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Processo nº 1013/2019
(Reclamação para a conferência)

Data do Acórdão: 09 de Julho de 2020

ASSUNTO:
- Produção de prova testemunhal

SUMÁRIO:
- Não relevando os factos invocados para apreciação do vício de violação de lei imputado ao acto recorrido nos termos do nº 3 do artº 65º do CPAC deve ser indeferida a produção de prova testemunhal requerida por não ser relevante para a decisão da causa.


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Rui Pereira Ribeiro




Processo nº 1013/2019
(Reclamação para a conferência)

Data: 09 de Julho de 2020
Recorrente: A
Recorrida: Secretária para a Administração e Justiça
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso contencioso do Despacho de 20.08.2019 da Secretária para a Administração e Justiça no qual foi rejeitado o recurso hierárquico interposto pela Recorrente e mantida a decisão original da DSI a declarar a nulidade da emissão à Recorrente do bilhete de identidade de residentes de Macau (BIRM) nº 1/XXXXX1/3, com data de primeira emissão de 18.11.1996.
  Para tanto alega a Recorrente:
  - Vício de violação de lei por violação do disposto no artº 122º nº 2 al. d) do CPA, uma vez que como alega o acto impugnado ofende um direito fundamental da Requerente;
  - Vício de violação de lei por erro de qualificação jurídica uma vez que o acto administrativo da declaração não é de nulidade da emissão à Recorrente do BIRM mas anulável por erro nos pressupostos de facto;
  - O acto recorrido não é um acto vinculado sendo-lhe aplicável os princípios gerais dos actos administrativos;
  - Vício de violação da lei por violação dos princípios da boa-fé, da confiança, da proporcionalidade e da justiça;
  - Vício de violação de lei por força do disposto no nº 3 do artº 123º do CPA;
  Mais indicou a Recorrente três testemunhas para serem inquiridas à matéria dos itens 3º a 13º, 21º a 31º.
  Tendo vista dos autos pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de não ser admitida a produção de prova requerida uma vez que «considerando os vícios imputados ao acto administrativo recorrido, aquela matéria sobre a qual a Recorrente pretende inquirir as testemunhas mostra-se de todo irrelevante para a decisão sobre a legalidade do acto, até porque o tribunal não pode sindicar, neste processo, o não uso, pela Administração, da faculdade discricionária conferida pelo artigo 123º do Código do Procedimento Administrativo.».
  Nos termos da fundamentação constante da promoção do Magistrado do Ministério Público não se procedeu à inquirição das testemunhas.
  Daquele despacho veio a Recorrente reclamar para a conferência, sustentando que os factos constantes dos artigos 3º a 13º, 21º e 24º a 29º da p.i. são relevantes para a procedência dos vícios que a Recorrente imputa ao acto impugnado.
  Notificada a entidade Recorrida para querendo se pronunciar veio esta fazê-lo pugnando pela manutenção do acto impugnado.
  
  Foram colhidos os vistos legais.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  Os factos relativamente aos quais a Recorrente pretende produzir prova são:
  
