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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que indeferiu o seu recurso hierárquico necessário interposto da decisão proferida pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, que lhe aplicou uma medida de interdição de entrada na RAEM, por um período de 3 anos.
O Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso.
Inconformada com a decisão, recorre A para o Tribunal de Última Instância, que também negou provimento ao recurso.
Vem agora, nos termos do art.º 572.º do Código de Processo Civil, requerer “esclarecimento sobre se a dúvida quanto à realidade de um facto (in casu, sobre as concretas funções desempenhadas pela Recorrente na loja desde 1 de Janeiro de 2015) – dúvida esta provocada pela existência de dois meios de prova de conteúdo contraditório, ambos dotados de força probatória plena – não constitui matéria subsumível aos poderes de cognição do TUI (previstos no artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), se a mesma tiver sido resolvida pelo Tribunal a quo em violação da regra de direito probatório prevista no artigo 437.º do Código Civil”.
Respondeu a entidade recorrida, entendendo que, não estando em causa uma pluralidade de elementos probatórios, mas sim um único elemento probatório, ou seja, as declarações da própria recorrente, o que poderia existir seria a contradição de depoimentos de um determinado interveniente processual e a questão que se poderia levantar era a da correcta (ou não) valoração, por parte do Tribunal, da credibilidade e validade dos depoimentos prestados pela recorrente, não sendo no entanto esta a questão que a recorrente levantou.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de dever ser indeferido o pretendido esclarecimento.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
Compulsados os autos e analisado o alegado pela recorrente no seu requerimento, afigura-se-nos que é de acolher o entendimento exposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que tem o seguinte teor:
「A recorrente vem pedir que se esclareça se a dúvida ... provocada pela existência de dois meios de prova de conteúdo contraditório, ambos dotados de força probatória plena – não constitui matéria subsumível aos poderes de cognição do TUI ... , se a mesma tiver sido resolvida pelo Tribunal a quo em violação da regra de direito probatório prevista no artigo 437.º do Código de Processo Civil.
Esta dúvida não tem qualquer razão de ser.
Tal como a entidade recorrida sublinha, não estão em causa dois meios de prova contraditórios entre si. Com efeito, a alegada contradição releva de declarações duma mesma pessoa prestadas em momentos diferentes perante a polícia.
Para além disso, é óbvio que não se está perante declarações cujo teor revista força probatória plena. Na verdade, os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos atestados como praticados pela autoridade, oficial público ou notário, bem como dos factos atestados com base nas percepções da entidade documentadora – artigo 365.º do Código Civil. É evidente que aqui não se inclui o teor das declarações prestadas por quem comparece perante a autoridade, oficial público ou notário, declarações que terão que ser avaliadas à luz da livre apreciação da prova.
Portanto, e em conclusão, não houve violação de qualquer regra de direito probatório por parte do Tribunal de Segunda Instância, pelo que não podia o Tribunal de Última Instância imiscuir-se na matéria de facto apurada pelo Tribunal de Segunda Instância, conforme aliás se explicou no acórdão aclarando.
Daí que deva indeferir-se o pretendido esclarecimento.」
Na realidade, estão em causa apenas as declarações prestadas pela recorrente na PSP em momentos diferentes, sendo que inicialmente ela confirmou ter prestado trabalho na dita loja, tendo atendido e vendido produtos a clientes, recebido dinheiro e feito a gestão de documentos, declarações estas que foram depois alteradas pela própria recorrente.
Ora, não estamos perante meios de prova distintos e o teor das declarações prestadas pela recorrente não reveste força probatória plena, como é evidente.
Nos termos do art.º 365.º n.º 1 do Código Civil, “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, oficial público ou notário respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.
Daí que o teor das declarações prestadas pela recorrente não está incluída na “autenticidade” conferida pela lei e não pode fazer prova plena, tendo que ficar sujeitas à livre apreciação do tribunal, nos termos do art.º 558.º do CPC.
E não se nota violação, por parte do TSI, do disposto no art.º 437.º do CPC.
Neste contexto, o Tribunal de Última Instância não tem competência para apreciar o julgamento na matéria de facto feito pelo Tribunal de Segunda Instância, dado que não está em causa qualquer julgamento em violação de meio de prova plena.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em indeferir o esclarecimento pretendido pela recorrente.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

                Macau, 31 de Julho de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
Sam Hou Fai
Lai Kin Hong

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                 



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Processo n.º 14/2020