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Processo n.º 532/2015
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 10 de Setembro de 2020

ASSUNTOS:

- Impugnação da matéria de facto e ónus especificado de indicação erro concreto
- Plantas cadastrais definitivas e seu valor jurídico – artigo 14º do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro
- Acção de reivindicação e pressupostos exigidos
- Princípio da intangibilidade da obra pública e consequências jurídicas

SUMÁRIO:

I – Para que este TSI possa atender à eventual divergência quanto ao decidido, no Tribunal recorrido, na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, pois não se deve ignorar que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 558º do CPC.
II - As plantas cadastrais definitivas são documentos exarados, com as formalidades legais impostas pelo DL n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC - , nos limites da sua competência definida no artigo 1º do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, sendo, por isso, documentos autênticos à luz do n.º 2 do artigo 356º e do artigo 363º do CCM, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, mormente no artigo 14° daquele Decreto-Lei, sem prejuízo de que o seu conteúdo seja impugnável por meios probatórios idóneos nos termos legalmente fixados.
III – Enquanto não forem impugnadas nos termos legais, nomeadamente mediante incidente de falsidade ao abrigo do disposto no artigo 366º do CCM, ou outros meios probatórios idóneos; as plantas cadastrais definitivas são provas bastantes para comprovar a área, localização e as confrontações de terreno a que as mesmas se referem, por força do disposto no artigo 14º do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro.
IV - A função do registo predial é assegurar a quem adquire um direito de certa pessoa sobre um prédio, pois o registo predial definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
V – A realidade factual constante das plantas cadastrais definitivas podem ser actualizada ou corrigida mediante provas bastantes e nos termos do citado DL. Quando tal realidade é confirmada através dos depoimentos das testemunhas conhecedoras da matéria, e a decisão sobre a matéria de facto foi tomada em conformidade pelo Tribunal recorrido, não se verifica erro na apreciação das provas.
VI - É do entendimento comum dos aplicadores do direito que, em situações normais, ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação. Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor da transmitente à data em que a Autora dele a adquiriu derivadamente, em situações normais, não necessita a Autora de produzir afirmações acerca da aquisição pela transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações.
VII - Numa acção de reivindicação, para que esta tenha êxito, à Autora compete alegar factos dos quais resulte a aquisição da propriedade, por si ou pela pessoa que lha transmitiu, ou alegar que beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artigo 7º do CRP). Uma vez reconhecido o direito de propriedade reivindicada, há lugar à consequente restituição do prédio reivindicado, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
VIII - A apropriação ou ocupação de prédios alheios por entidades públicas pode apresentar-se sob vários gradientes que vão desde o desrespeito flagrante das regras sobre a expropriação por utilidade pública até situações em que a violação objectiva do direito de propriedade é resultado de comportamentos que se inscrevem na mera culpa ou é traduzida em situações que se manifestam através da violação dos limites objectivos do prédio expropriado, por vezes, em resultado de um mero erro ou de excesso na execução do acto expropriativo. Quando isso suceder e estiverem reunidos todos os pressupostos legalmente prescritos (artigo 477º do CCM), há lugar à indemnização por parte da entidade pública que expropriou silenciosamente parte da propriedade privada.
IX - O princípio da intangibilidade da obra pública constitui, conceitualmente, a ponderação das consequências da violação do princípio da legalidade da Administração Pública, quando, apesar da sua actuação à margem da lei, redunda na prossecução do interesse público. Tal princípio encontra o seu fundamento legal nos artigos 326º e 327º do CCM (correspondentes aos artigos 334º e 335º do CC de 1966), em que estão previstas as figuras de abuso de direito e de colisão de direitos.
X - O princípio da intangibilidade da obra pública – princípio geral do direito das expropriações – traduz-se na manutenção da posse por parte da administração quando, apesar de a posse assentar em título ilegal, não representando um atentado grosseiro ao direito de propriedade, deva ser mantida, sob pena de resultarem danos graves para o interesse público. Em contra partida, a Administração Pública deve indemnizar o particular pelos prejuízos sofridos pelo mesmo.




O Relator,

________________
  Fong Man Chong









Processo nº 532/20151
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 10 de Setembro de 2020

Recorrentes : Recurso Final
- Sociedade de Desenvolvimento Predial A Limitada (A地產發展有限公司) (Autora)
- Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區) (1ª Ré)
- Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (民政總署)
(2º Réu)(actualmente designado por Instituto para os Assuntos Municipais)(IAM)

Recurso Interlocutório
- Banco B (Macau), S.A. (B銀行(澳門)股份有限公司) (interveniente principal)

