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Processo nº 257/2020-A
Data do Acórdão: 16JUL2020


Assuntos:

Regra de substituição (o artº 630º/3 do CPC)
Princípio do contraditório


SUMÁRIO

Não há lugar ao contraditório no artº 630º/3 do CPC se o Tribunal de recurso for chamado para o reexame de questões já submetidas à apreciação do Tribunal a quo e por este efectivamente apreciadas e decididas.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 257/2020-A

Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

Notificada do Acórdão deste TSI proferido em 11JUN2020, a Ré recorrida A veio arguir a nulidade desse Acórdão por inobservância da contraditoriedade exigida pelo artº 630º/3 do CPC, mediante o seguinte requerimento:
  上訴人A,身份資料載於上述卷宗,茲收到法院於2020年06月16日所發出之合議庭裁判,就此,現恭敬地向尊敬的法官 閣下作出如下陳述及申請:
  根據有關裁判,尊敬的合議庭法官 閣下根據《民事訴訟法典》第630條第2款之規定替代初級法院審理了上訴人所提出的反訴問題,並作出了理由不成立之裁判;然而,根據《民事訴訟法典》第630條第3款之規定,“在作出裁判前,裁判書製作人須聽取各方當事人在十日期間內作出之陳述”。
  故此,由於上訴人並未被按《民事訴訟法典》第630條第3款之規定於作出裁判前給予其陳述之機會,故現根據《民事訴訟法典》第147條第1款之規定,請求尊敬的法官 閣下基於辯論原則的遺漏構成之程序無效撤銷有關裁判,並重新先行給予各方當事人10天時間的陳述機會。

Dada a simplicidade da questão suscitada e com a concordância dos Adjuntos do Colectivo, não houve lugar aos vistos – artº 626º/2 do CPC.

Apreciemos.

Dispõe o artº 630º do CPC que:
1. O Tribunal de Segunda Instância conhece do objecto do recurso, mesmo que a sentença proferida na primeira instância seja declarada nula ou contrária a jurisprudência obrigatória.
2. Se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3. O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.
É verdade que a lei manda cumprir o contraditório no nº 3 desse artigo.

Todavia, esta não deve ser interpretada literalmente e nem o seu alcance levado ao extremo, de modo a defender que é de cumprir o contraditório em qualquer das situações em que o Tribunal ad quem se substitui ao Tribunal a quo em via de recurso.

Se fosse de acolher esta tese extremista, esta norma teria de ser objecto de uma interpretação restritiva, senão correctiva.

Ora, esta norma do artº 630º/3 do CPC não é mais do que um derivado do princípio do contraditório, consagrado no artº 3º/3 do CPC, à luz do qual o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Evidentemente, o bem jurídico que o princípio do contraditório visa tutelar é assegurar às partes a oportunidade de ser ouvidas relativamente às questões sobre as quais o Tribunal deve tomar qualquer decisão que pessoalmente as afecte.

Visto o princípio a contrario, cessa a razão de ser da contraditoriedade se a parte já tiver a oportunidade de se pronunciar sobre a questão ou se for a própria parte que colocar a questão ao Tribunal.

Como se sabe, em regra, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais hierarquicamente inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre - cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, p. 150 a 151.

Portanto, nestas situações típicas do modelo de recurso de revisão ou de reponderação, mesmo que o Tribunal ad quem venha a revogar a decisão recorrida e por força da regra de substituição imposta pelo artº 630º/1, primeira parte, do CPC, não deve haver lugar ao cumprimento do contraditório, pois a questão submetida ao Tribunal ad quem é justamente a questão tratada no tribunal a quo, as partes tinham já a plena oportunidade de se pronunciarem na primeira instância.

Só que, por razões que se prendem com a celeridade da justiça, o nosso legislador optou expressis verbis pelo alargamento do âmbito de aplicação da regra de substituição ao Tribunal recorrido, fazendo com que o Tribunal de recurso seja também chamado para decidir ex novo as questões ainda não tratadas no Tribunal a quo e/ou sobre as quais as partes não se tenham pronunciado.

São v. g. os casos de a sentença recorrida ser declarada nula por omissão de pronúncia, o Tribunal a quo ter deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o recurso proceder e nada obstar à apreciação daquelas questões – artº 630º/2 do CPC.

Como a regra de substituição implica nesse tipo de situações a supressão de um grau de jurisdição em prol do princípio da celeridade processual, o nosso legislador teve o cuidado de mandar cumprir o contraditório no artº 630º/3 do CPC, a fim de evitar decisões-surpresa.

Voltando ao caso sub judice, a questão submetida a este TSI é uma questão já tratada na primeira instância.

Ao decidir como decidiu indeferindo o pedido reconvencional da reparação dos danos não patrimoniais, inserido no âmbito da acção de divórcio litigioso instaurada contra a Ré, ora recorrente, o Tribunal a quo já decidiu de mérito a questão no sentido de que os danos não patrimoniais peticionados na acção de divórcio litigioso nos termos permitidos no artº 647º/1 do CC devem limitar-se aos causados pela própria cessação definitiva dos laços matrimoniais, e não também os danos produzidos na constância do casamento pelas condutas violadoras de deveres conjugais da autoria do cônjuge declarado culpado.

Foi a própria Ré reconvinte, inconformada com essa decisão de mérito, que fez submeter, por via de recurso ordinário, a mesma questão, já tratada na primeira instância, à nossa apreciação neste Tribunal de recurso, e em relação à tal questão, a Ré, quer nesta veste da reconvinte quer na qualidade da recorrente, já tinha plena oportunidade de exercer o seu direito processual da contraditoriedade.

A este propósito, ensina Amâncio Ferreira que “antes de ser proferida pela Relação a decisão substitutiva e desde que as partes não se tenham pronunciado, nas alegações de recurso, sobre o seu objecto (o que acontece, em regra, na situação contemplada no nº 2 do artº 715º), a fim de evitar decisões-surpresa, o relator ouvirá cada uma das partes ……”(sublinhado nosso.) cf. ibidem, p. 231.

Tendo-se pronunciado sobre a questão objecto do presente recurso, a ora recorrente não teria direito de ser de novo ouvida.

Resumindo e concluindo:

Não há lugar ao contraditório no artº 630º/3 do CPC se o Tribunal de recurso for chamado para o reexame de questões já submetidas à apreciação do Tribunal a quo e por este efectivamente apreciadas e decididas.

Sem mais delonga, resta decidir.

Pelas razões expostas supra, acordam em julgar improcedente a presente arguição da nulidade.

Custas do incidente pela arguente, com taxa de justiça fixada em 2UC, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.

Registe e notifique.

RAEM, 16JUL2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Ac. 257/2020-A-6