade discricionária da Administração e não no âmbito do exercício de poderes vinculados.
Improcede, assim, o recurso quanto a esta parte.

Finalmente, não obstante a Administração ter concedido, mediante arrendamento, terrenos a terceiros, em consequência da celebração do acordo de troca de terrenos, trata-se de questões relacionadas com outras concessionárias e não com a recorrente dos presentes autos, sendo assim, se existir alguma controvérsia entre eles será resolvida em processo autónomo.
Por tudo quanto deixou exposto, improcedem as razões aduzidas pela recorrente no recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em:
- julgar improcedente a excepção de falta de objecto invocada pela entidade recorrida; e
- julgar improcedente o recurso contencioso interposto pela recorrente Desenvolvimento Predial A S.A., confirmando o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 20 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 9 de Julho de 2020
   Tong Hio Fong
   Lai Kin Hong
   Fong Man Chong
(subscrevendo os argumentos invocados pela Entidade Recorrida, faltando objecto recorrível e como tal deve ser rejeitado o recurso).
Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 842/2017 Página 35