Recorridos : - Os mesmos

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    Banco B (Macau), S.A. (B銀行(澳門)股份有限公司), Recorrente (Recorrido também), devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/04/2011 (pelo qual o Tribunal recorrido julgou improcedente a excepção suscitada pelo B, defendendo este que os Réus careciam da legitimidade e interesse para atacar as alegadas falsas declarações constantes de uma escritura pública lavrada em Lisboa), dela veio, em 18/07/2011, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 529 a 537, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A) A escritura pública de habilitação de herdeiros é um instrumento notarial (e, como tal, extrajudicial) através do qual uma pessoa (ou um conjunto de pessoas) é declarada herdeira de alguém que faleceu;
     B) A impugnação da habilitação notarial vem prevista no artigo 101.º do Código do Notariado, onde se prevê que o herdeiro interessado em impugnar a habilitação notarial deve propor a devida acção judicial, bem como solicitar ao Tribunal a imediata comunicação da pendência da mesma aos Serviços da Justiça;
     C) Nos termos do artigo 279.° do Código Civil, a nulidade pode ser invocada por quem nisso tem interesse, sendo que a aferição do "interesse" tem que ser objectiva e ter em conta as circunstâncias do caso concreto, na medida em que o interessado tem que ser afectado pelos efeitos que o negócio ou acto tende a produzir - o efeito que a habilitação de herdeiros produz é o chamamento à sucessão dos herdeiros do de cujus;
     D) A impugnação do acto de chamamento de herdeiros à sucessão por eventual preterição de outros herdeiros cabe a quem foi, efectivamente, prejudicado com tal preterição, sendo, por isso, interessado na impugnação;
     E) No caso concreto, os Recorridos não são, de forma alguma, afectados pela alegada preterição de herdeiros ou prejudicados pelas alegadas falsas declarações que invocaram ter sido produzidas na outorga do instrumento de habilitação, já que o interesse dos Recorridos é anterior e independente do acto de habilitar os herdeiros em si;
     F) Não é a habilitação dos herdeiros de C que prejudica os Recorridos, mas sim o facto de o Terreno reivindicado, não obstante a expropriação que alegam, ter-se mantido registado a favor do sobredito falecido e, assim, ter sido possível proceder ao registo da transmissão do Terreno por sucessão hereditária, independentemente de quem ali consta, ou deveria constar, como herdeiro;
     G) Assim, e ao contrário do que se defendeu no despacho recorrido, a consistência jurídica ou prática da relação dos Recorridos não é susceptível de ser afectada pelos efeitos que a habilitação de herdeiros tende a produzir, ou seja, o chamamento dos herdeiros de C à sucessão, motivo pelo qual se entende que a decisão recorrida viola o artigo 279.° do Código Civil;
     H) Mais, não se pode conceber que um terceiro, que em nada é prejudicado com as alegadas falsas declarações e que em nada beneficiaria com o chamamento de alegados herdeiros preteridos (cuja identidade se desconhece, nem os Recorridos adiantam) possa, em acção judicial a correr termos em Macau, requerer a nulidade de acto notarial outorgado em Portugal;
     I) Para além disso, também não se compreende como poderá tal pedido preceder sem que todos os intervenientes no acto sejam chamados à acção para se defender, sob pena de, pela própria natureza da relação jurídica, a decisão a obter não produzir o seu efeito normal, nos termos do artigo 61.° do Código de Processo Civil;
     J) Pelo exposto, o despacho saneador de fls. 457 e ss na parte em que indeferiu a excepção de ilegitimidade deduzida pelo ora Recorrente, é ilegal, porquanto viola o artigo 279.º do Código Civil e o artigo 58.° e ss do Código de Processo Civil, devendo, assim, ser revogado.
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    Não houve contra-alegações ou respostas.
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    1º Recurso contra a decisão do mérito:
    Sociedade de Desenvolvimento Predial A Limitada (A地產發展有限公司), Recorrente (Recorrida também), devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/10/2014, dela veio, em 17/02/2015, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2182 a 2230, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. Vem o presente recurso dos pontos 1.3, 2.1, 2.2 e 2.3 da Sentença recorrida.
     II. Foram dados como provados nos presentes autos os factos constitutivos dos direitos alegados pela A., que sustentam os pedidos formulados a final da sua petição inicial contra ambos os RR..
     III. Não obstante, a douta Sentença recorrida entendeu dar tratamento diferente às Partes do Terreno Ocupadas pelo 2º R. e às Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R., com o que a A. não se conforma.
     IV. Dispõe o artigo 1235º do CC que o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente a restituição do que lhe pertence.
     V. Da leitura conjugada das alíneas C) e A) dos FA e da resposta dada aos quesitos 1° a 4º da BI, resulta que a aquisição da totalidade do Terreno reivindicado pela A. encontra-se ali definitivamente registada em seu nome, como propriedade privada plena, desde 20 de Setembro de 2005, sob a inscrição ... do Livro G.
     VI. Mais resulta das alíneas A) e D) dos FA que a A. adquiriu a totalidade do Terreno reivindicado, a título oneroso, de quem dele podia dispor, porquanto o mesmo se encontrava inscrito na CRP em nome da Transmitente, como propriedade privada plena, desde 4 de Agosto de 1997, sob a inscrição n.º ....
     VII. A A. (tal como os seus antecessores) beneficia da presunção do direito de propriedade sobre a totalidade do Terreno reivindicado estatuída no artigo 7° do CRP e, assim, de que o seu direito de propriedade sobre a totalidade do Terreno reivindicado existe e lhe pertence, nos precisos termos em que o registo o define.
     VIII. A verdade, porém, é que o direito de propriedade da A. resulta dos factos constitutivos constantes das alíneas A), C), D), E), F) e G) dos FA, que dão como assente toda a cadeia de aquisições derivadas do direito de propriedade adquirido por C em 25 de Outubro de 1913.
     IX. A existência e o conteúdo do direito de propriedade sobre a totalidade do Terreno por C, é facto aceite pelas partes.
     X. Destarte, o direito de propriedade da A. sobre a totalidade do Terreno reivindicado encontra-se consubstanciado nos factos constitutivos constantes das alíneas A) a G) dos FA, designadamente para os efeitos do artigo 1235º do CC.
     XI. A totalidade do Terreno reivindicado encontra-se registada na CRP como sendo de propriedade privada (particular) e, assim, como pertencendo ao comércio jurídico, desde 15 de Novembro de 1913, i.e. há mais de 100 anos.
     XII. Por outro lado, resulta da leitura conjugada da 2ª parte da alínea A) dos FA e da resposta dada aos quesitos 1° a 4° da BI, que a A. logrou provar a total identidade do prédio rústico descrito na CRP sob o nº ..., com o prédio representado nas plantas cadastrais de fls. 309 e 1442 e, assim, que esta representação cartográfica corresponde à descrição física daquela descrição predial, nela se incluindo, claro está, as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R..
     XIII. A A., cumpriu igualmente o ónus da prova da ocupação, pela 1ª R. das duas partes do Terreno reivindicado, com a área global de 4.235 m2, nos termos constantes das alíneas U) e V) dos factos assentes,
     XIV. sendo consensual na doutrina e na jurisprudência que a Autora, enquanto Reivindicante, não tinha de fazer prova de que essa posse ou detenção da 1ª R era abusiva.
     XV. Porém, a verdade é que a ocupação abusiva das Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R, resulta da factualidade dada como provada nos presentes autos.
     XVI. Sendo a A. a proprietária da totalidade do Terreno e tendo-se dado como provado que a ocupação, pela 1ª R. das duas partes do Terreno tem impedido totalmente a A. de usar, fruir e dispor das mesmas, tal ocupação é ilícita e abusiva, enquanto violadora do conteúdo do direito de propriedade da A. tal como definido no artigo 1229° do CC.
     XVII. Acresce, por outro lado, que, atenta a resposta dada ao quesito 17°, o 2° R. é mero detentor da parte do Terreno mencionada na alínea AB) dos FA, nos termos enunciados na alínea c) do artigo 1177º do CC, tendo-se limitado, assim, a possuí-la em nome da 1ª R. com o "consentimento" desta,
     XVIII. que assim exerceu a posse sobre a totalidade do Terreno, não obstante a detenção de parte do mesmo pelo 2° R..
     XIX. Pelo menos em 1998, o Governo da 1ª R. ea DSSOPT, tinham já perfeito conhecimento que o terreno ora reivindicado permanecia de propriedade privada.
     XX. Conforme foi dado assente na resposta ao quesito 30° por força do parecer de fls. 251 a 254, datado de 30 de Novembro de 2000, proferido pelo Ministério Público em representação da 1ª R., a 1ª R. sempre soube, e reconhece pelo menos desde aquela data, que a totalidade do Terreno é um terreno privado sobre o qual não tem quaisquer direitos.
     XXI. A titularidade do direito de propriedade sobre a totalidade do Terreno reivindicado e, assim, também sobre as Partes Ocupadas pela 1ª R., com a área global de 4.235 m2, foi reconhecida pela RAEM e a materialização desse reconhecimento traduzida na aprovação das plantas cadastrais definitivas de fls.309 e 1442, a primeira das quais foi emitida no ano de 2005.
     XXII. Não ocupação, a 1ª R. continuou a ocupar duas Partes do Terreno da A., e a permitir e a autorizar que o 2º R. continuasse a deter parte substancial dele através da “autorização provisória de ocupação temporária” de fls.1199, pelo que é inegável que a posse da 1ª R. sobre o Terreno é abusiva e de má-fé.
     XXIII. Assim, ao não condenar a 1ª R. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a totalidade do Terreno e a restituir à A. as duas Partes do Terreno da A. que vem ocupando, violou o disposto nos artigos 1235º e 1229° do CC, nos artigos 7° e 25º do Código do Registo Predial, nos artigos 343°, n.º 1, 335°, n.º 1, e 337°, n.º 1, do CC, e no artigo 14° do DL 3/94/M, de 17 de Janeiro.
     XXIV. Acresce que, a 1ª R. devia ter sido julgada, com os mesmos fundamentos legais mencionados a fls.49 a 52 da douta Sentença recorrida e, ainda, os estatuídos nos artigos 483º e 490º do CC., solidariamente responsável, conjuntamente com a 2ª R., pelo pagamento à A. da indemnização devida pelos prejuízos daí decorrentes e arbitrada no ponto 1.2 da parte decisória da douta Sentença recorrida.
     XXV. Com efeito, à semelhança do doutamente decidido quanto à actuação do 2° R., também da actuação da 1ª R. decorre uma obrigação de indemnizar à luz do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos estatuído no n.º 1 do artigo 477° do Código Civil.
     XXVI. Uma vez que a 1ª R. impediu e impede a A. de gozar a totalidade do Terreno, em benefício próprio, ocupando duas Partes do mesmo e permitindo que o 2° R. ocupasse a parte remanescente, a 1ª R. deveria ter sido condenada conjuntamente com o 2° R., solidariamente atento o disposto no artigo 483° e no n.° 1 do artigo 490º do Código Civil, no pagamento à A. da indemnização arbitrada no ponto 1.2 da parte dispositiva da douta Sentença recorrida,
     XXVII. não tendo condenado a 1ª R. nos termos enunciados no parágrafo anterior, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 477°, 483°,556° a 558° e 560° do CC.
     XXVIII. E só assim não seria se a 1ª R. tivesse alegado e provado factos constitutivos de um qualquer direito seu oponível, repita-se, oponível, ao direito de propriedade da A., o que não logrou fazer.
     XXIX. Por um lado, o alegado processo expropriativo nunca foi concluído nos termos impostos pela Carta de Lei de 23 de Julho de 1850.
     XXX. Por outro, nenhuma lei alguma vez qualificou as Partes Terreno Ocupadas pela 1ª R. como coisa pública ou comum.
     XXXI. De qualquer modo, a alegada expropriação nunca foi registada, pelo que em face de todas as leis registais em contacto com o caso em apreço - designadamente do artigo 951° do Código de Seabra, do artigo 188° do Código do Registo Predial de 27 de Junho de 1952, do artigo 7° do Código do Registo Predial de 28 de Março de 1967 e do artigo 5° do CRP –, tal facto jamais seria oponível à A., porque inapto a produzir quaisquer efeitos contra si.
     XXXII. A resposta dada do quesito 18º deve ter-se por não escrita ao abrigo da 1ª parte do n.º 4 do artigo 549° do CPC, já que a mesma, para além de francamente conclusiva e de padecer de um manifesto lapso de escrita - onde se lê M), devia ler-se L), já que a portaria referida naquela primeira alínea não faz parte do processo expropriativo, nem tão pouco, como se provou, respeita ao Terreno -, versa, inquestionavelmente, sobre uma questão de direito.
     XXXIII. Basta confrontar o conteúdo de fls. 745 a 748 e 826 dos autos com o disposto nos artigos 50° e 46° da Carta de Lei, para se concluir que não há qualquer evidência documental de que o referido processo de expropriação tenha sido concluído nos termos legais.
     XXXIV. Atenta a alegada urgência da expropriação, foi tão só ordenado, ainda na pendência do recurso de apelação apresentado pela Fazenda Nacional, ora 1ª R., que a esta fosse dada a posse do dito Terreno, sem contudo julgar a propriedade livre e desembaraçada, nem fazer qualquer aplicação da indemnização julgada, sentença esta que nos termos do artigo 46° da Carta de Lei só poderia ser proferida após o trânsito em julgado da decisão de recurso e, depois deste, do decurso do prazo estabelecido nos éditos referidos na alínea L) dos factos assentes.
     XXXV. Inexistindo prova documental de que (i) tenha sido proferida sentença a julgar a propriedade do Terreno livre e desembaraçada após a publicação dos éditos referidos em L) dos factos assentes e (i) ordenado e efectivado o pagamento da indemnização devida ao expropriado C nos termos impostos pelo artigo 46° da Carta de Lei, não podia a douta Sentença recorrida partir desse pressuposto,
     XXXVI. pelo que, tendo-o feito, violou o disposto nos artigos 50° e 46° e, bem assim, o artigo 1° da Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, bem como os princípios basilares do nosso ordenamento jurídico quanto à proibição do confisco, estatuídos nos artigos 1232° e 1234° do CC e nos artigos 1308° e 1310° do Código Civil de 1966, segundo os quais ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei e que, havendo expropriação ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário.
     XXXVII. Devendo, consequentemente, ao invés, ter-se decidido que o Terreno não foi expropriado e que, assim, o mesmo nunca saiu da esfera privada de C, antecessor da A., facto que, conjugado com o supra exposto quanto ao direito de propriedade da A. sobre o Terreno, conduziria necessariamente à condenação da 1ª R. a reconhece-lo e a restituir à A. as Partes do Terreno por si ocupadas, bem como à improcedência dos pedidos reconvencionais.
     XXXVIII. De qualquer modo, ficou assente na Sentença recorrida (vide fls.31 a final) que o Terreno não integrou o domínio público da RAEM (então território de Macau) por força da (alegada) expropriação.
     XXXIX. Assim, inexistindo qualquer Lei que tenha integrado o Terreno sub judice, ou qualquer das suas partes, no domínio público do então Território de Macau, o Terreno, quando muito, teria sido adquirido pelo Território de Macau por expropriação e teria passado a integrar o seu domínio privado – no que não se concede – e, nessa medida, sujeitar-se-ia ao regime do direito de propriedade estatuído na lei civil como, de resto, ainda hoje estatui o artigo 1228° do CC, à semelhança do já disposto no artigo 1304° do Código Civil de 1966.
     XL. Assim, sempre competira ao Estado registar a aquisição do Terreno no seu domínio privado, com base em expropriação, porquanto, atento o registo de aquisição da propriedade do Terreno referido em G) dos FA, o princípios basilares do nosso direito registai já então em vigor na lei de registo, i.e. nos artigos 951º e 965º do Código Civil de Seabra, seria essa a única forma de tornar essa (hipotética) aquisição oponível a terceiros.
     XLI. Ora, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do CRP, a aquisição de um imóvel por expropriação, enquanto facto jurídico que determina a aquisição de um direito de propriedade, deve ser registada para produzir efeitos contra terceiros (artigo 5° do citado Código).
     XLII. A regra segundo a qual os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo resultava já de todas as leis que regularam o registo predial.
     XLIII. De resto, ainda que o Terreno tivesse, por lei, integrado o domínio público do Estado, passando a estar fora do comércio - o que, repita-se, não se concede -, também esse facto, porquanto representaria a extinção de um direito de propriedade, deveria ter sido registado, sob pena da sua inoponibilidade a terceiros (vd. artigos 2°, nº 1, alínea q), e n.º 1 do artigo 5°, ambos do actual Código de Registo Predial, regime que, de resto, já se encontrava disposto em termos idênticos no Código de Registo Civil de 1967, na alínea z) do nº 1 do artigo 2º e no nº 1 do seu artigo 7°).
     XLIV. Em face de tudo o exposto, é indiscutível que o Terreno não integrou o domínio público do Território, e, ainda que tivesse integrado, competia à 1ª R. ter registado a expropriação do Terreno, pelo que, não o fazendo, a sua (hipotética) aquisição do Terreno pelo então Território de Macau, por expropriação ou por mera ocupação e destinação a um fim público, nunca seria oponível a terceiros de boa fé, como é o caso da A.
     XLV. Os RR. não alegaram nem provaram que a Transmitente e/ou a A. não estavam de boa fé.
     XLVI. Na ausência do respectivo registo, a alegada expropriação do Terreno nunca seria oponível à A., pelo que jamais poderia procedência total do pedido reivindicativo formulado na presente acção e conduzir à procedência parcial dos pedidos reconvencionais nos termos constantes dos pontos 2.1 e 2.2 da parte dispositiva da Sentença recorrida
     XLVII. Pelo que a douta Sentença, ao decidir que as Partes do Terreno ocupadas pela 1ª R. não estavam sujeitas ao regime do Código Civil, nem do Código de Registo Civil, absolvendo-a do pedido reivindicativo e, ademais, julgando que as Partes do Terreno por esta Ocupadas integraram o domínio público da RAEM, violou o disposto no artigo 1228° do CC, no artigo 1304° do Código Civil de 1966, no artigo 1235° do CC, nos artigos 2°, nº 1, alíneas a) e q), e n.º 1 do artigo 5°, ambos do actual Código de Registo Predial, regime que, de resto, já se encontrava disposto em termos idênticos no Código de Registo Civil de 1967, nas alíneas a) e z) do nº 1 do artigo 2° e no nº 1 do seu artigo 7°, e nos artigos 965º e 951º do Código Civil de Seabra.
     XLVIII. De qualquer modo, para o caso de se entender que as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R. com estradas de acesso à Ponte da Amizade passaram a integrar o domínio público, tão-só, por força da destinação que lhe foi dada após a ocupação - o que não se concede -, deverá a A. ser indemnizada pelos prejuízos daí decorrentes.
     XLIX. Da actuação da 1ª R. decorre uma obrigação de indemnizar à luz do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, já que tal actuação se deverá reputar de ilícita pelo facto de a 1ª R. ter violado o direito de propriedade da A. ao ocupar ilegitimamente as duas Partes do Terreno, com a área global de 4.235 m2, confiscando-as, já que não logrou provar qualquer forma legítima e legal de aquisição do seu domínio, nomeadamente que tenha pago à A., por si ou através dos seus antecessores, enquanto legitima proprietária das Partes do Terreno por si Ocupadas, qualquer indemnização pela privação do seu direito de propriedade.
     L. Neste sentido se pronunciou já a jurisprudência portuguesa, tendo sido decidido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 24 de Junho de 2008 que “I - Provando-se que a Câmara Municipal construiu um viaduto, ruas de acesso ao mesmo e uma passagem pedonal, ocupando, com parte de tais construções, uma área de um terreno pertencente à Autora, sem qualquer autorização desta e sem prévia expropriação por utilidade pública, é de concluir que tal parcela de terreno reivindicada passou a integrar o domínio público, a estar fora do comércio jurídico, já não sendo possível a sua subtracção a este estatuto por via da presente acção de reivindicação. II – A solução a dar ao caso passa pelo reconhecimento desta realidade, ou seja, passa pela convocação do instituto da responsabilidade civil por actos ilícitos, tendo a Autora direito a uma indemnização.”
     LI. Ora, em face da resposta dada aos quesitos 14º e 14°A, e à míngua de outro critério mais ajustado, a matéria constante das alíneas B), U) e V) dos factos assentes, conjugada com a resposta dada ao quesito 1º, desde que devidamente temperada por critérios de equidade, permite, pelo menos, apurar o montante mínimo do prejuízo directamente causado à A. pela não restituição da parte do Terreno referida nas alíneas U) e V) dos factos assentes.
     LII. Com efeito, se as partes do Terreno ocupadas pela 1ª R., correspondem a uma percentagem de 17.3% da totalidade da área do Terreno (cfr. alíneas U) e V) dos factos assentes e resposta dada ao quesito 1°), cujo preço de aquisição foi, como se sabe, de HKD$175.000.000,00 (cfr. alínea B) dos factos assentes), é inegável que a não restituição à A. da área de 4.235 m2 ocupada pela 1ª R. com estradas de acesso à Ponte da Amizade provocou à A. um prejuízo de, pelo menos, HKD$30.275.000,00, equivalentes a MOP$31.183.250,00,
     LIII. pelo que deveria a 1ª R. ter sido condenada ao pagamento à A. de uma quantia não inferior a HKD$$30.275.000,00 equivalente a MOP$31.183.250,00, actualizada, pelo menos, de acordo com a taxa de inflação, se necessário a liquidar em sede de execução de sentença, a título de compensação pelo facto de as Partes do Terreno (ilegal e ilegitimamente) Ocupadas pela 1ª R. terem passado a integrar o domínio público,
     LIV. acrescida juros, calculados à taxa legal (presentemente de 9,75%, nos termos da Ordem Executiva n.º 29/2006, em vigor desde 11 de Julho de 2006), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
     LV. Ora, tendo a Sentença recorrida absolvido a 1ª R. também deste pedido subsidiário, formulado pela A. exactamente para a eventualidade de vir a ser decidido, como na Sentença recorrida, que as Partes do Terreno ocupadas pela 1ª R. já não podiam ser restituídas à A. atenta a finalidade que lhe foi dada em 1994 pela 1ª R., violou o disposto no artigo 1234° do CC, no artigo 1310° do Código Civil de 1966, e nos artigos 477º, 556º a 558º e 560º do CC.
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    Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區) (1ª Ré), Recorrida (Recorrente também), ofereceu a resposta constante de fls. 2367 e 2368, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A RAEM foi absolvida de todos os pedidos feitos contra si, pela A., absolvição essa que entende ter sido de elementar justiça
     Todavia, a R.A.E.M. interpôs recurso relativamente ao não deferimento total do pedido reconvencional que deduziu, - uma decisão que não a obrigando a reconhecer à A. a titularidade do terreno, acabou por impor tal reconhecimento ao IACM, também ré nos presentes autos, - e que culmina com a atribuição à A. de grande parte do terreno atribuindo-lhe parte do terreno.
     Nas suas alegacões, a R.A.E.M. deixou muito clara a sua posição referente ao terreno reclamado e que a R.A.E.M. considera seu desde 1918.
     Continuamos a defender que o terreno pertence há muito ao Estado e que o seu registo a favor de terceiros se ficou a dever ao recurso a expedientes, no mínimo, muito pouco claros e assente em bases nada éticas.
     Óbvio que se continua a entender ser manifestamente infundado, injusto e imerecido a pretensão da Autora, pelo que se reafirma, na integra a procedência do pedido, reconvencional deduziu.
     Sendo pretensões diametralmente opostas, natural é que a RAEM mantenha e renove as suas alegações de recurso já produzidas, onde se defende a improcedência total do peticionado.
     Em tudo o mais, e com a devida vénia, a R.A.E.M. faz suas a doutas alegacões de co-Ré.
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    Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (民政總署) (2º Réu), Recorrido (Recorrente também), com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 2369 a 2384, tendo formulado as seguintes conclusões:
     a) O 2º Réu impugnou o direito de propriedade do terreno da descrição registal nº ... reivindicado pela Autora por este terreno não ter correspondência com a realidade representada nas plantas de fls. 61, 309 e 1442 pois o terreno representado nestas plantas sempre esteve ocupado pelo cemitério Sá Kong que foi administrado pela Câmara das Ilhas e sempre foi considerado como terreno pertenente à RAEM que sobre ele agiu como sua possuidora e proprietária, o que constitui um direito oponível ao da Autora;
     b) O direito de propriedade da Autora foi também impugnado quando se alegou e provou que o terreno da descrição ..., reivindicado pela Autora, tinha sido objecto de uma expropriação por utilidade pública, o que constitui um direito oponível ao da Autora;
     c) A presuncão registai invocada pela Autora também foi impugnada quando se alegou e provou que os factos levados a registo em 1997 são factos inexistentes porque inexistentes são as transmissões por sucessão legal mortis causa lavradas com base em uma escritura de habilitação de herdeiros comprovadamente falsa e quando se formulou o pedido de cancelamento daqueles registos em sede de Reconvenção.
     d) Relativamente à alegada má-fé dos RR., os documentos de fls. 1181-1199 dos Autos supra identificados, demostram que em 1998, em 2003, e na actualidade, os técnicos da DSSOPT estavam, e estão, convencidos que a área de terreno planeada para Parque Urbano da Taipa Norte é terreno pertencente à RAEM (terreno do antigo cemitério Sá Kong, omisso na CRP) com excepção de duas pequenas parcelas que eram propriedade privada cujas descrições são a nº ... e nº ..., não estando em causa, por isso, o terreno da descirção nº ....
     e) Quanto à agora alegada inconclusão do processo de expropriação, dá-se aqui por reproduzido tudo quanto sobre a matéria é defendido pela Professora Mónica Jardim no Parecer a juntar aos Autos, e acrescenta-se que, segundo a legislação e a documentação supra citadas, dúvidas não podem restar que o Juiz proferiu sentença de adjudicação da propriedade à Expropriante, já antes declarada, mas agora, livre e desembaraçada, pois a isso estava obrigado 10 dias após a publicação dos Éditos.
     f) Além disso, a Expropriante cumpriu todas as obrigações emergente da relação jurídica de expropriação, tomou posse do terreno expropriado desde 1919 e nele construiu a Carreira de Tiro, enquanto a formalidade de declarar a propriedade desembaraçada e de proceder ao pagamento da respectiva indemnização eram actos da competência do Tribunal, que este realizou, com toda a certeza, ainda que não haja evidência documental deles, como declara a Autora!
     g) Relativamente à questão da expropriação nunca ter sido levada ao registo, dá-se a qui por reproduzido o que ficou dito nas alegações de Recurso do 2º Réu e é defendido no Parecer da Professora Mónica Jardim a juntar aos Autos
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    2º Recurso contra a decisão do mérito:
    Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區) (1ª
Ré), Recorrente (Recorrida também), discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/10/2014, dela veio, em 02/03/2015, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2235 a 2286, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. O terreno com a descrição ..., outrora pertencente a C, passou para a esfera do Dominio Publico através de processo expropriativo culminado em 1919, com o pagamento do preço e a tomada de posse do mesmo por parte do Ministério Público
     A respo.
     Facto este dado como assente pelo Tribunal na resposta ao quesito 18
     2. E expropriação teve como finalidade a construção, no terreno expropriado, da nova Carreira de Tiro da Taipa;
     3. Não tendo sido apresentada qualquer reclamação relativamente a este processo;
     Facto este dado como assente pelo Tribunal na resposta ao quesito 19
     4. A Carreira de Tiro da Taipa já se encontrava construída em 1921;
     É de todo inaceitável a duvida levantada pelo Tribunal a fls 1891v de "não existir qualquer prova que permita concluir que a carreira de tiro haja efectivamente sido construída em cima do mesmo, como já se demonstrou”.
     5. Com a construção da Carreira de Tiro da Taipa o terreno passou a integrar o Dominio Publico do Estado ate 1976;
     A resposta ao quesito 20 dada pelo tribunal incorre numa deficiente analise da prova junta aos autos, nomeadamente da propria portaria 5971 a fls. 173., da Constituição da Republica de 1933, da Lei 2078 de 11 de Julho de 1955, e demais diplomas a que fazemos referencia nas nossas alegacões, devendo ser dado como PROVADA a integraçõa da Carreira de Tiro na zona Militar
     6. Data em que passou a integrar a descrição ..., passando para o Domínio Privado do Estado.
     7. Aquando do processo da conversão das plantas em definitivas em 1997 e no seguimento dos anuncios publicos o terreno não constava nas plantas cadastrais susceptíveis de reclamação, por ter sido incorporado na descrição ... e posteriormente aproveitado em conjunto com outros prédios confinantes, nem se verificou qualquer reclamação.
     A resposta aos quesitos 21 e 21 enferma de nitido erro na apreciação da prova, dando ainda como provada a existência de reclamações cujo teor e autoria se desconhece por completo, nafda constando dos autos. A resposta aos quesitos deveria, por tal ter sido positiva
     8. Com a morte de C, em 1940, o terreno não se transmitiu a sua viúva, D porque este já não pertencia ao acervo patrimonial do mesmo,
     9. Esta não era sua herdeira, à luz do Código Civil de Seabra, pelo que também por este motivo nunca poderia tê-lo adquirido por sucessão hereditária.
     Reconhecendo o Tribunal que C deixou, à data da sua morte, dois herdeiros, e que o terreno com a descrição ... foi afecto ao dominio Publico da RAEM (aqui trata-se de mero lapso, pois a RAEM só foi constituída 81 anos depois da expropriação) é também inaceitavel que possa ter aceite que a viúva fosse herdeira -face a ordem da sucessõ legitima do art 1969 do Codigo e Seabra - e que haja adquirido o terreno por sucessão hereditária.
     Salvo devido respeito, estamos perante uma contradição manifesta entre a decisão alcançada e os seus fundamentos (vd. Art 571 c) CPCM)
     10. C, à data da sua morte, tinha filhos que não eram filhos de D
     11. Aquando da morte de D, em 1959, viuva de C, o terreno com a descrição ... não fazia parte do seu acervo hereditário.
     12. Pelo que nunca se poderia ter transmitido aos seus herdeiros.
     13. Inexiste qualquer prova documental que demonstre algum laço de parentesco entre E, F e D:
     Deste modo também é incomprensível que na resposta ao quesito 25 o Tribunal tenha afirmado: "que não se encontra provado que E e F não têm qualquer relação de parentesco com D
     A resposta negativa a uma pergunta formulada pela negativa, é uma resposta afirmativa. Assim e sem qualquer prova o tribunal aceita que os habilitados sejam sobrinhos e portanto herdeiros de D.
     14. Logo, estes nunca poderiam ter herdado o terreno por:
     - o terreno não pertencer ao património de D;
     - não serem sequer seus herdeiros;
     15. A habilitação de herdeiros realizada em 1997, em Portugal, contém obvias e evidentes falsas declarações:
     - atesta que C faleceu sem descendentes;
     - que deixou como única herdeira sua esposa D;
     - atesta que D deixou como únicos herdeiros F e E.
     - atesta graus de parentescos inexistentes;
     - atesta duas sucessões hereditárias impossíveis quer quanto ao objecto, quer legalmente;
     Tendo incorrido numa deficiente interpretação da prova produzida e na avaliação do seu valor, o Tribunal procedeu a um incorrecto julgamento da matéria de facto.
     O Tribunal deveria ter considerado como únicos herdeiros de C, os seus dois filhos sobrevivos; que o terreno de que se tem vindo a falar, por via da expropriação não fez parte do acervo hereditário daquele; que a sua viúva não foi sua herdeira; que por tal não se transmitiu mortis causa a D ou a qualquer herdeiro seu; que inexiste qualquer prova de que F e E sejam parentes – nomeadamente sobrinhos – de D;
     O Tribunal face ao descrito deveria ter consideradas como falsas as declarações feitas na “habilitação de herdeiros" e por isso concluído pela inexistência das supra sucessões hereditárias.
     Deveria o Tribunal, ao invés de se pronunciar sobre esta questão, pronunciar-se sobre a invalidade dos registos mortis causa feitos inicialmente a favos da viúva (já falecida há 38 anos) e no mesmo dia a favor dos "herdeiros"
     16. O terreno com a descrição ... tem a descrição constante no contrato de compra e venda de fls 38 e não a que consta da Petição inicial.
     17. Estamos perante dois terrenos distintos, sendo que o terreno dos quesitos 1 a 4 da base instrutória tem uma localização, descrição e areas diferentes da que consta quer na descrição da CRP quer no aludido contrato de compra e venda.
     18. O Tribunal ao considerar que se trata do mesmo terreno teve unicamente como suporte as plantas de fls 61. 309 e 1442, juntas pela A. as quais considerou como plantas definitivas e com valor de documento autentico.
     19. Todavia, tais plantas não são nem definitivas nem têm o valor de documento autentico.
     Incorreu o Tribunal no evidente erro de direito ao atribuir valor probatório e jurídico a documentos que nunca o tiveram nem têm, violando o disposto nos art 2 n. 3, 3 n.2, 4, 5, 13 e 14 do DL 3/94/M e artigo 365 CCM.
     20. Pelo que assentou o Tribunal a sua decisão em documentos particulares sem valor jurídico e que "retratam" realidades fisicamente impossíveis.
     21. O terreno com a descrição ... não é o terreno que o Tribunal reconheceu à A.
     Têm localizações totalmente distintas, sendo que este último se situa no antigo cemitério chinês, confinante a SUL com o terreno com a discrição ....
     Por estes motivos, desvalorizando toda a verdadeira prova documental e pericial existente, valorizando plantas que não são definitivas e dando-lhe um valor de documento autentico, o Tribunal incorreu ainda num erro de aplicação do Direito, por a sua decisão estar em desconformidade com os art 2 n.3, 3 n.2, 4, 5, 13 e 14 do DL 3/94/M e art 365 CCM.
     Nesta conformidade, a resposta aos quesitos 1 a 4 teria de ser negativa
     22. Desde a sua expropriação o terreno inicialmente com a descrição ... e posteriormente com a descrição ... constitui património do Estado, sendo que em momento algum este manifestou qualquer vontade de o transaccionar a qualquer título, independentemente do mesmo integrar o domínio Publico ou privado do estado.
     Por isso, não se percebe esta divisão do terreno como fazendo parte do domínio Publico e parte do domínio Privado, sendo que a parte que o tribunal considerou como do domínio privado (onde foram construídos os acessos à Ponte) integrou em tempos o terreno com a descrição ..., e a parte do domínio Público integrava o antigo Cemitério Chinês, incorrendo numa mescla de terrenos, confundindo-os e considerando-os como um só, à revelia de toda a prova documental e testemunhal
     23. A Autora, a "adquirir" o terreno com a descrição ... sabia perfeitamente da sua situação legal e física, que era do conhecimento da generalidade de comunidade, sobretudo jurídica e empresarial.
     24. Sabia que terreno que lhe veio a ser atribuído não era o da descrição ..., mas sim o do antigo cemitério Chinês.
     25. Terreno que Tribunal configurou com as coordenadas geográficas do terreno ..., atribuindo-lhe uma localização que nunca teve e uma aspecto físico ou configuração impossível de determinar.
     Neste aspecto foi significativo o depoimento dos peritos quanto à configuração do terreno e ainda os croquis pelos mesmos elaborados, demonstrativos da impossibilidade de dar uma localização e aspecto precisos ao terreno, e como tal demonstrativo de a impossibilidade de se determinar com um mínimo de precisão qual o objecto do processo.
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    Sociedade de Desenvolvimento Predial A Limitada (A地產發展有限公司) (Autora), Recorrida (Recorrente também), relativamente ao recurso interposto pela 1ª Ré, ofereceu a resposta constante de fls. 2716 e 2797, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. A Recorrente veio juntar aos autos, com as suas alegações, a fls. 2287 a 2360, dois documentos manifestamente impertinentes, sem apresentar qualquer justificação para o efeito, junção que é inadmissível à luz do artigo 616º ou do artigo 451°, para o qual aquele remete, ambos do CPC.
     II. Quanto ao documento ora designado por Doc. 1 (de fls. 2287 e 2288) a Recorrente juntou-o aos autos em 13 de Junho de 2014, então a fls. 1783, tendo o mesmo sido retirado dos autos e restituído ao apresentante por decisão já transitada em julgado, vertida no douto Despacho de fls. 1880.
     III. Quanto ao documento designado por Doc. 2 (de fls. 2289 a 2360), no que respeita a fls. 2350, a 2360, constam já de fls. 240 a 250, quanto às restantes páginas do Doc. 2, são impertinentes e desnecessárias já que respeitam a peças processuais de um processo de recurso contencioso de um acto administrativo ao qual a A. é totalmente alheia e que cujos argumentos valem no processo e para as suas partes, tendo sido juntos aos autos com propósitos de má-fé e extra processuais.
     IV. Porém, porque o fim último daquelas insinuações é colocar em causa a boa-fé da A., por dever de patrocínio, vem a A. requerer a V. Exas, nos termos e ao abrigo do disposto na 2ª parte do n.º 2 do artigo 451° ex vi o n.º 1 do artigo 616° do CPC, se dignem admitir a junção aos autos de 4 documentos destinados afazer prova de que a Dra. Célia Silva Pereira só ingressou no escritório dos mandatários judiciais da A. em Fevereiro de 2006, i.e. no ano seguinte ao da outorga na escritura pública de compra e venda mencionada na alínea a) dos factos assentes -, onde desempenha as funções de notária privada.
     V. Em face do que se requer a este Venerando Tribunal, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 450°, n.º 2, ex vi do artigo 468° ex vi do n.º 3 do artigo 616°, todos do CPC, se digne mandar retirar do processo e restituir à Recorrente os impertinentes dois documentos de fls. 2287 a 2360, condenando a Recorrente em multa, da qual não se encontra isenta nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 2° e do artigo 1° ambos do RCT, que, em face do supra exposto, seja exemplar.
     VI. A Recorrente, delimitou objectivamente o presente recurso no respectivo requerimento de interposição, de fls. 2007, nos termos permitidos pelo artigo 589º do CPC e em face das distintas decisões contidas na douta Decisão de Recorrida, restringindo-o, conforme ali especifica, à "parte em que indeferiu o seu pedido reconvencional".
     VII. O objecto inicial do recurso não pode ser ampliado nas conclusões da alegação, o que resulta, a contrario, do disposto no n.º 3 do artigo 589° do CPC.
     VIII. Por outro lado, como consta da douta decisão recorrida, "A RAEM na sua contestação (e não na reconvenção) invoca que o bem integra o domínio público e que está fora do comércio, questão que já antes decidimos e improcede no que concerne a esta parcela. [a parcela de 20.263 m2, ocupada pelo 2° R., doravante abreviadamente designada por "Parcela"] Porém, não alega nem sustenta a RAEM em sede de reconvenção ser a proprietária do bem e muito menos em sede de reconvenção vem pedir que seja reconhecida como tal e a consequente contra-acção de reivindicação do bem. Pelo que, em face dos pedidos reconvencionais do único sujeito com legitimidade para o efeito, a RAEM, inócua se torna estar a desenvolver a questão da "validade" da sucessão de bem alheio".
     IX. São, assim, irrelevantes e inaptas a produzir qualquer efeito as novas afirmações vertidas nas alegações, no sentido de se considerar proprietária do terreno em apreço, porquanto tal questão não foi alegada em tempo nem objecto de discussão entre as partes nos presentes autos, bem como a alteração do pedido reconvencional principal que agora formula a final das mesmas - inadmissível à luz dos artigos 212º e 217º do CPC -, no sentido de ser declarado, não que o terreno em causa integrou o domínio público da RAEM, como sempre peticionou, mas "como pertencente ao domínio da RAEM", pretendendo, assim, albergar neste novo pedido (inadmissível), tanto o domínio público como o privado.
     X. Ora, a fls. 1995 verso, a douta Decisão Recorrida, determinou que a "Autora adquiriu o prédio a que se reportam os autos mas apenas no que se concerne à parcela de 20.263 m2” e que a Parcela de 20.263 m2 é ocupada (apenas) pelo 2°. R. (IACM), (único) possuidor da coisa, motivo pelo qual concluiu que "deve ser o 2° R. condenado a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa", condenando-o nos termos constantes do ponto 1.1 da sua parte dispositiva.
     XI. Assim, no que respeita à Parcela de 20.263 m2, os pedidos reivindicativos da A., pela sua natureza, foram julgados procedentes apenas contra a Parte (o 2° R.) que a douta Decisão Recorrida considerou ser a ocupante e possuidora da Parcela e, nessa qualidade, e no entendimento da douta Decisão Recorrida a única que tinha de reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a dita Parcela e ser condenada a restituí-la.
     XII. Com efeito, o direito de propriedade sobre imóveis é um direito real e, nessa medida, um direito de eficácia absoluta "independentemente do estabelecimento de qualquer relação negocial entre o titular do direito e as demais pessoas", o que resulta, de resto, do artigo 1229° do CC.
     XIII. Não tendo a Recorrente sido julgado ocupante da dita Parcela, não tinha de ser condenado no âmbito da presente acção a reconhecer o direito de propriedade da A. porquanto, quanto a si, como quanto a qualquer outra pessoa, o direito de propriedade da A. tem eficácia absoluta e impõe-se-lhe inelutavelmente.
     XIV. A douta decisão Recorrida ao declarar a A. como proprietária da Parcela, impõe-se ao ora Recorrente e, nessa medida, é-lhe prejudicial, porém, não tendo a Recorrente recorrido da mesma, tal decisão transitou, quanto a este, em julgado.
     XV. Verificando-se que os pedidos reconvencionais da Recorrente são, no que respeita à dita Parcela de 20.263 m2, incompatíveis com a decisão supra referida - quanto ao ora Recorrente já transitada em julgado -, que declarou a A. proprietária da mesma, conclui-se que o presente recurso é manifestamente improcedente em face dessa insanável incompatibilidade, devendo, como tal ser declarado, o que ora se requer.
     XVI. A douta Decisão Recorrida não condenou nenhuma das partes em objecto diverso do pedido, tendo-se limitado a decidir pela procedência parcial dos pedidos formulados pela A. - sendo a acção de reivindicação procedente apenas quanto à Parte do Terreno Ocupada pelo 2° R., com a área de 20,263 m2 - e pela procedência parcial dos pedidos reconvencionais formulados pelos RR. - reconhecendo como pertencendo ao domínio público da RAEM, tão-só, a Parcela de 4.235 m2 ocupada pela 1ª R., em face da natureza da utilização que lhe foi dada por esta (ocupação com estradas) e, consequentemente, por força do decidido, a ordenar a actualização do cadastro, a fim de permitir a actualização da descrição ..., mediante o necessário averbamento de desanexação da parcela de 4.235 m2 que entendeu ter integrado o domínio público.
     XVII. No que respeita à decisão sobre a matéria de facto, veio a Recorrente a final das suas alegações, requerer a revogação da douta Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que dê como não provados os factos constantes dos quesitos 1° a 4° e 20º a 22º (crê-se que, no que respeita aos últimos 3, por lapso, pretendendo-se, sim, a resposta inversa) e como provado o quesito 25°, todos da base instrutória.
     XVIII. Quanto às questões de direito suscitadas pela Recorrente, estão as mesmas totalmente dependentes da alteração da matéria de facto supra referida.
     XIX. Entende a Recorrida que o presente recurso é manifestamente improcedente, porquanto a resposta dada na douta Decisão Recorrida aos quesitos supra referidos - a saber, (i) "Provados" os quesitos 1 ° a 4° nos termos constantes das alíneas ee) a hh) da factualidade provada e (ii) "Não Provados os quesitos 20, 21° 22° e 25° - impôs-se ao douto Tribunal a quo como a única possível em face dos concretos meios probatórios constantes do processo e registados.
     XX. Por outro lado, a factual idade provada e as normas aplicáveis in casu impuseram ao mesmo Tribunal as conclusões de direito a que o mesmo chegou, designadamente em face da inoponibilidade à A. das questões de direito suscitadas pela Recorrente que, ademais, não encontram qualquer suporte na factualidade provada.
     XXI. A resposta dada na douta Decisão Recorrida aos quesitos 1° a 4°, 20° a 22° e 25° da base instrutória, deve ser analisada à luz do princípio da livre apreciação das provas plasmado no artigo 558° do CPC, balizado pelo disposto nos artigos 335°, 337°, 339 °,340°, 343°, 356°, n.º 2, 361°, 363° a 366°, 383°, 385°, 387°, n.º 2 e 390° do CC, no artigo 471°do CPC, no artigo 14° do Decreto-Lei n.º3/94/M, de 17 de Janeiro, e do artigo 25° do CRP
     XXII. Ora, no que especificamente concerne à resposta dada aos quesitos 1° a 4º da Base Instrutória, a Recorrente imputa erro de julgamento à douta Decisão Recorrida, alegando, para tanto que a mesma desconsiderou a prova produzida e que as plantas definitivas de fls. 309 e 1442 não são definitivas, nem são documentos autênticos.
     XXIII. O depoimento prestado pelo Director da DSCC é demolidor para a versão dos factos alegada pelos RR., conforme se extrai das passagens transcritas supra no parágrafo 31, para o qual se remete e que ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
     XXIV. Das declarações prestadas pelo Director da Direcção de Serviços da 1ª R. com competência legal para emitir plantas cadastrais definitivas resulta expressamente:
     i. que o Terreno da descrição ... é o Terreno mencionado nos quesitos 1° a 4° da base instrutória - o Terreno reivindicado pela A.;
     ii. que o Terreno reivindicado pela A. nada tem que ver com aquele outro da antiga zona militar;
     iii. que as plantas de fls. 309 e 1442 são efectivamente plantas cadastrais definitivas desse Terreno;
     iv. as mesmas foram emitidas pela DSCC, não com base em meras declarações da sua proprietária, mas após a análise, validação e confirmação por esta da sua área, da sua localização e das suas confrontações, pelo que os factos nelas atestados, são-no com base nas percepções da DSCC sobre os mesmos.
     XXV. A Recorrida produziu nos presentes autos prova plena quanto à área, localização e confrontações do Terreno por força das duas plantas cadastrais definitivas de tis. 309 e 1442.
     XXVI. As plantas cadastrais definitivas de fls. 309 e 1442, são documentos exarados, com as formalidades legais impostas pelo Decreto-Lei n.º 3/94/M, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC -, nos limites da sua competência definida no artigo 1º do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, sendo, por isso, documentos autênticos à luz do n.º 2 do artigo 356º e do artigo 363º do CC, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, no artigo 14° daquele Decreto-Lei, e também nos termos gerais do artigo 365 ° do CC.
     XXVII. Atento o disposto no artigo 3660 do CC, a força probatória das referidas plantas cadastrais "só pode ser ilidida com base na sua falsidade", através do incidente regulado nos artigos 571° e seguintes do CPC, deduzido no prazo de 10 dias a contar da apresentação daquelas.
     XXVIII. Constam dos autos desde 24 de Julho de 2009 (cfr. a fls. 99 e 129), cópias da planta definitiva de fls. 309, que foi emitida pela DSCC em 5 de Agosto de 2008, cuja exactidão não foi impugnada pelos RR., o que teve as consequências previstas no artigo 361° do CC.
     XXIX. A Recorrente (à semelhança do 2° R.) não alegou, em tempo, a falta de autenticidade ou a falsidade das referidas Plantas, pelo que não pode vir fazê-lo em sede de recurso.
     XXX. Verificando-se que as plantas cadastrais definitivas são um meio de prova dotado de força probatória especial atribuída por lei, que abrange, por do disposto no 14° Decreto-Lei n.º 3/94/M, a área, a localização e as confrontações do Terreno, não podem os RR. socorrer-se, em face do disposto o n.º 2 do artigo 387° do CC, de prova testemunhal para infirmar estes factos.
     XXXI. De qualquer modo, a Recorrente sempre teria, para ilidir a força probatória especial plena atribuída pelo artigo 14° do Decreto-Lei 3/94/M, às plantas supra referidas, e atento o disposto no artigo 340º do CC, que alegar e provar a existência do facto oposto, i.e. que o Terreno reivindicado tem outra área (identificando-a), outra localização (identificando-a) e outras confrontações (identificando-as) coisa que nunca fez.
     XXXII. A Recorrente não ofereceu qualquer prova das afirmações que agora efectua, fora de tempo, sobre o processo de aprovação das plantas definitivas de fls. 309 e 1442, pelo que essas novas questões sempre seriam improcedentes.
     XXXVIII. A força probatória das plantas definitivas não abrange a definição da situação jurídica dos prédios, competência que pertence ao Registo Predial conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei 3/94/M, do artigo 14°, a contrario, do mesmo diploma e do artigo 1º do CRP.
     XXXIV. A planta de fls. 61, emitida para efeitos judiciais, foi junta aos autos a fim de nela se indicarem as parcelas do terreno ocupadas pela Recorrente com construções, barracas, alpendres e caixas de electricidade - informação que não consta (nem tinha de constar) dás plantas definitivas de fls. 309 e 1442.
     XXXV. As plantas definitivas de fls. 309 e 1442 não têm nenhuma declaração de exclusão quanto à sua força probatória nem imputam os factos ali certificados à mera declaração do respectivo requerente.
     XXXVI. Atento o disposto no n.º 2 do artigo 14° do referido diploma, a planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere à localização, área e confrontações dos prédios.
     XXXVII. O artigo 25° do CRP impõe a harmonização dos elementos das descrições prediais com os elementos fornecidos pelo cadastro, por meio das plantas cadastrais, quanto à localização, área e confrontações dos prédios - e não o inverso como alega, contra legem, a Recorrente.
     XXXVIII. A descrição predial ... (cfr. fls. 52), aberta há mais de 100 anos, apenas carece de ser actualizada em harmonia com aquelas que são actualmente, no local, as suas confrontações.
     XXXIX. Não existe qualquer discrepância entre as confrontações vertidas na escritura pública mencionada na alínea a) dos factos assentes e as confrontações constantes da descrição predial ..., facto que resulta do mero confronto de fls. 42 com fls. 52.
     XL. O processo de criação do cadastro geométrico de Macau na década de 90 do século passado, não se confunde com as competências e atribuições próprias da DSCC conferidas pelo artigo 2° do Decreto-Lei 70/93/M, de 20 de Dezembro, para emitir as plantas definitivas que lhes sejam solicitadas pelos cidadãos ou organismos públicos, elaboradas em cumprimento do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9° do mesmo diploma, ficando as mesmas sujeitas ao processo de aprovação como definitivas previsto nos artigos 5° a 12° do Decreto-Lei 3/94/M, conforme estatui o n.º 1 deste último artigo.
     XLI. O despacho referido no n.º 2 do artigo 3° do Decreto-Lei 3/94/M respeita, tão-só, ao processo de criação do cadastro geométrico de cada freguesia, sendo publicado uma única vez por cada freguesia.
     XLII. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 13° do Decreto-Lei 3/94/M e a data fixada no Despacho referido na alínea p) da factualidade provada na Decisão Recorrida, as plantas individuais de cada prédio da freguesia de Nossa Senhora do Carmo cujo prazo para apresentação de reclamações (ou decisão destas) tenha terminado depois de 27 de Março de 1998, convertem-se em definitivas após o termo do respectivo processo de aprovação (n.º1 do artigo 3° e do n.º 1 do artigo 12° do Decreto-Lei 3/94/M).
     XLIII. Se a Administração emite plantas cadastrais que não coincidem visualmente com o modelo referido no n.º 3 do artigo. 2° do Decreto-Lei 3/94/M, não obstantes conterem todos os "elementos das plantas" impostos pelo artigo 4° daquele diploma, tal facto só à própria Administração pode ser imputado, pelo que a Recorrente ao vir opor essa mera irregularidade à Recorrida, age em claro abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
     XLIV. O ofício de fls. 1450 dos autos, remetido pelo Director da DSCC ao MP, a pedido deste, confirma expressamente os factos vertidos nos artigos 1°, 3° (do qual foi retirada a matéria constante dos quesitos 1° a 4° da base instrutória) 7° e 8° da petição inicial apresentada pela A.
     XLV. E relembrem-se as declarações supra transcritas no parágrafo 31, para o qual se remete e que ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nas quais o Director da DSCC, explica porque é que a DSCC concluiu que as confrontações actuais do Terreno ora reivindicado, constantes das respectivas plantas cadastrais definitivas são totalmente compatíveis com as confrontações originais da descrição predial ... e incompatíveis com as confrontações da descrição ..., referente aos terrenos desafectados da zona militar.
     XLVI. Resulta da descrição ... (a fls. 51), aberta em 1913, que o prédio a que a mesma respeita confronta a Oeste com um terreno ao sopé da montanha de Choc Ca Chun ou Cheoc Ca Chun (sendo que "Choc Ca Chun" quer dizer "povoação de Choc Ca", povoação que constitui uma das confrontações Sul da descrição ..., antiga zona militar, conforme se lê a fls. 1019), e a Leste com um terreno ao sopé da montanha denominada Lam Ca Chun ou Lam Ka Chun (sendo que "Lam Ca Chun" quer dizer povoação de "Lam Ca", povoação que não integra as confrontações da descrição ...).
     XLVII. A povoação de Choc Ca, que ainda hoje existe, fica a Sul do morro da Universidade (cfr. v.g. fls. 1506) e a antiga povoação de Lam Ka ficava em frente ao cemitério católico sito na actual Estrada Coronel Nicolau de Mesquita, numa parte do local onde actualmente se encontra implantado o "Edifício do Lago", lote inicialmente designado por TN/27 e assinalado com a letra A na planta de fls. 718, e, assim, a Sudeste do terreno demarcado a fls. 309.
     XLVIII. As confrontações Oeste e Leste constantes da descrição predial ... são totalmente coincidentes com o Terreno de fls. 309 e 1442, assinalado na planta de fls. 1506 com a letra B e incompatíveis com a antiga zona militar (da descrição ...), assinalada na planta de fls. 1506 com a letra A.
     XLIX. Por outro lado, resulta igualmente da descrição ... (a fls. 51) que o prédio a que a mesma respeita confronta a Norte com terreno ligado à praia, saltando à vista de qualquer pessoa em face da planta de fls. 1506 que o terreno demarcado nesta com a letra A, da antiga zona militar - com qual o Terreno de folhas 309, aqui assinalado com a letra B, confronta a Norte - é um terreno ligado à antiga praia de Pac On.
     L. Resulta, por fim, da mesma descrição que o mesmo confronta (leia-se, em 1913) a Sul com um cemitério chinês.
     LI. Resulta do depoimento do Director da DSCC, na parte supra transcrita no parágrafo 31 e do depoimento prestado pela Sra. Dra. G, na parte supra transcrita no parágrafo 62 - para os quais se remete e que ora se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais -, que esta confrontação Sul é plenamente compatível com a demarcação de fls. 309 e 1442, porquanto existiam e foram encontradas campas a Sul do mesmo, designadamente nas vias abertas para acesso ao TN/27 assinalado com a letra A na planta de fls. 718.
     LII. Destarte, a confrontação Sul constante da descrição ... - "cemitério chinês" - é plenamente compatível com a demarcação de fls. 309 e 1442, porquanto existiam e foram encontradas campas a Sul do mesmo, designadamente nas vias abertas para acesso ao TN/27 assinalado com a letra A na planta de fls. 718:
     LIII. Não existem nos autos quaisquer documentos contemporâneos à abertura da descrição ... - de 1913 -, que suportem a alegação da Recorrente de que o Terreno demarcado a fls. 309 fosse o "Cemitério Chinês" indicado na descrição ... como confrontando a Sul com esta, pelo que é irrelevante a circunstância de, 80 anos depois, terem sido ali sido encontradas sepulturas soltas, cuja data que se desconhece.
     LIV. Basta sobrepor o Terreno demarcado na planta de fls. 309 à parcela B4 referida na planta de fls. 1128 a 1130 (que tem a área global de 29 255 m2), nos termos indicados supra na alínea b) do parágrafo 64, para se constatar que na década de 90 ainda existia a área de sepulturas a Sul do Terreno de fls. 309, designadamente nos acessos ao TN/27.
     LV. Se o Terreno de fls. 309 fosse, como a Recorrente (sem fundamento) afirma, "o Cemitério Sa Kong"- e não uma parcela ilegalmente ocupada por populares com sepulturas -, então, e uma vez que conforme resulta da planta de fls. 1506 o terreno da antiga zona militar, descrito sob n.º ... (ali letra A), confronta a Sul com o Terreno demarcado a fls. 309 (ali letra B), a referida descrição ..., aberta em Maio de 1978, teria necessariamente de mencionar na sua confrontação Sul "cemitério chinês", o que não sucede já que a confrontação Sul da referida descrição n.º ... (fls. 1019), é "terreno do Estado, povoação de Cheoc Ka Chun e hortes".
     LVI. Atentas as confrontações constantes da descrição ..., a antiga zona militar só confrontava a Este com um cemitério chinês, que era o cemitério chinês construído no terreno concedido para o efeito em 1936, situado a Norte do Terreno de fls. 309, conforme resulta do confronto entre a parcela A de fls. 1506 e a parcela A de fls. 1128 e 1129).
     LVII. Os únicos três terrenos sitos naquela zona que foram concedidos para cemitério pela 1ª R. (em 1936, em 1993 e em 1996, respectivamente, parcelas A, C e B3 a fls. 1128), situam-se a Norte do Terreno de fls. 309.
     LVIII. As 3 valas comuns, alegadamente centenárias, vieram a ser situadas, no âmbito da visita ao local, a oeste do Terreno de fls. 309, em zona que nessa planta ainda se encontrava identificada como sendo de cemitério e que na planta mais recente de fls. 1506 se encontra ocupada pela nova Rua de Pequim.
     LIX. As declarações da testemunha X, transcritas na alínea g) do parágrafo 64 das presentes contra-alegações, para a qual se remete e se dá por integralmente reproduzida, vêm demonstrar que na década de 90, toda a área a Norte do TN/27, incluindo o Terreno reivindicado e, a Norte deste, o terreno da antiga carreira de tiro, tinha sido invadida por sepulturas soltas, sendo certo que a zona militar, onde a carreira de tiro se integrava, só foi desactivada na década de 70 do século 20 (cfr. fls. 1023).
     LX. Também o relatório pericial de tis. 571 e seguintes confirmou integralmente os quesitos 1° a 4° da Base instrutória.
     LXI. Ora, dando-se como provados os quesitos 1° a 4° da base instrutória, tem necessariamente de dar-se como não provado - como bem julgou o douto Tribunal a quo - o quesito 20° da mesma, porquanto resulta claro da planta de fls. 1506, que demarca, com a letra A, a descrição dos Terrenos desafectados da zona militar (...) e, com a letra B, a descrição ..., que as mesmas confinam entre si e não se sobrepõem e, assim, que o Terreno reivindicado nunca integrou a zona militar.
     LXII. Refira-se, de resto, que os RR. nunca alegaram nem provaram a área, localização e confrontações do "terreno" sobre o qual deduzem pedidos reconvencionais, pelo que o mesmo (que se desconhece qual é) jamais poderia ser situado dentro da zona militar ou em qualquer outro local.
     LXIII. Os RR. incumpriram o ónus da prova relativamente à matéria constante do quesito em análise - 20° - porquanto não existem quaisquer documentos nos autos (ou fora deles) donde se extraia que a carreira de tiro haja sido efectivamente construída no terreno da descrição ..., facto sem o qual é totalmente irrelevante para os presentes autos a localização da carreira de tiro (que se situava a norte do Terreno de fls. 309 e com ele confinava), bem como são irrelevantes as dezenas de documentos que se referem a esta e à zona militar.
     LXIV. Neste sentido, vejam-se as declarações prestadas quer pelo Director da DSSC, quer pela Sra. Dra. G, Chefe do Departamento Jurídico da DSSOPT, supra transcritas no parágrafo 73, para o qual se remete e que ora se dá por integralmente reproduzido.
     LXV. A resposta dada na douta Decisão Recorrida aos quesitos 21° e 22° da base instrutória - Não Provado -, não merece qualquer censura, o que resulta das próprias alegações da Recorrente (vide fls. 2244), onde a mesma não especifica quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo nele realizado (inexistentes), que imporiam decisão inversa da recorrida sobre esses pontos da matéria de facto.
     LXVI. Quanto ao (inacabado) processo de expropriação, entende a Recorrida que deve ter-se por não escrita a resposta dada na douta decisão sobre a matéria de facto ao quesito 18° - de cuja redacção a Recorrida reclamou em tempo - em face da 1ª parte do n.º 4 do artigo 549° do CPC, já que a mesma, para além de francamente conclusiva, de incluir vários factos e de padecer de um manifesto lapso de escrita, que se indica no parágrafo 77, versa, inquestionavelmente, sobre uma questão de direito.
     LXVII. Do confronto do conteúdo de fls. 745 a 748 e 826 dos autos com o disposto nos artigos 50° e 46° da Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, resulta que não há qualquer evidência documental de que o processo de expropriação tenha sido concluído nos termos legais.
     LXVIII. Dos autos apenas resulta provado que tenta a alegada urgência da expropriação, foi ordenado, ainda na pendência do recurso de apelação apresentado pela Fazenda Nacional, que a esta fosse dada a posse do dito Terreno, sem contudo haver sentença a julgar a propriedade livre e desembaraçada e a aplicar a indemnização, sentença esta que nos termos do artigo 46° da Carta de Lei só poderia ser proferida após o trânsito em julgado da decisão de recurso e, depois deste, do decurso do prazo estabelecido nos éditos referidos na alínea L) dos factos assente.
     LXIX. Não corresponde, assim, à verdade a afirmação da Recorrente de que exista nos autos evidência documental de que:
     i. tenha sido proferida qualquer sentença a julgar a propriedade do Terreno livre e desembaraçada após a publicação dos éditos referidos em L) dos factos assentes,
     ii. tenha sido ordenado (e efectivado) o pagamento da indemnização devida ao expropriado C e, assim,
     iii. o processo de expropriação tenha sido legalmente concluído e a Fazenda Nacional o tenha adquirido por essa via (ou qualquer outra).
     LXX. A douta Sentença recorrida partiu do pressuposto que o processo de expropriação havia sido legalmente concluído, pelo que violou o disposto nos artigos 50° e 46° e, bem assim, o artigo 1° da Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, bem como os princípios basilares do nosso ordenamento jurídico quanto à proibição do confisco, estatuídos nos artigos 1232° e 1234° do CC actual e nos artigos. 1308° e 1310° do Código Civil de 1966.
     LXXI. Os RR. é que tinham o ónus da prova quanto à conclusão do processo expropriativo, porquanto o Réu é que, para obstar aos efeitos da acção de reivindicação, teria de provar factos constitutivos de posse ou detenção legitimada e duradoura ou de qualquer direito oponível ao autor.
     LXXII. Assim, deve este Venerando Tribunal alterar a douta Decisão Recorrida no que à expropriação diz respeito, no sentido de que não resultou provado que o Terreno foi expropriado e, assim, que este tenha saído da esfera privada de C, antecessor da A..
     LXXIII. Inexistindo qualquer Lei que tenha integrado o Terreno sub judice, ou qualquer das suas partes, no domínio público do então Território de Macau, o Terreno, quando muito, teria passado a integrar o seu domínio privado após a (alegada) expropriação, e, nessa medida, sujeitar-se-ia ao regime do direito de propriedade (e do seu registo obrigatório) estatuído na lei civil, como dispunha o artigo 1304° do Código Civil de 1966 e ainda hoje estatui o artigo 1228° do CC.
     LXXIV. Pelo que sempre competiria ao Estado registar a aquisição do Terreno no seu domínio privado, com base em expropriação, porquanto, atento o registo de aquisição da propriedade referido em G) dos factos assentes, o disposto no artigo 965° e 951 ° do Código de Seabra e da alínea a) do n.º 1 do artigo 2° conjugada com o artigo 5°, ambos do actual CRP, seria essa a única forma de tornar essa (hipotética) aquisição oponível a terceiros.
     LXXV. A única particularidade do acto de registo de uma expropriação está estatuída na alínea a) do n.º 4° do artigo 9° do CRP, do qual resulta que os factos sujeitos a registo ali mencionados não estão sujeitos ao principio da legitimação dos direitos sobre imóveis plasmado no seu n.º 1, i.e., podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo - demonstrando-se, também por esta via, que uma expropriação é, indiscutivelmente, um facto sujeito a registo com a consequência prevista no artigo 5° do CRP.
     LXXVI. De resto, ainda que o Terreno tivesse, por lei, integrado o domínio público do Estado, passando a estar fora do comércio - o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se admite -, também esse facto, porquanto representaria a extinção de um direito de propriedade, deveria ter sido registado, sob pena da sua inoponibilidade a terceiros (vd. artiqos 2°, n° 1, alínea q), e n.º 1 do artigo 5°, ambos do actual CRP, regime que, de resto, já se encontrava disposto em termos idênticos no CRP de 1967, na alínea z) do n° 1 do artigo 2° e no nº 1 do seu artigo 7°).
     LXXVII. Em suma, é indiscutível que o Terreno não integrou o domínio público do Território, e, ainda que tivesse integrado, competia à 1ª R. ter registado a expropriação do Terreno, pelo que, não o fazendo, a sua (hipotética) aquisição do mesmo, por expropriação, nunca seria oponível a terceiros de boa-fé, como é o caso de quem transmitiu o Terreno à A. (e, muito menos, à aqui A), que o adquiriu a quem o tinha definitivamente registado em seu nome como propriedade perfeita.