  “3º
  No início do ano 1996, a mãe da Recorrente B descobriu que o seu marido C tinha uma amante, pelo que separou-se do marido e coabitou com o residente de Macau D.
  4º
  Logo depois da coabitação, a mãe B descobriu que era grávida, sendo o bebé a Recorrente.
  5º
  Por isso, quando a Recorrente nasceu, a sua mãe B e o residente de Macau D consideram-se pais biológicos da Recorrente, e requereram o BIRM para a Recorrente.
  6º
  Após o nascimento da Recorrente, a sua mãe B e o residente de Macau D continuaram a coabitar por um tempo relativamente longo.
  7º
  Posteriormente, por o marido ter mudado de opinião, a mãe B terminou a coabitação com o residente de Macau D, e levou a Recorrente a viver com o marido C.
  8º
  Desde o nascimento, a Recorrente tem considerado sempre C como seu pai biológico, e só ao inscrever-se na universidade é que descobriu que na certidão de registo de nascimento, o nome do pai era D em vez de C.
  9º
  Posteriormente, a Recorrente propôs o teste de paternidade com B, C e D, e segundo o resultado do teste, B e C são pais biológicos da Recorrente.
  10º
  Para corrigir o referido erro de registo, em 2017, a Recorrente decidiu intentar acção de impugnação de paternidade, que correu termos no Juízo de Família e de Menores do TJB, com o nº FM1-17-0010-CAO.
  11º
  O supracitado Juízo declarou que o pai biológico da Recorrente era C em vez de D.
  12º
  Tendo sido notificada da sentença do tribunal, a Recorrente dirigiu-se de imediato à DSI e requereu a alteração dos dados do pai biológico.
  13º
  A Recorrente nasceu em Macau, onde cresce, estuda e vive.
  …
  21º
  Desde pequeno, a Recorrente sempre queria tornar-se um funcionário público da RAEM, pretendendo prestar serviço e dar contribuição para a RAEM que a formou.
  …
  24º
  Actualmente, toda a família da Recorrente reside e vive em Macau.
  25º
  Por um período de cerca de 22 anos desde o nascimento da Recorrente até ao presente, Macau tem sido o centro da família, do estudo, da actividade profissional e da vida afectiva da Recorrente.
  26º
  Desde pequeno, a Recorrente tem baseado o planeamento da vida e o sonho no desenvolvimento em Macau, e nunca pensou em trabalhar ou residir no exterior.
  27º
  Com excepção de Macau, a Recorrente não tem qualquer relação ou conexão com outros países ou regiões.
  28º
  A Recorrente nunca possuiu documento de identificação de qualquer outro país ou região, sendo o BIRM o seu único documento de identificação.
  29º
  Se forem cancelados o BIRPM e o Passaporte da RAEM da Recorrente, esta não pode obter qualquer documento legal noutras regiões, será apátrida e ficará sem casa.».
  
  Vejamos então.
  
  O despacho sob recurso consiste em não ter sido emitido o BIRM à Recorrente na sequência da alteração da paternidade que constava do seu assento de nascimento, do que, resultou que quando a Recorrente nasceu os pais não tinham a identidade de residentes de Macau, nem estavam autorizados legalmente a residir em Macau, pelo que, não beneficiando a Recorrente (quando nasceu) de ser filha de residentes de Macau, não lhe pode ser atribuída tal qualidade (ser residente de Macau).
  Os vícios invocados contra o acto recorrido são o vício de violação de lei.
  A matéria sobre a qual se pretende produzir prova são em grande parte toda a situação que levou à alteração da menção da paternidade no assento de nascimento da Requerente que motivou o acto recorrido, pelo que, no que a esta concerne não revela qualquer interesse para a decisão da causa uma vez que o que releva é a menção de paternidade e esse efeito não se altera com a produção da prova sendo, nesta sede, irrelevante a situação que a ele conduziu.
  O remanescente tem a ver com as expectativas da Recorrente no sentido de querer ser residente de Macau, mas essa situação não contende com os vícios que a Recorrente pretende assacar ao acto Recorrido.
  Destarte, sem necessidade de outras considerações e em face dos vícios apontados ao acto, de acordo com o nº 3 do artº 65º do CPAC entendemos ser de manter o despacho recorrido, não se admitindo a produção de prova testemunhal requerida à matéria indicada por ser inútil para a decisão da causa.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, indeferindo a reclamação apresentada, mantém-se o despacho recorrido nos seus precisos termos indeferindo a produção de prova testemunhal requerida.
  
  Custas pelo incidente a cargo da Reclamante fixando-se a taxa de justiça 2 UC´s – artº 87º e 89º do RCT -.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 09 de Julho de 2020
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Joaquim Teixeira de Sousa
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
  

1013/2019 RECL P/CONF 8