     LXXVIII. A douta Decisão Recorrida é inatacável no que respeita à resposta dada ao quesito 25° - Não Provado -, bem quanto ao mais que se decidiu, a fls. 1993, a propósito da escritura pública de habilitação de herdeiros.
     LXXIX. Não se vislumbra como possível uma declaração de nulidade da Escritura de Habilitação nos presentes autos, quando o notário que a lavrou, os seus outorgantes e demais intervenientes, bem como os interessados e beneficiários do registo de propriedade a que a mesma serviu de título não foram chamados a intervir nos presentes autos, assim como também não o foi certamente por não existir, qualquer alegado herdeiro dos habilitandos que se considerasse preterido pela referida habilitação.
     LXXX. Não foi produzida nos autos qualquer prova testemunhal quanto à referida habilitação de herdeiros, sendo certo que os factos que poderiam conduzir à sua invalidade não são passíveis de serem extraídos dos documentos juntos aos autos pelos Recorrentes.
     LXXXI. É duplamente falsa a afirmação vertida pela Recorrente no parágrafo 9° das conclusões das suas alegações, porquanto a douta Decisão Recorrida, por um lado, nunca "reconheceu" que "C deixou, à data da sua morte, dois herdeiros" - mas tão-só que deixou dois filhos (que sendo ilegítimos não seu herdeiros à luz do Código de Seabra -, assim como também nunca "reconheceu" que o terreno com a descrição ... foi afecto ao domínio público da RAEM" - mas tão-só a parcela ocupada com estradas pela Recorrente, de 4.235 m2, em face da destinação que lhe foi dada -, pelo que a douta Decisão Recorrida não padece da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 571° do CPC.
     LXXXII. Do assento de casamento de fls. 948 resulta que C e D nada convencionaram quanto aos seus bens, pelo que atento o disposto nos artigos 1098° e 1108° do Código de Seabra, o seu casamento foi feito segundo os costumes do reino, que "consiste na comunhão entre os cônjuges, de todos os seus bens presentes e futuros não exceptuados na lei".
     LXXXIII. Com o casamento de fls. 948, o Terreno reivindicado nos presentes autos passou a ser um bem comum de C e de D, pelo que o mesmo sempre faria parte do acervo da herança aberta por morte de D.
     LXXXIV. Os dois (alegados) filhos que (alegadamente) sobreviveram a C, eram ilegítimos, pelo que, atento o disposto no artigo 1989° do Código de Seabra, só herdariam de C, "sendo perfilhados ou reconhecidos legalmente", cuja prova não foi feita.
     LXXXV. Acresce que da prova documental produzida resulta que os (alegados) filhos (ilegítimos) de C, não sobreviveram à viúva deste (cfr. fls. 196, 1278, 1277 e 1276).
     LXXXVI. Por outro lado, não foram juntos aos autos quaisquer documentos relativos aos alegados netos (ilegítimos) de C.
     LXXXVII. No que respeita à resposta dada ao quesito 25°, a douta Decisão de Facto é muito clara ao consignar a fls. 1892 que o mesmo "Não foi dado por assente porquanto os documentos juntos a fls. 948 e seguintes, com vista à prova deste facto, não são suficientes para o efeito uma vez que fica em falta a identificação de vários antepassados, sendo certo que o que se pergunta neste item é “relação de parentesco" não se indicando· qual nem o grau." (sublinhados nossos).
     LXXXVIII. A redacção original do artigo 1971° do Código de Seabra consignava na lista de sucessíveis, no seu n." 5, os transversais até ao décimo grau, posteriormente alterado para até o sexto grau, sendo que dos documentos dos autos não resulta que os habilitados não tivessem com D uma relação de parentesco até esse grau.
     LXXXIX. Ainda que a Recorrente tivesse provado - e não provou - que os habilitados não eram os únicos herdeiros da D, tal facto não retiraria a estes a sua qualidade de herdeiros daquela, antes cabendo aos herdeiros preteridos, os únicos com legitimidade para o efeito, instaurar a necessária acção de petição da herança.
     XC. Em face do que se conclui que os pedidos formulados pela Recorrente quanto à alteração da resposta dada ao quesito 25° e à declaração da nulidade da escritura de habilitação de herdeiros são manifestamente improcedentes, devendo a douta Decisão Recorrida ser integralmente confirmada no que a esta matéria concerne.
     XCI. Assim, é evidente que a douta Decisão Recorrida só podia decidir a questão da validade dos registo no sentido em que decidiu a fls. fls. 1993 verso a 1994, devendo, por isso, ser confirmada.
     XCII. Relativamente à questão de apurar se a A. é a proprietária do terreno em causa nestes autos, a douta Decisão Recorrida é muito clara (cfr. fls. 1994 a fls.1995 verso), decidindo, no que respeita à parcela ocupada pelo IACM, de 20,263 m2, no sentido que a A. sempre defendeu, i.e. que a (alegada mas não provada) expropriação, na ausência do respectivo registo, e porque assim o determina o artigo 5° do CRP, nunca consubstanciaria qualquer direito dos RR. que fosse oponível à A., atenta a protecção que lhe era dada, enquanto adquirente de boa fé a non domino, pelo artigo 284º do CC, pelo que jamais poderia obstar à procedência da presente acção.
     XCIII. Era, também, o que já resultava, do parecer do Ministério Público de fls. 251 a 254 dos presentes autos a que alude a alínea ff) da factualidade provada na douta Decisão Recorrida, datado de 30 de Novembro de 2000, que se transcreve no parágrafo 129 das presentes contra-alegações, para o qual se remete e que ora se dá por integralmente reproduzido.
     XCIV. A boa-fé da A. (e da sua antecessora) nos presentes autos é indiscutível, porque o Terreno estava registado definitivamente em nome dos seus transmitentes, pelo que a A., como qualquer outra pessoa medianamente diligente colocada perante aqueles registos, não tinha qualquer motivo para pensar que as aquisições registadas pudessem padecer de qualquer vício e confiou na veracidade daqueles registos.
     XCV. Tanto a A., como a sua antecessora, são terceiras de boa-fé nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 284º do CC, porquanto, não revelando o registo qualquer irregularidade na escritura de habilitação de herdeiros ou menção à alegada expropriação, desconheciam, no momento das respectivas aquisições, sem culpa, quaisquer vícios de que pudessem padecer os negócios em causa.
     XCVI. A A. adquiriu o Terreno por recurso a um empréstimo bancário avultado (cfr. alínea b) da factualidade provada), pelo que a legalidade dos registos em apreço foi também avaliada pelo Banco no âmbito da apreciação do pedido de empréstimo, não tendo este ali detectado qualquer irregularidade, conforme resulta das passagem supra transcritas no parágrafo 132, para o qual se remete e que ora se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, das declarações prestadas aos autos pelo Sr. H, gerente-geral do Interveniente Principal entre 1983 e 1 de Fevereiro de 2009.
     XCVII. São também esclarecedoras a este respeito as' declarações prestadas pela Sra. Dra. G, Chefe do Departamento Jurídico da DSSOPT, transcritas no parágrafo 123 das presentes contra-alegações, para o qual se remete e ora se dá por integralmente reproduzido.
     XCVIII. Assim, impendia sobre a Recorrente o ónus de alegar e provar que a A. (e a sua antecessora), no momento da aquisição tinha conhecimento (ou não tinha conhecimento, com culpa) dos alegados vícios, coisa que não fizeram, conforme se extrai das respectivas peças processuais e da prova produzida nos presentes autos, sendo absolutamente irrelevantes e sem quaisquer efeitos as lamentáveis insinuações (não alegadas em tempo nem provadas) quanto à boa-fé da Recorrida que vêm só agora fazer em sede de recurso.
     XCIX. Verificados os requisitos ali mencionados, o artigo 284° protege o terceiro adquirente, de boa fé, que adquire de quem, não obstante ser o titular do direito de propriedade nos termos do registo, pode, substancialmente, não ser o seu verdadeiro titular.
     C. Assim, ainda que, substancialmente, os habilitados pudessem não ser os verdadeiros proprietários do Terreno à data em que celebraram, com a antecessora da A., a respectiva escritura pública de compra e venda (o que não foi provado e, por isso, não se concede), sendo os mesmos habilitados quem dele (Terreno) podia dispor nos termos do registo, sempre gozaria a A. da protecção conferida pelo referido artigo e, nessa medida, sempre lhe seria inoponível qualquer declaração de nulidade ou anulação daquela escritura de habilitação.
     CI. A aquisição do direito de propriedade sobre o Terreno pela antecessora da A. (e. consequentemente, o da A.) encontra-se igualmente protegida pelo n.os 2 e 3 do artigo 1914° do CC, porquanto, constando os habilitados do Registo Predial como titulares definitivamente inscritos do direito de propriedade sobre o imóvel, a antecessora da A., que adquiriu confiando nesse registo, teria adquirido de Herdeiro Aparente.
     CII. A aquisição do Terreno reivindicado pela A. - que se encontra descrito na CRP, como propriedade plena, privada e particular há mais de 100 anos - encontra-se ali definitivamente registada em seu nome, como propriedade privada plena, desde 20 de Setembro de 2005, por a mesma o ter adquirido, a título oneroso, de quem, nos termos do respectivo registo, dele podia dispor (cfr. alíneas a), c), d), e aa) a cc) da factualidade provada na douta Decisão Recorrida).
     CIII. A A. (bem como sucedeu com todos os seus antecessores), beneficia da presunção do direito de propriedade sobre o Terreno reivindicado, estatuída no artigo 7° do CRP e, assim, de que o seu direito de propriedade sobre o Terreno reivindicado existe e lhe pertence, nos precisos termos em que o registo o define.
     CIV. Os RR., por seu turno, não alegaram nem provaram (pelo menos quanto à parcela de 20,263 m2 ocupada pelo 2° R.) quaisquer factos constitutivos de um qualquer direito seu oponível ao direito de propriedade da A.
     CV. Em face do que conclui pela total improcedência do presente recurso, devendo a douta Decisão Recorrida ser confirmada quanto às questões em apreço, especialmente quanto à declaração de que a A. adquiriu o prédio dos autos, no que concerne à parcela de 20 263 m2, decisão que, no que respeita à Recorrente, já transitou em julgado.
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    Banco B (Macau), S.A. (B銀行(澳門)股份有限公司), Recorrido (Recorrente também), com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 2516 e 2564, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. A posição dos Recorrentes quanto à localização do Terreno assenta numa incorrecta interpretação de factos, que tentam provar com documentos irrelevantes e inconclusivos.
     B. Toda a tese dos Recorrentes RAEM e IACM assenta (i) na inexistência de um cemitério a sul do Terreno, e (ii) no facto de a carreira de tiro da Taipa ter sido construída Terreno, e ser possível demonstrar que essa instalação (que já não existe) não tem a mesma localização que o Terreno.
     C. No entanto, segundo a descrição lavrada em 1912, o Terreno confronta a sul com um cemitério chinês (não se referindo nunca ao cemitério chinês de Sa Kong) e foi demonstrada, pelo depoimento de testemunhas, a existência (ainda que historicamente) de campas a sul do Terreno. Todos os documentos juntos pelos Recorrentes para prova do contrário são inconclusivos, e nenhum deles data de 1912.
     D. Acresce que, ainda que o Terreno tenha sido expropriado para a construção da carreira de tiro da Taipa, não há elementos de prova que possam suportar a conclusão de que assim foi. Ainda que fosse essa a intenção da Administração, não pode concluir-se, como fazem os Recorrentes, que a mesma tenha sido executada sem qualquer desvio.
     E. A planta cadastral de fls. 1442 é uma planta definitiva, nos termos e para os efeitos do n.º2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M e faz prova plena quanto ao seu conteúdo. Ainda que assim não fosse, o que não se concede, é, em todo o caso, o documento mais idóneo para provar a localização do Terreno, tendo em conta que foi emitido pela DSCC e o Director desta confirmou, em sede de audiência de discussão e julgamento, que se trata de planta definitiva emitida por não haver quaisquer dúvidas quanto à localização do Terreno ali representada.
     F. Mesmo que se considere que o Terreno foi expropriado para a construção da carreira de tiro da Taipa, o que não se concede, não ficou demonstrado que aquela instalação tenha sido implantada no Terreno. Assim, mesmo que as carreiras de tiro (historicamente) tivessem sido bens do domínio público do Território, não poderia dar-se como provado que o Terreno integrou o domínio público por esse motivo. Acresce que, a carreira de tiro da Taipa foi desafectada expressamente do domínio público em 1976, pelo que o Terreno, se alguma vez tivesse ingressado no domínio público, o que não se concede, teria transitado para o domínio privado, e para o comércio jurídico entre particulares, em 1976. Assim, mesmo na tese dos Recorrentes pode aplicar-se ao Terreno, pelo menos posteriormente a 1976, o artigo 284.° do Código Civil.
     G. Caso se entenda que os Recorrentes têm legitimidade para impugnar a escritura de habilitação de herdeiros - questão sobre a qual o Recorrido já se pronunciou nas alegações de recurso do despacho proferido a fls. 457 e ss. -, sempre se dirá que a prova produzida nos presentes autos não se afigura suficiente para que o Tribunal ad quem considere provada a alegada falsidade das declarações constantes da escritura de habilitação de herdeiros e, com esse fundamento, declare nula a escritura de habilitação de herdeiros.
     H. Ainda que tivesse ficado demonstrada, a falsidade das declarações implicaria a perda da força probatória do documento autêntico e não a nulidade da escritura notarial de habilitação de herdeiros, porquanto entre os casos de nulidade dos instrumentos notariais taxativamente previstos no artigo 87.º do Código de Notariado, não se inclui a falsidade das declarações prestadas perante o notário.
     I. As escrituras de habilitações de herdeiros não são títulos inexistentes nem estamos perante sucessões onticamente inexistentes, porquanto o vício da inexistência não se encontra previsto no nosso direito civil, sendo reservado a actos de tal modo viciados nas forma ou no fundo que se apresentam destituídos de qualquer relevância jurídica, o que não se ajusta ao presente caso.
     J. Ainda que se demonstrasse que o bem não fazia parte do acervo da herança do de cujus, o acto seria nulo, e não inexistente, por aplicação analógica do artigo 1963º do Código Civil.
     K. Por outro lado, nos termos do artigo 1914.º do Código Civil, a acção de petição de herança não procede contra terceiro que haja adquirido do herdeiro apa oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles, pelo que o terceiro adquirente que adquira um bem da herança a herdeiro aparente deverá beneficiar de idêntica protecção, em face de um pedido de declaração de nulidade deduzido por um terceiro interessado.
     L. Caso tivesse ficado demonstrada a falsidade das declarações constantes das escrituras de habilitação de herdeiros, o que não foi, sequer, o caso, tal não implicaria a inexistência das sucessões mortis causa lavradas com base na escritura, mas antes a nulidade das aquisições posteriores do terreno com a descrição n.º ..., por se tratar de aquisições a non domino.
     M. Dos autos resulta provado que a Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I, Limitada, a Autora e o ora Recorrido adquiriram direitos sobre o Terreno de quem tinha legitimidade para dele dispor de acordo com o registo predial, de boa fé e a título oneroso, e registaram a respectiva aquisição a seu favor no registo predial muitos anos antes do registo dos pedidos de declaração de nulidade.
     N. O ora Recorrido e a Autora, bem como a Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I, Limitada, anterior proprietária do Terreno, desconheciam, sem culpa, esse alegado vício, pelo que são, necessariamente, terceiros de boa fé.
     O. Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo quando, em sede do douto Acórdão recorrido, julgou ser aplicável à Autora e ao ora Recorrido o artigo 284.° do Código Civil.
     P. O douto Acórdão recorrido não enferma das nulidades que lhe são imputadas pelos Recorrentes.
     Q. Os documentos juntos pela Recorrente RAEM deverão ser desentranhados e restituídos ao apresentante, o que se requer, nos termos do n.º 3 do artigo 616.° e do n.º 1 do artigo 468.°, ambos do CPC, por não ter sido sequer alegado que a respectiva junção se tornou necessária na sequência do julgamento em primeira instância nem que a sua apresentação só tivesse sido possível nesta fase processual.
     R. No caso de o Tribunal ad quem entender de modo diverso e, ao contrário do que se espera, determinar a procedência dos presentes recursos, o que, sem conceder, apenas se admite a benefício do raciocínio, sempre se diria a título meramente subsidiário e ao abrigo do n.º 1 do artigo 590.° do CPC, que:
     S. Salvo o respeito devido, o Tribunal a quo andou mal quando considerou que o processo expropriativo do Terreno foi concluído.
     T. Ficaram demonstrados documentalmente diversos actos desse processo, que teve uma primeira fase extrajudicial (cfr. documentos de fls. 168 a 170), bem como uma fase contenciosa (cfr. documentos de fls. 171 e 172).
     U. No entanto, nunca ficou demonstrado (nem consta, sequer, do traslado do processo judicial de expropriação de fls. 732 a 799) que, nos termos e para os efeitos do artigo 46.º da Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, tenha sido proferida sentença que julgue livre e desembaraçada a propriedade do Terreno objecto do processo de expropriação (tal decisão final é, aliás, mencionada nos documentos de fls. 171 e 172).
     V. Não poderia, assim, ter sido julgado provado o artigo 18.° da Base Instrutória, nem, consequentemente, por falta de elementos, o respectivo artigo 19.°, sobre os quais apenas foi produzida prova documental, pelo que, deverá, a título subsidiário, para o caso de os recursos interpostos pelos Recorrentes virem a ter provimento, o que não se espera, ser dado provimento à presente ampliação do recurso e, em consequência, ser proferido Acórdão que julgue não provados os artigos 18.° e 19.° da Base
     W. O douto Acórdão recorrido julgou, e bem, que a Autora é a legítima proprietária do Terreno. Ainda que assim não fosse, e se entendesse que a Recorrente RAEM pudesse ter algum direito sobre o Terreno, o que não se aceita e apenas se concede por mera cautela de patrocínio, sempre se diria que não o poderia exercer contra a Autora e o ora Recorrido, por abuso do direito, verificado em várias das suas vertentes.
     X. Nos termos do artigo 949.º do Código Civil de 1867, aplicável in casu, o acto expropriação estava sujeito a registo, sob pena de não ser oponível a terceiros adquirentes de direitos sobre o mesmo (cfr. artigo 951 do Código Civil de 1867).
     Y. Ao ter deixado que se mantivesse, por quase um século, a publicidade de uma alegada falsa situação jurídica de um prédio no Registo Predial, a Recorrente RAEM acabou por ser a única e exclusiva responsável pela situação em que se encontra nos presentes autos e age em abuso do direito, na vertente de supressio, ao vir reivindicar agora, ao fim de quase um século e apenas por forma a evitar a procedência da presente acção, a alegada afectação do Terreno ao seu domínio e a nulidade de actos notariais e de registos prediais que atribuíram direitos reais a terceiros que legitimamente confiaram na fé pública do registo, quando tais actos e negócios só tiveram lugar porque aquela foi negligente e inerte ao permitir que ficasse a constar de um registo público um alegado direito de propriedade que, na tese que defende, já se tinha extinguido por um acto de expropriação levado a cabo pela própria (ou pela entidade em cujos direitos sucedeu).
     Z. Mais, age ainda a Recorrente RAEM em abuso do (putativo) direito, ao tomar agora uma posição diametralmente oposta à que tomou o Ministério Público, em sua representação, no ano de 2000, conforme consta do respectivo Parecer junto como Doc. n.º 8 com a sua contestação (fls. 251 a 254), cujo teor era conhecido da mesma (conforme facto provado em resposta ao artigo 30.° da Base Instrutória).
     AA. Tal parecer do Ministério Público é claro ao decidir pela extemporaneidade de qualquer acção judicial de declaração de nulidade, com base única e exclusivamente no decurso do prazo previsto no artigo 284.º do Código Civil logo, ao formular o pedido reconvencional de declaração de nulidade do mesmo negócio jurídico, a Recorrente RAEM age em claro abuso do direito, na vertente de venire contra factum proprium.
     BB. Pelo que, deverá, a título subsidiário, para o caso de os recursos interpostos pelos Recorrentes virem a ter provimento, o que não se espera, ser dado provimento à presente ampliação dos recursos e, em consequência, ser o douto Acórdão recorrido revogado, por violar o artigo 326.º do Código Civil e os artigos 949.° e 951.° do Código Civil de Seabra, e substituído por outro, que julgue improcedentes os pedidos reconvencionais da Recorrente RAEM.
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    3º Recurso contra a decisão do mérito:
    Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (民政總署) (2º Réu), Recorrente (Recorrido também), devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/10/2014, dela veio, em 16/02/2015, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2034 a 2230, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1) A Decisão Recorrida padece, designadamente: I) De uma errada apreciação ou mesmo desconsideração da prova produzida e incorrecto julgamento de boa parte da matéria factica, bem como da falta de pronuncia sobre questões essenciais, entre elas a da correspondência física do terreno que se mostra determinante para uma correcta decisão da causa; II) padece nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil (CPC) na medida em que não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, como sendo a da falsidade das declarações da escritura das habilitações de herdeiros e da validade dos registos; III) padece da nulidade enunciada na alínea e) do nº 1 do artigo 571º do mesmo CPC, porquanto condenou os RR em objecto diverso do pedido ao proceder oficiosamente à subdivisão em duas parcelas do terreno reivindicado e ao ordenar a rectificação do registo quando lhe tinha sido pedido a restituição do terreno e o cancelamento dos registos; IV) padece da nulidade prevista na alínea b) do mesmo artigo 571º e Código, porquanto condenou o Recorrente ao pagamento de uma indemnização, acrescida de juros legais, com efeitos imediatos, sem qualquer fundamentação de facto e de direito que justificasse tal decisão.
     Da errada apreciação da prova e incorrecto julgamento da matéria de facto
     2) No Acórdão de fls.1884-1892 sobre a Matéria de Facto, o Tribunal a quo considerou que quanto aos Quesitos 1º a 4º da Base Instrutória, o que se deu como provado resultou do documento – planta cadastral definitiva – junto a fls.309 e 1442. Diz-se autêntico o documento exarado por autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o fazer – nº 1 do artº 363º do C.Civ. - De acordo com o Decreto-Lei nº 3/94/M é da competência da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro a emissão das Plantas definitivas as quais são título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações. Havendo sido junto aos autos (por duas vezes) a planta cadastral definitiva do prédio referido na alínea A) da factualidade assente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., planta essa que é um documento autêntico, não tendo sido suscitada a falsidade da mesma nem tendo sido ilidida a sua autenticidade, de acordo com o disposto no artigo 365º do C.Civ. o mesmo faz prova plena dos factos que atesta, nomeadamente, área, confrontações e localização do terreno em causa nestes autos. O Tribunal a quo deu como provados os quesitos 1.º a 4.º tão-só com o argumento supra transcrito, deste modo declarando a correspondência física entre o terreno representado nas plantas 309 e 1442 dos Autos e o terreno da descrição ... levado à alínea A) dos Factos Assentes (sublinhado nosso). (ponto 11, 12, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     3) Os Quesitos 1º a 4º foram incorrectamente julgados porquanto:
     Resulta da simples leitura comparativa das confrontações referidas nos Quesitos 1º a 4º e das confrontações referidas na escritura de fls. 42 e da descrição da Conservatória do Registo Predial de fls. 51, que existem discrepâncias evidentes entre aquelas confrontações, e essa questão não passou despercebida ao Juiz titular do processo e ao então Juiz Presidente do Colectivo.
     4) Aquela discrepância de confrontações colocou, desde logo, a necessidade de se apurar se havia correspondência física entre o terreno levado aos Quesitos 1º a 4º da Base Instrutória representado nas plantas de fls. 61, 309 e 1442, e o terreno levado à alínea A) dos Factos Assentes, descrito sob o nº ... e reivindicado pela Autora.
     5) A não correspondência física entre os terrenos resulta evidente da simples comparação entre a localização e configuração do terreno representado na planta de fls. 61, 309 e 1442 e entre a localização e configuração do terreno das plantas juntas aos Autos que se especificam no ponto 33 das presentes Alegações (cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido). Estas p identificam o terreno da planta de fls. 61, 309 e 1442 como sendo terreno do antigo cemitério Sá Kong.
     6) Dos documentos especificados no ponto 34 das Alegações (cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido) ressalta que o cemitério Sá Kong é um cemitério chinês cuja existência remonta a 1874 e que foi transladado em, pelo menos, dois momentos distintos, e por diferentes razões, entre 1993 e 1997.
     7) A não correspondência física entre o terreno da planta de fls. 61, 309 e 1442 e o terreno levado à alínea A) dos Factos Assentes e descrito sob o nº ... resulta, também, das plantas concretamente especificadas no ponto 43 das Alegações (cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido) que localizam a antiga Carreira de Tiro da Taipa construída no terreno da descrição ... que foi expropriado em 1918 para o efeito.
     8) O terreno da descrição ..., que foi expropriado em 1918 para nele ser construída a Carreira de Tiro da Taipa, estava concreta e exactamente localizado numa planta quando foi levado ao registo e estava concreta e exactamente localizado numa planta quando foi expropriado mas tal planta foi saboreada pelos chamados "ratos dos papéis". Apesar disso, a localização do terreno da descrição ... pode ser encontrada no quadro e contexto dos documentos históricos que sobreviveram aos roedores, e que estão mencionados e especificados nas presentes Alegações, designadamente no ponto 43 (cuja teor se dá aqui por inteiramente reproduzido).
     9) No decurso do Julgamento, a questão da não correspondência física dos terrenos foi objecto de ampla discussão e objecto das declarações dos Peritos e depoimentos das testemunhas dos RR.
     10) Com base na prova produzida e, designadamente, nos meios de prova supra especificados, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse declarado que o terreno descrito nos quesitos 1º a 4º da Base Instrutória, representado na planta de fls. 61, 309 e 1442 é terreno do antigo cemitério Sá Kong, ocupado pelos RR, sendo, por isso, uma realidade física diferente do terreno levado à alínea A) dos Factos Assentes, descrito sob o nº ..., reivindicado pela Autora.
     11) Ao invés, resulta da Decisão sobre a Matéria de Facto que a quo não se pronunciou sobre a questão da correspondência física entre terrenos, e acabou por declarar tal "correspondência" (sem nunca a ela se referir) ao considerar como provados os Quesitos 1º a 4º da Base Instrutória unicamente com base num documento que classifica como planta definitiva e documento autêntico quando, tal documento, não é uma coisa nem outra, como supra se demonstrou.
     12) Efectivamente, decorre do Acórdão da Matéria de facto que os Quesitos 1º a 4º da Base Instrutória foram dados como provados apenas e só com o argumento de que o documento de fls. 309 e 1442 era uma planta definitiva e um documento autêntico e que por isso fazia prova plena nos termos supra transcritos.
     13) Segundo as normas do direito cadastral supra referidas, a planta de fls. 309 e 1442 não é legal nem formalmente uma planta definitiva quer porque não obedeçe ao modelo legal estabelecido quer porque dela não consta a classificação como definitiva. Por isso, aquela planta não é definitiva nem tem o valor jurídico atribuído pelo artigo 14º do dito D.L. 3/94/M, e não consta em lado algum que aquela planta tenha sido publicitada e aprovada por Despacho do Secretário nos termos previstos na lei cadastral, tendo sido também supra especificados os meios probatórios que demonstram não ser a planta de fls. 309 e 1442 uma planta legal e materialmente definitiva.
     14) O Tribunal a quo ao considerar como planta definitiva, a planta de fls. 309 e 1442, julgou incorrecta e erradamente de facto e de direito: (i) porque daquelas plantas não consta a classificação de definitiva, atribuída pela DSCC e aprovada pelo Secretário no quadro das suas competências; (ii) porque não atentou na planta de fls. 61 junta com a P.I., que tem natureza inequivocamente provisória e foi emitida pela DSCC em data posterior à planta de fls. 309 e 1442; (iii) porque desconsiderou todos os concretos meios de prova supra especificados no ponto 58 das Alegações que impediam logica e cronologicamente qualquer classificação daquelas plantas como definitivas; (iv) porque classificou como definitiva a planta de folhas 309 e 1442 numa clara violação quer da letra quer do espírito das normas do Decreto-Lei nº 3/94/M e do Decreto-Lei nº 70/93/M e, designadamente, do disposto no nº 3 do artigo 2º, no artigo 3º, na alínea f) do artigo 4º e no artigo 14º do D.L. 3/94/M.
     15) Deve o Tribunal ad quem, em face dos concretos meios probatórios supra especificados e das concretas normas de direito violadas, revogar a decisão do Tribunal a quo substituindo-a por outra que declare que o documento de fls. 309 e 1442 não é uma planta cadastral definitiva nos termos e para os efeitos do disposto no D.L. 73/94/M, devendo as normas do direito cadastral citadas ser interpretadas com o sentido que lhe foi atribuído pelo Recorrente. (Ponto 69, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     16) O Tribunal a quo considerou, ainda, o documento de fls. 309 e 1442 como documento autêntico e que "não tendo sido suscitada a falsidade da mesma nem tendo sido ilidida a sua autenticidade, de acordo com o disposto no artigo 365º do C.Civ o mesmo faz prova plena dos factos que atesta, nomeadamente, área, confrontações e localização do terreno em causa nestes autos".
     17) Não tinham os RR que suscitar a falsidade nem ilidir a autenticidade da planta de fls. 309 e 1442 porque ela não é um documento autêntico para efeitos do previsto no nº 1 do artigo 365º do CC e isto: (i) porque a planta de fls. 309 e 1442 é um documento requerido no âmbito e para os efeitos do RGCU e já não estava válido quando foi junto aos Autos; (ii) porque a fls. 309 e 1442 não obedece ao modelo estabelecido no nº 3 do artigo 2º e dela não consta a classificação como definitiva conforme determina a alínea f) do artigo 4º, ambos do D.L. 3/94/M; (iii) porque da planta de fls. 309 e 1442 não consta quaisquer declarações que atestem factos praticados pela autoridade ou oficial público nem atestem factos com base em percepções da entidade documentadora; (iv) porque só a planta de fls. 61 junta com a P.I. foi requerida para efeitos judiciais e só ela integra declarações da entidade emissora.
     18) Resulta do exposto e do mais que se colhe do supra alegado, que o Tribunal a quo Julgou incorrectamente de facto e de direito ao considerar a planta de fls. 309 e 1442 como documento autêntico.
     19) Deve o Tribunal ad quem, em face dos meios de prova especificados e das normas de direito aplicáveis, bem como da posição do TUI que considerou não ser a planta cadastral um documento autêntico para efeitos do disposto no n.º1 do artigo 365º do CC, revogar a decisão do Tribunal a quo substituindo-a por outra que declare que o documento de fls. 309 e 1442 dos Autos não é um documentos autêntico para os efeitos do nº 1 do artigo 365º do CC. (Ponto 81, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     20) Em suma, e no que se refere aos Quesitos 1º a 4º, resulta manifesto que o Tribunal a quo desconsiderou os meios de prova acima especificados e fez uma errada apreciação de outros, o que determinou um incorrecto julgamento da Matéria de Facto relacionada com aqueles quesitos e, consequentemente, uma errada aplicação das normas de direito aplicáveis.
     21) O Tribunal a quo julgou incorrectamente porquanto: (i) não apreciou nem se pronunciou sobre a questão prévia e de fundo a decidir que era a da correspondência física entre o terreno dos Quesitos 1º a 4º representado na planta de fls. 61, 309 e 1442 e o terreno levado à alínea A) dos Factos Assentes, reivindicado pela Autora e descrito sob o nº ...; (ii) fez uma errada classificação da planta de fls. 309 e 1442 como definitiva e documento autêntico, para os efeitos do previsto no nº 1 do artigo 365º do Código Civil e com este único fundamento sustentou (sem o declarar expressamente) a correspondência física entre o terreno representado naquela planta de fls. 309 e 1442 e o terreno reivindicado pela Autora levado à alínea A) dos Factos Asentes e descrito sob o nº ... na Conservatória do Registo Predial;
     22) Deve o Tribunal ad quem, considerando os concretos meios de prova documentais e testemunhais supra especificados, alterar e substituir a decisão do Tribunal a quo declarando que: O terreno ocupado pela RAEM e pelo IACM, levado aos quesitos 1.º a 4.º da Base Instrutória, representado na planta de fls. 61, 309 e 1442, é terreno do antigo cemitério Sá Kong e, por isso, é uma realidade física diferente do terreno levado à alínea A) dos Factos Asentes, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ..., reivindicado pela Autora.
     23) O Tribunal a quo ao declarar a correspondência física, ainda que não expressa, entre o terreno da planta de fls. 309 e 1442, e o terreno levado à alínea A) dos Factos Assentes, descrito sob o número ... e reivindicado pela Autora, tinha, necessariamente, de se pronunciar sobre a expropriação do terreno da dita descrição ....
     24) O Tribunal a quo deu como provado que o terreno da descrição ... foi expropriado em 1918 para nele ser construída a Carreira de Tiro da Taipa. Porém, considerou que o mesmo não tinha ingressado no domínio público do Estado mas sim no seu domínio privado, nestes termos "(...) pelo que se impõe concluir que o mesmo constitui património privado/particular do Estado, estando assim no comércio jurídico.
     25) No entanto, aquele Tribunal considerando que a RAEM veio a ocupar com estradas uma parte do terreno expropriado da descrição ..., e que as estradas eram coisas que pertenciam ao domínio público do Estado, entendeu que essa parcela teria de ser "abatida" ao terreno expropriado património privado/Particular do Estado para ser integrada nos terrenos domínio público do Estado.
     26) Com este fundamento o Tribunal a quo procedeu à subdivisão do terreno da descrição ... em duas parcelas: (i) uma parcela de 4,235 m2 que considerou ter integrado o domínio público por a RAEM a ter ocupado com estradas (ii) uma parcela de 20,263 m2 que permaneceu no património privado/particular do Estado e a estar, por isso no comércio jurídico.
     27) Está sobejamente documentado nos Autos que quando a RAEM em 1994 "ocupou" com estradas a parcela de 4,235 m2,"ocupou" terreno que já lhe pertencia e que estava inscrito a seu favor e descrito sob o nº ... na Conservatória do Registo Predial. Estando aquela parcela de terreno integrada na descrição ... não existe qualquer fundamento legal para que seja "abatida" ao terreno da descrição ... nem existe qualquer fundamento legal para ser determinada a rectificação do cadastro e sua harmonização com a descrição predial.
     28) Quanto à parcela de 20,263 m2 do terreno expropriado da descrição ..., que constituia património privado/particular do Estado e estava, por isso, no comércio jurídico, ela é insusceptível de qualquer aquisição por quem se habilitou à sucessão, pois a expropriação não tinha que ser levada a registo e o registo não dá direitos, salvo no caso excepcional do artigo 5º do Código de Registo (aqui manifestamente inaplicável) e do artigo 284º que também se não aplica, uma vez que, no caso dos Autos, estão em causa sucessões inexistentes, pseudo sucessões legais e não negócios de cujos vícios pudesse resultar nulidade ou anulabilidade.
     Além de que toda a produção de prova foi dirigida no sentido de demonstrar que o terreno representado na planta de fls. 309 e 1442, ocupado pela RAEM e pelo IACM como detentor, é terreno do antigo cemitério Sá Kong, não é a mesma realidade física do terreno expropriado da descrição ....
     29) Foi demonstrado que não havia qualquer justificação de facto nem qualquer fundamento de direito para que o Tribunal tivesse procedido à "subdivisão” do terreno da descrição ..., em duas parcelas: uma que ingressou o domínio público e outra que permaneceu no domínio privado,
     E isto, pela simples razão de que o terreno da descrição ..., expropriado em 1918, para nele ser construída a Carreira de Tiro da Taipa era todo ele, e continua a ser, terreno da RAEM, mas não é o terreno representado na planta de fls. 309 e 1442 porque o terreno representado nesta planta é terreno do antigo cemitério Sá Kong e pertence, também ele, à RAEM estando por si ocupado e pelo IACM (este somente quanto à parte vedada e como detentor, desde 2003).
     30) O terreno da descrição ... sempre pertenceu ao domínio do Estado, pois à data da publicação da Carta de Lei de 1901 o terreno em causa não tinha transitado legalmente para o domínio da propriedade particular. Daqui decorre que a aquisição ab initio do terreno da descrição ..., em 1913, é uma aquisição nula por ter sido transmitida por um indígena para um não indígena sem qualquer autorização ou confirmação que, a existir, teria de ser declarada e arquivada no acto da escritura. Consequentemente, o facto levado a registo em 1913, com base naquela escritura é também, ele próprio, um facto nulo. (ponto 101 e 102, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     31) Em coerência com sua conclusão de que o terreno da descrição ... integrou o património privado/particular do Estado, e não o domínio público o Tribunal a quo deu como não provado o Quesito 20º o que só aconteceu por uma desconsideração ou errada apreciação da prova e consequente incorrecto julgamento,
     32) Estão especificados no ponto 110 das presentes alegações os concretos mesios de prova que impunham decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo, pois deles resulta inequívoco que sobre o terreno da descrição ... foi construída a Carreira de Tiro da Taipa; resulta inequívoco que a Carreira de Tiro integrou a corporação militar então existente; resulta inequívoco que a Carreira de Tiro foi integrada na zona militar criada em 1957; resulta inequívoco que os terrenos da zona militar da Taipa foram desafectados do domínio público militar por via do Decreto nº 892/76, de 30 de Dezembro, e foram integrados no domínio privado do Território de Macau.
     33) Segundo o artigo 49º da Consituição portuguesa de 1933, pertencem ao domínio público do Estado: As zonas territoriais reservadas para a defesa militar. Segundo o artigo 7º da Lei 2078, de 11 de Julho de 1955, as organizações ou instalações militares pertencem ao domínio público do Estado, do qual só podem ser distraídas mediante desafectação.
     34) Deve o Tribunal ad quem, com base nos meios de prova referidos e na legislação supra mencionada, revogar e alterar a Decisão daquele Tribunal substituindo-a por outra que dê como provado o Quesito 20º da Base Instrutória.
     35) O Tribunal a quo em vez de se ter enredado na subdivisão do terreno da descrição ... para considerar uma parcela do domínio público e outra do domínio privado, subdivisão essa que, como se demonstrou, nem sequer tem qualquer fundamento legal, devia ter apreciado os efeitos jurídicos da expropriação relativamente ao terreno da descrição ... e, consequentemente, se este terreno podia ter sido adquirido mortis causa pelos pseudo herdeiros do expropriado com base no registo da inscrição do direito de propriedade, que se manteve em nome do expropriado.
     36) Segundo Marcelo Caetano, a expropriação é a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre elas e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim; que o expropriante não é um sucessor do expropriado; que a expropriação é uma forma de aquisição por título originário e não derivado; e que sendo a expropriação considerada como um facto extintivo do direito de propriedade: se este é extinto, claro está que não poderá ser transmitido.
     37) Também segundo Menezes Cordeiro, "(...) na expropriação por utilidade pública o beneficiário adquire e título originário, isto é, vê constituir-se “ex novo" um direito seu sobre a coisa expropriada. Consequentemente, a expropriação provoca a extinção do direito ou direitos anteriores", e “a expropriação por utilidade pública vem, assim, a ser hoje em dia uma forma geral de extinção de direitos reais; não é, pois, nem uma forma de transmissão, nem uma figura limitada à propriedade."
     38) A Professora Mónica Jardim, em Parecer a juntar aos Autos afirma que a jurisprudência e a doutrina, desde há muito, é unânime em afirmar a natureza originária da aquisição por expropriação e que a aquisição para o domínio privado do Estado, decorrente de uma expropriação, não é um facto jurídico sujeito a registo sob pena de inoponibilidade a terceiros para efeitos do art.5º do Código do Registo Predial.
     39) Resulta do traslado do processo judicial nº 1114/1919: que o Ministério Público requereu a entrega do terreno expropriado por haver necessidade de começar desde já a construção da carreira de tiro; que o Tribunal considerou que estando fixada a indemnização e esta depositada, mando que seja dada posse do dito terreno à Expropriante, à qual fica adjudicado: que o Ministério Público, em representação da Expropriante Fazenda Nacional, tomou posse do terreno, conforme consta do Auto de Posse a fls. 747-748. Por isso, ainda que aquele processo expropriativo não tivesse sido concluído, como veio agora alegar a Autora, o certo é que ela nunca contestou nem colocou em crise a expropriação invocada pelos RR e sempre defendeu a sua "aquisição" no facto de o direito de propriadade do terreno expropriado continuar inscrito em nome do expropriado.
     40) De todo o modo a RAEM sempre seria a possuidora do terreno, em termos de direito de propriedade, porquanto desde que tomou posse em Abril de 1919 sempre a exerceu ininterruptamente, pública e pacificamente podendo, por isso, invocar, ainda hoje, a usucapião do dito terreno.
     41) Deve o Tribunal ad quem, em vista de todos os meios de prova supra especificados e de tudo quanto supra foi dito sobre os efeitos da expropriação do terreno da descrição ..., revogar a Decisão Recorrida e substitui-la por outra no sentido de declarar conforme o enunciado no ponto 130 das presentes Alegações que aqui se dá por intreiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
     42) O Tribunal a quo também fez uma errada apreciação da prova e incorrecto julgamento da matéria de facto assim como fez uma errada interpretação do direito aplicável, no que se refere à matéria da nulidade da Escritura habilitação de herdeiros.
     43) O Tribunal a quo, deu como provado que "C quando faleceu deixou dois filhos maiores", contudo não se demonstrou que aqueles fossem também filhos de D nem que fossem filhos legítimos de C. E que, embora se tivesse alegado a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros com o argumento de que os habilitados não são herdeiros de D, porém, no que a esta matéria concerne nada se prova, pelo que, se impõe concluir pela improcedência do argumento. (ponto 132, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     44) Estão juntos aos Autos documentos que fazem prova de que os filhos do C não são filhos da D; que a D faleceu sem deixar filhos; que não houve filhos legítimos do casamento entre D e C.
     45) Resulta das certidões de nascimento e baptismo dos três filhos de C, que eles nasceram antes do casamento de C com a D e resulta do teor daquelas certidões que C registou e perfilhou os seus filhos assim como os baptizou.
     46) Segundo as certidões de óbito juntas ao processo, o C quando faleceu deixou vivos dois filhos maiores, pelo que, só estes filhos vivos e perfilhados de C tinham direito a toda a herança deixada pelo pai, nos termos do previsto no artigo 1990º do Código de Seabra.
     47) Portanto, se alguém tivesse de "herdar" o terreno da descrição ... à hora da morte do C esse alguém seria os filhos deste e não a D, já que a esposa de C, não era sua herdeira, segundo o CC em vigor.
     48) Apesar destas evidencias que estão documentadas nos Autos o Tribunal não apreciou a validade das declarações constantes da escritura de habilitação de herdeiros junta aos Autos.
     49) A escritura de habilitação de herdeiros junta aos Autos contém duas habilitações de herdeiros: a do C e a da D.
     Na escritura de habilitação de herdeiros de C foi declarado que ele faleceu sem descendentes e que deixou como sua única herdeira a esposa D ou D.
     50) Provam os documentos já referidos, que estas declarações são manifestamente falsas porque o C deixou dois filhos vivos e a D não era herdeira de C.
     51) Na escritura de habilitação de herdeiros da D ou D foi declarado que esta faleceu sem deixar filhos e que deixou como seus únicos herdeiros os sobrinhos F e E,
     52) Ressalta do teor das certidões de nascimento, de baptismo e de casamento da D, dos pseudo herdeiros F e E e dos pais destes, juntas aos Autos, que é falsa a declarada relação de parentesco de sobrinhos/tia entre os habilitados e a D assim como constam dos Autos certidões que comprovam que os habilitados tinham primos vivos (filhos do irmão do pai dos habilitados) o que tornar também falsa a declaração de que habilitados eram os únicos sobrinhos da D.
     53) Resulta de todos os meios de prova indicados e supra especificados que a D ou D não era herdeira de C à data da morte desta e que se alguém tivesse de herdar o terreno da descrição ... à hora da morte do C esse alguém seriam os filhos deste e não a D.
     54) Mas, ainda que os dois filhos de C tivessem herdado o prédio da descrição ..., na hora da sua morte, seriam os descendentes de grau mais afastado (netos do C), a herdar o dito terreno e não a D.
     55) Decorre, pois, que na massa da herança de D ou D nunca esteve o prédio da descrição ... pelo que naturalmente, os pseudo herdeiros F e E não o poderiam ter adquirido por sucessão mortis causa da D.
     56) É manifesto que a decisão do Tribunal a quo assenta não só em uma errada apreciação da prova e incorrecto julgamento da matéria de facto como ainda em uma errada interpretação do direito aplicável,
     57) Deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida de que nada se provou quanto à matéria da falsidade das declarações da escritura de habilitação de herdeiros, substituindo-a por outra conforme à prova produzia e ao direito aplicável e declarando comforme o enumerado no ponto 158 das presentes alegações cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
     58) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a validade dos registos da aquisição mortis causa da pseuda herdeira de C e dos pseudo herdeiros de D.
     59) O Tribunal a quo evitou pronunciar-se sobre a nulidade dos registos, por via da subdivisão do terreno da descrição ... em duas parcelas, declarando quanto a uma delas que não havia lugar ao cancelamento dos registos como pretendiam os RR, mas sim à sua actualização e harmonização com a descrição predial; enquanto relativamente à outra parcela vai considerar prejudicada a pronúncia sobre a validade dos registos prediais.
     60) Já supra se demonstrou que não existe qualquer fundamento legal para o Tribunal proceder à "subdivisão" do terreno da descrição ... com o argumento de que a RAEM ocupou uma parcela dele com estradas e essa parcela passou a integrar o domínio público do Estado.
     61) Já supra se demonstrou que a parcela de terreno de 4.235 m2, que a RAEM ocupou com estradas em 1994 é terreno que pertence ao domínio privado da RAEM e já estava inscrito a seu favor e descrito na Conservatória Registo Predial sob o nº .... Por isso, e quando muito o que tem de ser actualizado é o cadastro do terreno da descrição ... e a harmonização daquele com esta descrição. Não tem que ser feita qualquer subdivisão do terreno da descrição ...!
     62) Não há qualquer fundamento legal para o Tribunal proceder à subdivisão do terreno da descrição ... com o argumento que a parcela de 4.235 passou a pertencer ao domínio público e, por maioria de razão, não há fundamento legal para ser ordenada a rectificação do cadastro e sua harmonização com a descrição predial do terreno representado na planta de fls. 309 e 1442 porque, para além do mais, o terreno da planta de fls. 309 e 1442 é uma realidade física diferente do terreno da descrição ....
     63) Deve o Tribunal ad quem, com base nos meios de prova supra especificados, revogar 2.1. e 2.2. da Decisão Recorrida.
     64) Relativamte à parcela de 20,263 m2 do terreno expropriado em 1918, o Tribunal a quo considerou que tendo sido julgadas improcedentes as duas questões anteriores fica prejudicada a apreciação da validade dos registos prediais.
     65) O Tribunal a quo entendeu que a parcela de 20.263 m2 do terreno expropriado estava integrada no património privado/particular do Estado, estava, por isso, no comércio jurídico e, por essa razão, estava sujeita a registo. Como o então Território de Macau não registou a expropriação e o direito de propriedade do terreno continuou inscrito em nome do expropriado, os pseudo herdeiros puderam levar ao registo as "aquisições" por sucessão mortis causa. Mas, o Tribunal a quo devia ter apurado se a obrigada a registar a expropriação do terreno da descrição ....
     66) Sobre esta questão defende a Professora Mónica Jardim, e a doutrina e "jurisprudência" do Conselho Técnico dos Registos e do Notariado, de Portugal, que "A aquisição para o domínio privado do Estado, decorrente de uma expropriação, não é um facto jurídico sujeito a registo sob pena de inoponobilidade a terceiros para efeitos do art.5º do Código do Registo Predial.
     Na verdade, o registo da aquisição por expropriação, tal como o registo da aquisição por usucapião ou acessão, apenas produz um efeito enunciativo, nunca um efeito declarativo ou consolidativo. Ou, por outra via, o registo de uma aquisição originária, desenvolvendo uma função atípica, limita-se a dar notícia dos factos publicados que sempre seriam oponíveis a terceiros, ou que não seriam desprovidos da sua eficácia, mesmo que não acedessem ao registo.
     Portanto, aquele que adquire originariamente não tem o ónus de registar e apenas terá de publicitar o seu direito caso o pretenda alienar ou onerar e seja aplicável o princípio da legitimação, o que nem sequer ocorre, como se sabe, no caso da expropriação (cfr. art. 9.º, n.º 4, a), do Cód. Reg. Pred. - sublinhado nosso).
     67) Ao não apreciar a validade dos registos prediais lavrados com base numa escritura que contém duas habilitações de herdeiros, nas quais se declaram terem ocorrido duas sucessões legais mortis causa que, na verdade, nunca ocorreram e, portanto foram, e são, duas sucessões inexistentes, o Tribunal a quo acaba por subscrever que o Registo continue a publicitar sucessões inexistentes que "suportaram" compras e vendas feridas de nulidade, e, bem mais grave que isso, acaba por permitir que com base naqueles registos a Autora se pretenda apropriar de um outro terreno que não tem correspondência física com o terreno da descrição ....
     68) Sendo falsas as declarações prestadas na escritura de habilitação de herdeiros de C e de D, pois as declaradas sucessões legais mortis causa inexistiram, torna-se ostensivamente contrário à letra e ao espírito das regras registais que permaneçam no Registo inscrições nulas porque lavradas com base em títulos insuficientes, em concreto: em factos inexistentes.
     69) Deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida e substituí-la por outra que com base nos meios de prova concretamente já especificados bem como nos fundamentos de direito aduzidos e de todos os outros que emergem do Parecer, a juntar aos Autos, declare conforme o enumerado no ponto 177 das presentes alegações cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
     70) O Tribunal a quo declarou no ponto 4 da Decisão Recorrida que a "Autora adquiriu o prédio a que se reportam os autos, mas apenas no que concerne à parcela de 20,263m2", sustentando que, substancialmente o que ocorre nesta situação é uma aquisição a título de sucessão de bem alheio, mas que estava registado em nome do "de cujos", (...) e embora não fizesse parte do acervo da herança, por estar registada ainda em nome de C vem a ser registada a aquisição por quem se habilitou à sucessão.
     71) Nos presente autos não pode estar em causa uma "sucessão de bem alheio", porque a ter havido sucessão ela seria legítima e sendo esta uma sucessão legal, como é evidente, nunca poderia ser de bem alheio. Recordamos que os herdeiros subingressam na posição do de cuius.
     72) Está demonstrado e provado que a D ou D de C pelo que o prédio da descrição ... nunca fez parte do património da D. Logo, à hora da morte de D tal prédio não fazia parte do seu acervo hereditário e, consequentemente, os pseudo herdeiros F e E não puderam subingressar, por força da lei, na qualidade jurídica de proprietários do mesmo (D, repetimos, nunca foi proprietária do prédio ...). Significa isto que os pseudo herdeiros da D à data da sua morte não podem ter_adquirido, a título de sucessão legal, o direito de propriedade sobre o prédio .... Ou, resumidamente: a sucessão legal que declararam ter ocorrido, foi onticamente inexistente.
     73) O Tribunal a quo não apreciou a prova produzida. Se o tivesse feito teria concluido que no caso dos Autos não estão em causa "duas sucessões legais de coisa alheia" porque ambas as sucessões foram onticamente inexistentes.
     74) Declarou ainda o Tribunal a quo neste ponto 4 da sua Decisão que Face ao disposto nos nº 1, 2 e 4 do arts 284º do C.Civ. era inócuo estar a apreciar da validade da sucessão no que concerne à titularidade do bem (bem alheio) uma vez que a reconvenção quando é registada, há muito que já havia decorrido o ano indicado no nº 2 do referido preceito legal e ainda que assim não fosse também não se demonstro que os adquirentes não estivessem de boa fé.
     75) Decorre, também, da apreciação da prova produzida supra especificada e das normas legais aplicáveis, que ao contrário do afirmado pelo Tribunal não é inócuo estar a apreciar da validade da sucessão no que concerne à titularidade do bem (bem alheio). Se o Tribunal a quo tivesse apreciado devidamente a prova produzida, não só teria concluído pela falsidade das declarações constantes da escritura de habilitação como teria concluido pela inexistência das sucessões mortis causa lavradas com base naquela escritura e teria concluído, possivelmente, que um terceiro "adquirente", de boa fé e a título oneroso, dadas aquelas circunstâncias, não podia beneficiar da tutela do artigo 284º do Código Civil.
     76) O art. 284º do Código Civil só protege o terceiro em face da eficácia rectroactiva da nulidade ou anulabilidade de um negócio jurídico anterior àquele em que interveio, nunca perante a inexistência e muito menos perante a inexistência de sucessões legais mortis causa. Por isso, o verdadeiro titular do direito pode, a todo o tempo, impugnar a habilitação - em virtude da inexistência da sucessão legal mortis causa -, solicitar a declaração de nulidade do correspondente registo, com base na alínea b) do art. 17º do Cod. Reg. Pred, e o consequente cancelamento.
     77) A Autora e o interveniente principal, apesar de terem obtido o respectivo registo e serem terceiros perante as sucessões inexistentes e também perante a 1.ª compra e venda nula, pois não celebraram o negócio com os pseudo herdeiros de D, não beneficiam da tutela do art. 284.º do Código Civil, isto porque o negócio em que intervieram é nulo em virtude da inexistência ôntica da sucessão legal “a favor" de D e da inexistência ôntica da sucessão legal “a favor" de F e E e não em virtude de um negócio anterior nulo ou anulável. (ponto 186, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     78) O Tribunal a quo andou mal ao não apreciar a prova que patenteia serem falsas as declarações prestadas em sede da escritura de habilitação de herdeiros, ao não declarar a inexistência das sucessões legais e ao não apreciar a validade dos registos lavrados com base naquela escritura de habilitação, porquanto da falta de apreciação daquelas questões resultou um incorrecto julgamento da matéria fáctica e uma errada aplicação do direito, designadamente no que se refere à aquisição pela Autora do terreno da descrição nº ... com fundamento no artigo 284º do CC.
     79) Deve O Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida substituindo-a por outra e deve decidir quanto às questões que foram omitidas de acordo com a prova constante dos Autos e especificadamente referida e conforme às regras de direito aplicáveis, com o sentido que lhe empresta o Recorrente e o que resulta do Parecer a juntar aos Autos, declarando como se enumera no ponto 188 e 189 das presentes Alegações, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
     80) O Tribunal a quo considerou, também, que em momento algum veio o beneficiário da expropriação, a RAEM, reclamar ser a proprietária do bem em causa e reivindicá-lo daqueles.
     81) Mas não é assim. Pode o pedido de reconhecimento como proprietária pela RAEM estar deficientemente formulado, mas não pode afirmar-se que não está formulado ou que está omisso!
     82) O Tribunal a quo, ainda neste ponto 4 da Decisão Recorrida, sustentou que não se demonstrou que os adquirentes não estivessem de boa-fé,
     83) Não compete aos RR provar que o "terceiro adquirente" adquiriu de má fé. É o "adquirente" que pretende beneficiar da tutela da art. 284º que tem de fazer prova de que a sua" aquisição" ocorreu de boa-fé. E, para fazer prova da sua "aquisição" de boa-fé, não basta à Autora alegar que "adquiriu" direito do titular registal e de também ter obtido o respectivo registo.
     84) Finalmente, Não pode o Tribunal a quo, face ao disposto no artº 7º da Lei Básica, ordenar a reversão do terreno da descrição ... à esfera do domínio da propriedade privada, através do reconhecimento da Autora como propretária daquele terreno e muito menos quando o fundamento para essa reversão assenta em registos lavrados, em 1997, com base em declarações falsas e em sucessões legais mortis causa inexistentes.
     85) O Tribunal a quo desconsiderou a prova produzida ou fez dela uma errada apreciação e um incorrecto julgamento da matéria de facto e ainda uma errada aplicação das nomas legais aplicáveis.
     86) Deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida e com base nos meios de prova concretamente já especificados, substituí-la por outra conforme ao direito aplicável com o setnido que lhe empestou o Recorrente, declarando conforme se especifica no ponto 200 das presentes Alegações cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
     87) No ponto 5 da Decisão Recorrida o Tribunal a quo apreciou se os RR tinham a posse ou detenção do prédio e se a Autora tinha direito a que a coisa lhe fosse restituída, tendo considerando que os 20,263 m2 que o prédio dos autos enquanto coisa tem, estão a ser ocupados pelo IACM desde 1999.
     88) Se os Réus têm a posse ou detém o prédio a que se reportam os autos - é matéria que está intrínseca mente relacionada com os Quesitos 6º, 8º e 10º ( ii), jj), kk) ) que por sua vez estão entrelaçados com os quesitos 1º a 4º da Base Instrutória.
     89) Os Quesitos 6º, 8º e 10º estão relacionados com a ocupação do terreno e foram incorrectamente julgados, não só por estarem dependentes da decisão de facto e de fundo que não foi apreciada - a da correspondência física dos terrenos - mas devido, também, à deficiente ou errada apreciação da prova relacionada com os próprios Quesitos.
     90) Quanto ao Quesito 6º, o Tribunal a quo não podia dar como provado que a Autora está impedida de aproveitar o terreno, sem ter apreciado qual era o terreno ocupado pelo IACM: se o terreno do antigo cemitério Sá Kong ou se o terreno reivindicado pela Autora.
     91) Resulta dos meios de prova juntos aos Autos que a parcela de terreno ocupada pelo IACM é terreno do antigo cemitério Sá Kong.
     92) Deve o Tribunal ad quem com fundamento naqueles meios de prova deve alterar aquela Decisão e substituí-la por outra que dê como não provado o Quesito 6.º e como provado que o terreno ocupado pelo IACM é terreno do antigo cemitério Sá Kong.
     93) Quanto ao Quesito 8.º, o Tribunal a quo considerou que a Autora, em face do comportamento dos RR, não pode arrendar o terreno e não o pode alienar nas mesmas condições em que o faria se estivesse livre.
     94) O Tribunal a quo julgou erradamente porque para além de estar demonstrado que o IACM ocupa terreno do cemitério Sá Kong a premissa em assenta este quesito "se estivesse livre" é falsa porquanto está provado documentalmente que o IACM foi autorizado pela RAEM a ocupar o terreno em 2003 (não em 1999 - esta data é um erro material no que se refere a esta parcela de terreno utilizada pela Autora) e nesse mesmo ano o IACM vedou-o e ocupou-o.
     95) Se a Autora adquiriu o terreno da descrição ... na convicção que era o terreno ocupado pela IACM, então a Autora adquiriu um terreno que não estava livre! A Autora adquiriu um terreno que já estava murado, vedado e ocupado pelo Recorrente, daí que seja incongruente dar-se como provado que a Autora não possa arrendar o terreno e alienar nas mesmas condições que faria "se estivesse livre"!
     96) Deve o Tribunal ad quem com fundamento nos meios de prova supra especificados, alterar a Decisão Recorrida quanto ao Quesito 8º e substituí-la por outra que dê como não provado o Quesito 8.º e como provado que o terreno ocupado pelo IACM é terreno do antigo cemitério Sá Kong e como provado que o terreno do cemitério Sá Kong já estava vedado e ocupado em 2005 quando a Autora "adquiriu" a descrição ....
     97) Quanto ao Quesito 10º o Tribunal a quo considerou como provado que "O Terreno se estivesse desocupado e sem qualquer construção, poderia ter sido arrendado para diversos fins, tais como estacionamento ou armazenamento ou depósito de materiais”
     98) Mais uma vez o Tribunal a quo errou na apreciação da prova e julgou incorrectamente este Quesito que, como se alcança, assente em outra premissa falsa: "O terreno se estivesse desocupado".
     99) O terreno estava murado, vedado e ocupado pelo IACM desde 2003 e se a Autora bem sabendo (ou podendo e devendo saber) que o terreno estava murado, vedado e ocupado, ainda assim o "adquiriu", na convicção que era o terreno da descrição ..., então correu todos os risco de suportar os custos da desocupação o que inclui, evidentemente, os custos de não poder ser arrendado para diversos fins, tais como estacionamento ou armazenamento ou depósito.
     100) O Tribunal a quo desconsiderou a prova produzida e fez uma errada apreciação de outra e julgou incorrentamente o Quesito 10º.
     101) Deve o Tribunal ad quem, com base nos meios de prova supra especificados, alterar a Decisão do Tribunal a quo substituindo-a por outra que dê como não provado o Quesito 10.º e como provado que o terreno ocupado pelo IACM é terreno do cemitério Sá Kong e que o dito terreno está murado, vedado e ocupado pelo Recorrente desde 2003.
     102) No ponto 5. da Decisão Recorrida o Tribunal a quo concluiu e decidiu que o IACM é o possuidor da coisa ( da parcela de 20,263 m2) e que, não ocorrendo qualquer fundamento legal para recusar a restituição (...), devia o IACM ser condenado a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa.
     103) Aquele Tribunal julgou incorrectamente ao considerar o IACM como Possuidor da coisa, pois está demonstrado nos Autos que o Possuidor do terreno do cemitério Sa Kong é a RAEM não só tendo em conta a noção de posse estatuída no artigo 1175º do CC e a actuação da RAEM sobre o mesmo como, ainda, o teor dos factos provados pp), e 55).
     104) Os meios de prova especificados comprovam que o IACM é um mero detentor do terreno e que a RAEM é o verdadeiro Possuidor, em termos de direito de propriedade, pelo que o Tribunal a quo também errou ao condenar o IACM a restituir o terreno à Autora!
     105) Deve o Tribunal ad quem alterar a Decisão Recorrida, substituindo-a por outra, conforme à prova produzida e ao direito aplicável, no sentido interpretado pelo Recorrente, declarando que: o terreno vedado e ocupado pelo Recorrente IACM representado nas plantas de fls. 309 e 1442 é terreno do antigo cemitério Sá Kong e considerado pela RAEM como seu, ou, caso assim o não entenda, declare que a RAEM como verdadeira possuidora, em termos de direito de propriedade, é quem deve ser condenada a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa. Ou, pelo menos, que o IACM não pode ser condenado a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa, sem que também o seja a RAEM.
     106) No ponto 6. da Decisão Recorrida, o Tribunal a quo apreciou o pedido de indemnização formulado pela Autora, considerou preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 477º do CC e condenou o 2º Réu ao pagamento de uma indemnização de MOP$43.840.920,00 (...) acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da presente data até efectivo e integral pagamento. (ponto 248, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     107) O facto de estar demonstrado que a Autora notificou o Recorrente para desocupar e lhe entregar o terreno, não decorre, necessariamente, que o IACM estava obrigado a entregar o terreno à Autora. O IACM não tinha legitimidade para entregar o terreno à Autora.
     108) Os alegados prejuízos ou danos sofridos pela Autora assentam em meras hipóteses, em meras premissas como: "se o terreno estivesse na posse da Autora” “Se o terreno estivesse livre” “Se o terreno estivesse desocupado” comprovadamente são falsas; a Autora não fez qualquer prova dos concretos prejuízos ou danos que sofreu.
     109) A Autora não poderia arrendar o terreno pelos valores locativos indicados porque o cálculo do valor locativo assenta em pressupostos que se não verificaram.
     
     110) O valor locativo do terreno está relacionado com os Quesitos 11º a 11-C que o Tribunal a quo deu como provados com o fundamento que a sua convicção resultou dos documentos de fIs. 82 a 106, 646 a 675.
     111) O Tribunal a quo apreciou erradamente aqueles documentos pelo que julgou incorrectamente ao dar como provados os Quesitos de 11º a 11º-C, porquanto os pressupostos do cálculo daquele valor locativo já se não verificavam à data da produção dos referidos documentos, em Abril/2009 e Junho/2012 e, além disso, constam dos Autos outros documentos e elementos objectivos de prova, supra especificados, que impunham dar como não provado aquele ou qualquer outro valor locativo.
     112) Deve O Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida substituindo-a por outra que tendo em conta os meios de prova supra especificados e as concretas normas de direito aplicáveis, declare: que o IACM não é Possuidor do terreno e como mero detentor não tinha legitimidade para devolver o terreno à Autora; que a Autora não fez qualquer prova dos concretos prejuízos ou danos por si sofridos; que declare como não provados os Quesitos 11º a 11º-C e, consequentemente, como não provado o valor locativo de terreno por se não terem verificado os pressupostos do seu cálculo e por, devido ao facto de estar prevista a construção, no dito terreno, do Parque Urbano para a Taipa Norte, não poder ser atribuído qualquer valor locativo ao referido terreno.
     113) O Tribunal a quo, prosseguindo na análise do pedido de indemnização da Autora considerou preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no nº 1 do artigo 477º do Código Civil, e concluiu que o IACM incorria na obrigação de indemnizar a Autora nos termos da responsabilidade por factos ilícitos.
     114) O Tribunal a quo, apreciou errradamente a prova e as normas de direito aplicáveis por isso julgou erradamente ao condenar o Recorrente, porquanto: 1) o IACM é um mero detentor do terreno e ocupa-o com autorização da RAEM sua verdadeira possuidora em termos de direito de propriedade; 2) em face da sua posição de detentor, o IACM não tinha qualquer legitimidade para proceder à entrega do terreno à Autora quando para o efeito foi notificado; 3) sobre o IACM não impendia qualquer dever jurídico de entregar o dito terreno à Autora; 4) o IACM tem título bastante para ocupar o terreno passado pela RAEM a qual considera que o mesmo lhe pertence; 5) o IACM nunca prefigurou a violação do direito de propriedade da Autora pois sempre utilizou o terreno na convicção que era terreno do antigo cemitério Sá Kong e não terreno da Autora; 6) o IACM nunca prefigurou causar quaisquer danos à Autora porque sempre esteve convencido, e está, que o terreno do cemitério Sá Kong é pertença da RAEM que o autorizou a ocupá-lo; o IACM ao não entregar o terreno à RAEM não podia ter agido de outro modo tendo em conta o homem médio de Macau, notificado para entregar um terreno nas mesmas circunstâncias em que o Recorrente o foi.
     115) Não se vê como nem de que modo pôde o Tribunal Recorrido dar como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil quanto ao IACM que é mero detentor e utilizador provisório do terreno enquanto a RAEM, o verdadeiro possuidor, em termos de direito de propriedade, foi absolvido!
     116) Além disso, está sobejamente demonstrado e documentado nos Autos que o terreno ocupado com estradas pela RAEM é terreno que pertence ao seu domínio privado e que em 1994 já estava inscrito em seu nome e descrito sob o nº ... na Conservatória do Registo Predial.
     117) Deve o Tribunal ad quem, com base nos meios de prova concretamente especificados e com os fundamentos de facto e de direito invocados, revogar a Decisão Recorrida de condenação do IACM no pagamento da indemnização de MOP$43.840.920,00, por se não verificar o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
     118) O Tribunal a quo condenou, ainda, o Recorrente no pagamento de uma indemnização igual a MOP$702.460,00 por cada mês ou fracção que se mantiver a ocupar o prédio a que se reportam os autos a contar de 10 de Novembro de 2014 inclusive, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da presente data até efectivo e integral pagamento.
     119) Decorre do teor da Decisão Recorrida que o Tribunal a quo se limitou a declarar: "Mais deve o 2º Réu ser condenado no pagamento de indemnização igual a MOP$702.460,00 por cada mês ou fracção que se mantiver a ocupar o prédio a que se reportam os autos a contar de 10 de Novembro de 2014 inclusive" Não especificou aquele Tribunal qualquer fundamento para esta outra indemnização a pagar à Autora!
     120) O Recorrente nem sequer pode defender-se desta condenação em branco, uma vez que o Tribunal nada diz quanto à natureza da indemnização; nada diz quanto ao valor estipulado nem mesmo quanto aos juros (que fez acrescer a esta indemnização no ponto 1.2. do dispositivo do Acórdão); nada diz quanto à razão de a indemnização se vencer a partir de 10.11.2014 inclusive e enquanto o Recorrente se mantiver naquele prédio.
     121) Trata-se de uma condenação a todos os títulos ilegal e atentatória dos direitos de defesa do Recorrente, porquanto com esta condenação o Tribunal pretendeu compelir o IACM a entregar o terreno à Autora mesmo antes do trânsito em julgado da acção!
     122) Deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida quanto a esta indemnização por manifesta e inadmissível violação do disposto no artigo 108º e alínea b) do nº 1 do artigo 571º do CPC, e outrossim, declarar, como no ponto anterior, que não foram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil relativamente ao IACM e ainda menos foram preenchido os pressupostos para a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 333º do CC (se porventura, a pseudo indemnização, acrescida de juros, tinha esta natureza!) e, consequentemente absolver o IACM desta condenação.
     Das nulidades da Decisão Recorrida
     123) A Decisão Recorrida é totalmente omissa quanto ao pedido de cancelamento dos registos feito em sede de pedido reconvencional e quanto ao pedido de declaração de ineficácia, relativamente à RAEM, dos negócios jurídicos subsequentes à expropriação do terreno da descrição ... e, designadamente, dos registos lavrados com base na escritura de habilitação de herdeiros. (ponto 307) cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     124) O Tribunal a quo sobre a questão do cancelamento dos registos, justifica a sua não pronúncia do seguinte modo: "tendo sido julgadas improcedentes as duas questões anteriores fica prejudicada a apreciação da validade dos registos". No entanto, as duas questões anteriores a que se reporta o Tribunal são aquelas que declararam 1) procedentes os pedidos reconvencionais no que concerne a ser considerado do domínio público uma parcela de 4,235m2 (...) e 2) "(....) alega-se a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros com o argumento de que os habilitados não são os herdeiros de D, porém, no que a esta matéria concerne nada se prova, pelo que, se impõe concluir pela improcedência do argumento"
     125) Resulta da leitura das duas questões anteriores apreciadas pelo Tribunal a quo, e supra especificadas, que elas não obstam quer lógica quer cronologicamente à apreciação do cancelamento dos registos como foi pedido pelos RR.
     126) Resulta da Decisão Recorrida que o Tribunal não tem dúvidas: que o terreno da descrição ... foi expropriado e passou a pertencer à RAEM; que por força da expropriação se extinguiu o direito de propriedade privada; que o terreno expropriado deixou de integrar o património de C, mas, ainda assim, não apreciou a questão da eficácia da expropriação relativamente aos herdeiros de C que, como se sabe, sempre seria eficaz, mesmo que a expropriação não tivesse sido registada. (ponto 320, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     127) O Tribunal a quo devia ter-se pronunciado sobre o pedido de cancelamento dos registos por efeito da expropriação e sobre o pedido de declaração de ineficácia dos registos relativamente à RAEM, conforme lhe foi pedido, principalmente, em sede de Reconvenção pelos RR. Não o tendo feito e não existindo qualquer razão de prejudicialidade, a Decisão Recorrida violou o disposto no nº 2 do artigo 563º e o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 571º do CPC devendo, consequentemente, ser reconhecida e declarada pelo Tribunal ad quem a nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 571º do CPC, por ser conforme ao direito. (ponto 322, 323 e 324 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     128) O objecto principal da presente acção é para a Autora: o Reconhecimento da propriedade do prédio por ela identificado como sendo o terreno da descrição ... e a restituição do mesmo livre de pessoas e bens, enquanto para os RR: é o Reconhecimento de que o terreno reivindicado pela Autora pertence ao domínio da RAEM por força da expropriação devendo a Autora ser condenada a reconhecê-lo e ser ordenado o cancelamento dos registos posteriores à dita expropriação. (Ponto 328, cujo teor se dá aqui inteiramente reproduzido)
     129) Basta a simples comparação entre o pedido formulado pela Autora e pelos Reconvintes acima transcritos e a condenação igualmente transcrita, para se concluir que o Tribunal condenou em objecto diverso do pedido.
     130) O Tribunal a quo procedeu a uma subdivisão do prédio descrito sob o nº ... em duas parcelas, questão que lhe não foi colocada nem pedida pelas partes e que, como supra se demonstrou, nem sequer tem qualquer fundamento de facto ou de direito.
     131) A Decisão Recorrida ordenou a "correcção" do cadastro sem fazer menção sequer ao número de cadastro objecto de tal correcção e sem que tal correcção e harmonização com o registo lhe tenha sido pedida por qualquer as partes.
     132) O Tribunal não podia, oficiosamente, proceder à subdivisão do prédio da descrição ... nem podia, oficiosamente, ordenar a rectificação da planta cadastral de fls. 309 e 1442 e a sua hamonização com o registo predial.
     133) Tendo em conta que a Decisão Recorrida condenou em objecto diverso do pedido pelas partes, deve a mesma ser considerada nula por violação do disposto no artigo 3.º, no nº 1 do artigo 564º e na alinea e) do nº 1 do artigo 571.º, todos do CPC, devendo tal nulidade ser reconhecida e declarada pelo Tribunal ad quem, por ser conforme ao direito.
     134) O Tribunal a quo condenou o Recorrente/IACM no pagamento de uma indemnização igual a MOP$702.460,00 por cada mês ou fracção que se mantiver a ocupar o prédio a que se reportam os autos a contar de 10 de Novembro de 2014 inclusive, constando do ponto 1.2. da parte dispositiva, que a esta indemnização acrescia juros de mora à taxa legal a contar da presente data até efectivo e integral pagamento. (Ponto 339, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido)
     135) O Tribunal a quo não aduziu qualquer fundamento de facto ou de direito para condenar a Autora no pagamento desta indemnização. Trata-se, de uma condenação ilegal porque manifestamente infundamentada e injustificada; porque atentatória dos direitos de defesa do Recorrente.
     136) A Decisão Recorrida por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, deve ser considerada nula por violação do disposto no artigo 108º e na alína b) do nº 1 do artigo 571º do CPC, devendo tal nulidade ser reconhecida e declarada pelo Tribunal ad quem, por conforme ao direito.
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    Sociedade de Desenvolvimento Predial A Limitada (A地產發展有限公司) (Autora), Recorrida (Recorrente também), relativamente ao recurso interposto pelo 2º Réu, ofereceu a resposta constante de fls. 2567 e 2705, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. O recurso do Recorrente encontra-se alicerçado e dependente da modificação (massiva) da resposta, dada, a fls. 1884 a 1892 dos autos, à matéria de facto constante dos quesitos 1° a 4°, 6°, 8°, 10°, 11º a 11° C, 20°, 21°' 22°, 23°, 24°, 25°, 26°, 27° e 28° da base instrutória, que o Recorrente gostaria de obter.
     II. O Recorrente pretende desviar a atenção deste Venerando Tribunal (i) dos concretos meios probatórios, constantes do processo e registados, que impuseram ao douto Tribunal a quo a decisão de facto de fls. 1884 a 1892 dos autos, e (ii) das conclusões de direito que a factualidade provada e as normas aplicáveis in casu impuseram ao mesmo Tribunal, designadamente em face da inoponibilidade à A. das questões de direito suscitadas pelo Recorrente que, ademais, não encontram qualquer suporte na factualidade provada.
     III. O Recorrente altera deliberadamente a verdade dos factos, conforme se demonstrou no parágrafo 4° das presentes contra-alegações, para o qual se remete e que ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
     IV. A douta Decisão Recorrida deve ser analisada à luz do princípio da livre apreciação das provas plasmado no artigo 558° do CPC, balizado pelo disposto nos artigos 335°, 337°, 339º, 340°, 343°, 356º, n.º 2, 361°, 363° a 366°, 383°, 385°, 387°, n.º 2 e 390° do CC, no artigo 471° do CPC, no artigo 14° do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro, e do artigo 25° do CRP.
     V. A alegada "questão" da correspondência física entre a descrição n.º ... e o Terreno, não consubstancia qualquer questão prévia autónoma que coubesse (ou que a lei processual permitisse) ao douto Tribunal recorrido decidir à margem da selecção da matéria de facto.
     VI. Tal questão, é indiscutivelmente uma questão de facto, e ficou resolvida com a resposta dada aos quesitos 1° a 4° da Base Instrutória.
     VII. O Recorrente não apresentou, em tempo, qualquer reclamação à matéria de facto seleccionada no douto despacho Saneador quanto a esta questão.
     VIII. Os RR. limitaram-se a alegar nas suas contestações-reconvenções que o Terreno da descrição ... não é o demarcado a fls. 309.
     IX. Os RR. não alegaram qual seria, no seu entender, a localização, a área e as confrontações do terreno sobre o qual vêm deduzir pedidos reconvencionais, os quais, só por este motivo, jamais poderiam proceder.
     X. O Terreno reivindicado encontra-se plenamente identificado nos autos, quer no que respeita à sua descrição predial, quer no que respeita à sua área, localização e confrontações, através da matéria dada como assente na alínea a) dos factos assentes e da resposta dada aos quesitos 1° a 4° da base instrutória.
     XI. O quesito 31 ° foi bem eliminado, a fls. 1404, porquanto, salvo o devido respeito, "pôr a mesma questão de facto, a nível de quesitos, ora sob a forma positiva ora sob a forma negativa, constitui pura excrescência que só serve para criar embaraços e contusões”.
     XII. A douta Decisão Recorrida pronunciou-se positivamente, de forma clara e expressa, sobre a questão da correspondência física do Terreno através da resposta dada aos quesitos 1° a 4° da Base instrutória, que foram nela incluídos com esse propósito específico, não merecendo, assim, qualquer reparo, antes devendo ser confirmada.
     XIII. Os RR. limitaram-se a alegar que essa correspondência não existe, pelo que, atento o princípio do dispositivo, foi seleccionada nos presentes autos a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa efectivamente alegada pelas partes, não havendo qualquer fundamento de facto ou de direito que conduza à ampliação da matéria de facto.
     XIV. A resposta dada aos quesitos 1° a 4° da Base Instrutória não padece de erro de julgamento, porquanto as plantas de fls. 309 e 1442 são definitivas e documentos autênticos.
     XV. A DSCC é a Direcção de Serviços da 1ª R., com competência conferida pelo artigo 1° do Decreto-Lei n.º 3/94/M para "elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro geométrico dos terrenos do Território, adiante designado por cadastro".
     XVI. O depoimento prestado pelo Director da DSCC é demolidor para a versão dos factos alegada pelos RR., porquanto confirma que o Terreno da descrição ... é o Terreno mencionado nos quesitos 1° a 4° da base instrutória, que este nada tem que ver com aquele outro da antiga zona militar, e que as plantas de fls. 309 e 1442 são efectivamente plantas cadastrais definitivas desse Terreno, conforme se extrai das passagens transcritas supra nos parágrafos 4, a), (ii) e 22 das presentes contra-alegações, para os quais se remete e que ora se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
     XVII. Das declarações prestadas pelo Director da DSCC resulta, ainda, que as plantas cadastrais definitivas de fls. 309 e 1442 só foram emitidas pela DSCC após a análise, validação e confirmação por esta da área, localização e confrontações do Terreno demarcado, pelo que os factos nelas atestados, são-no com base nas percepções da DSCC sobre os mesmos, facto que, de resto, resulta expressamente do Decreto-Lei n.° 3/94/M, em particular do seu artigo 14°.
     XVIII. A Recorrida produziu nos presentes autos prova plena quanto à área, localização e confrontações do Terreno por força das duas plantas cadastrais definitivas de fls. 309 e 1442.
     XIX. As plantas cadastrais definitivas de fls. 309 e 1442, são documentos exarados, com as formalidades legais impostas pelo Decreto-Lei n.º 3/94/M, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC - , nos limites da sua competência definida no artigo 1º do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, sendo, por isso, documentos autênticos à luz do n.º 2 do artigo 356º e do artigo 363º do CC, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, no artigo 14° daquele Decreto-Lei, e também nos termos gerais do artigo 365º do CC.
     XX. Atento o disposto no artigo 366º do CC, a força probatória das referidas plantas cadastrais "só pode ser ilidida com base na sua falsidade", através do incidente regulado nos artigos 571º e seguintes do CPC, deduzido no prazo de 10 dias a contar da apresentação daquelas.
     XXI. O Recorrente não alegou a falta de autenticidade ou a falsidade das referidas Plantas nos termos e dentro dos prazos legais (vd. artigo 471º do CPC e artigo 366º do Código Civil) ou requereu a sua rectificação judicial nos termos e ao abrigo do DL. 3/94/M, pelo que esse direito está precludido.
     XXII. As plantas cadastrais definitivas são um meio de prova dotado de força probatória especial atribuída por lei, porquanto a força probatória plena dos documentos autênticos em apreço abrange, por disposição legal especial (14º Decreto-Lei n.º 3/94/M), a área, a localização e as confrontações do Terreno, pelo que não podem os RR. socorrer-se de prova testemunhal quanto a esta matéria (cfr. n.º 2 do artigo 387º do CC).
     XXIII. Mesmo no âmbito do incidente previsto no artigo 471º do CPC, para ilidir a força probatória especial plena atribuída pelo artigo 14º do Decreto-Lei 3/94/M, e atento o disposto no artigo 340º do CC, os RR. teriam de alegar e provar a existência do facto oposto, i.e. que o Terreno reivindicado tem outra área (identificando-a), outra localização (identificando-a) e outras confrontações (identificando-as) coisa que nunca alegaram sequer.
     XXIV. A força probatória das plantas definitivas não abrange a definição da situação jurídica dos prédios, competência que pertence ao Registo Predial conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei 3/94/M, do artigo 14°, a contrario, do mesmo diploma e do artigo 1° do CRP.
     XXV. Constam dos autos desde 24 de Julho de 2009 (cfr. a fls. 99 e 129), cópias da planta definitiva de fls. 309, que foi emitida pela DSCC em 5 de Agosto de 2008, cuja exactidão não foi impugnada pelos RR. nos termos previstos no artigo 361º do CC.
     XXVI. O Decreto-Lei n.º 3/94/M não estabelece qualquer prazo de validade para as plantas cadastrais, sejam elas provisórias ou definitivas, exigência que apenas decorre do Regulamento Geral da Construção Urbana para efeitos de instrução de pedidos de aprovação de projectos.
     XXVII. A planta de fls. 61, emitida para efeitos judiciais, foi junta aos autos a fim de nela se indicarem as parcelas do terreno ocupadas pelo Recorrente com construções, barracas, alpendres e caixas de electricidade - informação que não consta (nem tinha de constar) das plantas definitivas de fls. 309 e 1442.
     XXVIII. As plantas definitivas de fls. 309 e 1442 não têm nenhuma declaração de exclusão quanto à sua força probatória nem imputam os factos ali certificados à mera declaração do respectivo requerente.
     XXIX. Conforme estatui o n.º 1 do artigo 14° do Decreto-Lei n.º 3/94/M, as plantas cadastrais definitivas são título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações, pelo que_consubstanciam o único documento autêntico que, nos termos da lei, é apto a fazer prova daqueles elementos.
     XXX. O artigo 25° do CRP impõe a harmonização dos elementos das descrições prediais com os elementos fornecidos pelo cadastro, por meio das plantas cadastrais, quanto à localização, área e confrontações dos prédios - e não o inverso como alega, contra legem, o Recorrente, designadamente no parágrafo 59.
     XXXI. A descrição predial ... (cfr. fls. 52), aberta há mais de 100 anos, apenas carece de ser actualizada em harmonia com aquelas que são actualmente, no local, as suas confrontações.
     XXXII. Não existe qualquer discrepância entre as confrontações vertidas na escritura pública mencionada na alínea a) dos factos assentes e as confrontações constantes da descrição predial ..., facto que resulta do mero confronto de fls. 42 com fls. 52.
     XXXIII. As referidas plantas cadastrais de fls. 309 e 1442, contêm, conforme resulta dos respectivos anexos de fls. 310 e 1443, todos os elementos impostos pelo artigo 4° do referido Decreto-Lei 3/94/M,
     XXXIV. O processo de criação do cadastro geométrico de Macau na década de 90 do século passado, não se confunde com as competências e atribuições próprias da DSCC conferidas pelo artigo 2º do Decreto-Lei 70/93/M, de 20 de Dezembro, para emitir as plantas definitivas que lhes sejam solicitadas pelos cidadãos ou organismos públicos, elaboradas em cumprimento do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9° do mesmo diploma, ficando as mesmas sujeitas ao processo de aprovação como definitivas previsto nos artigos 5° a 12º do Decreto-Lei 3/94/M, conforme estatui o n.º 1 deste último artigo.
     XXXV. O despacho referido no n.º 2 do artigo 3º do Decreto Lei 3/94/M respeita, tão-só, ao processo de criação do cadastro geométrico de cada freguesia, sendo publicado uma única vez por cada freguesia.
     XXXVI. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 13° do Decreto-Lei 3/94/M e a data fixada no Despacho referido na alínea p) da factualidade provada na Decisão Recorrida as plantas individuais de cada prédio da freguesia de Nossa Senhora do Carmo cujo prazo para apresentação de reclamações (ou decisão destas) tenha terminado depois de 27 de Março de 1998, convertem-se em definitivas após o termo do respectivo processo de aprovação (n.º 1 do artigo 3° e do n.º 1 do artigo 12° do Decreto-Lei 3/94/M).
     XXXVII. O ofício de fls. 1450 dos autos, remetido pelo Director da DSCC ao MP, a pedido deste, confirma expressamente os factos vertidos nos artigos 1°, 3° (do qual foi retirada a matéria constante dos quesitos 1° a 4°, da base instrutória) 7° e 8° da petição inicial apresentada pela A.
     XXXVIII. Resulta da descrição ... (a fls. 51), aberta em 1913, que o prédio a que a mesma respeita confronta a Oeste com um terreno ao sopé da montanha de Cheoc Ca Chun (o que quer dizer "povoação de Choc Ca", povoação que constitui uma das confrontações Sul da descrição ..., antiga zona militar, conforme se lê a fls. 1019), e a Leste com um terreno ao sopé da montanha denominada Lam Ca Chun ou Lam Ka Chun (o que quer dizer povoação de "Lam Ca", povoação que não integra as confrontações da descrição ...) .
     XXXIX. A povoação de Choc Ca, que ainda hoje existe, fica a Sul do morro da Universidade (cfr. v.g. fls.1506) e a antiga povoação de Lam Ka ficava em frente ao cemitério católico sito na actual Estrada Coronel Nicolau de Mesquita, numa parte do local onde actualmente se encontra implantado o "Editício do Lago", lote inicialmente designado por TN/27 e assinalado com a letra A na planta de fls. 718, e, assim, a Sudeste do terreno demarcado a fls.309.
     XL. As confrontações Oeste e Leste constantes da descrição predial ..., são totalmente coincidentes com o Terreno de fls. 309 e 1442, assinalado na planta de fls. 1506 com a letra B e incompatíveis com a antiga zona militar (da descrição ...), assinalada na planta de fls. 1506 com a letra A.
     XLI. Resulta da descrição ... (a fls. 51) que o prédio a que a mesma respeita confronta a Norte com terreno ligado à praia e da planta de fls. 1506 resulta que o terreno demarcado nela com a letra A, da antiga zona militar - com qual o Terreno de folhas 309, aqui assinalado com a letra B, confronta a Norte - é um terreno ligado à antiga praia de Pac On.
     XLII. Resulta, por fim, da descrição ... que o terreno a que respeita confronta (leia-se em 1913) a Sul com um cemitério chinês.
     XLIII. Resulta do depoimento do Director da DSCC, na parte supra transcrita no parágrafo 22 e do depoimento prestado pela Sra. Dra. G, na parte supra transcrita no parágrafo 60 - para os quais se remete e que ora se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais -, que esta confrontação Sul é plenamente compatível com a demarcação de fls. 309 e 1442, porquanto existiam e foram encontradas campas a Sul do mesmo, designadamente nas vias abertas para acesso ao TN/27 assinalado com a letra A na planta de fls. 718.
     XLIV. Os RR. não produziram qualquer prova documental ou testemunhal contemporânea à abertura daquela descrição em 1913 que infirme o que se disse na conclusão anterior e que situe, nessa data, o cemitério chinês no terreno de fls. 309.
     XLV. Basta sobrepor o Terreno demarcado na planta de fls. 309 (que tem a área global de 24 498 m2) à parcela 84 referida na planta de fls. 1128 a 1130 (que tem a área global de 29 255 m2), nos termos supra indicados no parágrafo 4°, alínea a), (v), para se constatar que mesmo na década de 90 ainda existia a área de sepulturas a Sul do Terreno de tis. 309, designadamente nos acessos ao TN/27 (assinalado com a letra A na planta de fls. 718).
     Se o Terreno de fls. 309 fosse, como o Recorrente (sem fundamento) afirma, "o Cemitério Sa Kong" - e não uma parcela ilegalmente ocupada por populares com sepulturas -, então, e uma vez que conforme resulta da planta de fls. 1506 o terreno da antiga zona militar, descrito sob n.º ... (ali letra A), confronta a Sul com o Terreno demarcado a fls. 309 (ali letra B), a referida descrição ..., aberta em Maio de 1978, teria necessariamente de mencionar na sua confrontação Sul "cemitério chinês", o que não sucede já que a confrontação Sul da referida descrição n.º ... (fls. 1019), é "terreno do Estado, povoação de Cheoc Ka Chun e hortas".
     XLVII. Atentas as confrontações constantes da descrição ... (fls. 1019), a antiga zona militar só confrontava a Este com um cemitério chinês, que era o cemitério chinês construído no terreno concedido para o efeito em 1936, situado a Norte do Terreno de fls. 309, conforme resulta do confronto entre a parcela A de fls. 1506 e a parcela A de tis. 1128 e 1129.
     XLVIII. Os únicos três terrenos sitos naquela zona que foram concedidos para cemitério pela 1ª R. (em 1936, em 1993 e em 1996, respectivamente, parcelas A, C e 83 a fls. 1128), situam-se a Norte do Terreno.
     XLIX. O relatório pericial de fls. 571 confirmou os quesitos 1° a 4° da Base instrutória.
     L. Sobeja prova nos autos para suportar a resposta dada pelo douto Tribunal a quo aos quesitos 1° a 4° da base instrutória, pelo que, mesmo que as plantas de fls. 309 e 1442 não fossem definitivas - no que não se concede - sempre esta deveria ser confirmada ainda que com outro fundamento.
     LI. Foi provada nos autos a total identidade do prédio rústico descrito na CRP sob o nº ..., a fls. 105, do livro B25, com o prédio representado nas plantas cadastrais de fls. 309 e 1442 e, assim, que esta representação cartográfica corresponde à descrição física - por referência à sua área, localização e confrontações, tal como enunciado na resposta aos referidos quesitos - daquela descrição predial.
     LII. Ficou também demonstrado, também em face das declarações do Director da DSCC e da Chefe do Departamento Jurídico da DSSOPT transcritas supra no parágrafo 4, alínea a), (ii), e no parágrafo 22, do alegado supra nos parágrafos 53 a 56 e da planta de fls. 1506, para os quais se remete e que ora se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, que o Terreno ora reivindicado pela A. nunca fez parte da referida zona militar, antes confinando com ela, motivo pelo qual o douto Tribunal a quo julgou - Não Provado - o quesito 20° da base instrutória, resposta que deve ser confirmada por este Venerando Tribunal.
     LIII. Assim, bem andou a douta Decisão de Facto Recorrida ao responder aos quesitos 1° a 4° da base instrutória da forma que respondeu, que se lhe impôs como a única possível em face da prova plena produzida pela Recorrida, não ilidida pelos RR., e das normas legais aplicáveis, designadamente do disposto nos artigos 340°, 356°, n.º 2, 361°, 363°, 364°, 365°, 366°, 383° e 387°, n.º 2 do CC, no artigo 471° do CPC, no artigo 14° do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro, e no artigo 25° do CRP, devendo, como tal, ser confirmada.
     LIV. Os documentos mencionados no parágrafo 100 das alegações do Recorrente respeitam, tão-só, à zona militar e à descrição posteriormente aberta com os terrenos desafectados desta, não fazendo os mesmos qualquer menção à descrição ... ou ao Terreno a que a mesma se refere de fls. 309.
     LV. As questões levantadas nos parágrafos 100 a 105 das alegações do Recorrente, além de não fazerem qualquer sentido, nunca foram alegadas nem discutidas no âmbito da presente acção, pelo que não o podem ser em sede de recurso.
     LVI. O novo pedido formulado na alínea f) do parágrafo 130 das alegações do Recorrente é inadmissível atento o disposto nos artigos 212° e 217° do CPC.
     LVII. C adquiriu o Terreno nos termos constantes da escritura pública e do registo na CRP dados como assentes na alínea G) - aquisição esta que passou pelo duplo crivo de legalidade e fé pública dos respectivos notário e conservador, que certamente dominariam melhor do que o Recorrente a Lei então em vigor.
     LVIII. Se o terreno fosse do Estado por força da Carta de Lei de 9 de Maio que regulava as concessões de terrenos nas províncias ultramarinas e não de C, o Estado não teria necessidade de lançar mão de um processo expropriativo sobre o mesmo terreno.
     LIX. O parágrafo 2° do artigo 1590° do Código de Seabra (só alterada em 1930 com o Decreto-Lei 19:126 de 26 de Dezembro) estatuía que a forma legal do contrato de compra e venda de imóveis cujo valor de aquisição fosse inferior a 50.000,00 Reis não era a escritura pública, mas mero contrato escrito particular, pelo que os terrenos cuja propriedade fosse adquirida por este meio era adquirida "nos termos da legislação portugueza".
     LX. Os RR. não alegaram nem provaram quando é que os antecessores do C compraram o terreno, por que preço e se a referida aquisição, consoante o preço alegado e provado, não obedeceu à forma legal exigível, pelo que é evidente que jamais poderia dar-se como provado nos presentes autos que os antecessores de C não adquiriram a propriedade particular do terreno nos termos da lei portuguesa.
     LXI. De resto, o disposto no artigo 3° da referida Carta de lei, que distingue as pessoas em função da sua raça, jamais poderia ser actualmente aplicada por um Tribunal da RAEM porquanto ofende ostensivamente o princípio da ordem pública e o princípio da igualdade e da não descriminação, basilar de qualquer estado de direito democrático, como é a RAEM, plasmado no artigo 25° da Lei Básica;
     LXII. Por outro lado, o artigo 2° da dita Carta de Lei refere-se, como resulta do mesmo, apenas, a terrenos habitualmente cultivados por indígenas, "que sejam comprehendidos na esphera das concessões", coisa que não sucede no caso do terreno em apreço que é de propriedade perfeita.
     LXIII. No que respeita à alegada expropriação - cuja efectiva conclusão o Recorrente veio, finalmente, admitir não resultar da prova documental produzida nos autos -, entende a Recorrida que neste ponto, e salvo o devido respeito que é muito, a douta Decisão Recorrida errou.
     LXIV. Deve ter-se por não escrita a resposta dada ao quesito 18° - de cuja redacção a Recorrida reclamou em tempo -, porque assim o impõe a 1ª parte do n.º 4 do artigo 549° do CPC, já que a mesma, para além de francamente conclusiva, de incluir vários factos e de padecer de um manifesto lapso de escrita - onde se lê M), devia ler-se L), já que a Portaria referida naquela primeira alínea (que criou a zona militar) não faz parte do processo expropriativo, nem tão pouco, como se provou, respeita ao Terreno -, versa, inquestionavelmente, sobre uma questão de direito.
     LXV. Do confronto do conteúdo de fls. 745 a 748 e 826 dos autos com o disposto nos artigos 50° e 46° da Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, resulta que não há qualquer evidência documental de que o processo, de expropriação tenha sido concluído nos termos legais.
     LXVI. Atenta a alegada urgência da expropriação, foi tão só ordenado, ainda na, pendência do recurso de apelação apresentado pela Fazenda Nacional, que a esta fosse dada aposse, do dito Terreno, sem contudo julgar a propriedade livre e desembaraçada, nem fazer qualquer aplicação da indemnização julgada, sentença estaque nos termos do artigo 46° da Carta de Lei só poderia ser proferida após o trânsito em julgado da decisão de recurso e, depois deste, do decurso do prazo estabelecido nos éditos referidos na alínea L) dos factos assentes.
     LXVII. Assim, terá necessariamente de concluir-se que não foi feita qualquer prova nos presentes autos de que o processo de expropriação tenha sido legalmente concluído e de a Fazenda Nacional o tenha adquirido por essa via.
     LXVIII. Refira-se, de resto, que tal poderá ter sucedido por o então Território, ora 1ª R, ter acabado por decidir construir a carreira de tiro noutro terreno, contíguo ao Terreno dos presentes autos.
     LXIX. Atento o disposto nas alíneas C) e A) e D), E), F) e G) dos factos assentes, a A., por si e pelos seus antecessores, beneficia de uma presunção do direito de propriedade sobre o Terreno reivindicado, nos termos estatuídos no artigo 7° do CRP, desde 25 de Outubro de 1913, sendo, assim, anterior à presunção derivada da posse da 1ª (que data 1919) que cede perante aquela, conforme dispõe o artigo 1193° do CC.
     LXX. A douta Sentença recorrida partiu do pressuposto que o processo de expropriação havia sido legalmente concluído, pelo que violou o disposto nos artigos 50° e 46° e, bem assim, o artigo 1° da Carta de Lei de 23 de Julho de 1850, bem como os princípios basilares do nosso ordenamento jurídico quanto à proibição do confisco, estatuídos nos artigos 1232° e 1234° do CC actual e nos artigos 1308° e 1310° do Código Civil de 1966.
     LXXI. Os RR. é que tinham o ónus da prova quanto à conclusão do processo expropriativo, porquanto o Réu "é que; para obstar aos efeitos da acção de reivindicação, terá de provar factos constitutivos de posse ou detenção legitimada e duradoura ou de qualquer direito oponível ao autor".
     LXXII. Devendo este Venerando Tribunal alterar a douta Decisão Recorrida no que à expropriação diz respeito, no sentido de que o Terreno não foi expropriado e, assim, de que nunca saiu da esfera privada de C, antecessor da A..
     LXXIII. Não obstante, ficou assente na douta Decisão Recorrida que o Terreno não integrou o domínio público da RAEM (então território de Macau) por força da (alegada) expropriação (mas o seu domínio privado, no que não se concede).
     LXXIV. Inexistindo qualquer Lei que tenha integrado o Terreno sub judice, ou qualquer das suas partes, no domínio público do então Território de Macau, o Terreno, quando muito, teria passado a integrar o seu domínio privado após a (alegada) expropriação, e, nessa medida, sujeitar-se-ia ao regime do direito de propriedade (e do seu registo obrigatório) estatuído na lei civil, como dispunha o artigo 1304º do Código Civil de 1966 e ainda hoje estatui o artigo 1228º do CC .
     LXXV. A decisão quanto à integração das duas parcelas ocupadas peta 1ª R., de 4 235 m2, no domínio público da RAEM apenas se funda no facto de as mesmas terem sido ocupadas com estradas, conforme resulta de fls. 1992 a 1993.
     LXXVI. O pedido formulado pelo Recorrente de alteração da resposta dada ao quesito 20° da Base instrutória, é manifestamente improcedente, devendo a douta Decisão Recorrida ser confirmada.
     LXXVII. O terreno (alegadamente) expropriado nunca integrou a zona militar, pelo que óbvio se torna que o mesmo também não integrou o domínio público da 1ª R. por força dos normativos mencionados nos parágrafos 106 e 110 das alegações do Recorrente, que lhe são manifestamente inaplicáveis.
     LXXVIII. Sempre competiria ao Estado registar a aquisição do Terreno no seu domínio privado, com base em expropriação, porquanto, atento o registo de aquisição da propriedade referido em G) dos factos assentes, o princípio já então em vigor no artigo 965º do Código Civil de Seabra - segundo o qual os efeitos de registo subsistem enquanto este não é cancelado -, e o princípio basilar do direito registal da oponibilidade a terceiros, também já instituído, à data, no artigo 951° do Código Civil de Seabra, seria essa a única forma de tornar essa (hipotética) aquisição oponível a terceiros.
     LXXIX. Há muito que vigora no nosso sistema de registo o princípio de que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
     LXXX. À luz do actual Código do Registo Predial, a aquisição de um imóvel por expropriação, enquanto facto jurídico que determina a aquisição de um direito de propriedade (alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do Código de Registo Predial), deve ser registada para produzir efeitos contra terceiros (artigo 5° do citado Código).
     LXXXI. A única particularidade do acto de registo de uma expropriação está estatuído na alínea a) do n.° 4° do artigo 9° do CRP, donde resulta que os inúmeros factos sujeitos a registo ali mencionados não estão sujeitos ao principio da legitimação dos direitos sobre imóveis plasmado no seu n.º 1, i.e., podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo - demonstrando-se, também por esta via, que uma expropriação é, indiscutivelmente, um facto sujeito a registo e, assim, atento o disposto no artigo 5° do CRP, um facto que só produz efeitos relativamente a terceiros depois da data do respectivo registo.
     LXXXII. A regra segundo a qual os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo resultava já de todas as leis que regularam o registo predial, as quais se enunciam expressamente no parágrafo 98 das presentes contra-alegações, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
     LXXXIII. De resto, ainda que o Terreno tivesse, por lei, integrado o domínio público do Estado, passando a estar fora do comércio, também esse facto, porquanto representaria a extinção de um direito de propriedade registado (o de C), deveria ter sido registado, sob pena da sua inoponibilidade a terceiros (vd. artigos 2°, nº 1, alínea q), e n.º 1 do artigo 5°, ambos do actual Código de Registo Predial, regime que, de resto, já se encontrava disposto em termos idênticos no Código de Registo Civil de 1967, na alínea z) do nº 1 do artigo 2° e no nº 1 do seu artigo 7°).
     LXXXIV. Em suma, é indiscutível que o Terreno não integrou o domínio público do Território, e, ainda que tivesse integrado, competia à 1ª R. ter registado a expropriação do Terreno, pelo que, não o fazendo, a sua (hipotética) aquisição do mesmo, por expropriação, nunca seria oponível a terceiros de boa-fé, como é o caso de quem transmitiu o Terreno à A. (e, muito menos, à aqui A.), que o adquiriu a quem o tinha definitivamente registado em seu nome como propriedade perfeita.
     LXXXV. Os (novos e velhos) pedidos formulados pelo Recorrente no parágrafo 130 das suas alegações são manifestamente improcedentes (os novos, até por serem extemporâneos), pelo que, quanto eles, a Douta Decisão Recorrida não merece qualquer reparo, devendo, em consequência ser confirmada.
     LXXXVI. A douta Decisão Recorrida é inatacável quanto à questão da improcedência dos pedidos relacionados com a escritura de habilitação de herdeiros mencionada nas alíneas e) e f) da factualidade ali dada como provada, porquanto não foi produzida qualquer prova a este respeito.
     LXXXVII. Não se vislumbra como possível uma declaração de nulidade da Escritura de Habilitação nos presentes autos, quando o notário que a lavrou, os seus outorgantes e demais intervenientes, bem como os interessados e beneficiários do registo de propriedade a que a mesma serviu de título não foram, perdoe-se a expressão, tidos nem achados nos presentes autos, assim como também não o foi, certamente por não existir, qualquer alegado herdeiro dos habilitandos que se considerasse preterido pela referida habilitação.
     LXXXVIII. Não foi produzida nos autos qualquer prova testemunhal quanto à referida habilitação de herdeiros, sendo certo que os factos que poderiam conduzir à sua invalidade não são passíveis de serem extraídos dos documentos juntos aos autos pelos Recorrentes.
     LXXXIX. Do assento de casamento de fls. 948 resulta que C e D nada convencionaram quanto aos seus bens, pelo que atento o disposto nos artigos 1098° e 1108º do Código de Seabra, o seu casamento foi feito segundo os costumes do reino, que "consiste na comunhão entre os cônjuges, de todos os seus bens presentes e futuros não exceptuados na lei"
     XC. Com o casamento de fls. 948, o Terreno reivindicado nos presentes autos passou a ser um bem comum de C e de D, pelo que o mesmo sempre faria parte do acervo da herança aberta por morte de D.
     XCI. Os dois (alegados) filhos que (alegadamente) sobreviveram a C, eram ilegítimos, pelo que, atento o disposto no artigo 1989° do Código de Seabra, só herdariam de C, "sendo perfilhados ou reconhecidos legalmente".
     XCII. O Recorrente, não obstante vir em sede de Recurso alegar que os (alegados) filhos (ilegítimos) afinal foram perfilhados por C, não fez qualquer prova dessa perfilhação já que não consta dos autos qualquer documento da perfilhação - (vide artigo 124° do Código de Seabra), no qual C teria de declarar, nomeadamente, não se tratar de filho espúrio insusceptível de perfilhação nos termos dos artigos 122º e 134°do Código de Seabra -, comprovativo de que os mesmos foram perfilhados por aquele através de um dos meios legais previstos no artigo 123° do mesmo Código e, assim, que fossem seus herdeiros legais à luz do Código de Seabra.
     XCIII. Acresce que da prova documental produzida resulta que os (alegados) filhos (ilegítimos) de C, não sobreviveram à viúva deste, (cfr. fls. 196, 1278, 1277 e 1276).
     XCIV. Relativamente ao quesito 24°, não podia ser outra a resposta dada (não provado), porquanto os documentos juntos aos autos (cfr. fls. 948) demonstram o facto inverso.
     XCV. No que respeita à resposta dada ao quesito 25°, a douta Decisão de Facto é muito clara ao consignar a fls. 1892 que o mesmo "Não foi dado por assente porquanto os documentos juntos a fls. 948 e seguintes, com vista à prova deste facto, não são suficientes para o efeito uma vez que fica em falta a identificação de vários antepassados, sendo certo que o que se pergunta neste item é "relação de parentesco" não se indicando qual nem o grau" (sublinhados nossos).
     XCVI. A redacção original do artigo 1971° do Código de Seabra consignava na lista de sucessíveis, no seu n.º 5, os transversais até ao décimo grau, posteriormente alterado para até o sexto grau
     XCVII. Dos documentos dos autos não resulta que os habilitados não tivessem com D uma relação de parentesco até ao grau previsto na lei aplicável.
     XCVIII. Ainda que o Recorrente tivesse provado - e não provou - que os habilitados não eram os únicos herdeiros da D, tal facto não retiraria a estes a sua qualidade de herdeiros daquela, antes cabendo aos herdeiros preteridos, os únicos com legitimidade para o efeito, instaurar a necessária acção de petição da herança, na qual, quando muito, e atento o disposto no artigo 2165° do Código de Seabra, seriam os habilitados obrigados a compor ao preterido a sua devida parte em moeda corrente.
     XCIX. Em face do que se conclui que os pedidos formulados pelo Recorrente no paragrafo 1580 das suas alegações são manifestamente improcedentes, devendo a douta Decisão Recorrida ser integralmente confirmada no que a esta matéria concerne.
     C. A Douta Decisão Recorrida não podia ser mais clara quanto à ordem de prejudicialidade do conhecimento das questões colocadas pelas partes nos autos, que expressamente indicou a fls.1981.
     CI. A douta Decisão Recorrida julgou as duas questões anteriores à questão da validade dos registos, a saber (i) "Se o terreno a que se reportam os autos foi expropriado e afecto ao domínio público" e (ii) "Da nulidade da escritura de habilitação de herdeiros", nos termos constantes, respectivamente, fls. 1986 verso a 1993 e fls. 1993 e 1998 verso.
     CII. Ora, em face da resposta dada às supra referidas duas questões, é evidente que a douta Decisão Recorrida só podia decidir a questão ora em apreço da validade dos registo no sentido em que decidiu a fls. 1998 verso e 1999, i.e., que (i) da integração domínio público, por força da utilização que lhe foi dada, da parcela do Terreno com a área de 4 235 m2, ocupada com estradas Território de Macau, não resulta a nulidade ou o cancelamento dos registos em apreço, mas tão-só a actualização da respectiva descrição predial e (ii) que relativamente à parcela do Terreno, de 20.263 m2, fica prejudicada a apreciação da validade dos registos prediais.
     CIII. Concluindo-se, assim, pela manifesta improcedência dos pedidos formulados pelo Recorrente nos parágrafos 159 a 177 das suas alegações de recurso.
     CIV. Relativamente à questão do mérito da acção quanto à Parcela de 20.263 m2, a douta Decisão Recorrida é, mais uma vez, muito clara, conforme se extrai de tis. 1994 a fls. 1995 verso.
     CV. O douto Tribunal a quo decidiu, no que respeita à parcela ocupada pelo IACM, de 20,263 m2, no sentido que a A. sempre defendeu, i.e. que a (alegada mas não provada) expropriação, na ausência do respectivo registo, e porque assim o determina o artigo 5º do CRP, nunca consubstanciaria qualquer direito dos RR. que fosse oponível à A., atenta a protecção que lhe era dada, enquanto adquirente de boa fé a non domino, pelo artigo 284º do CC, pelo que jamais poderia obstar à procedência da presente acção.
     CVI. Era, também, o que já resultava, do parecer do Ministério Público de fls. 251 a 254 dos presentes autos a que alude a alínea ff) da factualidade provada na douta Decisão Recorrida, datado de 30 de Novembro de 2000, que se transcreve no parágrafo 142 das presentes contra-alegações, para o qual se remete e que ora se dá por integralmente reproduzido.
     CVII. A boa-fé da A. (e da sua antecessora) nos presentes autos é indiscutível, porque o Terreno estava registado definitivamente em nome dos seus transmitentes melhor identificados na referida alínea f) (cfr. certidão predial com todas as inscrições em vigor e não em vigor de fls. 50 a 60).
     CVIIL. A A. (bem como a sua antecessora), como qualquer outra pessoa medianamente diligente colocada perante aqueles registos, não tinha qualquer motivo para pensar que as aquisições registadas pudessem padecer de qualquer vício e confiou na veracidade daqueles registos.
     CIX. Tanto a A., como a sua antecessora, são terceiras de boa-fé nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 284º do CC, porquanto, não revelando o registo qualquer irregularidade na escritura de habilitação de herdeiros ou menção à alegada expropriação, desconheciam, no momento das respectivas aquisições, sem culpa, quaisquer vícios de que pudessem padecer os negócios em causa.
     CX. A A. adquiriu o Terreno por recurso a um empréstimo bancário avultado (cfr. alínea b) da factualidade provada), pelo que a legalidade dos registos em apreço foi também avaliada pelo Banco no âmbito da apreciação do pedido de empréstimo, não tendo este ali detectado qualquer irregularidade, conforme resulta das passagem transcritas no parágrafo 145 das presentes contra-alegações, para o qual se remete e que ora se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, das declarações prestadas aos autos pelo Sr. H, gerente-geral do Interveniente Principal entre 1983 e 1 de Fevereiro de 2009.
     CXI. São também esclarecedoras a este respeito as declarações prestadas pela Sra. Dra. G, Chefe do Departamento Jurídico da DSSOPT, transcritas no parágrafo 146 das presentes contra-alegações, para o qual se remete e ora se dá por integralmente reproduzido.
     CXII. Assim, impendia sobre os RR. o ónus de alegar e provar que a A. (e a sua antecessora), no momento da aquisição tinha conhecimento (ou não tinha conhecimento, com culpa) dos alegados vícios, coisa que não fizeram, conforme se extrai das respectivas peças processuais e da prova produzida nos presentes autos, sendo absolutamente irrelevantes e sem quaisquer efeitos as insinuações (não alegadas em tempo nem provadas) quanto à boa-fé da Recorrida que vêm só agora fazer em sede de recurso.
     CXIII. Nada se tendo provado quanto aos apontados vícios - inexistentes - da habilitação de herdeiros, relativamente a esta nem necessidade há de invocar a aplicação do artigo 284º do CC.
     CXIV. Verificados os requisitos ali mencionados, o artigo 284º protege o terceiro adquirente, de boa fé, que adquire de quem não obstante ser o titular do direito de propriedade nos termos do registo, pode, substancialmente, não ser o seu verdadeiro titular, pelo que os argumentos vertidos pelo Recorrente nos artigos 178 a 200 do seu recurso, jamais procederiam.
     CXV. ainda que, substancialmente, os habilitados pudessem não ser os verdadeiros proprietários do Terreno à data em que celebraram, com a antecessora da A., a respectiva escritura pública de compra e venda (no que não se concede), sendo os mesmos habilitados quem dele (Terreno) podia dispor nos termos do registo, sempre gozaria a A. da protecção conferida pelo referido artigo e, nessa medida, sempre lhe seria inoponível qualquer declaração de nulidade ou anulação daquela escritura de habilitação, como resulta da doutrina e da jurisprudência citadas nas presentes alegações.
     CXVI. A aquisição do direito de propriedade sobre o Terreno pela antecessora da A. (e, consequentemente, o da A.) encontra-se igualmente protegida pelo n.os 2 e 3 do artigo 1914° do CC, porquanto, constando os habilitados do Registo Predial como titulares definitivamente inscritos do direito de propriedade sobre o imóvel, a antecessora da A., que adquiriu confiando nesse registo, teria adquirido de Herdeiro Aparente.
     CXVII. O n.º 2 do artigo 1914° do CC, dispõe que a "a acção não procede, porém, contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por titulo oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles; neste caso, estando também de boa fé, o alienante é apenas responsável segundo as regras do enriquecimento sem causa".
     CXVIII. Assim, o enquadramento a dar questão seria, quando muito, a da preterição de herdeiros, que se resolveria com a competente acção de petição da herança, da qual seriam partes legítimas os herdeiros preteridos.
     CXIX. Por outro lado, o único caso de "inexistência" consagrado no Código Civil é o da inexistência do casamento (artigos 1501º a 1503º do CC), sendo certo que para que "exista" sucessão basta a morte do seu autor.
     CXX. A aquisição do Terreno reivindicado. pela A. - que se encontra descrito na CRP, como propriedade plena, privada e particular há mais de 100 anos - encontra-se ali definitivamente registada em seu nome, como propriedade privada plena, desde 20 de Setembro de 2005, por a mesma o ter adquirido, a titulo oneroso, de quem, nos termos do respectivo registo, dele podia dispor (cfr. alíneas a), c), d), e aa) a cc) da factualidade provada na douta Decisão Recorrida).
     CXXI. A A. (bem como sucedeu com todos os seus antecessores), beneficia da presunção do direito de propriedade sobre o Terreno reivindicado, estatuída no artigo 7° do CRP e, assim, de que o seu direito de propriedade sobre o Terreno reivindicado existe e lhe pertence, nos precisos termos em que o registo o define.
     CXXII. A A.. enquanto reivindicante, cumpriu igualmente o ónus da prova da ocupação, pelos RR., do Terreno reivindicado, nos termos constantes das alíneas u) a dd) da factualidade provada na douta Decisão Recorrida.
     CXXIII. Os RR. não lograram alegar e provar, pelo menos quanto à parcela de 20,263 m2, ocupada pelo 2° R. quaisquer factos constitutivos de um qualquer direito seu oponívelao direito de propriedade da A.
     CXXIV. Em face do que conclui pela total improcedência dos pedidos formulados pelo Recorrente nos parágrafos 178 a 200 das suas alegações, devendo a douta Decisão Recorrida ser integralmente confirmada quanto às questões em apreço, especialmente quanto à declaração de que a A. adquiriu o prédio dos autos, no que concerne à parcela de 20 263 m2.
     CXXV. Os factos que o Recorrente alega nos parágrafos 201 a 247 não contendem em nada com a factual idade provada sob as alíneas x) e dd), bem como sob alíneas u), y), aa), bb), cc) e dd) (todas provenientes da matéria dada como assente logo no despacho saneador), sendo estas quanto basta para se demonstrar que o Recorrente (IACM) ocupa a Parcela de 20263 m2 do Terreno, da qual a A. foi declarada proprietária, e, não obstante ter sido notificado por esta de que dispunha até ao dia 9 de Março de 2009 para demolir as construções efectuadas no Terreno, desocupar o mesmo e devolvê-lo à Autora, não o restituiu, situação que se mantém até hoje.
     CXXVI. Não são legalmente admissíveis os inúmeros pedidos do Recorrente no sentido de se alterar não a resposta dada a determinados quesitos, mas o próprio quesito, não reclamado em tempo, substituindo-o por outra matéria que o Recorrente pretende ver desde logo provada.
     CXXVII. A resposta dada aos quesitos 6°, 8º e 10° foi dada em estrita obediência ao princípio da livre apreciação da prova que, a este respeito, não se encontrava limitado por qualquer presunção legal, documento autêntico ou confissão.
     CXXVIII. Atento o disposto no artigo 1235° do CC, para a condenação do IACM a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a Parcela de 20263 m2 do Terreno, estando provado que é o IACM é quem ocupa in loco a dita Parcela, basta a qualidade de detentor, pelo que ainda que se considerasse ser a 1ª R. a sua possuidora, tal facto só resultaria em igual condenação da 1ª R. possuidora, nunca na absolvição do 2° R. detentor, ambos ocupantes.
     CXXIX. Conforme é consensual na doutrina e na jurisprudência, a Autora Reivindicante não tem de fazer prova de que a posse ou detenção dos RR. é abusiva, porquanto são estes que, para obstarem aos efeitos da acção de reivindicação, têm de provar factos constitutivos de qualquer direito oponível, repita-se, oponível, ao direito de propriedade da A..
     CXXX. Não tendo o Recorrente (nem a 1ª R) logrado provar quaisquer factos constitutivos de qualquer direito seu oponível ao direito de propriedade da A. sob a referida parcela do Terreno de 20263m2, não existe qualquer fundamento legal para recusar a restituição da mesma à A. pelo IACM - é o que impõe o n.º2 do artigo 1235° do CC.
     CXXXI. Bem decidiu o douto Tribunal a quo ao condenar o 2°, R. a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade sobre a Parcela de 20263 m2 e a restituí-la à A., decisão que se impondo, em face dos factos e da lei aplicável, como a única possível, deve ser confirmada por este Venerando Tribunal (sem prejuízo do Recurso apresentado pela aqui Recorrida quanto à absolvição da 1ª R)
     CXXXII. É de MOP$45.064.560,00, e o não o mencionado pelo Recorrente no parágrafo 248 do seu recurso, o valor já apurado, até 09/11/2014, na douta decisão recorrida (ao qual acresce o montante de MOP$702.460,00, por cada mês ou fracção, a contar de 10/11/2014, que o Recorrente se mantenha a ocupar o Terreno, bem como juros à taxa, legal a partir da datada douta Decisão Recorrida) da indemnização que o Recorrente foi condenado a pagar à A ..
     CXXXIII. A resposta dada aos quesitos 11° a 11-Cº não padece de qualquer erro, na apreciação da prova ou erro de julgamento, já que resulta de pareceres técnicos elaborados por uma sociedade de renome internacional, da especialidade, que fundamentou de forma detalhada os valores locativos atribuídos, documentos que foram livremente apreciados pelo tribunal.
     CXXXIV. Só partindo do pressuposto de que o Terreno não se encontrava ocupado é que se poderia apurar qual o valor que um Terreno com aquelas características atingiria no mercado de arrendamento, e, assim, qual seria o valor de rendimento mensal que a A. poderia dele obter no mercado de arrendamento, não fora a ocupação do Terreno.
     CXXXV. As eventuais condicionantes urbanísticas são absolutamente irrelevantes quanto se trata de apurar o valor locativo do Terreno, porquanto quem arrenda não constrói.
     CXXXVI. A matéria vertida nos parágrafos 237 a 245, 250 a 252 e 295 a 297 das alegações do Recorrente, apenas serviria de fundamento à condenação solidária da 1ª R., nunca à absolvição do Recorrente.
     CXXXVII. A A. é totalmente alheia aos factos que o Recorrente alega nos referidos parágrafos, bem como nos parágrafos 273 a 287, devendo este, querendo, opô-los à 1ª R., a quem os mesmos respeitam, a título de direito de regresso.
     CXXXVIII. A indemnização que o Recorrente foi condenado a pagar à A., foi contabilizada com início na data do termo do prazo que esta concedeu àquele para lhe restituir o imóvel (9 de Março de 2009), pelo que a douta Decisão Recorrida atendeu à verificação dos requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, por violação do direito de propriedade da A., só a partir desta data.
     CXXXIX. A decisão do IACM não restituir à A. a Parcela por si ocupada até ao dia 9 de Março de 2009, é da sua inteira responsabilidade, a título de culpa.
     CXL. O Recorrente está, pelo menos 9de Março de 2009, a actuar de má fé, causando sérios prejuízos à A ..
     CXLI. O Recorrente tem impedido a A. de usar, fruir e dispor da Parcela do Terreno, tem-na privado do gozo e fruição da Parcela do Terreno e dela retirado benefício próprio, em clara violação do conteúdo do direito de propriedade da A. tal como definido no artigo 1229° do CC, pelo que é responsável pelos prejuízos daí decorrentes causados à A.
     CXLII. Enquanto não cessar a ocupação da dita Parcela pelo Recorrente e enquanto o 2° R. reservar para si a posse exclusiva das chaves que abrem os portões de acesso à parte do Terreno que detém, nunca a A. poderá dar início a quaisquer obras de aproveitamento, nunca o poderá arrendar e, seguramente, nunca o poderá alienar nas mesmas condições em que o faria se o mesmo não estivesse ocupado.
     CXLIII. Para o cálculo do valor a indemnizar, há que atender ao artigo 556° e o artigo 558º do CC.
     CXLIV. Como critério de cálculo do valor da compensação pela privação do gozo e fruição de propriedades tem a jurisprudência aceite recorrer ao valor locativo dessas propriedades, que foi justamente o critério utilizado pelo douto Tribunal a quo para determinar o montante da indemnização devida pelo Recorrente à A.
     CXLV. Só não apreende o conteúdo de fls. 1996 verso a 1996 da Decisão Recorrida quanto ao que à indemnização diz respeito, quem não quer.
     CXLVI. A matéria vertida pelo Recorrente nos parágrafos 248 a 303 é manifestamente improcedente, devendo o parágrafo 1.2 da parte dispositiva da douta Decisão Recorrida ser integralmente confirmado, só assim se fazendo a devida Justiça.
     CXLVII. A douta Decisão Recorrida não padece da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571º do CPC, pelo que o presente recurso deve ser julgado improcedente também quanto a esta matéria.
     CXLVIII. Basta a leitura de fls. 1993 verso a 1994 da douta Decisão Recorrida, para se concluir que a mesma resolveu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, sendo certo que à luz da 2ª parte do disposto no n.º 2 do artigo 563º do CPC, não tinha de resolver aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada às anteriores.
     CXLIX. O Recorrente nunca pediu a nulidade dos registos de aquisição efectuados em 1997, bem como os posteriores, por força da (alegada) expropriação, pelo que não pode vir fazê-lo na presente sede, atento o disposto no artigo 217º do CPC, bastando, para confirmar o que ora se diz, reler os artigos 143° a 151º da sua contestação-reconvenção.
     CL. A douta Decisão Recorrida ao ter decidido nos termos constantes dos parágrafos 1.1, 2.1 e 2.2 da sua parte decisória, não condenou em objecto diverso do pedido, tendo-se limitado (i) a decidir pela procedência parcial dos pedidos formulados pela A. a final da sua petição inicial sob os pontos I e II e a (ii) a decidir pela procedência parcial dos pedidos reconvencionais formulados pelos RR a final das suas contestações-reconvenções sob a alínea a).
     CLI. Assim, a douta sentença não violou o disposto no n.º 1 do artigo 564º do CPC, nem está ferida da nulidade prevista na alínea e) do n.º.1 do artigo 571º do CPC, devendo o recurso do 2º R, ora Recorrente, ser, julgado improcedente também quanto a esta matéria.
     CLII. Salvo o devido respeito, só por manifesta má-fé pode vir a Recorrente alegar que a douta decisão recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão plasmada no ponto 1.2 da sua parte decisória, quando esses fundamentos constam expressamente de fls. 1996 verso a fls. 1999 e se oferecem, atenta a sua clareza, ao conhecimento de qualquer leitor medianamente diligente.
     CLIII. A douta decisão Recorrida, encontra-se, quanto à questão em apreço, plenamente fundamentada quer de facto quer de direito e não padece, sequer, de qualquer deficiência ou incompletude.
     CLIV. Por fim, no que respeita aos juros, os mesmos foram fixados em estrita obediência à jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 02/03/2011, pelo que é evidente que tal decisão não merece qualquer censura.
     CLV. A douta Decisão Recorrida não padece da apontada nulidade, porquanto não há qualquer violação do dever de fundamentação plasmado no artigo 108°, sendo, assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 571 ° do CCPC manifestamente inaplicável in casu, pelo que o Recurso é manifestamente improcedente também quanto a esta matéria, devendo ser julgado em consonância.
A interveniente principal responderam aos recurso interpostos pelos Réus nos termos de fls. 2517 a 2564, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    São os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
     a) Por escritura pública lavrada em 16 de Setembro de 2005, a fls. 119 do Livro 23 da Notária Privada J a A. (então denominada “Sociedade de Fomento Predial K Limitada”) comprou à Companhia de Construção e fomento Imobiliário I, Limitada, o prédio rústico constituído por Terreno, sito na Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. …, do livro …, omisso na matriz, conforme certidão predial junta a fls. 50 a 60 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
     b) O preço da aquisição do Terreno, no valor de HKD$175,000,000.00, foi parcialmente suportado por facilidades bancárias no montante de MOP$154,500,000.00 concedidas à A. pelo Banco L, SA, ora interveniente principal, contra a hipoteca do Terreno, facilidades bancárias e hipoteca que foram contratadas na mesma escritura que titulou a aquisição do Terreno, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 37 a 49 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     c) A aquisição do Terreno pela A. encontra-se registada a título definitivo a favor desta na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ... do Livro …, registo esse que foi efectuado com base na Ap. nº 135 de 20/09/2005;
     d) A Companhia I adquiriu o Terreno por escritura outorgada a 4 de Agosto de 1997, a fls. … do Livro … do Notário Privado M, aquisição essa que, mediante a Ap. nº 137 de 04/08/1997, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. … do Livro …;
     e) Pela apresentação nº 74 de 23.05.1997, D ou D, viúva, adquiriu por sucessão hereditária o referido Terreno, tendo o registo sido efectuado com base na escritura de Habilitação outorgada em 22.01.1997, a fls. … do Liv. … do 4º Cartório Notarial de Lisboa, documento junto a fls. 188 a 192 dos autos e que aqui se dá integralmente por reproduzido;
     f) A mesma escritura de Habilitação serviu para o registo, feito através da Apresentação 75 de 23.05.1997, a favor de F, casado no regime da comunhão geral com N e de E, casado no regime da comunhão geral com O;
     g) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 25 de Outubro de 1913 no Notário Privado P, C adquiriu o Terreno, tendo-o registado na Conservatória do Registo Predial através da apresentação nº 2, de 15.11.1913;
     h) No Boletim Oficial de Macau nº 11, de 16 de Março de 1918, a Administração do Concelho da Taipa e Coloane, publicou um edital, com o teor constante do documento de fls. 258 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     i) No Boletim Oficial de Macau nº 38 de 21.09.1918, o Governo da Província de Macau publicou a Portaria nº 195, com o teor constante do documento junto a fls. 259 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     j) No Boletim Oficial nº 40, de 5 de Outubro de 1918, o Governo da Província de Macau publicou a Portaria nº 210, com o teor constante do documento junto a fls. 260 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     k) Em 10 e 17 de Janeiro de 1920 (Boletim Oficial de Macau nº 2 e 3, respectivamente) foram publicados Éditos, por ordem do Juízo de Direito da Comarca de Macau, citando quaisquer interessados que se julgassem com o direito a “um terreno com a área de 24.482m2, sito na ilha da Taipa, para dentro do prazo dos éditos virem deduzir os seus direitos sob pena de findo aquele prazo o mesmo terreno ser adjudicado livre e desembaraçado à Fazenda Nacional expropriante e a respectiva indemnização paga ao expropriado C dono do referido terreno”;
     l) A Portaria 5.971 foi publicada no Boletim Oficial nº 7, de 16 de Fevereiro de 1957 com o teor constante do documento junto a fls. 173 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido
     m) O Terreno foi afecto ao domínio da RAEM por força da conclusão do processo expropriativo aludido em h) a l);2
     n) Sendo que na sequência dos editais aludidos em k), nenhum interessado se apresentou a deduzir quaisquer direitos sobre o Terreno;3
     o) Por anúncios publicados em 28 Novembro e 5 de Dezembro de 1997, em jornais de língua portuguesa e de língua chinesa, foram publicitadas as plantas cadastrais respeitantes a todos os prédios sitos na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa) e expostas publicamente em vários locais;
     p) Aquelas plantas foram posteriormente convertidas em definitivas, por despacho de 27.03.98 do então Secretário-adjunto para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim Oficial nº 14, I Série, de 06.04.98;
     q) No dia 24 de Outubro de 2008, na sequência de iniciativa da A., esta reuniu com o Presidente do 2.º Réu IACM, o Sr. Q Tam e com outros representantes deste Instituto;
     r) A A. enviou ao 2º Réu, no dia 3 de Dezembro de 2008, uma carta solicitando, por um lado, a imediata cessação dos trabalhos de construção em curso no Terreno, e, por outro, fixando a data de 31 de Dezembro de 2008 como limite para a apresentação à A. de uma proposta para a resolução da situação;
     s) A esta carta respondeu o 2º R. através do Ofício nº 22522/089/PCA/2008 junto a fls. 74 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
     t) A este ofício do 2º Réu respondeu a A., através de carta datada de 19 de Dezembro de 2008, junto a fls. 76 a 77 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
     u) A A., por carta datada de 7 de Janeiro de 2009, notificou o 2º R. de que dispunha até ao dia 9 de Março de 2009 para demolir as construções efectuadas no Terreno, desocupar o mesmo e devolvê-lo à Autora, em conformidade com o documento junto a fls. 79 a 80 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais;
     v) No ano de 1994, a R. Região Administrativa Especial de Macau ocupou duas partes do Terreno com uma área total de 4,235m2;
     w) Nessa área ocupada pela 1ª R., esta construiu estradas de acesso à Ponte da Amizade, ocupação que ainda hoje se mantém;
     x) Em meados de 1999, o 2º Réu ocupou outra parte do Terreno, nele instalando um depósito de pneus;
     y) Durante o verão de 2008, o 2º Réu ocupou outra parte do Terreno, iniciando a construção de um edifício;
     z) Mais recentemente, em datas não apuradas, o 2º R. ocupou outras partes do Terreno, instalando uma caixa de electricidade e construindo barracas e alpendres, alguns de apoio à construção do aludido edifício;
     aa) O 2º Réu actualmente ocupa uma área total de 20,263 m2;
     bb) O Terreno encontra-se murado e vedado, salvo as partes ocupadas pela 1.ª Ré;
     cc) O 2º Réu mantém na sua posse exclusiva, desde data anterior ao facto aludido em a), as chaves das fechaduras que instalou nos únicos dois portões que dão acesso ao Terreno;
     dd) O 2º Réu impede dessa forma, e desde essa data o acesso total da A. a qualquer parte do Terreno, excluindo as partes ocupadas pela 1ª Ré;
     ee) O aludido terreno tem actualmente a área de 24,498m2;
     ff) E confronta a Nordeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia e Avenida Padre Tomás Pereira;
     gg) O terreno referido em ee) confronta a Sudeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia;
     hh) E confronta a Sudoeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia e a Noroeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia e Avenida Padre Tomás Pereira;
     ii) A ocupação do Terreno com estradas pela 1ª R. e a posse exclusiva das chaves que abrem os portões de acesso ao remanescente do Terreno pelo 2º R., tem impedido a A. de aproveitar o Terreno;
     jj) A Autora, em face do comportamento dos RR, não pode arrendar o terreno e não o pode alienar nas mesmas condições em que o faria se estivesse livre;
     kk) O Terreno se estivesse desocupado e sem qualquer construção, poderia ter sido arrendado para diversos fins, tais como estacionamento ou armazenamento ou depósito de materiais;
     ll) Em Abril de 2009 o valor locativo de mercado do Terreno era de HKD$594,000.00 (equivalente a MOP$611,820.00) por mês;
     mm) O valor locativo de mercado do Terreno entre 27.04.2010 e 26.04.2011, cifra-se em HKD$609,000.00 (equivalente a MOP$627,270.00) por mês;
     nn) O valor locativo de mercado do Terreno entre 27.04.2011 e 26.04.2012, cifra-se em HKD$639,000.00 (equivalente a MOP$658,170.00) por mês;
     oo) O valor locativo de mercado do Terreno a partir de 27.04.2012 cifra-se em HKD$682,000.00 (equivalente a MOP$702,460.00) por mês;
     pp) As ocupações do Terreno por parte do Réu IACM foram sendo autorizadas pela RAEM, através da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes;
     qq) C quando faleceu deixou dois filhos maiores;
     rr) Quando a Autora celebrou a escritura de compra e venda aludida em 16 de Setembro de 2005 o Terreno estava vedado;
     ss) A utilização do Terreno pelo IACM sempre se processou de forma pacífica, de boa-fé, à vista de toda a gente;
     tt) Pelo menos desde o ano 2000 a RAEM tinha conhecimento do teor e das conclusões do documento junto a folhas 251/254;
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    1ª questão prévia:
    Comecemos por analisar a questão da admissão ou não de um documento apresentado pelo 2º Réu/Recorrente, em 27/04/2015 (fls. 2385 e seguintes), ao abrigo do disposto no artigo 452º do CPC.
    A Autora opôs-se à sua admissão, por entender que não se reuniram os requisitos do artigo 452º do CPC, conforme o alegado constante do requerimento de fls. 2828 e seguintes.
    O Exmo. Juiz, ex-relator deste processo, proferiu o despacho constante de fls. 2840/v, relegando esta questão para o acórdão quando este TSI conhecer dos recursos em causa.
    É momento de decidir antes de avançarmos para as outras questões discutidas nos recursos.
    O fundamento legal invocado pelo Recorrente/2º Réu reside no artigo 452º do CPC, que dispõe que os pareceres podem ser juntos nos tribunais de primeira instância em qualquer estado do processo, ora ele veio a requerer a junção com as contra-alegações do recurso, em rigor das coisas, deveria juntar-se até à prolação da sentença de 1ª instância.
    Diferentemente, se a junção visa os efeitos do recurso, então o fundamento legal será o artigo 616º/3 do CPC, que remete para os artigos 467º e 468º do mesmo CPC.
*
    Lidos com atenção as alegações e o respectivo parecer, salvo o melhor respeito, entendemos que a Autora tem razão quando afirma, no seu requerimento de fls. 2828, que tal “parecer” era uma peça de alegações de outra versão, substituindo a posição das partes, pois, tal peça são mais “alegações complementares” do que próprio parecer técnico, vindo rematando todas as questões decididas pelo Tribunal de 1ª instância num sentido oposto, até, o próprio Recorrente nas alegações do recurso remete para tal parecer em determinadas passagens4.
    Não vamos tecer mais considerações acerca deste “documento”, por ele sujeitar-se à livre apreciação do julgador, tendo em conta que ele foi apresentado ainda dentro do prazo previsto no artigo 616º do CPC, este Tribunal decide admití-lo.
*
    2ª questão prévia:
    
    Uma outra questão prévia que importa analisar e decidir são os documentos juntos pela Recorrente/1ª Ré.
    1. Ora, a Recorrente/1ª Ré veio juntar aos autos, com as suas alegações, a fls. 2287 a 2360, dois documentos, sem apresentar qualquer justificação para o efeito, importa ver se existe fundamento legal para os admitir à luz do artigo 616o ou do artigo 451o, para o qual aquele remete, ambos do CPC.
    
    2. Quanto ao documento designado por Doc. 1 (de fls. 2287 e 2288) a sua junção aos autos é inqualificável, porquanto a Recorrente já juntou aos autos documento igual ao de fls. 2288, que é mera ampliação do mapa de fls. 2287, então a fls. 1783 (com o seu requerimento de fls. 1782), ao que a A. se opôs nos termos constantes de fls. 1825, que ora se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, tendo o mesmo sido retirado dos autos e restituído ao apresentante por decisão já transitada em julgado, vertida no despacho de fls. 1880, que faz parte integrante da acta da sessão de julgamento de 10 de Julho de 2014.
    
    3. Quanto ao documento designado por Doc. 2 (de fls. 2289 a 2360), no que respeita a fls. 2350 a 2360, constam já de fls. 240 a 250, quanto às restantes páginas do Doc. 2 – que respeitam a peças processuais de um processo de recurso contencioso de um acto administrativo, ao qual a A. é alheia -, foram as mesmas juntas aos autos, a fim de servirem de base de algumas considerações acerca da mandatária judicial da antecessora da Autora (sendo certo que aquela não foi mandatária da Autora).
    
    4. Para replicar este ponto de vista da Recorrente/1ª Ré, a Autora veio a alegar os seguintes fundamentos e requerer a junção de 4 documentos:
    “ (…) porque o fim último daquelas insinuações é colocar em causa a boa-fé da A., por dever de patrocínio, vem a A. requerer a V. Exas. nos termos e ao abrigo do disposto na 2ª parte do n.o 2 do artigo 451o ex vi o n.o 1 do artigo 616o do CPC, se dignem admitir a junção aos autos de 4 documentos destinados a fazer prova de que a Dra. Célia Silva Pereira só ingressou no escritório dos mandatários judiciais da A. em Fevereiro de 2006 – i.e. no ano seguinte ao da outorga na escritura pública de compra e venda mencionada na alínea a) dos factos assentes –, onde desempenha as funções de notária privada (cfr. Doc. 1 a 4).”

    Ora, é momento de decidir.
    Relativamente ao documento nº 1, junto pela Recorrente/1ª Ré com as suas alegações de recurso, não resta dúvida que não pode ser admitido novamente nesta sede de recurso, já que houve decisão do Tribunal de 1ª instância que indefira a sua junção e tal decisão já transitou em julgado (fls. 1880).
    Pelo que, o documento de fls. 2287 a 2288 não pode ser atendido em sede do recurso e será devolvido à apresentante nos termos do disposto no artigo 467º do CPC.
*
    No que se refere ao documento nº2, em bom rigor, tal documento não tem a ver com o objecto principal do processo, e o conteúdo do mesmo não solicita a este Tribunal a tomada de decisão, por cautela e a fim de respeitar o contraditório, já que a Autora veio a juntar também 4 documentos para comprovar a verdade dos factos, a fim de evitar complicações, este TSI decidiu manter tais documentos nos autos, sendo certo que eles não respeitam directamente ao objecto do processo em discussão.
    Dada a particularidade do caso, se este TSI mandar retirar tais documentos, então os que a Autora requer a junção com as contra-alegações, teriam de ser também restituídos e ela seria condenada em multa, já que já desapareceu o objecto de referência, injustificando a manutenção dos 4 documentos apresentados pela Autora.
    Assim, face à particularidade do caso, este TSI decidiu não aplicar multa no caso em apreciação.
    
    Arrumadas estas questões “prévias”, passemos a ver formalmente as questões discutidas no seio dos recursos.
*
    Iniciemos pelo recurso interlocutório interposto pelo interveniente principal (B).
    O despacho recorrido (a parte que nos interessa) (fls.457 e ss.) tem o seguinte conteúdo:
     “(…)
     Da falta de interesse dos Réus/Reconvintes para impugnar o acto de habilitação de herdeiros:
     O interveniente principal Banco B (Macau) SA, na contestação que deduziu aos pedidos reconvencionais formulados pelos RR/Reconvintes RAEM e IACM, arguiu a falta de interesse dos mesmos para impugnar o acto de habilitação de herdeiros que esteve na base do registo do prédio em causa nesta acção, nos termos do artigo 279.° do Código Civil.
     Para tanto defende, muito resumidamente, que a impugnação do acto de chamamento de herdeiros à sucessão, por eventual preterição de outros herdeiros, só cabe a quem foi efectivamente lesado por omissão nesse chamamento, o que não acontece no caso dos reconvintes.
     Cumpre decidir.
     Os reconvintes RAEM e IACM pretendem que a escritura notarial de Habilitação outorgada em 22.01.1997, a fls. 77 do liv. 307B do 4º Cartório Notarial de Lisboa, que serviu para o registo do terreno a favor de F, casado no regime da comunhão geral com N e de E, casado no regime da comunhão geral com O, seja declarada nula por violação da lei sucessória e, em consequência, seja considerada ineficaz e insusceptível de produzir os efeitos jurídicos pretendidos.
     O artigo 278.° do Código Civil refere que na falta de regime especial, são aplicáveis à nulidade e à anulabilidade do negócio jurídico as disposições dos artigos seguintes.
     Assim, segundo resulta dos artigos 279.° e 288.° da mesma codificação, que a nulidade do negócio ou do acto jurídico será invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
     Interessado, para os efeitos desta norma legal será o titular de qualquer relação jurídica cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja susceptível de ser afectada pelos efeitos que o negócio jurídico tenderia a produzir.
     Ora, os RR/Reconvintes não atacam directamente o título de aquisição derivada do prédio do último proprietário inscrito no registo, antes pretendem atacá-lo reflexamente pedindo a nulidade/ineficácia (cuja distinção não deixará de ser relevante no plano dos efeitos), da escritura de habilitação de herdeiros que permitiu o registo posterior à afectação do terreno, segundo a tese dos RR, ao domínio público da RAEM.
     Segundo essa tese - cujos factos consubstanciadores estão ainda controvertidos e a carecer de prova para que lhes possa ser aplicado o direito - o terreno em causa não poderia ser alvo de transacção no âmbito das relações jurídico privadas, concluindo os RR que a presunção registral de que beneficia a Autora poderá ser ilidida.
     Os RR/Reconvintes assumem-se, pois, titulares de uma relação jurídica incompatível com o negócio alegadamente nulo o que lhes confere, salvo melhor juízo, interesse e legitimidade para o pedido que formulam (conclusão que, naturalmente, não colidirá com a necessidade de os RR demonstrarem a respectiva materialidade essencial para afastar a presunção registral e para a procedência da sua contra-acção).
     Assim sendo, pese embora à tese dos RR possam ser apontadas algumas das fragilidades jurídicas que a Autora e o interveniente lhe assacam, designadamente no que concerne a inoponibilidade da declaração de nulidade a terceiros de boa fé, a verdade é que os RR também articularam factos que a provarem-se poderão pôr em causa essa boa fé do adquirente, encontrando-se o tribunal, de momento, totalmente impossibilitado de proferir uma decisão de mérito, ponderando todas as soluções jurídicas que este caso poderá reclamar (ponderando inclusive que há formas de invalidade do negócio jurídico que poderão ser oponíveis a terceiros de boa-fé).
     Em face do que se deixa exposto, julga-se improcedente a excepção invocada pelo interveniente principal e considera-se que os RR/reconvintes têm legitimidade e interesse nos pedidos reconvencionais que deduzem.
     (…)”.
    É de verificar que este recurso visa atacar uma questão formal: ilegitimidade e falta de interesse por parte dos Réus no que toca à alegada eventual nulidade dum acto notarial, lavrado em Lisboa, mas como a sentença que conheceu o mérito julgou improcedente este pedido da declaração da eventual nulidade do acto notarial em causa, por falta de provas, torna-se inútil este recurso, pois prevalece-se a decisão de mérito sobre a decisão formal.
    Pelo que, o conhecimento deste recurso ficará condicionado ao limite consagrado no artigo 628º do CPC, sobre o qual retomaremos depois de apreciar os recursos contra a sentença de mérito.
    Este Recorrente veio a pedir também a ampliação do recurso, a título subsidiário, ao abrigo do disposto no artigo 590º do CPC, prevendo a hipótese da procedência das questões suscitadas pelos Réus/Recorrentes, nestes termos, ao abrigo do artigo citado, só pronunciaremos depois de conhecermos dos recursos interpostos por estes últimos.
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    Parte A - Matéria de facto impugnada pelo 2º Réu/Recorrente
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    Passemos a ver o recurso interposto pelo 2º Réu/IACM (IAM).
    
    Este veio a imputar, para além de impugnar a matéria de facto, à sentença recorrida os seguintes vícios:
    
    1) - Incorrecto julgamento de matéria fáctica - falta de pronúncia sobre questões essenciais: a da correspondência física do terreno;
    2) - Nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil (CPC) na medida em que não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, como sendo a da falsidade das declarações da escritura das habilitações de herdeiros e da validade dos registos;
    3) - Nulidade enunciada na alínea e) do nº 1 do artigo 571º do mesmo CPC, porquanto condenou os RR em objecto diverso do pedido ao proceder oficiosamente à subdivisão em duas parcelas do terreno reivindicado e ao ordenar a rectificação do registo quando lhe tinha sido pedido a restituição do terreno e o cancelamento dos registos;
    4) - Nulidade prevista na alínea b) do mesmo artigo 571º e Código, porquanto condenou o Recorrente ao pagamento de uma indemnização, acrescida de juros legais, com efeitos imediatos, sem qualquer fundamentação de facto e de direito que justificasse tal decisão.
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    Antes de mais, importa realçar que, tal conforme deflui do normativo inserto no artigo 629°/1 do CPC, a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo TSI se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599° do mesmo diploma, a decisão com base neles proferida.
    A reapreciação da matéria de facto por parte do TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada5.
    Com efeito, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.
    Assim sendo, para que este TSI possa atender à eventual divergência quanto ao decidido, no Tribunal recorrido, na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, pois não podemos ignorar que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 558º do CPC.
    Defende-se com toda a razão (invocado aqui em nome de Direito Comparado) “ A reanálise das provas gravadas pelo Tribunal do recurso só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1.ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas (...) O objectivo da gravação da prova funciona assim mais como uma válvula de escape para situações pontuais em que seja inaceitável a possibilidade da resposta dada, do que como um meio desejado para reanálise sistemática de toda a prova. Desta forma, só está em perfeitas condições de poder satisfazer a eventual alteração das respostas aos quesitos em situações limite, ou seja, se resultar inequivocamente que a resposta ao quesito não podia ser aquela, mas tinha que ser outra (…)” (cfr. Ac do STJ de 21 de Março de 2003).
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    A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
     1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
     a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
     b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
     2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
     3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
     4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

    Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
    É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
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    No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio6.
    É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
    Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
    Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
    
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    Como o Recorrente/IAM, Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (hoje, é designado por Instituto para os Assuntos Municipais), veio a impugnar a matéria de facto, comecemos por aqui.
    
    Duas notas prévias sobre o recurso do Recorrente/2º Réu:
    1) – Nota-se a falta de um método de discurso argumentativo sistemático e cronológico, na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, pois, ora falam-se de factos, ora referem-se às conclusões jurídicas ou considerações jurídicas. Exemplo: nos pontos 1 a 50 das conclusões atacam-se as matérias inseridas nos quesitos 1º a 4º, depois teceram-se longas considerações jurídicas, no ponto 108 das alegações, de repente volta-se a abordar a matéria de facto inserida no quesito 20º da BI, no ponto 148 das alegações, torna a abordar matéria constante do quesito 25º da BI.
    2) – Em determinadas passagens das alegações, nota-se alguma contradição, senão como confissão de um facto que gasta tintas para impugnar (o Recorrente defende que as plantas de fls. 61, 309 e 1442 não têm valor probatório e como tal não mereciam credibilidade, entanto, no ponto 77 das alegações, já admitiu que a planta de fls. 61 é um documento autêntico), matéria esta que veremos mais adiante e em sede própria.
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    Com estas notas, passemos a ver o que este Recorrente/2º Réu aduz nesta parte.
    Os quesitos 1º a 4º, sob impugnação, têm o seguinte conteúdo e as respectivas respostas:

    O aludido terreno tem actualmente a área de 24,498m2?
    Provado.

    E confronta a Nordeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia e Avenida Padre Tomás Pereira?
    Provado.
3.°
    E a Sudeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia e Estrada da Ponta da Cabrita?
    Provado apenas que o terreno referido em 1º confronta a Sudeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia.
4.°
    E confronta a Sudoeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia e a Noroeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia e Avenida Padre Tomás Pereira?
    Provado.

    O argumento da impugnação do Recorrente/2º Réu reside essencialmente na ideia de que o Tribunal recorrido devia acreditar no teor dos documentos por ele juntos e não o teor dos 3 documentos apresentados pela Autora, de fls. 61, 309 e 1442, o que levaria a que as respostas dos quesitos acima transcritos fossem NEGATIVAS.
    O documento de fls. 309 e 1442 referem-se às 2 plantas emitidas pela DSCC em 2005 e 2008, respectivamente, com base no arquivo do processo 5478/1997.

    A propósito das respostas dadas aos quesitos em causa, o distinto Colectivo fundamentou a sua decisão nestes termos:

     Quanto aos itens 1º a 4º o que se deu como provado resultou do documento – planta cadastral definitiva – junta a folhas 309 e 1442. Diz-se autêntico o documento exarado por autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o fazer – nº 1 do artº 363º do C.Civ. -. De acordo com o Decreto-Lei nº 3/94/M é da competência da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro a emissão das plantas definitivas as quais são título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações. Havendo sido junto aos autos (por duas vezes) a planta cadastral definitiva do prédio referido na alínea A) da factualidade assente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., planta essa que é um documento autêntico, não tendo sido suscitada a falsidade da mesma nem tendo sido ilidida a sua autenticidade, de acordo com o disposto no artº 365º do C. Civ. o mesmo faz prova plena dos factos que atesta, nomeadamente, área, confrontações e localização do terreno em causa nestes autos.

    Para além da fundamentação tecida pelo distinto Colectivo, acima transcrita, importa realçar igualmente os seguintes elementos constantes dos autos:
    1) – Conforme o teor de fls. 174, foi publicado em jornais de língua chinesa e portuguesa o aviso de publicação das plantas cadastrais provisórias nos termos do artigo 3º do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro, o que é comprovado pelos seguintes avisos:














































    2) – Tal prazo de publicação para eventuais reclamações decorreu de 12/12/1997 a 09/02/1998, conforme o teor de fls. 175;
    3) – Depois, por despacho do então Secretário para os Transportes e Obras Pública foi proferido e publicado no Boletim Oficial de Macau o despacho com o seguinte teor:


    Por essa mesma razão ficaram provados os seguintes factos:
    
     O - Por anúncios publicados em 28 Novembro e 5 de Dezembro de 1997, em jornais de língua portuguesa e de língua chinesa, foram publicitadas as plantas cadastrais respeitantes a todos os prédios sitos na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa) e expostas publicamente em vários locais;
     P - Aquelas plantas foram posteriormente convertidas em definitivas, por despacho de 27.03.98 do então Secretário-adjunto para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim Oficial nº 14, I Série, de 06.04.98;
    4) – Ou seja, conforme as plantas altura publicadas, o terreno discutido nos autos tem sido considerado sempre propriedade privada, assim o é em face das plantas e em face do registo predial.
    5) – Repare-se, nesta matéria, o Recorrente não apresentou, em tempo, qualquer reclamação à selecção da matéria de facto quanto a esta questão (cfr. Reclamação do Recorrente de fls. 468), e neste recurso, ele limitou-se a alegar nas suas contestações-reconvenções que o terreno da descrição ... não é o demarcado a fls. 309 (então por referência à planta emitida para efeitos judiciais de fls. 61) e, posteriormente a esses articulados, a oferecer dezenas de documentos, não tendo em momento algum alegado (e, consequentemente, muito menos provado) qual seria, então, no seu entender, a localização, a área e as confrontações do dito terreno sobre o qual, não obstante, vêm deduzir pedidos reconvencionais, que foram julgados obviamente improcedentes.
    6) - Destarte, é inegável que o 2º Réu/Recorrente incumpriu o ónus que impendia sobre si de alegar qual é a realidade física, por referência à sua área, localização e confrontações, do terreno que consubstancia o objecto dos seus pedidos reconvencionais, única forma que teriam de provar (tal como impõe o artigo 340o do CC) que o terreno reivindicado não é o demarcado na planta definitiva de fls. 309, só que não foi feita qualquer prova nesse sentido.
    7) - De realçar que o Sr. Engo. R, Director da Direcção de Serviços da Cartografia e Cadastro, testemunha da 1a Ré/Recorrente, com competência conferida pelo artigo 1o do Decreto-Lei n.o 3/94/M para “elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro geométrico dos terrenos do Território, adiante designado por cadastro”, confirma que o terreno da descrição ... é o terreno mencionado nos quesitos 1º a 4º da base instrutória – o reivindicado pela Autora nos presentes autos.
    8) - Pois estão registadas as seguintes declarações prestadas aos autos em 20/03/2014, pelo então Director da DSCC (documentação da sessão de 2014.03.20 / translator 1 / 20-Mar-2014 at 11.47.24 (1%IVCG8102711270), do minuto 04:35 ao minuto 07:31):
- Director da DSCC: “Se permitir eu posso esclarecer o nosso trabalho. Em antes o requerente foi in loco deslocar qual era o local, então nós vamos fazer a medição e então, porque havia uma sobreposição com outros requerentes, então nessa altura nós não vamos emitir uma planta definitiva e nem dizer qual a finalidade porque através deste pedido tem de realizar um processo judicial para distinguir o bem; até 2005, o requerente mais do que uma vez indicou qual o local e este local que ele indicou já não havia sobreposição com outros que estão registados, portanto, nessa altura, mais ele indicou quais as direcções, também não havia sobreposição. Pode ver este terreno, do Este é Lam Ka Chun e da parte de cima, ou seja, nós referimos que, há bocado também disse, da carreira de tiro não está informado de Lam Ka Chun. Quer dizer que este terreno está mais para Sul. Portanto não há razão para nós recusarmos este pedido. Portanto a nossa competência é isso, portanto, dado que já não havia sobreposição entre os terrenos então nós emitimos o parecer.”, Meritíssimo Juiz: “A Este não confronta com Lam Ka Chun?”, Director da DSCC: “Eu posso dizer mais uma vez. O terreno da carreira de tiro, a direcção não indicou sobre o Lam Ka Chun, não tem nada a ver com Lam Ka Chun. E este terreno, a parte Este, quer dizer o Lam Ka Chun está um bocado mais a Sudeste, portanto já não havia uma sobreposição, quer dizer que não há sobreposição, não há ligação directamente… que ele ligava com Lam Ka Chun, com o terreno de Lam Ka Chun. É esta parte ... e depois, mais para baixo é que chegava a Lam Ka Chun.” (…)”
- 20-Mar-2014 (at 11.58.14 (1%IVQ{OW02711270), do minuto 02:50 ao minuto 04:43):
Meritíssimo Juiz: “O Sr. Eng.º estava-me a justificar que esse terreno era aí, porque a Leste ele tinha a montanha de Lam Ka Chun, e vamos agora aqui, para não gerar mais confusão, abstrair se o Chun quer dizer vila ou não, mas pelos vistos foram portugueses que puseram a designação em chinês e desataram a chamar à montanha com a palavra da povoação. Pronto. Porque é que excluiu este terreno desse outro da carreira de tiro? Porque é que vocês chegaram a essa conclusão?”
Director da DSCC: “Basicamente a nossa análise é conforme o registo predial e essa carreira de tiro de Sul é Chec Ka Chun.” Meritíssimo Juiz: “A Sul tem o terreno do estado, povoação de Cheoc Ka Chun, que está no sopé do morro da universidade, ao tempo morro da carreira de tiro e as hortas ficam para aí à mistura da povoação de Cheok Ka Chun. Eu vou-lhe mostrar a planta de fls. 1104”, (…)
- 20-Mar-2014 (at 12.08.46 (1%IW4M!G02711270):
Meritíssimo Juiz: “É capaz de me situar o ... nessa planta?”,
Director da DSCC: “É aqui, nesta zona entre o Lam Ka Chun e o Cheoc Ka Chun.” (…).
20-Mar-2014 (at 12.09.52 (1%IW6(3G02711270), do minuto 00:19 ao minuto 02:30):
Meritíssimo Juiz: “Situa-o aí? Não tem nenhuma dúvida quanto a isso? O terreno bate a oeste com o sopé da montanha de Cheoc Ka Chun, essa zona é onde?” (…).
Director da DSCC: “Aqui é Cheoc Ka Chun, no outro lado. O Sul do terreno também é cemitério, Sul do terreno.” (…).
Meritíssimo Juiz: “Então este terreno é onde está o cemitério chinês?”, Director da DSCC: “Quanto ao cemitério não havia demarcação é por isso que é difícil definir a área, porque como esta parte foi vedada por uma parede é fácil dizer mas deste lado não havia demarcação é difícil dizer. Por baixo do terreno, parte Sul, era cemitério, só posso dizer assim.”, Meritíssimo Juiz: “Então quando vocês emitem a planta de fls. 309, aquela tal planta de 2008, já concluíram todas as investigações? Não têm a mais pequena dúvida que o ... fica aí?”,
Director da DSCC: “Sim, sim.” (…).
20-Mar-2014 (at 12.13.06 (1%IW@EHG02711270), do minuto 00:09 até final):
Meritíssimo Juiz: “Quando a carreira de tiro existiu a confrontação do ... a Norte era com a carreira de tiro?”
Director da DSCC: “Está certo.” (…).
Meritíssimo Juiz: “Vocês não têm dúvidas quanto a isso?”
Director da DSCC: “Sim, está correcto.” (…).
Meritíssimo Juiz: “Você quando localiza o terreno numa planta, quando emitem uma planta como aquela que emitiram em 2008, fazem-no com base em que elementos? Fazem-no com base em que elementos? Imaginemos que eu tinha comprado este terreno e preciso da planta de localização para os engenheiros começarem a desenhar o que lá quero construir e quem me vendeu disse-me onde o terreno era e eu vou lá e marco o terreno. Vocês emitem a planta com base nas minhas declarações? Nas declarações do dono?”
Director da DSCC: “Primeiro o requerente indicou o limite da área e depois também tem plantas antigas que vão-nos servir como referência para fazer a análise, as plantas antigas. Se não havia plantas antigas, então, depois da indicação do requerente, vamos analisar sobre a confrontação e a área, verificamos se tem registo de outros requerentes, se tiver sobreposição não vamos emitir a planta.”, Meritíssimo Juiz: “Não havendo sobreposição com terrenos de outros requerentes de outras descrições vocês emitem a planta?”
20-Mar-2014 (at 12.16.00 (1%IWD9K102711270), até ao minuto 00:13): Director da DSCC: “E também com base nos dados de registo. Tem também de verificar os 4 confrontos, se está conforme ou não.” (…).
(…)
Meritíssimo Juiz: “Devo então concluir do seu depoimento que relativamente à ..., quando é emitida essa planta de 2008, os Serviços de Cartografia não têm dúvidas quanto à localização do ...?”
20-Mar-2014 (at 12.18.50 (1%IWH$1W02711270), até ao minuto 00:15): Director da DSCC: “Está certo. Foi feita aquela planta em 2005, pela demarcação da planta.”
20-Mar-2014 (at 15.45.12 (1%I}@KN102711270), do minuto 08:00 ao minuto 10:19):
Director da DSCC: “O ..., no dia 5/12/2005, foi aí nessa altura que foi possível elaborar essa planta definitiva, mas antes não foi possível.” Meritíssimo Juiz: “No dia 5 de Dezembro de 2005? Elaboraram a planta definitiva, é?”
Director da DSCC:, “Permite-me ver a data? A primeira planta, a data correcta foi 28 de Dezembro e segundo os dados do cadastro aí foi possível confirmar, nessa data, mas antes não foi possível porque não tínhamos elementos.” (…).
Meritíssimo Juiz: “Dezembro de 2005?”
Director da DSCC: “É sim.”.
    9) - Estes depoimentos vieram a reforçar a convicção do Tribunal recorrido, pois, as plantas só foram emitidas pela DSCC após a análise, validação e confirmação por esta da área, localização e confrontações do terreno demarcado, pelo que os factos nelas atestados, são-no com base nas percepções da DSCC sobre os mesmos, facto que, de resto, resulta expressamente do DL n.o 3/94/M, em particular do seu artigo 14º.
    10) – Ora, as plantas cadastrais definitivas de fls. 309 e 1442, são documentos exarados, com as formalidades legais impostas pelo DL n.º 3/94/M, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC - , nos limites da sua competência definida no artigo 1º do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, sendo, por isso, documentos autênticos à luz do n.º 2 do artigo 356º e do artigo 363º do CC, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, no artigo 14° daquele Decreto-Lei, e também nos termos gerais do artigo 365º do CC.
    11) - De realçar ainda, aqui, no que se refere aos registos prediais antigos, mormente os feitos no Séc. XVIII, de lá para cá, há mais do que um século, registando-se alterações geográficas, urbanas e morfológica, raramente encontramos confrontações geográficas claras e bem definidas dos prédios em causa7.
    12) - O Recorrente defende que o Tribunal recorrido valorou mal as provas, argumento este que não é de aceitar, visto que, a propósito desta matéria, é ideia assente e repetidamente seguida por este TSI, expendido em vários arestos:

    “O princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita, em regra, o tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o tribunal “a quo” tiver atribuído ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu. A partir do momento em que o julgador respeita o espaço de liberdade que é próprio da sua livre convicção e não ultrapassa os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser efectuada.”(Ac. do TSI, de 7/11/2019, Proc. Nº 811/2019).
     “A livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro, que facilmente seja detectável, pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.
    A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 17/01/2018, Proc. nº 60/2018).
    13) – Confrontados os elementos juntos aos autos, mormente as plantas apresentadas pela Autora e as juntas pelo Réus, a convicção que temos é:
    a) – Existem naquela zona várias parcelas de terreno de propriedade privada, mesmo hoje em dia, tal é perfeitamente reconhecível pelo seguinte mapa:





    b) – O terreno ora revindicado existe efectivamente naquela zona, porque o registo predial assim confirma;
    c) – Não existe outro sítio naquela zona um terreno com tal área.
    14) – Não estamos a equacionar o litígio apenas com as plantas, mas sim, temos de conjugar estas plantas com os dados registados na conservatória competente. Nesta óptica, porque estão em discussão matérias ligadas aos registos prediais, importa realçar a natureza desses dados e os critérios que devem ser utilizados para avaliação e decisão das questões neste domínio levantadas.
    15) – A função do registo predial é assegurar a quem adquire um direito de certa pessoa sobre um prédio, que esta não realizou em relação a ele actos susceptíveis de prejudicar o adquirente e não assegurar a este a inexistência de quaisquer outros direitos sobre o prédio, pois o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o
define, donde se conclui que a presunção não abrange os elementos de identificação do direito predial.
    A finalidade do registo predial não é garantir os elementos de identificação dos prédios descritos, mas apenas assegurar que relativamente a eles se verificara certos factos jurídicos, não tendo portanto, uma função constitutiva, mas simplesmente declarativa, a prova testemunhal é admissível, nos termos legalmente definidos, não havendo que censurar o Tribunal recorrido que bem decidiu.
    16) - Acerca do critério de avaliação de elementos probatórios recordem-se os ensinamentos do Prof. Antunes Varela a propósito das provas e e da convicção do julgador:

    “(…)
     Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
     Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante - ou que há prova suficiente – desse facto.
     Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
     Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la (art. 346.° do Cód. Civil).
     Diversamente passam as coisas quando o meio probatório usado faz, por força de disposição legal, prova plena acerca do facto.
     Sempre que assim seja, para destruir a demonstração da existência do facto, feita através do elemento dotado de força probatória plena, não basta a contraprova (die Gegenbeweis), não chega a neutralização da prova (plena) efectuada. É necessária a prova do contrário (der Beweis des Gegenteils).
     Não basta, noutros termos, criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto (a que se refere a prova plena), tornando o facto subjectivamente incerto. É essencial convencer o juiz da existência do facto oposto, tornar (psicologicamente) certo o facto contrário (art. 347.º do Cód. Civil).
     Diz-se, por exemplo, no artigo 371.º do Código Civil que «os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo».
     Assim, se na escritura pública de certo contrato o notário declarar que leu o documento aos outorgantes, o facto da leitura do escrito fica plenamente provado. Isso significa que, para destruir a demonstração do facto colhida da escritura, não bastará criar no espírito do julgador, através de outros meios de prova, a dúvida sobre se o notário procedeu ou não à leitura do documento perante as partes.
     Tornar-se-á mister, para tal que o julgador se persuada, pelo meio processual próprio (incidente da falsidade ou acção de mera declaração de falsidade), de que o notário não leu mesmo o documento aos outorgantes8.
     A prova pleníssima é a que nem sequer admite prova do contrário.
     (Cfr. Manual de Processo Civil, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 472 -473)
    Estas ideias valem perfeitamente para o caso em apreciação.
    Pois:
    a) - No ponto 77 e 78 das alegações do recurso, o Recorrente/2º Réu admite ser documento autêntico a planta de fls. 61 junta com a PI pela Autora, que tem o seguinte conteúdo:








































































    O que é verdade, nos termos acima vistos, porque o cadastro foi homologado pelo então Secretário competente e publicado no BOM.
    Ou seja, eis uma confissão da realidade pelo Recorrente!

    b) – Repare-se, o próprio raciocínio do Recorrente está eivado de vício, porque, por um lado, disse que o Tribunal não apreciou as questões pertinentes que lhe fossem importantes para conhecer, por outro, afirmou que o Tribunal apreciou mal elementos probatórios por ele produzidos! A final de contas, o Tribunal recorrido apreciou ou não as provas? Claro que sim!

    17) – As plantas, sendo documentos autênticos à luz do n.o 2 do artigo 356o e do artigo 363o do CCM, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, no artigo 14o daquele Decreto-Lei, e também nos termos gerais do artigo 365 o do CCM e a qual, atento o disposto no artigo 366º do CCM, “só pode ser ilidida com base na sua falsidade”, através do incidente regulado nos artigos 571º e seguintes do CPC, deduzido no prazo de 10 dias a contar da apresentação daqueles.
    
    18) - O Recorrente não alegou a falta de autenticidade ou a falsidade das referidas Plantas nos termos e dentro dos prazos legais (vd. artigo 471º do CPC e artigo 366º do Código Civil) ou requereu a sua rectificação judicial nos termos e ao abrigo do diploma legal que regula especificamente esta matéria (cfr. DL nº 3/94/M, em particular o artigo 19º, que prevê os termos e condições em que pode ser requerida a rectificação de uma planta na falta de acordo dos interessados), pelo que não pode vir agora, precludido esse direito por decurso do respectivo prazo legal, fazê-lo, como pretende nos parágrafos 51 a 79 do recurso.

    19) – Ora, nas alegações, o Recorrente/2º Réu invocou o acórdão do TUI, proferido no processo nº 65/2012, de 14/11/2012 e com este arresto pretende vir defender que as plantas definitivas não são documentos autênticos. Ora, salvo o melhor respeito, não foi isto que o venerando TUI afirmou, pois no acórdão só a seguinte passagem é que se menciona a matéria em causa:

     “(…) Mas ao contrário do que alega a recorrente, a planta cadastral junto com a contestação da entidade recorrida não constitui prova plena da delimitação dos prédios e da sua confrontação com as vias públicas (na tese da recorrente tal planta atestaria que a ponte-cais XX não se encontra num ponto da via diferente daquele em que se encontram as pontes-cais XX e XX).Antes de mais, a ponte-cais XX não consta de tal planta.
     Em segundo lugar, a planta não atesta que a largura da via é a mesma na zona das pontes-cais XX e XX.
     Por outro lado, uma planta cadastral não refere factos praticados pela autoridade ou oficial público que são seus autores, nem se atestam factos com base em percepções da entidade documentadora, pelo que traçados e desenhos constantes da mesma não se podem considerar provados nos termos do artigo 365.º, n.º 1, do Código Civil.(…)”.
    Este raciocínio não contraria o nosso, pois, o que sucede é algo semelhante às escrituras públicas de compra e venda de imóveis, o seu conteúdo é impugnável nos termos legais. Mas, repare-se, neste acórdão não se refere à planta definitiva, mesmo que fosse, a matéria e a situação são diferentes daquela que estamos a analisar.
     Por outro lado, seguido o raciocínio do Recorrente/2º Réu, nunca podemos ter plantas cadastrais definitivas. Mas não pode ser, porque o artigo 14º (Valor jurídico das plantas definitivas) do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro, é muito claro quando proclama:
1. A planta cadastral definitiva é título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações.
2. A planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere aos elementos de identificação física mencionados no número anterior.
3. Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo predial, a identificação física dos prédios não pode ser feita em contradição ou desarmonia com a planta cadastral definitiva no que se refere aos elementos mencionados no n.º 1.
    
    No caso, as plantas em causa foram objecto de homologação do então Secretário-Adjunto competente e o seu conteúdo veio a ser confirmado por depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência (matéria que veremos com algum detalhe mais adiante), tudo isto contribuiu para a formação da convicção do julgador.
    
    20) – Nestes termos, as plantas cadastrais definitivas são um meio de prova dotado de força probatória especial atribuída por lei, porquanto a força probatória plena dos documentos autênticos em apreço abrange, por disposição legal especial (14o DL n.o 3/94/M) a área, a localização e as confrontações do terreno.
    
    21) - Acresce ainda que, os Réus não deduziram em tempo o incidente de falsidade, previsto no artigo 471º do CPC, para ilidir a força probatória especial plena atribuída pelo artigo 14o do Decreto-Lei 3/94/M, e atento o disposto no artigo 340o do CC, que alegar e provar a existência do facto oposto, i.e. que o terreno reivindicado tem outra área (identificando-a), outra localização (identificando-a) e outras confrontações (identificando-as) coisa que, como resulta patente dos autos, nunca alegaram sequer.
    
    22) - Acresce que conforme estatui o n.o 1 do artigo 14º do DL n.º 3/94/M, cuja epígrafe é “valor jurídico das plantas definitivas”, as plantas cadastrais definitivas são título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações, pelo que consubstanciam o único documento autêntico que, nos termos da lei, é apto a fazer prova da área, localização e confrontações de um determinado prédio.
    
    23) - Acresce, por outro lado, que atento o disposto no n.o 2 do artigo 14º do referido diploma, a planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere à localização, área e confrontações dos prédios.
    
    24) - É igualmente o que resulta do artigo 25º do CRP, que impõe, como não podia deixar de ser, a harmonização dos elementos das descrições prediais com os elementos fornecidos pelo cadastro, por meio das plantas cadastrais, quanto à localização, área e confrontações dos prédios – e não o inverso como alega, contra legem, o Recorrente, designadamente no parágrafo 59.
    
    25) - As referidas plantas cadastrais de fls. 309 e 1442, contêm, conforme resulta dos respectivos anexos de fls. 310 e 1443, todos os elementos impostos pelo artigo 4o do referido DL nº 3/94/M, designadamente o número da descrição predial a que o terreno nelas representado se refere, i.e., a descrição ..., comprovando-se, assim, que se trata do mesmo terreno.
    
    26) - Veja-se o ofício de fls. 1450 dos autos, n.o 1571/CADIV/02.01.185/5478/2009, de 30 de Setembro de 2009, remetido pelo Director da DSCC ao MP, a pedido deste, confirmando expressamente os factos vertidos nos artigos 1o, 3o (do qual foi retirada a matéria constante dos quesitos 1º a 4º da base instrutória) 7o e 8o da petição inicial apresentada pela A.
    
    27) - Ora, mesmo que se admita que o alegado cemitério Sá Kong estava localizado naquela zona (ainda que parcialmente, junto do terreno ora revindicado pela Autora), isto não colide com a existência de propriedade privada, nomeadamente a revindicada pela Autora, visto que:
    a) - Em relação ao referido cemitério chinês, inexistem elementos oficiais que comprovassem que tal cemitério foi planificado e construído pela entidade oficial e como tal tinha uma área bem definida!
    b) – A cultura chinesa diz-nos que os cemitérios chineses se formavam natural e espontaneamente. Ou seja, quando surgiu o primeiro sepulcro (campa) em determinada zona, começou a aparecer mais com o decorrer do tempo porque buscava-se sítios bons com boa geomancia, situação diferente no que toca ao cemitério católico ou cristão, que normalmente obedeciam a um plano detalhada e previamente definida com uma área bem definida e muitas vezes com muros à volta. Pelo que, é perfeitamente normal que naquela zona existiam sepulcros. Mas isso não afasta que a propriedade de certas parcelas do terreno é privada.
    c) – Mesmo que antiga Câmara Municipal das Ilhas chegou a intervir no assunto de cemitério, bem falava o Recorrente, a Câmara administrava os assuntos do cemitério, não há nenhum documento oficial que comprovasse que tal cemitério fosse oficialmente construído!
    28) – Por último, importa realçar que, mesmo que se entenda que os elementos constantes das plantas cadastrais definitivas podem ser impugnadas ou alteradas mediante provas idóneas, tal como acontece com as escrituras públicas (de compra e venda, por exemplo), doutrina proclamada também pelo venerando TUI, às partes contrárias compete produzir provas bastantes para impugnar o que consta de tais plantas definitivas, mas no caso, tal ónus de prova não foi cumprido pelos Réus, já que os depoimentos das testemunhas, mormente das arroladas pela 1ª Ré, técnicos da DSCC, vieram a comprovar o que consta das plantas definitivas juntas aos autos.
    29) – Nesta óptica, ao nível da apreciação de provas, sem sombra de dúvida, o Tribunal recorrido fê-lo, de modo prudente e cauteloso e tomou uma decisão correcta. O que o Recorrente/2º Réu está a tentar fazer é atacar a convicção do julgador e tentar impor umas respostas que lhe fossem favoráveis.
    Não se divisa, pois, que a apreciação do Tribunal a quo colida com qualquer elemento concreto e específico resultante da imediação do juiz da primeira instância.
    Pelo expendido, não se verificando nenhum erro no julgamento da matéria de facto, o que impõe à manutenção das respostas dadas aos quesitos em causa, julgando-se improcedente o recurso nesta parte interposto pelo Recorrente/2º Réu.
*
    Despois, este Recorrente/2º Réu veio a impugnar ainda a matéria inserida nos quesitos 6º, 8º, 10º, 11º, 11ºC e 20º, que têm o seguinte teor e que receberam as seguintes respostas:

     A ocupação do Terreno com estradas pela 1ª R. e a posse exclusiva das chaves que abrem os portões de acesso ao remanescente do Terreno pelo 2º R., tem impedido a A. de iniciar os procedimentos tendentes ao aproveitamento do Terreno?
     Provado apenas que a ocupação do Terreno com estradas pela 1ª R. e a posse exclusiva das chaves que abrem os portões de acesso ao remanescente do Terreno pelo 2º R., tem impedido a A. de aproveitar o Terreno.
     (…)


     A Autora, em face do comportamento dos RR, não pode alienar o Terreno ou arrendá-lo?
Provado apenas que a Autora, em face do comportamento dos RR, não pode arrendar o terreno e não o pode alienar nas mesmas condições em que o faria se estivesse livre.
     (…)
10º
     O Terreno se estivesse desocupado e sem qualquer construção, poderia ter sido arrendado para diversos fins, tais como estacionamento ou armazenamento ou depósito de materiais?
Provado.
11º
     O valor locativo de mercado do Terreno desde 2005 até à data da propositura da acção cifra-se em HKD$594,000.00 (equivalente a MOP$611,820.00) por mês?
    Provado apenas que em Abril de 2009 o valor locativo de mercado do Terreno era de HKD$594,000.00 (equivalente a MOP$611,820.00) por mês;
  11ºC
     O valor locativo de mercado do Terreno a partir de 27.04.2012 cifra-se em HKD$682,000.00 (equivalente a MOP$702,460.00) por mês?
    Provado.
    (…)
  20º
     A Portaria 5.971 aludida em M) veio incorporar na zona militar da Carreira de Tiro da Ilha da Taipa o Terreno em causa nestes autos?
    Não Provado.

    Relativamente a esta parte da matéria impugnada, o distinto Colectivo já deu a sua resposta constante da fundamentação do acórdão - cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais -, tendo afirmado:
    “(…)
     Demonstrado que está que a 1ª Ré construiu estradas em parte do terreno e que o 2º Réu tem o remanescente do terreno vedado e fechado com portões, à mingua de outra prova uma vez que nada se alega quanto ao que se entende por “procedimentos tendentes ao aproveitamento do terreno”, outra resposta não podia ser dada ao item 6º de acordo com as regras da experiência, que não fosse esta, isto é, de que a A. está impedida de aproveitar o terreno.
     Relativamente ao item 7º não foi feita prova alguma de que “estudos diversos” queria a Autora fazer e se para tal foi impedida por algum dos Réus, assim como também se foi impedida por algum dos Réus de fazer análise do solo, pois não estando todo o terreno vedado nada a impedia de o fazer na parte de acesso ao público, para além de que, não demonstrou que pedindo ao 2º Réu este lhe haja vedado a entrada no terreno.
     A resposta dada ao item 8º resulta igualmente das regras da experiência, estando o terreno ocupado por estradas e por uma zona vedada e fechada com portões pelo 2º Réu não pode ser dado de arrendamento. Pendendo sobre o mesmo esta acção e o pedido reconvencional de acordo com uma actuação normal não é credível a venda. Embora esta seja legalmente possível, não é credível que se consiga vender um terreno cuja titularidade por banda do vendedor está a ser posta em causa e inscrita no registo predial e a vender-se nunca se vende nas mesmas condições em que se realiza a venda de um terreno que está livre e desimpedido.
     Quanto ao item 9º sendo certo que resulta da alínea B) dos factos assentes e da escritura pública cuja certidão foi junta a folhas 37 a 49 que a Autora pagou parte do preço de aquisição do terreno a que se reportam os autos com recurso a facilidades bancárias as quais foram concedidas pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos e sujeito à taxa de juros indicada, não podendo ser efectuado o reembolso antecipado sem o acordo do banco aqui interveniente – cf. clausulas segunda a quarta do contrato em causa a folhas 42/44 – o certo é que o que se pergunta neste item é se a Autora suportou os juros, ou seja, se a Autora pagou os juros. Ora tendo a testemunha H, Gerente Geral do Banco aqui interveniente entre 1983 a 2009, primeira testemunha arrolada pela interveniente, respondido que o empréstimo ainda não foi pago, não se presumindo o pagamento e não se juntando aos autos documento do que é que a Autora pagou e quanto, não pode o tribunal concluir que por serem devidos juros estes hajam sido pagos, pelo que, outra resposta não podia ser dada a este item que não fosse negativa na ausência de prova nesse sentido.
     A resposta dada ao item 10º resulta das regras da experiência tendo em consideração o mercado em Macau e ausência de terrenos vagos e também do depoimento das duas primeiras testemunhas ouvidas, arroladas pela Autora, S e T.
     Itens 11º a 11ºC a convicção do Tribunal resultou dos documentos de folhas 82 a 106, 646 a 675.
     (…)”.
    Não encontramos o erro imputado ao Tribunal recorrido na apreciação desta matéria.
    Relativamente à matéria do quesito 20º, como a 1ª Ré veio a impugná-lo também, relegamos a sua análise e decisão para a sede em que apreciamos o recurso da 1ª Ré, a fim de manter a lógica e coerência das coisas.
    Quanto ao demais, cabe realçar que está em discussão matéria simples, relativamente à qual não devia existir dúvida e suscitar grandes discussões, por ser matéria que reflecte a natureza das coisas na vida. O conteúdo das respostas representa uma realidade que hoje ainda existe.
    Mais uma vez, nesta parte do recurso, o Recorrente/2º Réu não chegou a especificar quais os pontos probatórios concretos dos autos que permitam chegar-se a uma conclusão contrária à dada pelo Tribunal recorrido, para além de ele estar a atacar a convicção do julgador.
    Nestes termos, julga-se também improcedente o recurso nesta parte.

*
Parte B - Matéria de facto impugnada pela 1ª Ré/Recorrente
    Antes de passarmos a ver o mérito da decisão, importa ver ainda uma outra parte da matéria igualmente impugnada pela 1ª Ré.
    É ideia assente que são as conclusões do recurso que delimitam o âmbito cognoscitivo do Tribunal ad quem, e a 1ª Ré na parte final das conclusões formulou os seguintes pedidos:

    “(…)
Nesta conformidade a douta decisão, ao negar parcialmente procedência ao pedido reconvencional da RAEM deverá ser revogada e substituída por outra em que:
Se alterando a resposta aos quesitos 1º a 4º, 20º, 21º, 22º da base instrutória no sentido de se dar como não provados
e que considerando como provado o quesito nº 25º.
A final, se mantenha a absolvição da RAEM, e se julgue como pertencendo ao domínio da RAEM Todo o terreno com a descrição ....
Assim, deverão V. Exas, considerar totalmente procedente o Pedido Reconvencional e consequentemente ordenar o cancelamento de todos os registos prediais operados após 1997, nomeadamente;
- Inscrição n ... a favor de D;
- Inscrição ... a favor de F, casado com N e de E, casado com O;
- Inscrição n. ... a favor da Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I, Limitada;
Inscrição n. ... a favor da ora autora Sociedade de Desenvolvimento Predial A Limitada.
Só assim será feita JUSTIÇA.”

    O artigo 598º (Ónus de alegar e formular conclusões) do CPC dispõe:
    
1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
4. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
5. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.
6. O disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
    É de realçar que não estamos perante uma situação prevista no nº 6 do normativo citado, por não se tratar de um recurso interposto pelo MP por imposição da lei.
    Mesmo assim, vamos analisar os argumentos invocados pela 1ª Ré/Recorrente parte por parte.
*
    Relativamente as respostas dadas aos quesitos 1º a 4º , igualmente impugnadas pela ora Recorrente/1ª Ré, os argumentos acima produzidos por nós valem perfeitamente para aqui, já que a 1ª Ré aderiu basicamente aos mesmos argumentos do 2º Réu/Recorrente. Pelo que, julga-se improcedente esta parte do recurso.
*
    Outros quesitos autonomamente impugnados pela 1ª Ré são os seguintes aos quais foram dadas as seguintes respostas pelo distinto Colectivo do Tribunal de 1ª instância:
20º
A Portaria 5.971 aludida em M) veio incorporar na zona militar da Carreira de Tiro da Ilha da Taipa o Terreno em causa nestes autos?
    Não Provado

21.º
Na sequência das publicações aludidas em N), verificou-se que o Terreno em causa nos autos não constava das respectivas plantas cadastrais?
    Não Provado
     
22.º
Na sequência das publicações aludidas, os eventuais proprietários do Terreno, não apresentaram qualquer pedido de esclarecimento ou reclamação?
    Não Provado
    (…)
     
25.º
E e F não têm qualquer relação de parentesco com D?
    Não Provado
     
    Relativamente aos quesitos 20º a 22º, não se encontra qualquer elemento fidedigno que permita sustentar uma resposta positiva.
    Aliás, o douto acórdão invocou expressamente os seguintes fundamentos:
     “Itens, 20º, 21º e 22º não foi junto documento algum de onde resulte a prova destes factos sendo certo que o facto do terreno ter sido expropriado para a construção da carreira de tiro e dele ter sido dado posse à fazenda Pública para a construção daquela não nos permite concluir que a carreira de tiro haja efectivamente sido construída em cima do mesmo e que tenha sido incorporado na zona militar, uma vez que em documento algum se menciona o prédio descrito sob o nº .... Bem como, não foi junto documento (certidão) que permita concluir não ter sido apresentado a reclamação referida no item 22º.”
    É certo que existem alguns documentos referentes à construção de carreira de tiro, mas estes não são suficientes para se chegar à conclusão de que fosse efectivamente construída a carreira de tiro, já que inexistem outros dados que nos convencem, por exemplo, licença de utilização ou documentos de fiscalização de obras etc. Uma nota lateral: já se defendia doutrinalmente que o bem expropriado não podia ser afecto ao fim diferente daquilo para o qual foi declarada a expropriação, sob pena de ser inválida e ser restituído ao seu dono. O regime actual disciplinador desta matéria consagra expressamente esta regra.
    No caso, o mais importante é que também não foram carreados dados concretos para convencer este Tribunal de recurso de que qual ou quais pontos factuais que foram erradamente julgados pelo Tribunal de primeira instância.
    O que é suficiente para julgar improcedente esta parte do recurso da 1a Ré/Recorrente.
*
    Relativamente à matéria do quesito 25º, concluiu a douta decisão recorrida fls. 1193 verso, em face da resposta dada à respectiva matéria de facto, “Contudo não se demonstrou que aqueles fossem também filhos de D nem que fossem filhos legítimos de C, nem tão pouco que tivessem sobrevivido a D e, ou, que tivessem deixado herdeiros. Ou seja, alega-se a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros com o argumento de que os habilitados não são os herdeiros de D, porém, no que a esta matéria concerne nada se prova, pelo que, se impõe concluir pela improcedência deste argumento.”
    Perante a ausência de provas, não se vislumbra como possível uma declaração de nulidade da escritura de habilitação nos presentes autos, quando o notário que lavrou a respectiva escritura, os seus outorgantes e demais intervenientes, bem como os interessados e beneficiários do registo de propriedade a que a mesma serviu de título não foram, tidos nem achados nos presentes autos, assim como também não o foi, certamente por não existir, qualquer alegado herdeiro dos habilitandos que se considerasse preterido pela referida habilitação.
    Desde logo porque não foi produzida nos autos qualquer prova testemunhal quanto à referida habilitação de herdeiros, nem sequer questionada qualquer testemunha sobre os factos vertidos nos supra referidos quesitos, sendo certo que tal matéria não é passível de ser extraída dos documentos juntos aos autos pelos Recorrentes, que tratando-se de certidões de óbito, de casamento, de baptismo e de nascimento, apenas provam que alguém declarou que as pessoas nelas mencionadas (e não outras), respectivamente, morreram, casaram, foram baptizadas e nasceram.
    E não se alegando e provando que os declarantes tinham conhecimento de tal facto, como é que poderia dar-se como assente terem os declarantes prestado intencionalmente falsas declarações na escritura de habilitação de herdeiros mencionada em F)?
    
    De resto, o Recorrente em momento algum alegou ou provou que a própria D e a família desta tivessem conhecimento da existência destes alegados filhos ilegítimos de C.
    
    Aliás, resulta do teor de um documento elaborado pela 1ª Ré em que confessou que o terreno em causa é da propriedade privada:



















    Pelo que, não se verifica qualquer erro na apreciação de provas, o que determina necessariamente improcedente esta parte do recurso, mantendo-se as respostas fixadas pelo Tribunal recorrido.
    Julga-se deste modo improcedente o recurso nesta parte.

* * *
    Prosseguindo, passemos a ver as decisões de mérito contra as quais foram interpostos recursos.
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua douta decisão nos seguintes termos:
    
Sociedade de Desenvolvimento Predial A Limitada, com sede em Macau…, registada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis sob o nº …,
vem propor acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra,
Região Administrativa Especial de Macau,
e
Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais,
Alega a Autora que em 16.09.2005 a Autora comprou à Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I Limitada o prédio a que se reportam os autos e que identifica pelo preço de HKD$175.000.000,00, valor que foi parcialmente suportado por crédito bancário contraído com o Banco L, S.A. mediante hipoteca do terreno em causa. Aquisição essa que foi registada na Conservatória do Registo Predial.
A Companhia I havia adquirido o terreno em causa por escritura de 04.08.1997 aquisição essa que também havia registado no Registo Predial.
Sem que para o efeito possuísse titulo bastante a RAEM, ora 1ª Ré, por volta do ano de 1994 ocupou parte do terreno em causa com a construção de estradas de acesso à Ponte da Amizade.
Em meado de 1999 o IACM, ora 2º Réu, ocupou parte do terreno nele colocando um depósito de pneus e posteriormente em 2008 ocupou outra parte ali iniciando a construção de um edifício e mais recentemente veio a ocupar outras partes construindo uma caixa de electricidade, barracas e alpendres, estando o terreno murado e vedado e mantendo-se o 2º Réu na posse das chaves das fechaduras que ali instalou, impedindo a Autora de aceder ao Terreno.
Tendo a Autora instado o 2º Réu a desocupar o terreno e a devolvê-lo este não o fez.
Pelo que pretende à Autora que seja reconhecida como proprietária do terreno e o 2º Réu condenado a restituir-lhe o mesmo livre de pessoas e bens.
Mais alega que os Réus actuam de má-fé uma vez que sabem não ter qualquer título que os habilite a ocupar o terreno em causa.
A actuação dos Réus tem impedido a Autora de usar, fruir e dispor do terreno, pelo que, a título de danos emergentes e lucro cessantes vem pedir o valor locativo mensal do terreno.
Alegando que deixou de poder vender o terreno por força da ocupação das Rés vem pedir o valor correspondente aos juros que a aplicação do valor resultante da venda renderia.
Finalmente quanto às partes do terreno ocupadas pela 1ª Ré com a construção de estradas, uma vez que as mesmas passaram a integrar o domínio público já não sendo possível a reivindicação, vem pedir que seja indemnizada pelo valor de mercado actual do terreno ocupado com a construção daquelas acrescido dos juros que indica.
Concluindo pede que:
I. Reconhecendo-se a A. como titular do direito de propriedade sobre o Terreno,
devendo, a final e em consequência,
II. Condenar-se a 1ª R. a restituir à A. as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R. totalmente livre de pessoas e bens e o 2º R. a restituir à A. a Parte do Terreno Ocupada pelo 2º R., totalmente livre de pessoas e bens e, bem assim,
III. Condenar-se os RR., solidariamente, a pagarem à A. uma indemnização relativa ao período desde a data da aquisição do Terreno pela A. até à presente data (15 de Julho de 2009), no valor de MOP$28.143.720,00.
Subsidiariamente,
Caso se entenda que a responsabilidade dos RR. não é solidária,
Condenar-se os RR. no pagamento da indemnização de MOP$28.143.720,00, conjuntamente, na seguinte proporção,
- A 1ª R. deverá ser condenada no pagamento à A. de 17,30% da referida indemnização, equivalente a MOP$4.868.864,00;
- O 2º R. deverá ser condenado no pagamento à A. de 82,7% da referida indemnização, equivalente a MOP$23.274.856,00,
IV. Deverão os RR. ser ainda condenados, solidariamente, no pagamento à A. de uma indemnização, a título de compensação do dano da privação do gozo do Terreno, no montante de MOP$1.388.784,00 por mês (correspondente ao valor mensal dos juros de depósitos sobre o produto da venda do Terreno ao preço de mercado actual), desde a presente data e até à restituição do Terreno à A., totalmente livre de pessoas e bens;
Subsidiariamente,
Se se entender que da aplicação da taxa de juro de depósito bancário sobre o preço de mercado do Terreno resulta um valor inferior ao valor locativo do Terreno,
deverão os RR. ser condenados a pagar à A., solidariamente, até à efectiva e integral restituição do Terreno, uma indemnização tendo por base o valor locativo de mercado do Terreno, a liquidar em execução de sentença, calculada à razão de MOP$611.820,00 por mês.
Subsidiariamente,
Caso se entenda que a responsabilidade dos RR. não é solidária,
Condenar-se os RR. no pagamento de uma indemnização à razão de MOP$611.820,00 por mês, conjuntamente, na seguinte proporção,
- A 1ª R. deverá ser condenada no pagamento à A. de 17,3% da referida indemnização;
- O 2º R. deverá ser condenado no pagamento à A. de 82,7% da referida indemnização.
Subsidiariamente,
V. Para o caso de se entender que as partes do Terreno ocupadas pela 1ª R. passaram a integrar o domínio público, por se considerar que a perca deste estatuto já não é possível em sede de acção de reivindicação, deverá a 1ª R. ser condenada no pagamento à A. de uma indemnização no valor de MOP$288.311.420,00 a título de danos emergentes e no pagamento da quantia de MOP$240.260,00 por mês a título de lucros cessantes, desde a data da citação e até à data da condenação no pagamento da referida indemnização.
VI. Sobre todas as quantias em que os RR. forem condenados a pagar à A., deverão acrescer juros, calculados à taxa legal, desde a data da citação (ou do vencimento, consoante o caso) até efectivo e integral pagamento.

Citados os Réus para querendo contestarem, vieram estes fazê-lo.

Contestando (fls. 219 a 222) vem a 1ª Ré Região Administrativa Especial de Macau invocar que o terreno em causa foi adquirido em 25.10.1913 por C, aquisição essa que foi registada, vindo a integrar o domínio público da RAEM por expropriação em 1918, estando desde então fora do comércio, pelo que, se outra causa não houvesse são nulos todos os negócios jurídicos referentes ao mesmo nos termos do artº 273º C.Civ..
Reconvindo, vem a RAEM invocar a nulidade da sucessão dos herdeiros habilitados à alegada herança da qual faria parte o terreno.
Concluindo pede que:
Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com a absolvição do 1ª Ré do pedido, sendo a Autora condenada ao pagamento das custas e legal procuradoria.
Deve ainda, ser julgado provado e procedente o pedido reconvencional e, em consequência, dever ser declarado:
a) Que a prédio rústico sito na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., a fls. …, do liv. …, com a área de 24.482 m2, foi afecto ao domínio público da RAEM, por força da expropriação operada pela Portaria nº 195, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 38, de 21 de Setembro de 1918;
b) Deve ser declarado que a habilitação dos herdeiros de C, titulada pela escritura de habilitação outorgada em 22.01.1997, a fls. 77 do liv. 307B, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, é em acto nulo por violação das regras estabelecidas nos arts. 1971 e segts. do Código Civil;
c) Deve ser declarado que essa escritura é um título ineficaz e insusceptível de produzir os efeitos jurídicos pretendidos, tais como os de titular os registos de transmissão de propriedade efectuadas em 1997;
d) Deve ser declarado que os registos efectuados em 1997 são nulos e, por esse facto, são igualmente nulos todos os que posteriormente foram feitos;
e) Deve a Autora ser condenada a reconhecê-lo;
Em consequência
f) Devem ser ordenados os cancelamentos dos seguintes registos prediais de transmissão:
(i) Inscrição nº ... (L …, fls. …), a favor de D (ou) D;
(ii) Inscrição nº ... (L …, fls. …), a favor de F, casado com N e de E, casado com O;
(iii) Inscrição nº ... (L …, fls. …), a favor da Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I, Limitada;
(iv) Inscrição nº ...G, a favor da ora Autora, Sociedade de Desenvolvimento Predial A, Limitada; e
(v) Inscrição nº … a favor do Banco L, SA.

Contestando (fls. 142 a 167) veio o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais invocar que tem vindo a ocupar o terreno porque para tal foi autorizado pela RAEM.
Mais invoca que o terreno em causa foi adquirido por C em 1913 a quem veio a ser expropriado em 1918, vindo posteriormente a integrar a zona militar da carreira de tiro da Ilha da Taipa, pelo que, desde 1918 o terreno em causa integra o domínio público do então Território de Macau e actualmente Região Administrativa Especial de Macau.
Em 1997 foi inscrita a aquisição do terreno a favor de D ou D, viúva de C e acto contínuo a favor de F e E por terem sido habilitados como herdeiros daquela.
Invocando serem falsas as declarações com base nas quais foi lavrada a habilitação de herdeiros, invoca a nulidade da respectiva escritura e consequentemente serem ineficazes todos os registos posteriores efectuados.
Alegando que o Registo Predial não é constitutivo, conferindo apenas uma presunção ilidível e que a situação ilegal do terreno era conhecida no meio dos investidores imobiliários e que o terreno em causa integra o domínio público da RAEM, conclui que devem ser cancelados todos os registos prediais ocorridos após 1918.
Mais invoca que o IACM, como antes acontecera com a Câmara das Ilhas, ocupa o terreno de forma legal na convicção de que ele é público de forma pacífica, de boa-fé e à vista de toda a gente, impugnando os valores pedidos a título de indemnização.
Reconvindo vem invocar a nulidade da escritura de habilitação de herdeiros de C e a subsequente nulidade dos registos efectuados em 1997 com as necessárias consequências para os posteriores.
Concluindo pede que:
Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com a absolvição do 2º Réu do pedido, sendo a Autora condenada ao pagamento das custas e legal procuradoria.
Deve ainda, ser julgado provado e procedente o pedido reconvencional e, em consequência, dever ser declarado:
a) Deve ser declarado que a prédio rústico sito na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., a fls. 105, do liv. B-25, com a área de 24.482 m2, foi afecto ao domínio público da RAEM, por força da expropriação operada pela Portaria nº 195, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 38, de 21 de Setembro de 1918;
b) Deve ser declarado que a habilitação dos herdeiros de C, titulada pela escritura de habilitação outorgada em 22.01.1997, a fls. 77 do liv. 307B, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, é em acto nulo por violação das regras estabelecidas nos arts. 1971 e segts. do Código Civil;
c) Deve ser declarado que essa escritura é um título ineficaz e insusceptível de produzir os efeitos jurídicos pretendidos, tais como os de titular os registos de transmissão de propriedade efectuadas em 1997;
d) Deve ser declarado que os registos efectuados em 1997 são nulos e, por esse facto, são igualmente nulos todos os que posteriormente foram feitos;
e) Deve a Autora ser condenada a reconhecê-lo;
Em consequência
f) Devem ser ordenados os cancelamentos dos seguintes registos prediais de transmissão:
(i) Inscrição nº ... (L …, fls. …), a favor de D (ou) D;
(ii) Inscrição nº ... (L …, fls. …), a favor de F, casado com N e de E, casado com O;
(iii) Inscrição nº ... (L …, fls. …), a favor da Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I, Limitada;
(iv) Inscrição nº ...G, a favor da ora Autora, Sociedade de Desenvolvimento Predial A, Limitada; e
(v) Inscrição nº … a favor do Banco L, SA.

Replicando veio a Autora alegar que os conceitos de domínio público e utilidade pública não se confundem e que nos termos do C.Civ. de 1867 o terreno em causa apenas se tornaria coisa pública e por isso irredutível a propriedade particular se como tal fosse qualificado por lei, para além do que, o Estado também pode ser proprietário de propriedade particular.
Ora, nunca o terreno tendo sido qualificado como coisa pública ou comum, nunca o mesmo deixou de ser particular nem esteve fora do comércio jurídico.
Mais alega que competia ao Estado depois da expropriação ter procedido ao Registo da aquisição do terreno em causa, sem o que, a mesma não produz efeitos contra terceiros, sendo certo que o mesmo veio a ser adquirido por terceiros de boa-fé, a I e posteriormente a ora Autora.
No que concerne à habilitação dos herdeiros de D entende a Autora que a 1ª Ré não apresenta provas que permitam concluir ser a escritura em causa nula.
Mas ainda que se concluísse pela nulidade da escritura em causa a mesma seria inoponível à I e à Autora por serem adquirentes de boa-fé.
Concluindo pela improcedência das excepções invocadas pelas Rés vem a Autora igualmente defender-se por impugnação quanto aos pedidos reconvencionais pugnando para que o mesmo seja julgado improcedente por não provado.
A folhas 367/369 vieram os Réus requerer a intervenção principal provocada do Banco L SA porquanto havia sido pedido o cancelamento da inscrição no Registo Predial da hipoteca sobre o terreno em causa, constituída a favor deste.
A Autora veio responder não se opondo à requerida intervenção principal provocada.
Por despacho de folhas 374 foi deferida a intervenção principal provocada do Banco L SA..
Citado o Banco L SA., invocando que a sua actual designação é Banco B (Macau) SA veio este contestar os pedidos reconvencionais invocando a excepção da falta de interesse dos Réus para impugnar o acto de habilitação de herdeiros, defendendo-se por impugnação e concluindo pela improcedência daqueles.
Foi proferido despacho saneador onde foi julgada improcedente a excepção invocada da falta de interesse dos Réus para impugnar a habilitação de herdeiros, concluindo pela legitimidade e interesse das Rés quanto aos pedidos reconvencionais deduzidos.
Foram seleccionados os factos assentes e organizada a Base instrutória.

Sendo esta uma acção de reivindicação, considerando as questões suscitadas pelas partes, pese embora algumas estejam relacionadas também com os pedidos reconvencionais, tais como a qualificação do terreno em causa como pertencendo ao domínio público e a nulidade da escritura de habilitação de herdeiros, as questões a decidir devem ser apreciadas segundo uma ordem de prejudicialidade entre si, a saber:
1. Se o terreno a que se reportam os autos foi expropriado e afecto ao domínio público;
2. Da nulidade da escritura de habilitação de herdeiros;
3. Caso venham a ser julgadas procedentes as duas ou uma das questões anteriores cabe apreciar da validade dos registos prediais indicados nos autos;
4. Se a Autora é a proprietária do terreno em causa nestes autos;
5. Se os Réus têm a posse ou detém aquele e se a Autora tem direito a que a coisa lhe seja restituída;
6. Sendo procedente o pedido da Autora de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição cabe apreciar o pedido de indemnização formulado por esta, nomeadamente se da ocupação resultaram para a Autora os prejuízos invocados e se impende sobre os Réus o dever de indemnizar e em que medida.

Nestes autos apurou-se a seguinte factualidade:
(…)

Cumpre apreciar e decidir.

1. Se o terreno a que se reportam os autos foi expropriado e afecto ao domínio público;

Toda a situação subjacente a estes resulta da circunstância do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... a folhas … do Livro …, omisso na matriz, se ter mantido desde 15.11.1913 (cf. al. g)) até 23.05.1997 (cf. al. e) e f)) inscrito a favor de C por aquisição.
Das alíneas h) a n) resulta demonstrado que o terreno a que se reportam os autos foi expropriado em 1918 para a construção da carreira de tiro.
Resulta também dos autos que a expropriação nunca foi registada.
No que concerne aos negócios subjacentes ao prédio dos autos dúvidas não há de que o mesmo por força da expropriação deixou de integrar o património de C, pese embora o facto de continuar registado em nome do mesmo.
Alegam os Réus que com a expropriação o terreno passou a ser bem do domínio público do Estado e como tal estava fora do comércio.
Vejamos então.
Ao tempo em que a expropriação se realizou, 1918 estava em vigor o Código Civil de 1867 também conhecido por Código de Seabra.
Dispunha o artº 370º do Código de Seabra que «podem ser objecto de apropriação todas as cousas, que não estão fora do comércio».
Os artigos 371º e 372º do mesmo diploma legal consagrava que «as cousas podem estar fora do comércio, por sua natureza, ou por disposição da lei» e «estão fora do comércio, por sua natureza, aquelas que não podem ser possuídas por algum individuo exclusivamente, e por disposição da lei, aquelas que a mesma lei declara irreduzíveis a propriedade particular».
Segundo o artº 379º do indicado diploma «as cousas em relação às pessoas a quem a sua propriedade pertence, ou que delas se podem livremente aproveitar, dizem-se publicas, comuns e particulares» e nos termos do artº 380º «são publicas as cousas naturais ou artificiais, apropriadas ou produzidas pelo Estado e corporações publicas e mantidas debaixo da sua administração, das quais é licito a todos individual ou colectivamente utilizar-se, com as restrições impostas pela lei, ou pelos regulamentos administrativos» enunciando despois este mesmo artigo algumas das coisas que pertencem àquela categoria.
O artigo 381º do Código de Seabra define o que se entende por coisa comum, sendo certo que esta categoria não releva para a decisão da causa sub judice.
O artº 382º do referido Código define o que se entende por coisas particulares fazendo referência expressa de que o Estado é capaz de propriedade particular.
Nada dizendo a Carta Constitucional de 1826 – vigente no seu terceiro período de Janeiro 1842 a 1910 - sobre a propriedade dos bens do Estado, a Constituição Politica Portuguesa de 1933 vem a consagrar os artigos 49º a 52º ao domínio publico e privado do Estado, definindo no artº 50º a quem compete a administração dos bens do domínio privado do Estado no Continente.
Mais adiante, e com vista à elaboração do cadastro e avaliação dos bens dos domínios público e privados do Estado encontramos os Decretos-Lei nº 22728 e 23565 e num passado mais recente o decreto-Lei nº 477/80.
Ou seja, duvidas não há que desde sempre o património do Estado Português (sobre cuja administração ao tempo, Macau se encontrava) é constituído por bens do domínio público e privado.
Dos elementos carreados para os autos não resulta que o prédio a que se reportam os autos se enquadre nalguma das categorias elencadas no artº 380º do Código de Seabra, pelo que, se impõe concluir que o mesmo constitui património privado/particular do Estado, estando assim no comércio jurídico como resulta do já citado artº 370º do Código Civil de 1867.
No mesmo sentido veja-se Ac. da relação de Coimbra de 20.04.1938 na Rev. Just., 23º, 255, citado em Código Civil Português aprovado por Carta de Lei de 1-VII-1867 anotado por João Eloy Pereira Nunes Cardoso, Edição da Procural, 1940:
«É elemento característico das coisas do domínio público ou do Estado o poderem ser utilizadas directa e livremente por todas as pessoas.
Assim as muralhas ou praças militares, por a utilidade que prestam ao público não ser gozada directamente por este, não pertencem à categoria das coisas do domínio público, mas às das que constituem património privativo do Estado.
Por isso são alienáveis, susceptíveis de posse e prescritíveis.
Mas admitindo que fazem parte do domínio público, podem entrar no comércio, como coisas patrimoniais do Estado, uma vez que, caídas em ruínas pela acção destruidora do tempo, se tornem insusceptíveis do uso público a que haviam sido destinadas e o Estado manifeste o intuito de as não conservar adstritas a tal uso, assentindo de antiquíssimos tempos, na prática de actos de apropriação individual e expressamente fazendo, de fracções sucessivas concessões (Ac. R. Coimbra de 20-4-1938, na Rev. Just., 23.º, 255)».
Improcede assim, o argumento de que “todo” o prédio dos autos pertencia ao domínio público do Estado.

Mas se assim é no que respeita à totalidade do prédio, esta situação vem a alterar-se ao longo do tempo.
Por facilidade de compreensão, repete-se o prédio em causa foi expropriado em 1918 mantendo-se registado em nome do anterior proprietário e só em 1997 é que vem a ser registada a aquisição do mesmo por sucessão “mortis causa”.
Porém, algo se alterou ao longo do tempo, pelo que há que subdividir o terreno.
Como resulta da alínea v) e w) dos factos assentes em 1994 o então Território de Macau sob administração Portuguesa, actualmente Região Administrativa Especial de Macau da Republica Popular da China, ocupou parte do terreno em causa com uma área total de 4,235 m2 ali construindo estradas.
Nos termos do nº 2 do artº 202º do Código Civil Português de 1966 aplicável em Macau ao tempo consideravam-se «fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptível de apropriação individual.
Contrariamente ao que sucedia com o Código de Seabra, o Código Civil de 1966 não é tão claro no que concerne ao conceito de coisa fora do comércio.
Sobre esta matéria vejamos o que ensinam Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado e Castro Mendes nas suas lições de Teoria Geral do Direito Civil:
«Tudo o que pode ser objecto de uma relação jurídica é uma coisa seja ela corpórea ou incorpórea, seja mesmo um direito.
Forma uma categoria à parte tudo aquilo que não pode ser objecto de direitos privados, como as coisas do domínio público ou as que, por sua natureza, são insusceptíveis de apropriação individual. As primeiras podem ingressar no comércio jurídico desde que sejam desafectadas do domínio público. Alem dos casos normais de desafectação expressa, pode haver casos de desafectação tácita (abandono, por exemplo, do troço por onde corre uma estrada em virtude da construção de nova via).
A noção dada neste artigo é bastante mais restrita que o conceito correspondente do Código de 1867, para o qual (art. 369º) coisa era tudo aquilo que carecesse de personalidade. Há, na verdade, muitas realidades ou objectos que, embora não tenham personalidade, não podem ser objecto de direitos ou de relações jurídicas, e por isso não devem ser considerados coisas sub specie iuris (vide M. Andrade, Teoria geral da relação jurídica, I, nº 36).» - cit. De Pires de lima e Antunes varela em Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 192/193, Ed. Coimbra Editora, 1982 -.
«134-A COISAS NO COMÉRCIO E COISAS FORA DO COMÉRCIO:
DOMÍNIO PÙBLICO e BENS INAPROPRIAVEIS
I. DIZ o art. 202.º, n.º 2:
“Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que as encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual”.
Este preceito, como se vê, comporta duas partes:
- Uma definição de coisa fora do comércio;
- Uma enumeração.
Vejamos estas duas partes do preceito.

II. E comecemos pela definição;
O proémio do n.º 2 do art. 202.º esclarece: “Consideram-se ... fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados”.
Distinguem-se assim as coisas no comércio, res in commercio e as fora do comércio, extra commercium, pela sua susceptibilidade ou insusceptibilidade de serem objecto de direitos (e relação jurídicas) de natureza privada.
Como coisa é o que é susceptível de ser objecto de realções jurídicas (art. 202.º n.º 1) e coisa no comércio é o que é susceptível de ser objecto de relações jurídicas privadas, do jogo destes conceitos devia resultar que coisa fora do comércio seria a susceptível de ser objecto de relações jurídicas públicas. E efectivamente, as coisas “que se encontram no domínio público” são coisas fora do comércio (art. 202.º, n.º 2), bem como as que não se encontram no domínio público, mas “são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual” (mesmo preceito).
III. Contém-se no n.º 2 do art. 202.º uma enumeração de coisas fora do comércio:
“ ... tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual”.
Deste preceito resulta que são categorias de coisas fora do comércio:
A) Os bens do domínio público;
B) Os bens inapropriáveis.

A) Domínio público
Já algumas vezes temos feito referência ao domínio público.
O Estado pode ter poderes directos e imediatos sobre bens. Desses poderes, uns são de natureza privada, e as coisas respectivas formam o domínio privado ou o património privado do Estado. De outros é titular o Estado enquanto munido de imperium, são poderes de natureza pública, poderes administrativos, e as coisas sobre que incidem formam o domínio público.
O domínio privado está previsto no art. 1304.º.
B) Bens inapropriáveis
Quanto às coisas não públicas fora do comércio por serem “por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual” levantam um certo problema.
Repare-se que são realidades que têm de conjuntamente assumir estas qualidades:
- Poderem ser objecto de relações Jurídica : se não, não são coisas, sem mais. Na parte final do art. 202.º, n.º 2 não está previsto o ar atmosférico ou o mar.
- Não serem bens do domínio público - esses estão previstos na primeira parte da enumeração, e não na segunda, a que nos reportamos.
- Serem, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual.
Não é fácil encontrar exemplos de realidades que se reajustem a todos estes requisitos. Avançamos os seguintes:
- Bens potencialmente dominais, isto é, que actualmente não estão sob o poder do Estado, mas são susceptíveis de estar: assim, a faixa adjacente às águas territoriais portuguesas, sobre a qual Portugal poderia (bem ou mal) alargar a sua soberania, mas que de resto não podia ser ocupada por nenhum particular.
- Coisas que não podem ser objecto de relações privadas, e nesse sentido são individualmente inapropriáveis; ou seja, que, não sendo públicas, no entanto estão sujeitas por lei a um regime de inapropriabilidade individual. É o caso dos baldios (arts. 388.º e segs. do Código Administrativo), que podemos continuar a considerar coisas comuns.
- Coisas que, podendo ser objecto de relações privadas, no entanto são inapropriáveis, “insusceptíveis de apropriação individual”.
Parece-nos que a parte final do art. 202.º, n.º 2 reage sobre o proémio, de forma a dever considerar-se fora do comércio este tipo de coisas.
O pensamento do legislador não é muito claro, nem a redacção feliz.
Será possível, no entanto, a categoria que exprimimos. Não envolverá contradição a cumulação destas duas características: poderem ser objecto de relações privadas, mas não de apropriação individual?
Para esclarecer este ponto, torna-se necessário falar um pouco do sentido de apropriação.
Apropriação significa o facto de tornar próprio certo “quid”, constituindo uma ligação jurídica com - um direito sobre - esse “quid”. Mas o termo exige duas observações complementares:
Em primeiro lugar, só se deve falar em rigor de apropriação quando se verifica, não só a constituição de direito sobre, mas a constituição de um direito em benefício do titular (do conteúdo egoísta, como é o caso da propriedade).
Ora, designadamente sobre o cadáver incidem direitos privados; mas são direitos de conteúdo altruísta ideal, não se destinam à prossecução de quaisquer interesses do seu titular. Por isso, qualificámos o cadáver de res extra commercium fundando-nos na parte final do art. 202.º, n.º 2.
Em segundo lugar, a apropriação pressupõe um devir entre estado de apropriado e estado de inapropriado. Não é termo em rigor aplicável aos direitos originários ou primitivos, são aos adquiridos.
Pelo que os objectos daqueles direitos de personalidade que sejam originários – e é a grande regra - se fossem considerados coisas, o que não nos parece curial, seriam de incluir nesta categoria de coisas extra commercium.
As partes do corpo humano, que dele forem destacadas, podem ser coisas, como quaisquer outras – uma madeixa de cabelos é uma coisa.
II. Os Romanos falavam de res communes omnium, aquelas “que a natureza parece ter destinado ao uso de toda a gente”.
Dizem com efeito as Institutas de JUSTINIANO:
“Et quidem naturali jure communis sunt omnium haec: aer, aqua profluens, et mare et per hoc littora maris”.
Assim são por direito natural comuns a todas estas coisas: o ar, a água corrente, o mar e consequentemente a costa do mar".
Entre estas res communes omnium temos nós hoje de fazer uma distinção:
- Realidades por sua natureza insusceptíveis de serem objecto de direitos públicos ou privados, como o ar, as estrelas, o Sol, etc .... Não são coisas para a técnica do Código Civil.
- Realidades susceptíveis apenas de serem objecto de direitos públicos, mas não de direitos privados ou individuais - coisas fora do comércio, ou sejam já actualmente domínio público (litoral marítimo) ou o sejam apenas potencialmente (águas adjacentes às nossas águas territoriais, que Portugal podia, alargando estas, nelas compreender).
O Código Civil de 1867 fazia outra classificação, dizendo no art. 379.º:
“As coisas, em relação às pessoas, a quem a sua propriedade pertence, ou ,que delas se podem livremente aproveitar, dizem-se públicas, comuns e particulares”.
III. Só nos interessam as coisas no comércio, in commercio, entendendo-se por elas as que podem ser objecto de direitos privados.» - Citação de João castro Mendes em Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 389/392, ed. AAFDL 1978 -.

Ora a parte ocupada pela RAEM são as estradas que conduzem à Ponte da Amizade, estradas essas de acesso ao público, facto que é do conhecimento de todos quantos vivem na RAEM.
E estradas são inquestionavelmente consideradas coisa pública9.
Este entendimento vem a ser corroborado expressamente pelo Código Civil de 1999, na alínea a) do nº 3 do seu artº 193º.
Ou seja, desde 1994 que a área do terreno em causa ocupada com as estradas está fora do comércio por ser bem do domínio público.
Estando esta área fora do comércio a mesma não está sujeita ao regime do Código Civil nem tão pouco pode ser objecto de posse e direito de propriedade – artº 193º, , 273º, 1192º nº 1 al. b) e 1226º, todos do C.Civ. – e consequentemente não está sujeita às normas do Registo Predial.
Finalmente, não está esta parte sujeita ao disposto no artº 284º do C.Civ. uma vez que se trata de coisa fora do comércio, o que aliás faz todo o sentido, uma vez que se aplicasse o disposto neste preceito a coisas públicas resultaria das regras da experiência e do bom senso a impossibilidade de um qualquer sujeito as adquirir de boa-fé, isto é, na convicção de que pertenciam ao transmitente.
Por outro lado da mesma forma que pelo não uso, tal como já se referiu, se entende que há bens do domínio publico que podem passar para o domínio privado e como tal até serem usucapidos, também, nada impede o processo inverso, isto é que bens do domínio provado pela utilização que lhes vem a ser dada integrem o domínio publico.
Destarte, no que concerne a esta parcela do terreno que foi ocupada pela RAEM com a construção de estradas, impõe-se concluir que, pese embora nada resulte dos autos que nos permita concluir que o prédio dos autos quando foi expropriado integrou o domínio publico da RAEM o certo é que, estando assente que o mesmo foi expropriado, face às diversas utilizações que lhe vieram a ser dadas ao longo do tempo, no que concerne a estes 4,235 m2 ocupados com estradas duvidas não há que integram o domínio publico da RAEM e como tal não podem ser objecto de propriedade privada.
Termos em que devem ser julgados procedentes os pedidos reconvencionais no que concerne a ser considerado que foi afecto ao domínio público da RAEM uma parcela de 4,235 m2 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... a fls. … do Livro ….

2. Da nulidade da escritura de habilitação de herdeiros;

A este respeito alegaram as Rés que as pessoas habilitadas como herdeiras de D ou D, viúva de C, não eram herdeiras deste nem daquela.
Como resulta da escritura de habilitação de herdeiros dada por assente nas alíneas e) e f) C faleceu em 1940 e deixou como única herdeira a sua esposa e esta faleceu no estado de viúva daquele em 1959 deixando como herdeiros os dois sobrinhos ali indicados.
Efectivamente também se deu como assente que quando C faleceu deixou dois filhos maiores – cf. al. qq) -.
Contudo não se demonstrou que aqueles fossem também filhos de D nem que fossem filhos legítimos de C, nem tão pouco que tivessem sobrevivido a D e, ou, que tivessem deixado herdeiros.
Ou seja, alega-se a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros com o argumento de que os habilitados não são os herdeiros de D, porém, no que a esta matéria concerne nada se prova, pelo que, se impõe concluir pela improcedência deste argumento.

3. Caso venham a ser julgadas procedentes as duas ou uma das questões anteriores, cabe apreciar da validade dos registos prediais indicados nos autos;

Face ao que se decidiu no que concerne a considerar-se que parte do terreno passou a integrar o domínio público da RAEM há que fazer aqui uma distinção no que concerne à parcela de 4,235 m2 e no que respeita à parcela de 20,263 m2.
Relativamente à parcela de 20,263 m2 tendo sido julgadas improcedentes as duas questões anteriores fica prejudicada a apreciação da validade dos registos prediais.
No que concerne à parcela de 4,235 m2 afecta ao domínio público o que ocorre é que dai não resulta a nulidade ou cancelamento dos registos efectuados, mas tão só, que se impõe em face do agora decidido que se actualize o cadastro relativamente à localização, área e confrontações deste prédio e consequentemente que se harmonize a descrição predial com aquele (o cadastro) nos termos do artº 25º do CRP. Situação esta que não implica o cancelamento de registo algum, mas a actualização da descrição predial.
Pelo que improcedem os pedidos de cancelamento dos registos.

4. Se a Autora é a proprietária do terreno em causa nestes autos;

No que a esta concerne voltamos ao ponto inicial.
Como já se referiu o prédio a que se reportam os autos foi expropriado, contudo essa expropriação nunca foi registada.
Tendo a expropriação ocorrido em 1918, quando C faleceu em 1940 já o prédio não fazia parte do acervo da herança aberta por óbito daquele, contudo continuava a aquisição do mesmo, inscrita em seu nome.
Volvidos mais 57 anos vêm os herdeiros da sua viúva habilitar-se à herança e procederem à inscrição do prédio em seu nome.
Substancialmente o que ocorre nesta situação é uma aquisição a título de sucessão de bem alheio, mas que estava registado em nome do “de cujus”.
Porém, não se demonstrou em momento algum que os herdeiros soubessem que o bem não fazia parte da herança.
Face ao decido em 1, o que ocorre é que quanto à parcela de 4,235 m2 ocupada pela RAEM com estradas, essa parte do prédio pertence ao domínio publico da RAEM e como tal é insusceptível de apropriação, pelo que, no que a esta parte concerne, face ao já decidido e á procedência da reconvenção impõe-se concluir pela improcedência do pedido da Autora.
Analisemos agora o mérito da acção quanto ao restante do prédio, ou seja, quanto à parcela de 20,263 m2.
Quanto a esta parcela volta-se a colocar a questão anterior, isto é, por força da expropriação passou a pertencer à RAEM, mas não foi integrada no domínio público desta.
Embora não fizesse parte do acervo da herança, por estar registada ainda em nome de C vem a ser registada a aquisição por quem se habilitou à sucessão e em momento algum veio o beneficiário da expropriação, a RAEM, reclamar ser a proprietária do bem em causa e reivindica-lo daqueles10.
Posteriormente o bem vem a ser vendido e anos volvidos, a ser vendido outra vez desta feita à aqui Autora.
Igualmente não se demonstra que estes adquirentes soubessem da situação do bem, isto é, que o mesmo havia sido expropriado e pertencia à RAEM – é claro estamos sempre a falar, não da parcela afecta ao domínio público, os tais 4,235 m2, mas apenas da parcela de 20,263 m2 -.
Por outro lado a reconvenção é registada em 23.03.2010 e a aquisição da Autora havia sido registada em 20.09.2005 (cf. fls. 325 e 329).
Destarte, face ao disposto nos nº 1, 2 e 4 do artº 284º do C.Civ. é inócuo estar a apreciar da validade da sucessão no que concerne à titularidade do bem (bem alheio) uma vez que a reconvenção quando é registada, há muito que já havia decorrido o ano indicado no nº 2 do referido preceito legal e ainda que assim não fosse também não se demonstrou que os adquirentes não estivessem de boa-fé.
Pelo que, à míngua de outro vício que houvesse de apreciar impõe-se concluir que a Autora adquiriu o prédio a que se reportam os autos, mas apenas no que concerne à parcela de 20,263 m211.

5. Se os Réus têm a posse ou detém o prédio a que se reportam os autos e se a Autora tem direito a que a coisa lhe seja restituída;

Da prova produzida – cf. alíneas x) e dd) – resulta inequívoco que os 20,263 m2 que o prédio dos autos enquanto coisa tem, estão a ser ocupados pelo IACM desde 1999.
Nos termos do nº 1 do artº 1235º do C.Civ. «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
No caso dos autos concluiu-se que a Autora adquiriu o direito de propriedade do prédio a que se reportam os autos por compra.
Demonstrado está também que o Réu ocupa a parte em causa do prédio a que se reportam os autos e que sendo notificado pela Autora para lho entregar não o fez.
Destarte, impõe-se concluir ser a Autora a titular do direito de propriedade e o Réu o possuidor da coisa.
Não ocorrendo no caso em apreço qualquer fundamento legal para recusar a restituição, face ao disposto no artº 1235º do C.Civ. deve o 2º Réu ser condenado a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa.

6. Sendo procedente o pedido da Autora de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição cabe apreciar o pedido de indemnização formulado por esta, nomeadamente se da ocupação resultaram para a Autora os prejuízos invocados e se impende sobre os Réus o dever de indemnizar e em que medida.

Da indemnização pedida.
Mais uma vez se reitera que nesta parte interessa apenas apreciar o pedido quanto à parcela de 20,263 m2 ocupados pelo IACM.
Ficou demonstrado que a Autora notificou o 2º Réu em Janeiro de 2009 para desocupar e lhe devolver o terreno até 9 de Março de 2009 o que este não fez – cf. al. u) -.
Igualmente se demonstrou que se o terreno estivesse na posse da Autora esta o poderia arrendar pelos valores locativos indicados – cf. alíneas jj) a oo) -.
Nos termos do nº1 do artº 477º do C.Civ. «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil:
- O facto;
- A ilicitude;
- A imputação do facto ao lesante;
- O dano;
- Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto ao facto este tanto pode ser positivo, traduzido num acto ou acção, como também, negativo traduzido numa omissão quando «haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente teria impedido a consumação desse dano»12
«Por isso, facto voluntário significa apenas, no caso presente, facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade. Para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o acto ou omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma acção ou omissão orientada para certo fim (uma conduta finalista). Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas (pessoa que é irresistivelmente impelida por força do vento, por efeito da vaga do mar, por virtude de uma explosão, de uma descarga eléctrica, da deslocação de ar provocada pelo arranque de um avião, ou de outras forças naturais invencíveis).» - Obra citada a pág. 449 -.
A ilicitude pode consistir na violação do direito de outrem (entre as várias formas que aquela pode revestir).
No caso em apreço estamos perante a violação do direito de propriedade da A. aqui traduzida na ocupação da coisa sem para tal ter título que o legitime.
A imputação do facto ao lesante traduz-se na culpa do agente, ou seja da violação ter sido praticada com dolo ou mera culpa.
A culpa pressupõe a imputabilidade do agente, ou seja de que este é capaz de discernir os efeitos da sua actuação ou omissão e que tem liberdade de determinação (capacidade intelectual e emocional e capacidade volitiva)13.
Age com mera culpa aquele que em face das circunstâncias do caso podia e devia ter agido de outro modo, sendo este factor apreciado em função do homem médio.
No caso em apreço tendo o Réu sido notificado para entregar a coisa à Autora, o que este não fez, quando era do seu conhecimento desde 2000 a situação legal do terreno em causa – cf. alínea tt) -, sem que haja invocado qualquer razão para o efeito, duvidas não há que se manteve a ocupar a fracção em causa porque assim o quis, tendo como tal actuado com dolo directo.
O dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem.
Por fim é necessário o nexo de causalidade entre o facto (acção/omissão) e o dano, ou seja, que este resulte daquele.
Ora, no caso em apreço, da factualidade apurada o que resulta é que o Réu ao manter-se na posse do prédio, contra a vontade da Autora impediu-a de o arrendar pelos valores referidos.
Destarte, impõe-se concluir que no caso em apreço o Réu incorre na obrigação de indemnizar a Autora nos termos da responsabilidade por factos ilícitos.
De acordo com o disposto nos artº 556º a 558º aquele que estiver obrigado a indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso.
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível – artº 560º nº 1 do C.Civ. -.
O quanto indemnizatório corresponde no caso em apreço ao valor das rendas que a Autora podia ter auferido até ao presente, o que se computa desde 09.03.2009 até 31.10.2014 em MOP$45.064.560,00, calculado do seguinte modo:
- De 09.03.2009 a 09.05.2010 MOP$8.565.480,00 (14 x 611.820,00);
- De 10.05.2010 a 09.05.2011 MOP$7.527.240,00 (12 x 627.270,00);
- De 10.05.2011 a 09.05.2012 MOP$7.898.040,00 (12 x 658.170,00):
- De 10.05.2012 a 09.11.2014 MOP$21.073.800,00 (30 x 702.460,00).
Mais deve o 2º Réu ser condenado no pagamento de indemnização igual a MOP$702.460,,00 por cada mês ou fracção que se mantiver a ocupar o prédio a que se reportam os autos a contar de 10 de Novembro de 2014 inclusive.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
1. Quanto aos pedidos da Autora:
Julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência:
1.1. Condena-se o 2º Réu a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade do prédio rústico constituído por Terreno, sito na Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. …, do livro …, omisso na matriz, com a área de 20,263 m2 e a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens;
1.2. Condena-se o 2º Réu a pagar à Autora a indemnização de MOP$45.064.560,00 e ainda no montante de MOP$702.460,00 por cada mês ou fracção que se mantenha naquele prédio a contar de 10.11.2014 inclusive, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal a contar da presente data até efectivo e integral pagamento.
1.3. Absolve-se a 1ª Ré de todos os pedidos formulados pela Autora contra si;
2. Quanto aos pedidos reconvencionais:
2.1. Reconhece-se como pertencendo ao domínio público da RAEM a parcela ocupada com estradas com a área de 4,235 m2 do prédio rústico constituído por Terreno, sito na Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. …, do livro …, omisso na matriz;
2.2. Ordena-se que se proceda à correcção do cadastro no que concerne à localização, área e confrontações do prédio em causa de acordo com o decidido na alínea anterior e sua harmonização com o registo predial;
2.3. Mais se absolvem os Réus dos demais pedidos formulados pela Autora.

Custas a cargo da Autora e 2º Réu quanto aos pedidos da Autora na proporção de 1/5 para aquela e 4/5 para este, e custas a cargo da Autora e 2º Réu quanto aos pedidos reconvencionais na proporção de 1/5 para aquela e 4/5 para este.
Registe e Notifique.
Macau, 15.10.2014.
     
    Quid Juris?
    
    Passemos a ver os recursos contra a decisão de mérito.
    Parte I:
    Comecemos pelo recurso interposto pelo 2º Réu, ora Recorrente/IAM, tendo este invocado o seguinte vício:
    Nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil (CPC) na medida em que não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, como sendo a da falsidade das declarações da escritura das habilitações de herdeiros e da validade dos registos.
    Vejamos as questões em discussão parte por parte (por esta parte conter várias questões que importa analisar).

    Imputa o Recorrente/2º Réu à douta decisão recorrida a nulidade prevista na alínea d) do n.o 1 do artigo 571o do CPC, por (alegada) violação do disposto no n.o 2 do artigo 563º do CPC, por entender que o “Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia pronunciar-se já que a decisão recorrida é totalmente omissa quanto ao pedido de cancelamento dos registos feito em sede de pedido reconvencional e quanto ao pedido de ineficácia, relativamente à RAEM, dos negócios jurídicos subsequentes à expropriação do terreno da descrição ... e, designadamente, dos registos lavrados com base na escritura de habilitação de herdeiros.”
    
    Ora, em bom rigor, o Recorrente nunca pediu a nulidade dos registos de aquisição efectuados em 1997, bem como os posteriores, por força da (alegada) expropriação – pelo que não pode vir fazê-lo na presente sede, atento o disposto no artigo 217º do CPC –, mas sim com base na (alegada) nulidade da escritura de habilitação de herdeiros, bastando, para confirmar o que ora se diz, reler os artigos 143º a 151º da sua contestação-reconvenção.
    
    Não obstante o Recorrente/2º Réu veio a admitir no parágrafo 311 das alegações do seu recurso que uma expropriação é um acto sujeito a registo predial, quanto mais não seja enquanto facto extintivo do direito de propriedade inscrito (através do cancelamento do direito de propriedade registado, por meio de averbamento à respectiva inscrição).

    Ora, à luz do actual Código do Registo Predial, a aquisição de um imóvel por expropriação, enquanto facto jurídico que determina a aquisição de um direito de propriedade (alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do Código de Registo Predial), deve ser registada para produzir efeitos contra terceiros (artigo 5° do citado Código).
    Estava em vigor e continua a estar hoje a regra básica do registo predial, segundo a qual os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo resultava já de todas as leis que regularam o registo predial, a saber, da Lei Hipotecária de 1 de Julho de 1863 (segundo António Augusto Ferreira de Mello, pronunciando-se sobre a citada Lei Hipotecária, "Os proprietários não teem obrigação de registar, porque o registro não é directamente obrigatório; não é também facultativo, pois indirectamente obriga, porque o interesse e a conveniencia própria o aconselham, e muitos actos da vida civil não podem sem elle praticar-se, e aliem disso porque a lei só reconhece a propriedade e as suas modificações em relação a terceiros depois da inscripção" (sublinhado nosso) - in "Commentario Critico Explicativo à Lei Hypothecaria portuguesa", Porto, 1864, pago 146), do Código Civil de Seabra (vd. o já citado artigo 951°), do Código de Registo Predial de 1952 (vd. art. 188° do referido Código, aprovado pelo Decreto nº 38804, de 27 de Junho de 1952, publicado no B.O. de Macau nº 29, de 19 de Julho de 1952), do Código de Registo Predial de 1961 (vd. artigo 7° do referido Código, aprovado pelo Decreto-Lei nº 42565, mandado aplicar a Macau pela Portaria n° 18751, publicada no B.O. de Macau n° 44, de 4 de Novembro de 1961) e, bem assim, do código que antecedeu o actual Código do Registo Predial de Macau, o Código de Registo Predial de 1967 (vd. artigo 7° do referido Código, aprovado pelo Decreto-Lei n° 47611, mandado aplicar a Macau pela Portaria n° 23089, publicada no B.O. de Macau n° 52, 4° suplemento, de 30 de Dezembro de 1967).
    Por hipótese, ainda que o terreno tivesse, por lei, integrado o domínio público do Estado, passando a estar fora do comércio, também esse facto, porquanto representaria a extinção de um direito de propriedade, deveria ter sido registado, sob pena da sua inoponibilidade a terceiros (vd. artigos 2°, n° 1, alínea q), c.c. n.º 1 do artigo 5°, ambos do actual Código de Registo Predial, regime que, de resto, já se encontrava disposto em termos idênticos no Código Civil de 1967, na alínea z) do n° 1 do artigo 2°, c.c. n° 1 do artigo 7°).
    Ou seja, a aquisição de um imóvel através de expropriação por utilidade pública pelo estado ou por um ente público consubstancia um acto sujeito a registo, vidé, por exemplo, os Pareceres do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de Portugal, datados de 02.02.1994, proferido no âmbito do Processo n° 73/93 R.P.4, e de 30.06.2000, proferido no âmbito dos Processos nºs 58/2000 e 94/2000, ambos in http://www.irn.mj.pt.
    Também a doutrina se tem pronunciado no sentido de que o Estado pode afectar a fins públicos coisas do seu domínio particular, esclarecendo que, ainda que afecte um terreno privado que adquiriu por expropriação para um fim público, ou mesmo que o integre no seu domínio público, o acto de aquisição por expropriação, para ser oponível a terceiros, tem de ser registado.
    Neste sentido se pronunciou Alberto Catarina Nunes (então Conservador do Registo Predial): "O Registo Predial é um instituto de direito privado e para o direito privado. Supõe as actividades económico-jurídicas particulares. Estão, pois, excluídas do seu âmbito as coisas fora do comércio (...). Quando e como públicas, as coisas não entram no registo. (...) Estando as coisas públicas fora do comércio, não são susceptíveis de ser objecto de actos jurídicos, de usucapião, etc. (...) O Estado pode ter (e tem) os seus bens, como qualquer particular, o seu património. Como tal, age dentro do direito privado, salvo uma ou outra regra especial ou naquilo que seja contrário à própria natureza do domínio. (...) Tais bens estão sujeitos ao registo, no mesmos termos em que o estão os bens dos particulares. Porque não estão fora do comércio. (...) Dois aspectos há a considerar. As coisas públicas podem ser desafectadas do seu destino ou fim. (...) Como tal, o acto (...) é um dos que se acham inscritos na fórmula genérica da alínea a) do nº 1 do artigo 2° do CRP Daí provocar um registo. O segundo aspecto a ter em conta é da expropriação. O direito de propriedade, inviolável e sagrado para os romanos e para os homens de 89, que naquele largamente se inspiraram, e que hoje sofre tremendas limitações, em razão do seu fim social, inclui o poder de alienação voluntária (...). Como consequência necessária, ninguém pode ser privado da sua propriedade, no todo ou em parte, senão nos casos fixados na lei (...). Fora do campo do direito penal, esses casos são uma expropriação por utilidade particular ou uma expropriação por utilidade pública (...). O Estado pode afectar, livremente (…), a um fim público as coisas do seu próprio domínio particular, do seu património. Não pode, como é lógico, fazer o mesmo quanto aos bens dos particulares que, para ele, são alheios. Quando haja necessidade de afectar a um fim público bens que não são do Estado este (sob fiscalização jurisdicional quanto ao cumprimento das leis de expropriação, visto que vivemos em um estado de direito (...)), tem de começar por retirar ao cidadão o seu direito, mediante uma indemnização. O acto de expropriação está sujeito a registo? Respondemos, já, no sentido afirmativo, sem curar do interesse prático que o registo possa ter. A tal afirmação sempre se poderia contrapor o que se disse acima sobre o carácter dos bens de domínio público. Se estes não estão sujeitos ao registo, o acto de expropriação traduzir-se-ia em levar a ele coisas públicas, que ao registo não estão sujeitas, nem dele mesmo necessitam. No momento do registo os bens já seriam públicos. Há que fazer uma distinção conceitual. O estado não pode afectar a fins mesmo públicos bens que não sejam seus. Já se disse isso acima; (...) Pode retirar aos particulares o seu direito de propriedade sobre certas coisas e determinadas, contra uma indemnização (...), em vista da prossecução do interesse público. Com isto, o estado adquire o direito do particular, sucede-lhe (...). Quando alguém adquire um direito de propriedade de outrem, não adquire um direito novo, verifica-se, tão-somente, uma transmissão da titularidade respectiva. Quando alguém vende ou doa uma coisa, por exemplo, o direito de propriedade não se extingue, visto ser, por natureza, perpétuo; vive e continua a existir. Sendo assim, o Estado adquiriu, mediante expropriação, o mesmo direito que tinha o expropriado: - um direito de propriedade privada regulada pelo código civil. Nemo transferre potest quod non habet. E também ninguém pode adquirir de outrem coisa ou direito que ele não tem (sem interessar o problema da alienação ou transmissão de coisa alheia); ou coisa diferente. O expropriado não pode, pois, transferir para o estado uma coisa pública. O que transfere é o seu domínio privado; é esse mesmo domínio privado que o Estado adquire, através da expropriação ou qualquer outra causa (no sentido de facto jurídico). Adquirido um domínio ou propriedade privados, o Estado integra-o no seu próprio domínio privado. A afectação a finalidades públicas é uma simples consequência da aquisição e da norma que a estabelece. E nada importa a temporalidade dos actos. Mesmo quando a afectação é prévia, há sempre que distinguir três actos: - a aquisição, a integração no domínio privado e a afectação. É o primeiro aquele que é levado a registo." (sublinhado nosso) - in "Código do Registo Predial Anotado, Biblioteca Jurídica Atlântida, Coimbra, 1968, pág. 12 a 15.
    Em face de tudo o exposto, é indiscutível que o terreno não integrou o domínio público do Território, e, ainda que tivesse integrado, competia à 1ª Ré ter registado a expropriação do terreno, pelo que, não o fazendo, a sua (hipotética) aquisição do terreno pelo então Território de Macau, por expropriação, nunca seria oponível a terceiros de boa fé, como é o caso da transmitente (a "Companhia de Construção e Fomento Imobiliário I, Limitada"), e, muito menos, à subsequente transmissória do terreno, a aqui Autora.

*
    Isto por um lado, por outro,
    No que respeita à nulidade invocada – claramente improcedente em face do teor da douta decisão recorrida e do disposto na segunda parte do n.o 2 do artigo 563º do CPC –, importa referir que a douta decisão recorrida indica de forma muito clara, a fls. 1981, que “as questões a decidir devem ser apreciadas segundo uma ordem de prejudicialidade entre si, a saber: 1. Se o terreno a que se reportam os autos foi expropriado e afecto ao domínio público;
    2. Da nulidade da escritura de habilitação de herdeiros;
    3. Caso venham a ser julgadas procedentes as duas ou uma das questões anteriores cabe apreciar da validade dos registos prediais indicados nos autos; 4. (…)”.
    
    Ora, no que respeita à primeira questão supra indicada, a decisão recorrida, decidiu, de forma muito clara, que o terreno foi expropriado, concluiu a fls. 1988, que, não obstante, atento o disposto no artigo 380o do Código de Seabra “o mesmo constitui património privado/particular do estado, estando assim no comércio jurídico como resulta do já citado arto 370o do Código Civil de 1867”, decidiu a fls. 1988 verso que “Improcede assim o argumento de que “todo” o prédio dos autos pertencia ao domínio público do Estado” e decidiu que da totalidade do terreno, apenas a Parcela de 4.235 m2, ocupada pela 1ª R., passou a integrar o domínio público da RAEM em 1994, em face da utilização que lhe foi dada pela RAEM, i.e. ocupação com estradas. Decisão esta que é correcta ou não em face das normas aplicáveis já é uma outra questão, MAS ESTA foi tomada nos termos muito claros e perceptíveis.
    Aliás, relativamente a esta matéria, teremos oportunidade de a ver melhor mais adiante.
    Mas realce-se aqui a distinção entre a expropriação e a integração do bem expropriado no domínio público ou privado nos termos legais, são duas realidades diferentes.
    
    Relativamente à questão da sucessão e da escritura pública de habilitação sucessória, decidiu-se de forma igualmente clara que, em face da factualidade efectivamente provada (cfr., tão-só, alínea. gg)), “no que a esta matéria concerne nada se prova, pelo que se impõe concluir pela improcedência deste argumento.” (cfr. fls. 1993 verso).
    
    A questão suscitada prende-se com a sucessão feita por escritura notarial lavrado em Lisboa em 22/01/1997, o 1º Recorrente defende que tal documento continha declarações falsas, mas não conseguiu carrear elementos probatórios bastantes para sustentar esta versão factual.
    Globalmente ponderados os elementos constantes dos autos, entendemos que o Recorrente nesta parte do recurso não tem razão, visto que:
    1) - Estão assentes os seguintes factos pertinentes:
    
f) - Pela apresentação nº 74 de 23.05.1997, D ou D, viúva, adquiriu por sucessão hereditária o referido Terreno, tendo o registo sido efectuado com base na escritura de Habilitação outorgada em 22.01.1997, a fls. 77 do Liv. 307B do 4º Cartório Notarial de Lisboa, documento junto a fls. 188 a 192 dos autos e que aqui se dá integralmente por reproduzido;
g) A mesma escritura de Habilitação serviu para o registo, feito através da Apresentação 75 de 23.05.1997, a favor de F, casado no regime da comunhão geral com N e de E, casado no regime da comunhão geral com O;
qq) C quando faleceu deixou dois filhos maiores;

    2) - De facto, da certidão de óbito de C apenas consta que aquele deixou dois filhos maiores, no entanto, nada se esclarece sobre a respectiva identidade.
    3) - Por outro lado, dos autos não resulta provado que o C mencionado nas certidões de baptismo e nas certidões de óbito de X, X e X, seja o mesmo C referido na escritura de habilitação de herdeiros.
    4) - E ainda que o C seja o mesmo C referido na escritura de habilitação de herdeiros, não foi produzida prova concludente que permitisse concluir que os filhos que lhe sobreviveram eram filhos legítimos (ou ilegítimos mas perfilhados) deste último.
    5) - Na verdade, os filhos daquele poderiam ser ilegítimos e não ser, à luz da lei vigente à data, perfilháveis.
    6) - Por outro lado, também não resulta da prova documental junta aos autos que os herdeiros habilitados por via da escritura de habilitação de herdeiros, E e F, não tivessem uma relação de parentesco com D, por não ser possível saber, através dos documentos juntos aos autos, se esta teve mais irmãs ou irmãos do que os mencionados pelo Recorrente IACM (sendo certo que certidões de baptismo não produzem prova idónea para o efeito).
    7) - Não tendo sido produzida mais prova do que a resultante dos documentos juntos a fls. 48 e seg, bem andou o Tribunal a quo ao dar como não assente que E e F não têm qualquer relação de parentesco com D.
    8) - Pelo exposto, entende-se que a prova documental produzida não permite provar a falsidade das declarações constantes das escrituras de habilitação de herdeiros, que permitiram registar a aquisição do prédio da descrição ... em nome de E e F.
    Isto por um lado,
    Por outro,
    9) - Tendo em conta que, depois de estabelecimento da RAEM, Macau e Portugal são duas jurisdições distintas, pergunta-se, HOJE EM DIA, o ordenamento jurídico de Macau tem o poder para declarar falso um documento lavrado por um notário público estrangeiro (português) em conformidade com a legislação aí vigente? Sendo certo que, nesta matéria, pode invocar-se o artigo 365º do CCM, mas isso depende da convicção do julgador, porque não foi levantado o incidente de falsidade e como tal há-de ser aceite como verdadeiro e genuíno. Aqui pode surgir problemas complexos, pense-se na hipótese de que tal documento fosse declarado falso, mas só no ordenamento jurídico de Macau, já não noutros sistemas, nomeadamente o de Portugal e eventualmente de outras jurisdições, a escritura continuaria a valer como tal e produziria os seus plenos efeitos jurídicos. Que confusões que pode existir!
    10) - Não é por acaso que o artigo 365º (Documentos passados fora do território de Macau) do CCM (que corresponde basicamente ao artigo 358º do CC de 1966) dispõe (com alterações da redacção) manda:
1. Os documentos autênticos ou particulares passados fora do território de Macau, na conformidade da lei do local onde foram passados, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Macau.
2. Contudo, e salvo disposição em contrário, quando o tribunal tenha fundadas dúvidas acerca da autenticidade do documento ou da autenticidade do seu reconhecimento, a força probatória do documento é apreciada livremente pelo tribunal.
    Depois, o artigo 366º (Falsidade) (que corresponde ao artigo 372º do CC de 1966) estipula:
1. A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.
2. O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade pública, oficial público ou notário qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.
3. Se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente, declará-lo falso.
    11) - Tratando-se de uma escritura pública, que é um documento autêntico nos termos do disposto nos artigos 365º do CCM (e 35º nº 2 do Código Notariado) a mesma faz prova plena não só dos factos praticados pelo respectivo oficial público (o notário) como dos factos atestados com base nas suas percepções (cfr Vaz Serra, RLJ 111-302) «(…) os documentos em que o documentador (v.g., o notário) atesta determinados factos, só provam o que neles é atestado com base naquilo de que o documentador se certificou com os seus sentidos.(…)».
    Tudo o que ultrapasse essa percepção não está a coberto da prova plena, limitada que está à materialidade dos factos e das declarações, que não à sua sinceridade ou veracidade14.
    12) - Daí o facto comprovado pela escritura de habilitações de herdeiros poder ser impugnável, como alternativa, podendo constituir a acção conducente a tal objectivo uma acção de simples apreciação negativa, nos termos do nº2, alínea a) do artigo 11º do CPC, o que faz impender sobre o 2º Réu o ónus dos factos constitutivos do direito que se arrogam, de harmonia com o normativo inserto no artigo 343º/1 do CCM.15 Mas isso não aconteceu.
    13) – In casu, o 2º Réu, supostamente que desconhecia os herdeiros, nem com eles tinha qualquer relação, como pode afirmar tão peremptoriamente que os herdeiros não são descendentes do falecido! O Recorrente não passa de invocar alegações vagas e deduções abstractas para tentar convencer que as declarações constantes da respectiva escritura pública não correspondessem à verdade. Pergunta-se, será que o sistema notarial de Portugal é tão falível? Os notários lavraram documentos autênticos sem observar as regras jurídicas aplicáveis?
    14) – Ora, no caso, o que está em causa são relações de parentesco dos interessados, o que deve ser comprovado por certificados de nascimento ou resultado de teste DNA, e não por meras deduções ou ilações, acresce ainda que não se encontram quaisquer sinais exteriores que evidenciam a eventual falsidade ou dúvida fundada sobre a autenticidade do documento em questão ou a veracidade do conteúdo neste consignado (realce-se, a dúvida tem de ser fundada, e não qualquer dúvida superficial), o que é suficiente para julgar infundados os argumentos do recurso nesta parte.
    
    15) - Pelo que, uma vez que o 2º Réu/Recorrente não logrou provar, como lhes competia nos termos do artigo 335º do CCM (ónus de provas), que as declarações constantes da escritura pública não correspondessem à verdade, obviamente falecem os argumentos tecidos pelo Recorrente nesta parte, julgando-se, deste modo, improcedente o recurso nesta parte.
*
    Estes argumentos servem também para julgar improcedente a impugnação feita pela 1ª Ré, na medida em que esta invocou argumentos mais ou menos semelhantes.
*
    Relativamente a uma oura questão, no sentido que a decisão relativa àquelas duas primeiras impunha, o Tribunal recorrido afirmou: “relativamente à parcela de 20.263m2 tendo sido julgadas improcedentes as duas questões anteriores fica prejudicada a apreciação da validade dos registos prediais. No que concerne à parcela de 4.235 m2 afecta ao domínio público o que ocorre é que daí não resulta a nulidade ou o cancelamento dos registos efectuados, mas tão só, que se impõe em face do agora decidido que se actualize o cadastro relativamente à localização, área e confrontações deste prédio e consequentemente se harmonize a descrição predial com aquele (o cadastro) nos termos do artigo 25º do CRP. Situação esta que não implica o cancelamento de registo algum, mas a actualização da descrição predial. Pelo que improcedem os pedidos de cancelamento dos registos” (cfr. fls. 1994).
    Ora, basta a leitura das partes da douta decisão recorrida ora transcritas, é fácil concluir-se que a mesma resolveu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, sendo certo que à luz da 2ª parte do disposto no no 2 do artigo 563o do CPC, não tinha de resolver aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada às anteriores.
    
    Escreveu-se Viriato Lima (cfr. Manual de Direito Processual Civil, 2ª edição, 2010, página 514) “A obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão.”.
    Pelo que, julga-se improcedente também esta parte do recurso, por não se verificarem quaisquer vícios alegados.
*
    Prosseguindo, passemos a analisar os outros dois vícios invocados pelo mesmo Recorrente/2º Réu.
    Parte II:
    
    O Recorrente imputa à sentença os vícios da violação das alíneas b) e e) do artigo 571º do CPC, ou seja, invocou os seguintes argumentos:
    - Nulidade prevista na alínea b) do mesmo artigo 571º do CPC, porquanto condenou o Recorrente ao pagamento de uma indemnização, acrescida de juros legais, com efeitos imediatos, sem qualquer fundamentação de facto e de direito que justificasse tal decisão;
    - Nulidade enunciada na alínea e) do nº 1 do artigo 571º do mesmo CPC, porquanto condenou os RR em objecto diverso do pedido ao proceder oficiosamente à subdivisão em duas parcelas do terreno reivindicado e ao ordenar a rectificação do registo quando lhe tinha sido pedido a restituição do terreno e o cancelamento dos registos.
    
    Ora, o artigo 571º do CPC (causas de nulidade da sentença) dispõe:
1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2. A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, declarando o juiz no processo a data em que apôs a assinatura; a nulidade pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença.
3. As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

    Antes de mais, importa recapitular, neste domínio, os factos considerados pelo Tribunal recorrido:

     a) Por escritura pública lavrada em 16 de Setembro de 2005, a fls. … do Livro … da Notária Privada J a A. (então denominada “Sociedade de Fomento Predial K Limitada”) comprou à Companhia de Construção e fomento Imobiliário I, Limitada, o prédio rústico constituído por Terreno, sito na Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. …, do livro …, omisso na matriz, conforme certidão predial junta a fls. 50 a 60 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
     b) O preço da aquisição do Terreno, no valor de HKD$175,000,000.00, foi parcialmente suportado por facilidades bancárias no montante de MOP$154,500,000.00 concedidas à A. pelo Banco L, SA, ora interveniente principal, contra a hipoteca do Terreno, facilidades bancárias e hipoteca que foram contratadas na mesma escritura que titulou a aquisição do Terreno, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 37 a 49 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     c) A aquisição do Terreno pela A. encontra-se registada a título definitivo a favor desta na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ... do Livro…, registo esse que foi efectuado com base na Ap. nº 135 de 20/09/2005;
     d) A Companhia I adquiriu o Terreno por escritura outorgada a 4 de Agosto de 1997, a fls. … do Livro … do Notário Privado M, aquisição essa que, mediante a Ap. nº 137 de 04/08/1997, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. … do Livro …;
     e) (…)
     f) (…)
     g) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 25 de Outubro de 1913 no Notário Privado P, C adquiriu o Terreno, tendo-o registado na Conservatória do Registo Predial através da apresentação nº 2, de 15.11.1913;
     h) No Boletim Oficial de Macau nº 11, de 16 de Março de 1918, a Administração do Concelho da Taipa e Coloane, publicou um edital, com o teor constante do documento de fls. 258 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     i) No Boletim Oficial de Macau nº 38 de 21.09.1918, o Governo da Província de Macau publicou a Portaria nº 195, com o teor constante do documento junto a fls. 259 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     j) No Boletim Oficial nº 40, de 5 de Outubro de 1918, o Governo da Província de Macau publicou a Portaria nº 210, com o teor constante do documento junto a fls. 260 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
     k) Em 10 e 17 de Janeiro de 1920 (Boletim Oficial de Macau nº 2 e 3, respectivamente) foram publicados Éditos, por ordem do Juízo de Direito da Comarca de Macau, citando quaisquer interessados que se julgassem com o direito a “um terreno com a área de 24.482m2, sito na ilha da Taipa, para dentro do prazo dos éditos virem deduzir os seus direitos sob pena de findo aquele prazo o mesmo terreno ser adjudicado livre e desembaraçado à Fazenda Nacional expropriante e a respectiva indemnização paga ao expropriado C dono do referido terreno”;
     l) A Portaria 5.971 foi publicada no Boletim Oficial nº 7, de 16 de Fevereiro de 1957 com o teor constante do documento junto a fls. 173 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido
     m) O Terreno foi afecto ao domínio da RAEM por força da conclusão do processo expropriativo aludido em h) a l);16
     n) Sendo que na sequência dos editais aludidos em k), nenhum interessado se apresentou a deduzir quaisquer direitos sobre o Terreno;17
     o) Por anúncios publicados em 28 Novembro e 5 de Dezembro de 1997, em jornais de língua portuguesa e de língua chinesa, foram publicitadas as plantas cadastrais respeitantes a todos os prédios sitos na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa) e expostas publicamente em vários locais;
*
     p) Aquelas plantas foram posteriormente convertidas em definitivas, por despacho de 27.03.98 do então Secretário-adjunto para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim Oficial nº 14, I Série, de 06.04.98;
     q) No dia 24 de Outubro de 2008, na sequência de iniciativa da A., esta reuniu com o Presidente do 2.º Réu IACM, o Sr. Q e com outros representantes deste Instituto;
     r) A A. enviou ao 2º Réu, no dia 3 de Dezembro de 2008, uma carta solicitando, por um lado, a imediata cessação dos trabalhos de construção em curso no Terreno, e, por outro, fixando a data de 31 de Dezembro de 2008 como limite para a apresentação à A. de uma proposta para a resolução da situação;
     s) A esta carta respondeu o 2º R. através do Ofício nº 22522/089/PCA/2008 junto a fls. 74 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
     t) A este ofício do 2º Réu respondeu a A., através de carta datada de 19 de Dezembro de 2008, junto a fls. 76 a 77 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
     u) A A., por carta datada de 7 de Janeiro de 2009, notificou o 2º R. de que dispunha até ao dia 9 de Março de 2009 para demolir as construções efectuadas no Terreno, desocupar o mesmo e devolvê-lo à Autora, em conformidade com o documento junto a fls. 79 a 80 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais;
*
     v) No ano de 1994, a R. Região Administrativa Especial de Macau ocupou duas partes do Terreno com uma área total de 4,235m2;
     w) Nessa área ocupada pela 1ª R., esta construiu estradas de acesso à Ponte da Amizade, ocupação que ainda hoje se mantém;
     x) Em meados de 1999, o 2º Réu ocupou outra parte do Terreno, nele instalando um depósito de pneus;
     y) Durante o verão de 2008, o 2º Réu ocupou outra parte do Terreno, iniciando a construção de um edifício;
     z) Mais recentemente, em datas não apuradas, o 2º R. ocupou outras partes do Terreno, instalando uma caixa de electricidade e construindo barracas e alpendres, alguns de apoio à construção do aludido edifício;
     aa) O 2º Réu actualmente ocupa uma área total de 20,263 m2;
     bb) O Terreno encontra-se murado e vedado, salvo as partes ocupadas pela 1.ª Ré;
     cc) O 2º Réu mantém na sua posse exclusiva, desde data anterior ao facto aludido em a), as chaves das fechaduras que instalou nos únicos dois portões que dão acesso ao Terreno;
     dd) O 2º Réu impede dessa forma, e desde essa data o acesso total da A. a qualquer parte do Terreno, excluindo as partes ocupadas pela 1ª Ré;
     ee) O aludido terreno tem actualmente a área de 24,498m2;
     ff) E confronta a Nordeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia e Avenida Padre Tomás Pereira;
     gg) O terreno referido em ee) confronta a Sudeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia, Estrada Almirante Magalhães Correia;
     hh) E confronta a Sudoeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia e a Noroeste com terreno omisso na CRP, junto à Estrada Almirante Magalhães Correia e Avenida Padre Tomás Pereira;
    (…)”
    
    
    Perante este quadro factual, o Tribunal recorrido proferiu a respectiva decisão nos seguintes termos:
“(…)

7. Se a Autora é a proprietária do terreno em causa nestes autos;

No que a esta concerne voltamos ao ponto inicial.
Como já se referiu o prédio a que se reportam os autos foi expropriado, contudo essa expropriação nunca foi registada.
Tendo a expropriação ocorrido em 1918, quando C faleceu em 1940 já o prédio não fazia parte do acervo da herança aberta por óbito daquele, contudo continuava a aquisição do mesmo, inscrita em seu nome.
Volvidos mais 57 anos vêm os herdeiros da sua viúva habilitar-se à herança e procederem à inscrição do prédio em seu nome.
Substancialmente o que ocorre nesta situação é uma aquisição a título de sucessão de bem alheio, mas que estava registado em nome do “de cujus”.
Porém, não se demonstrou em momento algum que os herdeiros soubessem que o bem não fazia parte da herança.
Face ao decido em 1, o que ocorre é que quanto à parcela de 4,235 m2 ocupada pela RAEM com estradas, essa parte do prédio pertence ao domínio publico da RAEM e como tal é insusceptível de apropriação, pelo que, no que a esta parte concerne, face ao já decidido e á procedência da reconvenção impõe-se concluir pela improcedência do pedido da Autora.
Analisemos agora o mérito da acção quanto ao restante do prédio, ou seja, quanto à parcela de 20,263 m2.
Quanto a esta parcela volta-se a colocar a questão anterior, isto é, por força da expropriação passou a pertencer à RAEM, mas não foi integrada no domínio público desta.
Embora não fizesse parte do acervo da herança, por estar registada ainda em nome de C vem a ser registada a aquisição por quem se habilitou à sucessão e em momento algum veio o beneficiário da expropriação, a RAEM, reclamar ser a proprietária do bem em causa e reivindica-lo daqueles18.
Posteriormente o bem vem a ser vendido e anos volvidos, a ser vendido outra vez desta feita à aqui Autora.
Igualmente não se demonstra que estes adquirentes soubessem da situação do bem, isto é, que o mesmo havia sido expropriado e pertencia à RAEM – é claro estamos sempre a falar, não da parcela afecta ao domínio público, os tais 4,235 m2, mas apenas da parcela de 20,263 m2 -.
Por outro lado a reconvenção é registada em 23.03.2010 e a aquisição da Autora havia sido registada em 20.09.2005 (cf. fls. 325 e 329).
Destarte, face ao disposto nos nº 1, 2 e 4 do artº 284º do C.Civ. é inócuo estar a apreciar da validade da sucessão no que concerne à titularidade do bem (bem alheio) uma vez que a reconvenção quando é registada, há muito que já havia decorrido o ano indicado no nº 2 do referido preceito legal e ainda que assim não fosse também não se demonstrou que os adquirentes não estivessem de boa-fé.
Pelo que, à míngua de outro vício que houvesse de apreciar impõe-se concluir que a Autora adquiriu o prédio a que se reportam os autos, mas apenas no que concerne à parcela de 20,263 m219.


8. Se os Réus têm a posse ou detém o prédio a que se reportam os autos e se a Autora tem direito a que a coisa lhe seja restituída;

Da prova produzida – cf. alíneas x) e dd) – resulta inequívoco que os 20,263 m2 que o prédio dos autos enquanto coisa tem, estão a ser ocupados pelo IACM desde 1999.
Nos termos do nº 1 do artº 1235º do C.Civ. «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
No caso dos autos concluiu-se que a Autora adquiriu o direito de propriedade do prédio a que se reportam os autos por compra.
Demonstrado está também que o Réu ocupa a parte em causa do prédio a que se reportam os autos e que sendo notificado pela Autora para lho entregar não o fez.
Destarte, impõe-se concluir ser a Autora a titular do direito de propriedade e o Réu o possuidor da coisa.
Não ocorrendo no caso em apreço qualquer fundamento legal para recusar a restituição, face ao disposto no artº 1235º do C.Civ. deve o 2º Réu ser condenado a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade e a restituir-lhe a coisa.

9. Sendo procedente o pedido da Autora de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição cabe apreciar o pedido de indemnização formulado por esta, nomeadamente se da ocupação resultaram para a Autora os prejuízos invocados e se impende sobre os Réus o dever de indemnizar e em que medida.
(…)”.

    Aqui, é momento adequado para analisar se o troço da sentença acima transcrito padece ou não do vício alegado pelo Recorrente/2º Réu.
*
    Comecemos pelo vício previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 571º do CPC.
A – Alegada nulidade prevista na alínea e), do n.o 1, do artigo 571o do CPC; e
O Recurso interposto pela Autora.
    
    Alega o Recorrente que a decisão recorrida, ao ter decidido nos termos constantes dos parágrafos 1.1, 2.1 e 2.2 da sua parte decisória, condenou em objecto diverso do pedido, violando, no seu entender, o disposto no n.o 1 do artigo 564o do CPC, e que, por isso, está ferida da nulidade prevista na alínea e) do n.o 1 do artigo 571o do CPC.
    
    É, por demais, evidente que o Recorrente não tem qualquer razão, porquanto a douta decisão recorrida não condenou nenhuma das partes em objecto diverso do pedido, tendo-se limitado:
    (i) a decidir pela procedência parcial dos pedidos formulados pela A. a final da sua petição inicial sob os pontos I e II – a saber “I. Reconhecendo-se a A. como titular do direito de propriedade sobre o Terreno, devendo a final e em consequência, II. Condenar-se a 1ª R. a restituir à A. as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R (que, conforme dado como provado na alínea v) da decisão recorrida, tem a área de 4,235 m2) totalmente livre de pessoas e bens e o 2º R. a restituir à A. a Parte do Terreno Ocupada pelo 2º R., (que, conforme dado como provado na alínea aa) da decisão recorrida, tem a área de 20,263 m2) totalmente livre de pessoas e bens.” –, no sentido de ser a acção de reivindicação procedente apenas quanto à Parte do Terreno Ocupada pelo 2º R., com a área de 20,263 m2, e
    (ii) a decidir pela procedência parcial dos pedidos reconvencionais formulados pelos RR. a final das suas contestações-reconvenções sob a alínea a), no sentido de reconhecer como pertencendo ao domínio público da RAEM, tão-só, a Parcela de 4.235 m2 ocupada pela 1ª R., em face da natureza da utilização que lhe foi dada por esta (ocupação com estradas) e, consequentemente, por força do decidido, a ordenar a actualização do cadastro – que em face da factualidade apurada nas alíneas a) e ee) a hh) é, obviamente, o cadastro mencionado a fls. 309 –, a fim de permitir a actualização da descrição ..., mediante o necessário averbamento de desanexação da parcela de 4.235 m2 que entendeu ter integrado o domínio público,
    
    Ou seja, a decisão recorrida não condenou “numa coisa diferente do que foi pedido (pede-se 100, não se pode condenar a restituir um prédio)” (cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 516), a decisão ora posta em crise condenou, sim, nos termos permitidos pelo no n.o 1 do artigo 564o do CPC, em menos do que o pedido pelas partes, sendo certo que “a sentença pode condenar em menos, mas não pode condenar em mais (Pede-se 100, pode condenar a pagar 50, mas o inverso não).” (autor e obra citadas, pág. 515).
    
    Em face do que se conclui que a decisão recorrida não violou o disposto no n.o 1 do artigo 564o do CPC, pelo que não padece da nulidade prevista na alínea e) do n.o 1 do artigo 571o do CPC, julga-se recurso do 2º Réu/Recorrente improcedente quanto a esta parte do recurso.
*
    Chegados aqui, vamos abrir um “parêntese”, visto que a Autora interpôs recurso contra justamente esta parte da decisão recorrida, formulou o pedido de indemnização caso não seja possível a devolução da parcela do terreno que foi utilizada para construção de vias públicas.
    Vejamos então se procede ou não este pedido.
    
    1) – Na sequência do acima decidido, partindo do pressuposto de o terreno ora revindicado é da propriedade da Autora, o que é comprovado pelo registo predial e pelos factos considerados assentes pelo Tribunal a quo e confirmado por este TSI, importa qualificar, ao nível de direito, o que é o facto de certa parcela do terreno ter sido utilizada para construção de obras públicas (vias terrestres públicas).
    2) – Nesta acção o pedido da Autora consiste em revindicar todo o terreno com área indicada no registo predial, mas, uma parte já foi afecta à utilização pública, na sequência do decidido, em situações normais, deveria ordenar-se a restituição do terreno no seu todo, porque o direito real da Autora foi prejudicado parcialmente nos termos acima vistos, não obstante por causa e em nome de interesse público.
    3) - Neste sentido, e atenta a similitude da legislação aplicável, leia-se, a título de exemplo, a seguinte jurisprudência portuguesa,
    “(…) é entendimento comum dos aplicadores do direito de que ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação. Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor do transmitente à data em que o autor dele a adquiriu derivadamente, não necessita o autor de produzir afirmações acerca da aquisição pelo transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações. A lei presume, directamente, a existência do direito do transmitente e, assim, ultrapassada está a prova diabólica, porque encontrado o vendedor originário” (Ac. RC, de 14/01/2014, in www.dgsi.pt).
    “Verificando-se a favor dos Autores presunção legal de propriedade, derivada do benefício do registo de transmissão, nela podem fundamentar o pedido reivindicatório, sujeitando-se a que os Réus a ilidam” (Ac. STJ, 14/10/1976, Abílio Neto, Código Civil Anotado, 12a Edição, pág. 1015).
    “Basta para a procedência da acção de reivindicação a presunção, não ilidida, do registo predial de inscrição de transmissão do prédio a favor do reivindicante se o transmitente for o último titular do direito inscrito no registo e isto se provar” (idem, ibidem, pág. 1020).

    4) – Nestes termos, em termos de direito, com êxito a Autora alegou os factos dos quais resulte a aquisição da propriedade e procedeu ao seu registo, e como tal beneficia da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artigo 7º do CRP), que é o caso, conforme o teor dos documentos de fls. 52 a 60 dos autos. Reconhecido o direito de propriedade, há lugar à consequente restituição da coisa, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
    5) – Nesta parte, importa recapitular igualmente os seguintes factos assentes com interesse para a decisão nesta parte da matéria:
    
     v) - No ano de 1994, a R. Região Administrativa Especial de Macau ocupou duas partes do Terreno com uma área total de 4,235m2;
     w) - Nessa área ocupada pela 1ª R., esta construiu estradas de acesso à Ponte da Amizade, ocupação que ainda hoje se mantém;
     x) - Em meados de 1999, o 2º Réu ocupou outra parte do Terreno, nele instalando um depósito de pneus;
     y) - Durante o verão de 2008, o 2º Réu ocupou outra parte do Terreno, iniciando a construção de um edifício;
     z) - Mais recentemente, em datas não apuradas, o 2º R. ocupou outras partes do Terreno, instalando uma caixa de electricidade e construindo barracas e alpendres, alguns de apoio à construção do aludido edifício;
     aa) - O 2º Réu actualmente ocupa uma área total de 20,263 m2;
*
    6) – Para este tipo de situações em análise – ocupação ilegítima ou ilegal por parte de entes públicos da parcela da propriedade privada -, o direito positivo dá resposta e existe jurisprudência abundante em Portugal, evocada aqui em nome de Direito Comparado, que se pronuncia sobre este tipo de situações. Ou seja, chama-se a intervenção do chamado o princípio da intangibilidade da obra pública, com fundamento legal nos artigos 326º e 327º do CCM, correspondentes aos artigos 334º e 335º do CC de 1966, em que estão previstas as figuras de abuso de direito e de colisão de direitos.
    
    O princípio da intangibilidade da obra pública 20constitui, conceitualmente, a ponderação das consequências da violação do princípio da legalidade da Administração Pública quando, apesar da sua actuação à margem da lei, redunda na prossecução do interesse público.
    No direito francês o princípio da intangibilidade da obra pública e a teoria da “via de facto” são conhecidos desde o século XIX: “L´ouvrage public mal planté ne se détruit pas” foi criação da jurisprudência francesa, concretamente, a partir do Arrêt Robin de la Grimaudière, de 7.7.185321.
    A via de facto, segundo os autores franceses Laubadére, Venezia e Gaudemet, acarretava a “desnaturalização” do acto administrativo, ou seja, o mesmo perdia essa natureza.
    A via de facto, traduz clara violação do direito de propriedade, como afloração de um direito fundamental – artigo 6º da Lei Básica da RAEM – ademais assenta em clara violação de procedimento.
    A figura não é desconhecida na doutrina portuguesa, sendo que Fernando Alves Correia, in “Manual do Direito do Urbanismo”, pág. 353, (2010), Volume II, Almedina, a considera “…um ataque grosseiro à propriedade do particular por meio de factos através dos quais nada se encontra que corresponda ao conceito de expropriação, distinguindo por isso esta figura da prática de um ato expropriatório a que faltam alguns requisitos legais de validade”.    
    No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5.2.21015 (Proc. 742/10.2TBSJM.P1.S1 – in www.dgsi.pt), questão de contornos semelhantes foi sentenciada, tendo sido revogada a decisão da 2ª Instância, tendo-se ponderado, doutamente:
 “O princípio da intangibilidade da obra pública:
E é da consideração deste interesse público, ponderado e valorado na expropriação indirecta, que a jurisprudência francesa criou o princípio tradicional da intangibilidade da obra pública.
O princípio da intangibilidade da obra pública – princípio geral do direito das expropriações – traduz-se na manutenção da posse por parte da administração quando, apesar de a posse assentar em título ilegal, não representando um atentado grosseiro ao direito de propriedade, deva ser mantida, sob pena de resultarem danos graves para o interesse público - [Neste sentido ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.04.2010, Processo n.º1857/05.4TBMAI.S1, Relator Cons. Alves Velho].
Segundo este princípio, devido à importância que apresenta a obra pública para o interesse geral, nem o juiz do tribunal comum, nem o juiz do tribunal administrativo podem ordenar a destruição da obra pública, mas apenas conceder ao proprietário uma indemnização.
O particular fica, assim, impedido de intentar uma acção de restituição da posse do seu bem, tendo de contentar-se com uma indemnização a arbitrar pelo tribunal comum.
E assim, através deste princípio, se convolam autênticos atentados ao direito de propriedade em verdadeiras expropriações, ainda que ilegais.
Antes de mais, e ainda no campo da conceptualização, urge referir que o princípio da intangibilidade das obras públicas é um princípio não escrito.
Daí que, na esteira do Ac. do STA n.º 0853/07, de 16-01-2008, se afirme que, “Num Estado de Direito, (…) os princípios jurídicos não escritos se tenham de inferir a partir das soluções legais e não ao arrepio delas”.
Saliente-se que estas figuras da apropriação irregular e da expropriação indirecta são em si mesmas um atentado ao direito fundamental da propriedade privada e, por isso, as mesmas têm sido colocadas em causa pelo TEDH.
Exemplo disso é o Acórdão proferido em 08-03-2006, no caso Guiso-Gallisay vs Italy […] - cfr. outros Acs. do TEDH caso Belvedere Alberghiera S.R.L. vs. Itália, de 30-05-2000, caso Rossi and Variale vs. Itália, 03-06-2014.”
    É de ver que, com o recurso ao direito comparado, ficamos a saber que se verificam, em Portugal, casos de apropriação irregular ou expropriação de facto de terrenos privados, o que obriga os Tribunais portugueses a resolver este tipo de situações mediante o princípio da intangibilidade da obra pública.
    Nesta matéria, desenvolveu-se ainda a seguinte ideia no mesmo Acórdão:
“Com efeito, uma coisa é a Câmara em representação do Município ocupar uma parcela de terreno com vista à execução no mesmo de obras públicas, por si previstas para o local, em satisfação do interesse público, actuando de boa - fé na prossecução desses fins; outra coisa, bem diferente, é o Município proceder à ocupação do solo, sem o proprietário ser “tido ou achado”, em actuação marginal ao dever de cumprimento da legalidade a que está sujeita a Administração. Aqui a ilicitude é manifesta.
A expropriação é o sacrifício imposto ao direito de propriedade pelos interesses de ordem pública ou social. Ou, dito de outro modo: só pela expropriação se pode sacrificar o direito de propriedade em termos de se alterar a titularidade do mesmo, de uma forma impositiva, autoritária, e sempre mediante o pagamento de uma indemnização.
É por se reconhecer um fim social à propriedade que a expropriação está constitucional e legalmente prevista. Aliás, como acima se referiu, o direito de propriedade “não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição possa para ela remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas, de segurança, de defesa nacional - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição, Coimbra, 2007, página 801”.
Não se põe em causa tal entendimento. E, tal como Alves Correia –“Manual do Direito do Urbanismo”, volume II, 4ª edição, Coimbra 2008, páginas 807-808 -, admite-se que “de uma forma geral, o próprio projecto económico, social e político da constituição implica um estreitamento do âmbito dos poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e a admissão de restrições (quer a favor do Estado e da colectividade, quer a favor de terceiros), das liberdades de uso, fruição e disposição”.
Mas, sendo esse mesmo direito de propriedade tutelado como direito fundamental, essas mesmas restrições supra referidas hão-de encontrar apoio na previsão legal e na legalidade do seu procedimento, não se compadecendo com “vias de facto”, semelhantes a ocupações a que, outrora, assistimos no nosso país.
Ultrapassados os limites do poder jurídico da potestas expropriandi, não mais podemos falar de um poder jurídico, mas sim de um despojo ilegal.
A via de facto – como forma de expropriar “de facto” sem processo de expropriação – não é um dos casos fixados na lei e que permitem, de acordo com o artigo 1308º do Código Civil, que alguém seja privado, no todo ou em parte, da sua propriedade.
É um facto que a propriedade privada pode ser limitada pela função social que a propriedade reveste. Mas essa limitação há-de ser levada a cabo quer por medidas legislativas e administrativas, quer por actos do poder público que ferem o núcleo essencial do direito de propriedade, os chamados actos expropriativos - Neste sentido ver Raquel Filipa da Silva Ferreira, in “A justa indemnização no contexto da expropriação de terrenos” - Universidade Lusófona do Porto – Faculdade de Direito, Porto, 2012, páginas 268 e seguintes.”
    É da nossa convicção que as ideias acima transcritas valem, mutatis mudantis, para o caso em apreciação.
    Em termos do fundamento legal, o artigo 326º (Abuso do direito) do CCM (correspondente ao artigo 334º do CC e 1966) dispõe:
    É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
    Por sua vez, o artigo 327º (Colisão de direitos) do CCM (correspondente ao artigo 335º do CC de 1966) estipula:
    1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
    2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva em concreto considerar-se superior.

    Realce-se o disposto no artigo 567º (Relação entre a actividade das partes e a do juiz) do CPC que manda:
    O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º
    
    De facto, a apropriação ou ocupação de prédios alheios por entidades públicas pode apresentar-se sob vários gradientes que vão desde o desrespeito flagrante das regras sobre a expropriação por utilidade pública até situações em que a violação objectiva do direito de propriedade é resultado de comportamentos que se inscrevem na mera culpa ou é traduzida em situações que se manifestam através da violação dos limites objectivos do prédio expropriado, por vezes, em resultado de um mero erro ou de excesso na execução do acto expropriativo. Enfim, casos existem em que a violação objectiva do direito de propriedade é precedida ou acompanhada de uma aparência de legitimidade quanto à ocupação ou apropriação de prédio alheio que, no entanto, é infirmada pela análise mais cuidada dos respectivos contornos legais.
    Em determinadas circunstâncias que se pautam pela verificação de culpa leve ou mesmo pela ausência de culpa, a aplicação dos efeitos típicos da acção de reivindicação poderia revelar-se excessiva, designadamente quando, na sequência da ocupação ou apropriação, a entidade pública aplicou o imóvel a fins de utilidade pública ou à realização de obra pública, envolvendo vultuosos investimentos.
    Em tais situações, o reconhecimento puro e simples do direito de propriedade, com a consequente condenação da entidade ocupante na restituição do prédio nas condições em que o mesmo se encontrava pode revelar-se desproporcionado e gravemente lesivo dos interesses de ordem pública, tendo em consideração os investimentos ou as despesas entretanto realizadas.
    Para situações como esta tem sido desenvolvida uma tese intermediada pelos tribunais em face dos casos concretos que legitima uma limitação ao exercício do direito de reivindicação, substituindo-o pela atribuição de uma indemnização correspondente ao valor expropriativo do prédio, ponderando o princípio da intangibilidade da obra pública que mais não é do que uma versão administrativista das figuras do abuso de direito ou da colisão de direitos previstas nos artigos 326º e 327º do CCM (correspondentes aos artigos 334º e 335º do CC de 1966). Princípio que conquanto não esteja expressamente consagrado pode encontrar sustentação no disposto nos artigos 175º e seguintes do CPAC22, normas que permitem afastar a execução de julgado em casos em que esta provoque grave lesão do interesse público.
    Com recurso a tal princípio geral, em casos em que a condenação na restituição do prédio livre e desocupado constituiria um resultado manifestamente inadequado, por resultarem gravemente afrontados interesses de ordem pública, é possível sustentar uma solução diversa daquela que resultaria da aplicação das regras exclusivamente extraídas do direito privado.
    Eis a razão da consagração do artigo 327º do CCM.
    Acresce ainda o facto de que, conforme o teor de documento de fls.253, a entidade pública chegou a confessar a propriedade do terreno em causa.
    Se os Réus, ao iniciar as obras, tivessem pedido informação junto da conservatória competente, teriam adoptado outras soluções. O que eles fizeram, não passa de expropriar silenciosamente, ou de facto, parte do terreno privado.
    Nestes temos, o que o Tribunal recorrido fez não é divisão do terreno, mas sim deu prevalência ao interesse público que as obras públicas representam, procedendo à redução da área do terreno reivindicado pela Autora.
    Pelo que, esta parte decisão tomada pelo Tribunal recorrido nesta parte deve ser mantida, não obstante com fundamento ligeiramente diferente, mas já não pode ser mantida a parte de negar à Autora o direito de indemnização decorrente da expropriação de facto da parcela do terreno, consequentemente, à Autora deve ver reconhecido o direito de obter indemnizações respectivas, com o valor que não ultrapassa o indicado no pedido constante de fls. 32 a 35 da PI e das conclusões do recurso, ou seja, foram invocados os seguintes termos neste recurso pela Autora nesta parte da matéria:
    “(…)
XLVIII. De qualquer modo, para o caso de se entender que as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R. com estradas de acesso à Ponte da Amizade passaram a integrar o domínio público, tão-só, por força da destinação que lhe foi dada após a ocupação - o que não se concede -, deverá a A. ser indemnizada pelos prejuízos daí decorrentes.
XLIX. Da actuação da 1ª R. decorre uma obrigação de indemnizar à luz do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, já que tal actuação se deverá reputar de ilícita pelo facto de a 1ª R. ter violado o direito de propriedade da A. ao ocupar ilegitimamente as duas Partes do Terreno, com a área global de 4.235 m2, confiscando-as, já que não logrou provar qualquer forma legítima e legal de aquisição do seu domínio, nomeadamente que tenha pago à A., por si ou através dos seus antecessores, enquanto legitima proprietária das Partes do Terreno por si Ocupadas, qualquer indemnização pela privação do seu direito de propriedade.
L. Neste sentido se pronunciou já a jurisprudência portuguesa, tendo sido decidido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 24 de Junho de 2008 que “I - Provando-se que a Câmara Municipal construiu um viaduto, ruas de acesso ao mesmo e uma passagem pedonal, ocupando, com parte de tais construções, uma área de um terreno pertencente à Autora, sem qualquer autorização desta e sem prévia expropriação por utilidade pública, é de concluir que tal parcela de terreno reivindicada passou a integrar o domínio público, a estar fora do comércio jurídico, já não sendo possível a sua subtracção a este estatuto por via da presente acção de reivindicação. II – A solução a dar ao caso passa pelo reconhecimento desta realidade, ou seja, passa pela convocação do instituto da responsabilidade civil por actos ilícitos, tendo a Autora direito a uma indemnização.”
LI. Ora, em face da resposta dada aos quesitos 14º e 14°A, e à míngua de outro critério mais ajustado, a matéria constante das alíneas B), U) e V) dos factos assentes, conjugada com a resposta dada ao quesito 1º, desde que devidamente temperada por critérios de equidade, permite, pelo menos, apurar o montante mínimo do prejuízo directamente causado à A. pela não restituição da parte do Terreno referida nas alíneas U) e V) dos factos assentes.
LII. Com efeito, se as partes do Terreno ocupadas pela 1ª R., correspondem a uma percentagem de 17.3% da totalidade da área do Terreno (cfr. alíneas U) e V) dos factos assentes e resposta dada ao quesito 1°), cujo preço de aquisição foi, como se sabe, de HKD$175.000.000,00 (cfr. alínea B) dos factos assentes), é inegável que a não restituição à A. da área de 4.235 m2 ocupada pela 1ª R. com estradas de acesso à Ponte da Amizade provocou à A. um prejuízo de, pelo menos, HKD$30.275.000,00, equivalentes a MOP$31.183.250,00,
LIII. pelo que deveria a 1ª R. ter sido condenada ao pagamento à A. de uma quantia não inferior a HKD$$30.275.000,00 equivalente a MOP$31.183.250,00, actualizada, pelo menos, de acordo com a taxa de inflação, se necessário a liquidar em sede de execução de sentença, a título de compensação pelo facto de as Partes do Terreno (ilegal e ilegitimamente) Ocupadas pela 1ª R. terem passado a integrar o domínio público,
LIV. acrescida juros, calculados à taxa legal (presentemente de 9,75%, nos termos da Ordem Executiva n.º 29/2006, em vigor desde 11 de Julho de 2006), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
LV. Ora, tendo a Sentença recorrida absolvido a 1ª R. também deste pedido subsidiário, formulado pela A. exactamente para a eventualidade de vir a ser decidido, como na Sentença recorrida, que as Partes do Terreno ocupadas pela 1ª R. já não podiam ser restituídas à A. atenta a finalidade que lhe foi dada em 1994 pela 1ª R., violou o disposto no artigo 1234° do CC, no artigo 1310° do Código Civil de 1966, e nos artigos 477º, 556º a 558º e 560º do CC.
Termos em que deve a presente recurso ser julgado procedente, por provado, deve revogar-se parcialmente a douta Sentença recorrida e, consequentemente,
I. Condenar-se a 1ª R. a reconhecer a A. como titular do direito de propriedade sobre as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R,
e, em consequência,
II. Condenar-se a 1ª R. a restituir à A. as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R totalmente livre de pessoas e bens,
III. Condenar-se a 1ª a pagar à A., solidariamente com o 2° R., a indemnização arbitrada no ponto 1.2 da parte decisória da douta Sentença recorrida; e
Subsidiariamente, para o caso de se entender que as Partes do Terreno Ocupadas pela 1ª R. não podem ser restituídas, no que não se concede,
IV. Condenar-se a 1º R. a pagar à A. uma indemnização em quantia não inferior a HKD$30.275.000,00, equivalente a MOP$31.183.250,00, mas que desde já se requer seja actualizada, pelo menos, de acordo com a taxa de inflação, se necessário a liquidar em sede de execução de sentença, à qual deverão acrescer juros, calculados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
    (…)”.
    Ora, em face dos factos assentes acima alinhados, e na sequência de toda a argumentação produzida pelo Tribunal recorrido (que é reproduzida aqui para todos os efeitos legais, e, tendo em conta que a decisão do Tribunal a quo fica a meio, agora completamos em sede do recurso e na apreciação do pedido da Autora), procederá o pedido formulado nos termos acima transcritos pela Autora, uma vez que estão reunidos todos os pressupostos de facto e de direito nos termos acima vistos.
    Pelo que, face ao quadro factual assente, em conjugação com os fundamentos legais acima produzidos, é de condenar a 1ª Ré a pagar à Autora uma indemnização na quantia de HKD$30,275,000.00, equivalente a MOP$31,183,250.00 (tal como ela pediu na PI), acrescida juros, calculados à taxa legal (9,75%, nos termos da Ordem Executiva n.º 29/2006, em vigor desde 11 de Julho de 2006), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
    Com esta decisão fica decidido o pedido formulado pela Autora neste recurso por ela interposto, julgando-se o mesmo procedente e condenar a 1ª Ré nos termos acima consignados.
*
    Prosseguindo,
    Passemos a ver o outro vício alegado pelo Recorrente/2º Réu.
    
B – Alegada nulidade prevista na alínea b), do n.o 1, do artigo 571o do CPC:
    Nesta parte do recurso o Recorrente/2º Réu invocou a nulidade prevista na alínea b) do mesmo artigo 571º do CPC, por o Tribunal recorrido condenar o Recorrente/2º Réu a pagar à Autora uma indemnização, acrescida de juros legais, com efeitos imediatos, entendendo que tal condenação carecia de fundamentação de facto e de direito.
    No que toca à fixação da indemnização suportada pelo 2º Réu, o Tribunal recorrido proferiu a decisão nos seguintes termos:
    “(…)
Da indemnização pedida.
Mais uma vez se reitera que nesta parte interessa apenas apreciar o pedido quanto à parcela de 20,263 m2 ocupados pelo IACM.
Ficou demonstrado que a Autora notificou o 2º Réu em Janeiro de 2009 para desocupar e lhe devolver o terreno até 9 de Março de 2009 o que este não fez – cf. al. u) -.
Igualmente se demonstrou que se o terreno estivesse na posse da Autora esta o poderia arrendar pelos valores locativos indicados – cf. alíneas jj) a oo) -.
Nos termos do nº1 do artº 477º do C.Civ. «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil:
- O facto;
- A ilicitude;
- A imputação do facto ao lesante;
- O dano;
- Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto ao facto este tanto pode ser positivo, traduzido num acto ou acção, como também, negativo traduzido numa omissão quando «haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente teria impedido a consumação desse dano»23
«Por isso, facto voluntário significa apenas, no caso presente, facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade. Para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o acto ou omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma acção ou omissão orientada para certo fim (uma conduta finalista). Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas (pessoa que é irresistivelmente impelida por força do vento, por efeito da vaga do mar, por virtude de uma explosão, de uma descarga eléctrica, da deslocação de ar provocada pelo arranque de um avião, ou de outras forças naturais invencíveis).» - Obra citada a pág. 449 -.
A ilicitude pode consistir na violação do direito de outrem (entre as várias formas que aquela pode revestir).
No caso em apreço estamos perante a violação do direito de propriedade da A. aqui traduzida na ocupação da coisa sem para tal ter título que o legitime.
A imputação do facto ao lesante traduz-se na culpa do agente, ou seja da violação ter sido praticada com dolo ou mera culpa.
A culpa pressupõe a imputabilidade do agente, ou seja de que este é capaz de discernir os efeitos da sua actuação ou omissão e que tem liberdade de determinação (capacidade intelectual e emocional e capacidade volitiva)24.
Age com mera culpa aquele que em face das circunstâncias do caso podia e devia ter agido de outro modo, sendo este factor apreciado em função do homem médio.
No caso em apreço tendo o Réu sido notificado para entregar a coisa à Autora, o que este não fez, quando era do seu conhecimento desde 2000 a situação legal do terreno em causa – cf. alínea tt) -, sem que haja invocado qualquer razão para o efeito, duvidas não há que se manteve a ocupar a fracção em causa porque assim o quis, tendo como tal actuado com dolo directo.
O dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem.
Por fim é necessário o nexo de causalidade entre o facto (acção/omissão) e o dano, ou seja, que este resulte daquele.
Ora, no caso em apreço, da factualidade apurada o que resulta é que o Réu ao manter-se na posse do prédio, contra a vontade da Autora impediu-a de o arrendar pelos valores referidos.
Destarte, impõe-se concluir que no caso em apreço o Réu incorre na obrigação de indemnizar a Autora nos termos da responsabilidade por factos ilícitos.
De acordo com o disposto nos artº 556º a 558º aquele que estiver obrigado a indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso.
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível – artº 560º nº 1 do C.Civ. -.
O quanto indemnizatório corresponde no caso em apreço ao valor das rendas que a Autora podia ter auferido até ao presente, o que se computa desde 09.03.2009 até 31.10.2014 em MOP$45.064.560,00, calculado do seguinte modo:
- De 09.03.2009 a 09.05.2010 MOP$8.565.480,00 (14 x 611.820,00);
- De 10.05.2010 a 09.05.2011 MOP$7.527.240,00 (12 x 627.270,00);
- De 10.05.2011 a 09.05.2012 MOP$7.898.040,00 (12 x 658.170,00):
- De 10.05.2012 a 09.11.2014 MOP$21.073.800,00 (30 x 702.460,00).
Mais deve o 2º Réu ser condenado no pagamento de indemnização igual a MOP$702.460,,00 por cada mês ou fracção que se mantiver a ocupar o prédio a que se reportam os autos a contar de 10 de Novembro de 2014 inclusive.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
3. Quanto aos pedidos da Autora:
Julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência:
3.1. Condena-se o 2º Réu a reconhecer a Autora como titular do direito de propriedade do prédio rústico constituído por Terreno, sito na Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. …, do livro …, omisso na matriz, com a área de 20,263 m2 e a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens;
3.2. Condena-se o 2º Réu a pagar à Autora a indemnização de MOP$45.064.560,00 e ainda no montante de MOP$702.460,00 por cada mês ou fracção que se mantenha naquele prédio a contar de 10.11.2014 inclusive, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal a contar da presente data até efectivo e integral pagamento.
3.3. Absolve-se a 1ª Ré de todos os pedidos formulados pela Autora contra si;
4. Quanto aos pedidos reconvencionais:
4.1. Reconhece-se como pertencendo ao domínio público da RAEM a parcela ocupada com estradas com a área de 4,235 m2 do prédio rústico constituído por Terreno, sito na Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ..., a fls. …, do livro …, omisso na matriz;
4.2. Ordena-se que se proceda à correcção do cadastro no que concerne à localização, área e confrontações do prédio em causa de acordo com o decidido na alínea anterior e sua harmonização com o registo predial;
4.3. Mais se absolvem os Réus dos demais pedidos formulados pela Autora.”

    Quid Juris?
    
    Veio o Recorrente/2º Réu alegar que a decisão recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão plasmada no ponto 1.2 da sua parte decisória, não tem razão, visto que esses fundamentos constam expressamente de fls. 1996 verso a fls. 1999 e se oferecem, atenta a sua clareza, ao conhecimento de qualquer leitor medianamente diligente.
    
    Como bem salienta Viriato Lima, (Cfr. in ob citada, a fls. 547 referindo-se ao artigo 571o do CPC): “Importa esclarecer que a nulidade da alínea b) (quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão) só se verifica na ausência total de fundamentação.”, posição que resulta igualmente do ponto V. do sumário do Acórdão proferido pelo TUI em 14 de Julho de 2004, no âmbito do processo n.o 21/2004.
    
    Sem dúvida, a decisão recorrida encontra-se plenamente fundamentada quer de facto quer de direito e não padece, sequer, de qualquer deficiência ou incompletude.
    
    Com efeito, a douta decisão recorrida fundamenta expressamente com recurso aos factos, às normas aplicáveis e à doutrina, que a obrigação de indemnizar respeita à parcela de 20.263 m2 ocupada pelo IACM, remete para os factos provados relevantes plasmados nas alíneas u), jj) a oo), designadamente o da alínea u) – a notificação feita pela A. ao 2º R. para desocupar e lhe devolver a dita parcela até ao dia 9 de Março de 2009, o que este confessa e comprovadamente não fez – para fixar a data a partir da qual a indemnização é devida, especifica que a obrigação de indemnizar emerge da responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos previstos no artigo 477o do CPC, percorre todos os seus pressupostos especificando, designadamente, que a ilicitude da actuação do Recorrente deriva da “violação do direito de propriedade da A. aqui traduzida na ocupação da coisa sem ter título que o legitime” e que o Recorrente agiu com culpa porque decidiu manter a ocupação da dita parcela, sem invocar qualquer razão para o efeito, não obstante a interpelação feita pela A. para a sua desocupação e, em face de tudo isto, e atento o disposto nos artigos 556o a 558o e 560o, n.o 1, do CPC, explicitou que a indemnização seria fixada em dinheiro e seria correspondente ao valor locativo mensal da dita parcela, devido desde o termo do prazo concedido pela A. ao Recorrente para desocupação e restituição do imóvel (i.e. 9 de Março de 2009, cfr. alínea U) até à data da efectiva desocupação do imóvel pelo Recorrente.
    
    Ora, foi com estes pressupostos que a douta decisão recorrida, à semelhança, de resto, de todas as que fixam indemnizações emergentes de responsabilidade por factos ilícitos quando estes e os consequentes danos se mantêm e ainda se produzem à data da prolação da respectiva sentença, fixou o quantum indemnizatório já apurado – MOP$45.064.560,00 –, correspondente à soma do valor das rendas que a Autora poderia ter auferido por cada mês ou fracção, contabilizada desde o termo do prazo concedido por esta ao Recorrente para desocupar e restituir o imóvel (cfr. alínea u)) até à prolação da decisão recorrida, mais condenando o 2º Réu a pagar, o quantum indemnizatório objectivamente apurável, correspondente ao valor das rendas que a Autora poderia vir a auferir por cada mês ou fracção, com início no dia posterior ao último mês ou fracção efectivamente contabilizados até à data da efectiva desocupação do imóvel e restituição à Autora.
    
    Por fim, no que respeita aos juros, os mesmos foram fixados em estrita obediência à jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 02/03/2011, no âmbito do processo n.o 69/2010, B.O. da RAEM N.º 12, I-S Série, de 21/03/2011, que determina que “A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.”, pelo que é evidente que tal decisão não merece qualquer censura.
    
    Em face do exposto, a decisão recorrida não padece da apontada nulidade, porquanto não há qualquer violação do dever de fundamentação (cfr. a alínea b) do n.o 1 do artigo 571o do CPC).
    Em suma, relativamente a esta parte da sentença recorrida, concordamos com a douta fundamentação jurídica e factual, pois, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, não obstante haver argumentos por nós acrescentados, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão nesta parte recorrida.
*
    Resumindo e concluindo, face a tudo o que fica exposto, não se verificam os vícios alegados pelo Recorrente/2º Réu, ou seja, não há violação das alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 571º do CPC, julgando-se, deste modo, improcedentes os argumentos produzidos pelo Recorrente neste recurso.
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    Passemos a ver o recurso interposto pela 1ª Ré/Recorrente.
    Esta invocou basicamente os mesmos fundamentos que o 2º Réu aduziu em sede do recurso.
    
    Antes de mais, importa sublinhar que, a RAEM, na sua contestação (e não na reconvenção) invoca que o bem integra o domínio público e que está fora do comércio, porém, não alega nem sustenta a RAEM em sede de reconvenção ser a proprietária do bem e muito menos em sede de reconvenção vem pedir que seja reconhecida como tal e a consequente contra-acção de reivindicação do bem.
    Pelo que, em face dos pedidos reconvencionais do único sujeito com legitimidade para o efeito de representar a RAEM, em bom rigor, inócua se torna estar a desenvolver a questão da “validade” da sucessão do imóvel em causa, já que o Tribunal não pode substituir-se às partes na formulação dos pedidos. Estes devem ser formulados de modo claro e expresso. É o princípio do pedido que manda no processo cível.
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    Vejamos então o recurso da 1ª Ré/Recorrente parte por parte, conforme a enumeração e a divisão por letra feita por ela própria.
    
   Parte A: fls. 2239 a 2239/verso das alegações:
    
    Sobre a descrição do terreno em causa:
    
    Em rigor, esta parte do recurso não foram suscitadas novas questões a este TSI para resolver, o que a Recorrente fez é levantar algumas dúvidas sobre a localização do terreno em causa, matéria esta que está ligada ao sub-item A da parte C das alegações.
    Seja como for, as respostas dadas aos quesitos 1º a 4º pelo Tribunal Colectivo fornecem repostas claras para as dúvidas da Recorrente.
    Por outro lado, ao analisarmos a impugnação feita pelo 2º Réu/Recorrente, já indicamos os fundamentos da nossa posição, que valem perfeitamente para aqui, e como tal dispensamos de tecer mais considerações nesta ordem, e concluímos que as respostas dadas pelo distinto Colectivo não padecem de vícios nem se verifica erro na apreciação da provas NESTA PARTE, razão pela qual se julga improcedente esta parte do recurso da 1ª Ré/Recorrente.
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   Parte B: fls. 2241 a 2245 das alegações:
   
Sobre o historial do terreno:
    
    Nesta parte, a Recorrente fala do historial do terreno, defendendo que o processo expropriativo foi concluído e como tal passou a ser integrado no domínio público, num primeiro momento e depois, no domínio privado do então Território de Macau.
    Depois, de repente, a Recorrente ataca as respostas dos quesitos 20º e 21º da BI.
    Não tem razão a 1ª Ré/Recorrente, para além dos argumentos anteriormente por nós produzidos, acrescentamos ainda os seguintes:
    
    Ora, os documentos referidos pela Recorrente no último parágrafo de fls. 2242 e seguintes, respeitam, tão-só, à zona militar e à descrição posteriormente aberta com os terrenos desafectados desta, não fazendo os mesmos qualquer menção à descrição ... ou ao terreno a que essa se refere de fls. 309, pelo que não resulta dos mesmos, de forma inequívoca, que o terreno tenha alguma vez integrado a zona militar.
    É de ver que os Réus incumpriram o ónus da prova que sobre eles impendia relativamente à matéria constante do quesito em análise – 20o – porquanto não existem quaisquer documentos nos autos donde se extraia que a carreira de tiro haja sido efectivamente construída no terreno da descrição ..., facto sem o qual é totalmente irrelevante para os presentes autos a localização da carreira de tiro (que se situava a norte do Terreno de fls. 309 e com ele confinava), bem como são irrelevantes as dezenas de documentos que se referem a esta e à zona militar.
    
    Neste sentido, vejam-se as declarações prestadas pelo Director da DSSC (cfr. 2014.03.20/ translator 1 / 20-Mar-2014 at 11.39.32 (1%IV3!)102711270).WAV / ao minuto 04:13):
    Testemunha: “Mas não tem provas de que foi construído, não tem prova de que foi utilizado, mas não tem provas de que foi apropriado.” (11.44.43, ao minuto 01:32).
    Meritíssimo Juiz: “Aquilo que a testemunha disse foi que não sabe se o terreno foi ou não usado para a construção da carreira de tiro? Foi isso?
     Testemunha: “Sim.”
     Meritíssimo Juiz: “A testemunha tem dúvidas que este terreno tenha verdadeiramente integrado a carreira de tiro?”
    Testemunha: “Bem, agora a carreira de tiro segundo o registo não houve nenhuma sobreposição do registo daquele terreno.”
    Relativamente ao depoimento prestado pela Sra. Dra. G, Chefe do Departamento Jurídico da DSSOPT (2014.05.29, 29-May-2014 at 12.22.38 (1)UWM-4W02711270).WAV, do minuto 03:27 ao minuto 05:02):
    Mandatária: “Há algum documento, há alguma evidência, a Sra. Dra. alguma vez viu alguma evidência de que o terreno que eventualmente foi expropriado para a construção da carreira de tiro foi efectivamente aquele onde se construiu a carreira de tiro? A Sra. Dra. alguma vez viu algum documento que lhe permita extrair essa conclusão?”
    Testemunha: “Não, mas que existiu a carreira de tiro...”
    Mandatária: “Não há dúvidas, com certeza, a norte do terreno aqui demarcado, portanto a zona militar era a norte deste terreno, não é?”
    Testemunha: “Sim, a zona militar era toda esta zona”.
    Mandatária: “Toda ela a norte deste terreno? Portanto, não coincidia com este terreno?”
    Testemunha: “A zona militar seria toda aquela zona, não sei se coincidia ou não, mas pelo menos era todo aquele terreno que foi concedido à Universidade de Macau”.
    Mandatária: “Sim, que a Sra. Dra. identificou, há pouco, e que, portanto, ficava a norte da estrada almirante...”.
    Testemunha: “a norte, no Pac On e todo este plateau, que era onde estava a carreira de tiro”.
    Mandatária: “sim, mas tudo situado para cima da Estrada Magalhães Correia?”
    Testemunha: “Não sei se a zona militar teria mais área, mas onde está essa área, isso não sei”.
    Mandatária: “Portanto não há nenhum documento, a Sra. Dra. ao longo destas décadas em que trabalha nas Obras Públicas e na Comissão de Terras nunca teve evidência de qualquer documento que lhe permita dizer aqui com segurança a este Tribunal, que a carreira de tiro, que não obstante esta descrição ter sido expropriada para o fim...”
    Testemunha: “Se foi efectivamente utilizado para os fins para que foi... Isso não!”
    
    Relativamente às respostas dadas aos quesitos 20o e 21o da base instrutória – Não Provado –, não merece a mesma qualquer censura, porquanto, como bem salienta o douto Tribunal a quo a fls. 1892, não foi feita qualquer prova quanto aos mesmos, o que, de resto, resulta das alegações da Recorrente (vide fls. 2244), onde a mesma não especifica, conforme impõe alínea b) do n.o 1 do artigo 599o do CPC – ónus que é aplicável ao MP, porque o dito artigo não o excepciona, o que, de resto, também sucede com o ónus estatuído no artigo 598o, porquanto, em bom rigor, o mesmo não está a recorrer por imposição da lei –, quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo nele realizado, que imporiam sobre esses pontos da matéria de facto, decisão inversa da recorrida.
    
    Perante todos os factos considerados assentes constantes dos autos, é da nossa convicção de que faltam dados para comprovar a conclusão efectiva da carreia de tiro, pelo menos, faltam dados para sustentar esta realidade:
    a) – Não se encontra nenhum documento escrito sobre a licença de utilização de tal carreira de tiro, nem outros elementos probatórios com credibilidade neste sentido;
    b) – A existência de plantas para construção da carreira de tiro não nos permite afirmar com toda a certeza de que tal foi efectivamente construído e utilizado;
    c) – Fazendo apelo aos conhecimentos gerais, se tal zona fosse destinada às instalações militares tal como se planeava, devia existir outras instalações complementares de fim militar encontradas hoje no local, mas pela vista, não há provas disto carreadas para os autos;
    d) – Tal como resulta dos elementos juntos aos autos e também da confissão do próprio Recorrente/2º Réu, foi deduzida oposição relativa ao montante indemnizatório da expropriação na altura por pessoa com legitimidade para este efeito, e assim houve processo de recurso que foi julgado pelo Tribunal de Goa, como não se encontram papéis deste processo, desconhece-se o destino deste processo e a decisão final do mesmo. Justamente por esta razão não podemos afirmar com toda a certeza que tudo correu tal como se planeava pelo então Governo.
    e) – Mais, tal como anteriormente afirmamos, se o plano de expropriação fosse levado até final, então em 1997, altura em que o Governo de Macau, Território ainda sob administração portuguesa, porque é que não reclamava naquele momento a propriedade do terreno? Tinha todas as condições para o fazer, tendo em conta que existia ainda um comando em Macau com presença de militares a prestar serviços também em Macau. Existe um chavão jurídico: o Direito não protege o dorminte de direito! Ditame que vem já dos tempos dos Romanos!
    
    Pelo que, é de indeferir o pedido de alteração das respostas dadas aos quesitos 20o e 21o da base instrutória, julgando-se improcedente o recurso e confirmando-se a decisão recorrida.

*
    
   Parte C: fls. 2245 a 2253 das alegações:
    (Esta parte é composta por 5 sub-itens: A a E).
    
   Sub-item A e B:
    
    Nesta parte, a Recorrente/1ª Ré veio a atacar a matéria sobre a localização e descrição do terreno em causa e ainda as respectivas plantas:
    
    A Recorrente/1ª Ré veio a defender que o Tribunal recorrido fez uma análise errada das provas produzidas, entendo que as respostas dos quesitos 1º a 4º devessem ser negativas, voltando a tocar a mesma matéria que o 2º Réu/Recorrente veio a atacar.
    Ao analisarmos o recurso interposto pelo 2º Réu/Recorrente, já gastamos muita tinta nesta matéria, os argumentos aí produzidos valem perfeitamente para aqui e nesta parte, acrescentamos ainda o seguinte:

    Com base nas duas plantas cadastrais definitivas de fls. 309 e 1442, enquanto documentos com prova plena, quanto à área, localização e confrontações do terreno, pois foram exarados, com as formalidades legais impostas pelo Decreto-Lei n.o 3/94/M, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC - , nos limites da sua competência definida no artigo 1o do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, são autênticos à luz do n.o 2 do artigo 356o e do artigo 363o do CC, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, no artigo 14o daquele Decreto-Lei, e também nos termos gerais do artigo 365 o do CC.
    
    Assim, a força probatória das referidas plantas cadastrais definitivas, atento o disposto no artigo 366º do CC, “só pode ser ilidida com base na sua falsidade”, através do incidente regulado nos artigos 571º e seguintes do CPC, deduzido no prazo de 10 dias a contar da sua apresentação.”
    
    A este respeito, importa clarificar que constam dos autos, a fls. 99 e 129, cópias da planta definitiva de fls. 309 (datada de 5 de Agosto de 2008), desde 24 de Julho de 2009, reproduções mecânicas, cuja exactidão não foi impugnada pelos RR, o que, tendo as consequências previstas no artigo 361º do CC, significa que os Réus tinham de ter deduzido o referido incidente uma vez notificados da petição inicial.
    
    A Recorrente (à semelhança do 2o R.) não alegou, em tempo, a falta de autenticidade ou a falsidade das referidas Plantas, pelo que não pode vir fazê-lo em sede de recurso.
    
    Verificando-se que as plantas cadastrais definitivas são um meio de prova dotado de força probatória especial atribuída por lei, que abrange, por força do disposto no 14o Decreto-Lei n.o 3/94/M, a área, a localização e as confrontações do Terreno, enquanto o seu conteúdo fosse ilidido ou impugnado devidamente, não podem os Réus socorrer-se, em face do disposto o n.o 2 do artigo 387o do CC, de prova testemunhal (que, de resto, não lograram produzir) para infirmar estes factos.
    
    Refira-se, ainda, que a Recorrente confunde o conceito de documento autêntico – que o n.o 2 do artigo 356o do CC define como sendo “os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, por notário ou por oficial público provido de fé pública”, pelo que à luz deste artigo tanto as plantas cadastrais provisórias como as definitivas são documentos autênticos – com a questão da diferente abrangência da força probatória que os vários documentos autênticos podem ter, sendo que a força probatória (plena) das plantas definitivas não se encontra por referência à norma geral do artigo 365o do CCM, mas em disposição especial (o artigo 14o do Decreto-Lei 3/94/M).
    
    De qualquer modo, mesmo em sede de incidente, a Recorrente sempre teria, para ilidir a força probatória especial plena atribuída pelo artigo 14o do Decreto-Lei 3/94/M, às plantas supra referidas, e atento o disposto no artigo 340o do CC, que alegar e provar a existência do facto oposto, i.e. que o terreno reivindicado tem outra área (identificando-a), outra localização (identificando-a) e outras confrontações (identificando-as) coisa que nunca fez.
    Pois, o artigo 14º (Valor jurídico das plantas definitivas) do citado DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro, dispõe:
1. A planta cadastral definitiva é título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações.
2. A planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere aos elementos de identificação física mencionados no número anterior.
3. Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo predial, a identificação física dos prédios não pode ser feita em contradição ou desarmonia com a planta cadastral definitiva no que se refere aos elementos mencionados no n.º 1.
    
    Importa também salientar, ainda no que respeita à força probatória das plantas definitivas e porque a Recorrente/1ª Ré vem, por diversas vezes, tentar extrair conclusões quanto à situação jurídica dos prédios retratados em plantas cadastrais provisórias, plantas emitidas por entidades sem competência para o efeito e meras informações cadastrais constantes dos autos, que a força probatória das plantas definitivas não abrange a definição da situação jurídica dos prédios, competência que pertence ao Registo Predial conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei 3/94/M, do artigo 14o, a contrario, do mesmo diploma e do artigo 1o do CRP.
    
    Por outro lado, não há qualquer conclusão a extrair do facto de a Autora ter procedido à junção aos autos, a fls. 61, de uma planta do terreno emitida para efeitos judiciais, a fim de nela se indicarem as parcelas do terreno ocupadas pela Recorrente com construções, barracas, alpendres e caixas de electricidade - informação que não consta (nem tinha de constar) das plantas definitivas de fls. 309 e 1442.
    
    Com efeito, a emissão daquela planta provisória em nada contende com a força probatória das plantas de fls. 309 e 1442, antes torna mais evidente, por comparação entre o seu conteúdo, que estas são definitivas:
    (i) porque contêm todos os elementos impostos pelo artigo 4o do referido Decreto-Lei 3/94/M;
    (ii) porque não têm nenhuma declaração de exclusão quanto à sua força probatória, nem imputam os factos ali certificados quer porque exclui expressamente a sua força probatória, quer porque imputa os factos ali certificados à mera declaração da respectiva requerente.
    
    Acresce, por outro lado, que, atento o disposto no n.o 2 do artigo 14º do referido diploma, a planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere à localização, área e confrontações dos prédios.
  
    É igualmente o que resulta do artigo 25º do CRP, que impõe a harmonização dos elementos das descrições prediais com os elementos fornecidos pelo cadastro, por meio das plantas cadastrais, quanto à localização, área e confrontações dos prédios – e não o inverso como alega, contra legem, a Recorrente/1ª Ré.
    
    E a propósito da harmonização dos elementos das descrições prediais com os elementos fornecidos pelo cadastro, importa também clarificar que a descrição predial ... (cfr. fls. 52), aberta há mais de 100 anos, sob a apresentação n.o 2 de 15/11/1913, não carece de ser rectificada, mas, tão-só, actualizada em harmonia com aquelas que são actualmente, no local, as suas confrontações, fruto das naturais alterações que ocorreram naquela zona ao longo de um século.
    
    E diga-se, também, por uma questão de rigor, que não há qualquer discrepância entre as confrontações vertidas na escritura pública mencionada na alínea a) dos factos assentes e as constantes da descrição predial ..., facto que resulta do mero confronto de fls. 42 com fls. 52.
    
    Refira-se, ainda, que a Recorrente/1ª Ré confunde o processo de criação do cadastro geométrico dos terrenos do, então, Território de Macau, levado a cabo, freguesia a freguesia, na década de 90 do século passado, regulado no Decreto-Lei n.o 3/94/M, que culminou, no que respeita à freguesia de Nossa Senhora do Carmo, com a publicação no Boletim Oficial da data (não das plantas) a partir da qual as plantas daquela freguesia de converteram em definitivas (27/03/1998), fixada no despacho referido na alínea O) dos factos assentes, com as competências e atribuições próprias da DSCC conferidas pelo artigo 2º do Decreto-Lei 70/93/M, de 20 de Dezembro, para emitir as plantas definitivas que lhes sejam solicitadas pelos cidadãos ou organismos públicos, elaboradas em cumprimento do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9º do mesmo diploma, ficando as mesmas sujeitas (com as devidas adaptações, já que o despacho referido no no 2 do artigo 3o respeita tão-só ao processo de criação do cadastro geométrico de cada freguesia, sendo publicado uma vez por cada freguesia), conforme dispõe o nº 1 do artigo 3o daquele primeiro Decreto-Lei, ao processo de aprovação como definitivas previsto nos artigos 5º a 12o do mesmo diploma, estatuindo o nº 1 deste último artigo que:
“Não deduzindo os interessados qualquer oposição escrita no prazo de 30 dias, a planta a que respeita a reclamação considera-se aprovada nos termos do n.o 1 do artigo 3º, sendo emitida em conformidade com o que tiver sido decidido”.
    Acresce, por outro lado, que o facto de a Administração emitir plantas cadastrais que não coincidem visualmente com o modelo referido no no 3 do artigo 2o do Decreto-Lei 3/94/M só à própria Administração pode ser imputado, pelo que não pode vir a mesma, em claro abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, vir opor essa mera irregularidade aos seus administrados, mormente quando se constata que as plantas de fls. 309 e 1442 contêm todos os “elementos das plantas” impostos pelo artigo 4º daquele diploma.
    Acresce que as plantas cadastrais de fls. 309 e 1442 não são o único elemento probatório constante dos autos que confirma a resposta dada aos quesitos 1o a 4o da base instrutória. Ou seja:
    
    - Veja-se o ofício de fls. 1450 dos autos, n.o 1571/CADIV/02.01.185/5478/2009, de 30 de Setembro de 2009, remetido pelo Director da DSCC ao MP, a pedido deste, confirmando expressamente os factos vertidos nos artigos 1o, 3o (do qual foi retirada a matéria constante dos quesitos 1º a 4º da base instrutória) 7o e 8o da petição inicial apresentada pela Autora;
    
    - E, recordem-se ainda as declarações prestadas na sessão de 20 de Março de 2014, por R, Director da DSCC, supra transcritas, onde o mesmo explica porque é que a DSCC concluiu que as confrontações actuais do terreno ora reivindicado, constantes das respectivas plantas cadastrais definitivas são totalmente compatíveis com as confrontações originais da descrição predial ... e incompatíveis com as confrontações da descrição ... (cfr. fls. 1019) referente aos terrenos desafectados da zona militar.
    
    - Com efeito, resulta da descrição ... (a fls. 51), aberta em 1913, que o prédio a que a mesma respeita confronta a Oeste com um terreno ao sopé da montanha de Choc Ca Chun ou Cheoc Ca Chun (sendo que “Choc Ca Chun” quer dizer “povoação de Choc Ca”, povoação que constitui uma das confrontações Sul da descrição ..., antiga zona militar, conforme se lê a fls. 1019), e a Leste com um terreno ao sopé da montanha denominada Lam Ca Chun ou Lam Ka Chun (sendo que “Lam Ca Chun” quer dizer povoação de “Lam Ca”, povoação que não integra as confrontações da descrição ...).
    
    - Resulta, igualmente dos autos que a povoação de Choc Ca, que ainda hoje existe, fica a Sul do morro da Universidade (veja-se, por exemplo a planta de fls. 1506) e que a antiga povoação de Lam Ka ficava em frente ao cemitério católico sito na actual Estrada Coronel Nicolau de Mesquita, numa parte do local onde actualmente se encontra implantado o “Edifício do Lago”, lote inicialmente designado por TN/27 e assinalado com a letra A na planta de fls. 718, e, assim, a Sudeste do terreno demarcado a fls. 309.
    
    - Assim, facilmente se conclui, mormente em face da planta de fls. 1506, que as confrontações Oeste e Leste constantes da descrição predial ... são totalmente coincidentes com o Terreno de fls. 309 e 1442, assinalado na planta de fls. 1506 com a letra B e incompatíveis com a antiga zona militar (da descrição ...), assinalada na planta de fls. 1506 com a letra A.
    
    - De resto, esta proximidade do terreno com a antiga povoação de Lam Ka Chun – que resulta do facto de ele confrontar a Leste com terreno ao sopé da montanha denominada Lam Ca Chun (vide descrição original manuscrita de fls. 51) –, resulta patente do próprio processo de expropriação (nunca concluído, por não haver evidência de ter sido proferida a necessária sentença final, nem comprovativo do pagamento da indemnização devida ao expropriado), mais concretamente de fls. 740, in fine, onde se lê que o auto de vistoria ao terreno, de fls. 54 do processo de expropriação, foi feito “(…) aos treze dias do mez de Novembro nesta vila da Taipa e logar denominado Lam-Ka-Chun (…) ” e, a final de fls. 755 verso, onde se lê que o auto de vistoria ao terreno, de fls. 20 do processo de expropriação, foi feito “(…) aos dois dias do mez de Dezembro na vila da Taipa e sítio denominado Lam-Ka-Chun (…)”.
    
    - Por outro lado, resulta igualmente da descrição ... (a fls. 51) que o prédio a que a mesma respeita confronta a Norte com terreno ligado à praia, saltando à vista de qualquer pessoa em face da planta de fls. 1506 que o terreno demarcado nesta com a letra A, da antiga zona militar - com qual o Terreno de folhas 309, aqui assinalado com a letra B, confronta a Norte – é um terreno ligado à antiga praia de Pac On.
    
    - Resulta, por fim, da mesma descrição que o mesmo confronta (leia-se, em 1913) a Sul com um cemitério chinês.
    
    Ora, quanto à confrontação Sul do terreno reivindicado, recorde-se as declarações supra transcritas do Director da DSCC – segundo o qual a Sul do terreno de fls. 309 havia cemitério – e leiam-se, agora, as seguintes transcrições do depoimento prestado pela Sra. Dra. G, Chefe do Departamento Jurídico da DSSOPT – cfr. documentação da sessão de julgamento de 29 de Maio de 2015, (Translator 1, 29-May-2014 at 12.22.38 (1)UWM-4W02711270, do minuto 02:30 ao minuto 02:38).
    A Testemunha: “Sim, nesta zona existem campas, quando se vai para o TN/27” (do minuto 02:58 ao minuto 03:10).
    A mandatária: “Portanto foram encontradas campas, existiam campas, também a Sul deste terreno que está aqui demarcado”.
    A Testemunha: “Sim.”
    A mandatária: “Não há dúvidas nenhumas relativamente a isso?”
    A Testemunha: “Sim.” (do minuto 27:02 ao minuto 27:42)
    A mandatária do interveniente Principal: “Aquilo que lhe pergunto é: em 1913, data em que a descrição, as confrontações foram feitas, se sabe se estava de facto um cemitério chinês ou se poderia estar a referir-se às campas que estavam aqui mais abaixo. Sabe em 1913 onde é que estava o cemitério chinês?”
    A Testemunha: “Ainda nem era nascida e, portanto, não, não há processos no arquivo da Comissão de Terras que…”
     A mandatária do Interveniente Principal: “Aquilo que lhe pergunto é: a confrontação quando diz a Sul um cemitério chinês poderia, não sabemos, mas poderia estar-se a referir a campas mais a Sul que todos nós sabemos que existem?”
    A Testemunha: “Sim, podia”.
    (…).
    Destarte, a confrontação Sul constante da descrição ... - “cemitério chinês” - é plenamente compatível com a demarcação de fls. 309 e 1442, porquanto existiam e foram encontradas campas a Sul do mesmo, designadamente nas vias abertas para acesso ao TN/27 assinalado com a letra A na planta de fls. 718.
    
    Refira-se, por outro lado, que não corresponde à verdade a alegação da Recorrente de que o Terreno demarcado a fls. 309 fosse o “Cemitério Chinês” indicado na descrição ... como confrontando a Sul com esta, porquanto:
    a) Não existem nos autos quaisquer documentos contemporâneos à abertura da descrição ... – i.e. datados de 1913 ou mesmo das décadas seguintes –, que suportem essa afirmação, facto sem o qual é totalmente irrelevante para os presentes autos a circunstância de, 80 anos depois, terem sido encontradas e transladadas (não só mas também) do terreno sepulturas soltas executadas em data que se desconhece;
    b) Basta sobrepor o terreno demarcado na planta de fls. 309 (que tem a área global de 24 498 m2) à parcela B4 referida na planta de fls. 1128 a 1130 (que tem a área global de 29 255 m2), fazendo coincidir o entroncamento visível na esquina noroeste daquele com igual entroncamento visível nesta última planta, para se constatar que mesmo na década de 90 ainda existia a área de sepulturas a Sul do Terreno de fls. 309, designadamente nos acessos ao TN/27 (assinalado com a letra A na planta de fls. 718);
    c) Se o Terreno de fls. 309 fosse, como a Recorrente (sem fundamento) afirma, “o Cemitério Sa Kong” – e não uma parcela ilegalmente ocupada por populares com sepulturas –, então, e uma vez que conforme resulta da planta de fls. 1506 o terreno da antiga zona militar, descrito sob n.o ..., ali assinalado com a letra A, confronta a Sul com o Terreno demarcado a fls. 309, ali assinalado com a letra B, em toda a extensão deste, a referida descrição ..., aberta em Maio de 1978, teria necessariamente de mencionar na sua confrontação Sul “cemitério chinês”, o que consabidamente não sucede já que a confrontação Sul da referida descrição n.o ... (fls. 1019), é “terreno do Estado, povoação de Cheoc Ka Chun e hortas”,
    d) Atentas as confrontações constantes da descrição ..., a antiga zona militar só confrontava a Este com um cemitério chinês, que era o cemitério chinês construído no terreno concedido para o efeito em 1936, situado a Norte do Terreno de fls. 309, conforme resulta do confronto entre a parcela A de fls. 1506 e a parcela A de fls. 1128 e 1129), e
    e) Os únicos três terrenos sitos naquela zona que foram concedidos para cemitério pela 1ª R. (em 1936, em 1993 e em 1996, respectivamente, parcelas A, C e B3 a fls. 1128), situam-se a Norte do terreno de fls. 309;
    f) Pelo Tribunal recorrido foi feita a inspecção ao local, conforme acta de fls. 1882, tendo registado o seguinte conteúdo: a instâncias do Meritíssimo Juiz Presidente a quo: “E estas campas situavam-se aqui em que zona?”, a Testemunha: “Desde aquela Avenida, toda esta zona mas até onde não sabe precisar.”, Meritíssimo Juiz Presidente: “Havia campas? Mas campas de quando?”, a Testemunha: “Só tenho conhecimento daquelas valas comuns.”, Meritíssimo Juiz Presidente: “É que a área que me está a indicar que havia campas também, é sem sombra de dúvida onde estava a carreira de tiro!” (2014.7.10 - Visita ao local / 新資料夾(4) / REC020, do minuto 00:51 ao minuto 01.32), o que vem demonstrar que na década de 90, toda a área a Norte do TN/27, incluindo o terreno reivindicado e, a Norte deste, o terreno da antiga carreira de tiro, tinha sido invadida por sepulturas soltas, sendo certo que a zona militar, onde a carreira de tiro se integrava, só foi desactivada na década de 70 do século 20 (cfr. fls. 1023).
    Acresce, por outro lado, que também o relatório pericial de fls. 571 e seguintes confirmou integralmente as respostas dos quesitos 1o a 4o da Base instrutória.
    Realce-se aqui mais uma vez, que não se confunde entre os documentos autênticos - que as plantas definitivas o são - com a susceptibilidade de impugnar o conteúdo constante desses mesmos documentos autênticos. Tal como acontece com as escrituras públicas de compra e venda de imóveis, o documento em si é autêntico, mas o conteúdo nele consignado pode ser ilido por outros meios probatórios idóneos!
    Relativamente este ponto, já tivemos a oportunidade de fazer uma análise detalhada, aqui ficamos dispensados de repetir tudo aquilo que foi dito em sede da apreciação do recurso interposto pelo 2º Réu/Recorrente, sendo reproduzido aqui para todos os efeitos legais.

    Tudo isto contribuiu para a formação da convicção do julgador, não se verificando qualquer erro censurável, por não se encontrar meios probatórios que imponham uma decisão diversa da tomada pelo Tribunal recorrido, tal como manda o artigo 599º/1 do CPC.

    Em suma, para além das plantas definitivas de fls. 61, 309 e 1442 – cuja força probatória os RR. não ilidiram –, sobeja prova nos autos para suportar a resposta dada pelo douto Tribunal a quo aos quesitos 1º a 4º da base instrutória, motivo pelo qual o douto Tribunal a quo deu como provada, e bem atentas as normas supra citadas que assim o impõem, a matéria vertida nos quesitos 1o a 4o da base instrutória, com os fundamentos explanados a fls. 1888 verso e 1889, julga-se improcedente o recurso nesta parte e confirma-se a decisão de matéria de facto sobre a matéria em causa.
    
    Ora, dando-se como provados os quesitos 1o a 4o da base instrutória, tem necessariamente de dar-se como não provado – como bem julgou o douto Tribunal a quo – o quesito 20o da mesma, porquanto resulta claro da planta de fls. 1506, que demarca, com a letra A, a descrição dos Terrenos desafectados da zona militar (...) e, com a letra B, a descrição ..., que as mesmas confinam entre si e não se sobrepõem.
    
    Face ao expendido, improcede também esta parte do recurso da 1ª Ré/Recorrente.
*

   Sub-item C (fls. 2260/verso a 2261):
   
    Nesta parte, a Recorrente/1ª Ré veio a atacar a classificação do terreno em causa:
    
    No entender da Recorrente, o terreno foi inicialmente integrado no domínio público, depois no domínio privado do então Território, e como tal o Tribunal recorrido não pode proceder à divisão dele, pois estão nele construídas coisas públicas. Pelo que, a Recorrente defende que o Tribunal recorrido apreciou erradamente as provas, porque o terreno reivindicado pela Autora devia ser outro e não do sob descrição ....
    Ora, sobre esta matéria e estas questões, em face dos argumentos por nós tecidos na parte sufra, na parte respeitante ao vício e) do artigo 571º do CPC, invocado pelo 2º Réu - são reproduzidos os argumentos aí produzidos por nós que valem perfeitamente para aqui -, obviamente improcedem os argumentos da Recorrente nesta parte.
    Julga-se por isso improcedente também esta parte do recurso.
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   Sub-item D (fls. 2261/verso a 2265):
   
    Nesta parte, a Recorrente/1ª Ré veio a atacar a posição do Tribunal recorrido sobre a configuração do terreno em causa:
    
    Ora, é certo que foi ordenada a perícia para tentar saber a configuração possível do terreno em causa, mas é apenas uma prova de valor secundário, e o seu valor probatório está sujeito à livre apreciação do julgador face ao disposto no artigo 383º do CCM.
    - E, tal como anteriormente afirmamos, o registo do terreno foi feito há mais de um século, é impossível que no local não há alterações geográfica e morfológicas.
    - Ponderadas as provas feitas e juntas aos autos, é da convicção do Tribunal ad quem que não se verifica erro notório na apreciação de provas. São reproduzidos para aqui os argumentos tecidos por nós acerca da impugnação da matéria constante do quesito 1º a 4º que valem igualmente para esta parte.
    Nestes termos, julga-se também improcedente o recurso nesta parte interposto pela Recorrente.
*

   Sub-item E (fls. 2265 a 2280/verso):
   
    Nesta parte, a Recorrente/1ª Ré veio a suscitar dúvidas sobre o título adquisitivo de terreno, a sucessão hereditária:
    
    Sobre este ponto, importa realçar o seguinte:
    - Por mais tintas que a Recorrente gastasse, não pode vencer a sua posição porque não há factos provados que permitam sustentar a sua versão fáctica;
    - Numa acção judicial, não bastam deduções ou imaginações, é preciso ter factos assentes para sustentar uma determinada versão;
    - Perante a escritura pública de habilitação lavrada pelo notário competente, e não ausência de provas que infirmem a veracidade dos factos e declarações, não se pode concluir que as declarações constantes de tais documentos autênticos não correspondessem à verdade.
    - Pelo que, subscrevemos inteiramente a posição do Tribunal recorrido e se reproduzem aqui os argumentos por ele produzidos.
    Além disso, acrescentamos ainda o seguinte:
    
    É inatacável a resposta dada ao quesito 25o – Não Provado –, bem quanto ao mais que se decidiu, a fls. 1993, a propósito da escritura pública de habilitação de herdeiros.
    Salvo o devido respeito, na ausência de provas, não se vislumbra como possível uma declaração de nulidade da escritura de habilitação nos presentes autos, quando o notário que a lavrou, os seus outorgantes e demais intervenientes, bem como os interessados e beneficiários do registo de propriedade a que a mesma serviu de título não foram, tidos nem achados nos presentes autos, assim como também não o foi, certamente por não existir, qualquer alegado herdeiro dos habilitandos que se considerasse preterido pela referida habilitação.
    Desde logo porque não foi produzida nos autos qualquer prova testemunhal quanto à referida habilitação de herdeiros, nem sequer questionada qualquer testemunha sobre os factos vertidos nos quesitos a que a mesma se refere, sendo certo que tal matéria não é passível de ser extraída dos documentos juntos aos autos pelos Recorrentes, que tratando-se de certidões de óbito, de casamento, de baptismo e de nascimento, apenas provam que alguém declarou que as pessoas nelas mencionadas (e não outras), respectivamente, morreram, casaram, foram baptizadas e nasceram.
    E refira-se a este propósito que não corresponde à verdade a afirmação vertida pela Recorrente/1ª Ré no parágrafo 9o das conclusões das suas alegações, porquanto a douta Decisão Recorrida, por um lado, nunca “reconheceu” que “C deixou, à data da sua morte, dois herdeiros” – mas tão-só que deixou dois filhos (que sendo ilegítimos não seu herdeiros à luz do Código de Seabra –, assim como também nunca “reconheceu” que o terreno com a descrição ... foi afecto ao domínio público da RAEM” – mas tão-só a parcela ocupada com estradas pela Recorrente, de 4.235 m2, em face da destinação que lhe foi dada –, pelo que, nesta parte, a douta decisão recorrida não padece da nulidade prevista na alínea c) do n.o 1 do artigo 571o do CPC.
    Acresce que os Réus não provaram que os declarantes sabiam que C teria (alegadamente) deixado dois filhos (ilegítimos) e que, não obstante, omitiram intencionalmente esse (alegado) facto.
    E não se alegando e provando que os declarantes tinham conhecimento de tal facto, como é que poderia dar-se como assente terem os declarantes prestado intencionalmente falsas declarações na escritura de habilitação de herdeiros mencionada em F)?
    De resto, a Recorrente/1ª Ré em momento algum alegou ou provou que a própria D e a família desta tivessem conhecimento da existência destes alegados filhos ilegítimos de C.
    Acresce que, com o falecimento de C, a D, sua cônjuge sobreviva, assumiu a qualidade de Meeira da massa comum do casal, porquanto, atento o disposto nos artigos 1121o a 1123o do Código de Seabra, com a dissolução do casamento teria direito a metade da mesma, bem como continuaria na posse e administração dos bens do casal enquanto se não ultimassem as partilhas.
    Com efeito, verificando-se do assento de casamento de fls. 948, que C e D nada ali convencionaram quanto aos seus bens, determina o artigo 1098o do Código de Seabra, que o seu casamento foi feito segundo os costumes do reino, que, conforme dispõe o artigo 1108o do mesmo Código, “consiste na comunhão entre os cônjuges, de todos os seus bens presentes e futuros não exceptuados na lei”.
    Ora, resulta a contrario do artigo 1109o do Código de Seabra, que os bens imóveis adquiridos por compra e venda por um dos nubentes não é um dos bens excepcionados da comunhão.
    Concluindo-se, assim, com clareza, que com o casamento de fls. 948, o terreno reivindicado nos presentes autos passou a ser um bem comum de C e de D.
    Assim, o terreno reivindicado nos presentes autos sempre fazia parte do acervo da herança aberta por morte de D.
    Quanto aos dois (alegados) filhos que (alegadamente) sobreviveram a C, relembre-se que os mesmos eram ilegítimos, pelo que, atento o disposto no artigo 1989o do Código de Seabra, eles só herdariam de C, “sendo perfilhados ou reconhecidos legalmente”.
    Ora, a Recorrente/1ª Ré, não obstante vir agora em sede de recurso alegar que os (alegados) filhos (ilegítimos) que sobreviveram a C afinal foram perfilhados, não fez qualquer prova dessa perfilhação já que não consta dos autos qualquer documento da perfilhação - (vide artigo 124o do Código de Seabra), no qual C teria de declarar, nomeadamente, não se tratar de filho espúrio insusceptível de perfilhação nos termos dos artigos 122o e 134o do Código de Seabra -, comprovativo de terem os referidos filhos ilegítimos de C sido perfilhados por este através de um dos meios legais previstos no artigo 123o do mesmo Código.
    Pelo que não foi produzida qualquer prova nos autos que demonstre que os dois (alegados) filhos ilegítimos de C fossem herdeiros legais deste à luz do Código de Seabra.
    Mais, não sendo conhecida a maternidade dos (alegados) dois filhos (ilegítimos) que sobreviveram a C (vide certidões de nascimento de fls. 1214, 1215 e 1216), até se podia dar o caso – por imaginação - de os mesmos serem também filhos ilegítimos de D (em qualquer caso e em face dos documentos constantes dos autos, não legitimados, nem perfilhados nos termos legais impostos pelos artigos 119o e 123o do Código de Seabra), fruto de relação entre ambos anterior ao casamento.
    Por outro lado, não foram juntos aos autos quaisquer documentos relativos aos alegados netos (ilegítimos) de C, pelo que os RR. não alegaram nem provaram se os mesmos existiram de facto, se, tendo efectivamente nascido, sobreviveram ou não à Mãe, e se, tendo sobrevivido à Mãe, sobreviveram ou não à D.
    Ora, no que concretamente respeita à resposta dada ao quesito 25o, a douta decisão de facto é muito clara ao consignar a fls. 1892 que o mesmo “Não foi dado por assente porquanto os documentos juntos a fls. 948 e seguintes, com vista à prova deste facto, não são suficientes para o efeito uma vez que fica em falta a identificação de vários antepassados, sendo certo que o que se pergunta neste item é “relação de parentesco” não se indicando qual nem o grau” (sublinhados nossos).
    Refira-se, de resto, para demonstrar a manifesta insuficiência dos documentos juntos aos autos pelos Réus, que a redacção original do artigo 1971o do Código de Seabra consignava na lista de sucessíveis, no seu n.o 5, os transversais não compreendidos no n.o 3 (irmãos e seus descendentes), até ao décimo grau, posteriormente alterado para até o sexto grau,
    Sendo certo que dos documentos juntos pela Recorrente/1ª Ré para prova deste quesito, não resulta que os habilitados não tivessem com D uma relação de parentesco até ao grau previsto na lei aplicável.
    Por fim, diga-se o óbvio, ainda que a Recorrente/1ª Ré tivesse provado(e não provou nos termos vistos por nós) que os habilitados não eram os únicos herdeiros da D, sempre se diria que esse facto não retiraria a estes a sua qualidade de herdeiros daquela, antes cabendo aos herdeiros preteridos, os únicos com legitimidade para o efeito – e da prova produzida não resulta que exista algum, até porque se existisse certamente teria sido arrolado como testemunha nos presentes autos –, instaurar a necessária acção de petição da herança, na qual, quando muito, e atento o disposto no artigo 2165o do Código de Seabra, seriam os habilitados obrigados a compor ao preterido a sua devida parte em moeda corrente.
    Quanto ao demais, reproduzimos aqui todos os argumentos por nós tecidos aquando da apreciação do recurso interposto pelo 2º Réu/Recorrente.
    Em face do que se conclui que os pedidos formulados pela Recorrente, quer quanto à resposta dada ao quesito 25o, quer quanto à nulidade da escritura de habilitação de herdeiros, são manifestamente improcedentes.
    
    Prosseguindo, a douta decisão, salientando que como a expropriação não foi registada o terreno continuou registado em nome C e, posteriormente, em nome dos habilitados, tendo sido vendido por estes e volvidos uns anos, novamente vendido agora a Autora (tudo nos termos dos factos provados designados na douta decisão recorrida como a) e c) a g)), sem que a Recorrente/1ª Ré alguma vez tenha reclamado, em sede própria, ser a proprietária do mesmo e pretender ser reconhecida como tal, pedido que de resto também não formulou – e atento o disposto nos artigos 212o e 217o do CPC já não pode formular – nos presentes autos.
    Por outro lado, não se tendo demonstrado que estes adquirentes (leia-se a A. e a sua antecessora imediata) soubessem que o mesmo havia sido expropriado e pertencia à RAEM, e tendo a reconvenção sido registada quase 10 anos depois do registo da aquisição do mesmo em nome da A. (cfr. fls. 325 e fls. 329), “ face ao disposto nos n.os1, 2 e 4 do art.o 284o do C.Civ. é inócuo estar a apreciar da validade da sucessão no que concerne à titularidade do bem uma vez que a reconvenção quando é registada, há muito que havia decorrido o ano indicado no n.o 2 do referido preceito legal e ainda que assim não fosse também não se demonstrou que os adquirentes não estivessem de boa-fé”, pelo que “a Autora adquiriu o prédio a que se reportam os autos, mas apenas no que concerne à parcela de 20,263 m2”.
    Quer isto dizer que o douto Tribunal a quo decidiu, no que respeita à parcela ocupada pelo IACM, de 20,263 m2, no sentido que a A. sempre defendeu, i.e. que a (alegada mas não provada) expropriação, na ausência do respectivo registo, e porque assim o determina o artigo 5º do CRP, nunca consubstanciaria qualquer direito dos Réus que fosse oponível à A., atenta a protecção que lhe era dada, enquanto adquirente de boa fé a non domino, pelo artigo 284o do CC, pelo que jamais poderia obstar à procedência da presente acção.
    Era, também, o que já resultava, do parecer de fls. 251 a 254 dos presentes autos a que alude a alínea ff) da factualidade provada na decisão recorrida, datado de 30 de Novembro de 2000, proferido pelo Ministério Público em representação da Recorrente/1ª Ré, no âmbito do tal processo administrativo n.o 289/99, de que a Recorrente tanto fala mas que nessa parte omite, destinado a instaurar eventual acção de nulidade dos registos referidos nas alíneas E) e F) dos factos assentes, onde se lê:
    “Não há lugar de propor uma acção de nulidade de registo nos termos do artigo 284o do CC de 1999, pois além de faltar provas suficientes e ter ultrapassado 3 anos posteriores à conclusão do negócio inválido, o facto essencial é que antes da conclusão da aquisição do terreno em causa, o transmitente já tinha efectuado o registo de aquisição a seu favor, sendo assim, o actual proprietário do referido terreno, Companhia de Construção e Fomento Predial I, Limitada, é protegida pela fé pública registral, com fundamento no desconhecimento do vício e na existência dum registo a favor do vendedor, reforçando-lhe a confiança na validade do acto subjacente. Em suma, em matéria de direito, só há lugar a propositura de acção de nulidade de registo previsto no artigo 284o do C. Civil, quando preenche todos os requisitos estipulados naquele preceito, além demais, ainda exige a inexistência de registo de aquisição a favor do transmitente.”
    Realce-se, ademais, que a boa-fé da Autora (e da sua antecessora) nos presentes autos é indiscutível, porque o terreno estava registado definitivamente em nome dos seus transmitentes melhor identificados na referida alínea f) (cfr. certidão predial com todas as inscrições em vigor e não em vigor de fls. 50 a 60), tal como estavam definitivamente registadas todas as aquisições anteriores, pelo que a Autora (bem como a sua antecessora), como qualquer outra pessoa medianamente diligente colocada perante aqueles registos, não tinha qualquer motivo para pensar que as aquisições registadas pudessem padecer de qualquer vício e confiou na veracidade daqueles registos.
    Assim, em face dos factos alegados e provados, tanto a Autora, como a sua antecessora, são terceiras de boa-fé nos termos do disposto no n.o 4 do artigo 284o do CC, porquanto, não revelando o registo qualquer irregularidade na escritura de habilitação de herdeiros – como de resto, não podia já que nada se provou quanto a esta – ou menção à alegada expropriação, desconheciam, no momento das respectivas aquisições, sem culpa, quaisquer vícios de que pudessem padecer os negócios em causa.
    Pelo que, improcede também esta parte do recurso da Recorrente/1ª
Ré.
    Concluindo, face ao expendido, na ausência dos vícios alegados, julga-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente/1ª Ré.
    
*
    Síntese conclusiva:
    I – Para que este TSI possa atender à eventual divergência quanto ao decidido, no Tribunal recorrido, na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, pois não se deve ignorar que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 558º do CPC.
    II - As plantas cadastrais definitivas são documentos exarados, com as formalidades legais impostas pelo DL n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, pela autoridade pública competente em razão da matéria e do lugar para o efeito - a DSCC - , nos limites da sua competência definida no artigo 1º do referido diploma e dentro do círculo de actividade que o mesmo lhe atribui, sendo, por isso, documentos autênticos à luz do n.º 2 do artigo 356º e do artigo 363º do CCM, com a força probatória plena estatuída em legislação especial, mormente no artigo 14° daquele Decreto-Lei, sem prejuízo de que o seu conteúdo seja impugnável por meios probatórios idóneos nos termos legalmente fixados.
    III – Enquanto não forem impugnadas nos termos legais, nomeadamente mediante incidente de falsidade ao abrigo do disposto no artigo 366º do CCM, ou outros meios probatórios idóneos; as plantas cadastrais definitivas são provas bastantes para comprovar a área, localização e as confrontações de terreno a que as mesmas se referem, por força do disposto no artigo 14º do DL nº 3/94/M, de 17 de Janeiro.
    IV - A função do registo predial é assegurar a quem adquire um direito de certa pessoa sobre um prédio, pois o registo predial definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
    V – A realidade factual constante das plantas cadastrais definitivas podem ser actualizada ou corrigida mediante provas bastantes e nos termos do citado DL. Quando tal realidade é confirmada através dos depoimentos das testemunhas conhecedoras da matéria, e a decisão sobre a matéria de facto foi tomada em conformidade pelo Tribunal recorrido, não se verifica erro na apreciação das provas.
    VI - É do entendimento comum dos aplicadores do direito que, em situações normais, ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação. Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor da transmitente à data em que a Autora dele a adquiriu derivadamente, em situações normais, não necessita a Autora de produzir afirmações acerca da aquisição pela transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações.
    VII - Numa acção de reivindicação, para que esta tenha êxito, à Autora compete alegar factos dos quais resulte a aquisição da propriedade, por si ou pela pessoa que lha transmitiu, ou alegar que beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artigo 7º do CRP). Uma vez reconhecido o direito de propriedade reivindicada, há lugar à consequente restituição do prédio reivindicado, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
    VIII - A apropriação ou ocupação de prédios alheios por entidades públicas pode apresentar-se sob vários gradientes que vão desde o desrespeito flagrante das regras sobre a expropriação por utilidade pública até situações em que a violação objectiva do direito de propriedade é resultado de comportamentos que se inscrevem na mera culpa ou é traduzida em situações que se manifestam através da violação dos limites objectivos do prédio expropriado, por vezes, em resultado de um mero erro ou de excesso na execução do acto expropriativo. Quando isso suceder e estiverem reunidos todos os pressupostos legalmente prescritos (artigo 477º do CCM), há lugar à indemnização por parte da entidade pública que expropriou silenciosamente parte da propriedade privada.
    IX - O princípio da intangibilidade da obra pública constitui, conceitualmente, a ponderação das consequências da violação do princípio da legalidade da Administração Pública, quando, apesar da sua actuação à margem da lei, redunda na prossecução do interesse público. Tal princípio encontra o seu fundamento legal nos artigos 326º e 327º do CCM (correspondentes aos artigos 334º e 335º do CC de 1966), em que estão previstas as figuras de abuso de direito e de colisão de direitos.
    X - O princípio da intangibilidade da obra pública – princípio geral do direito das expropriações – traduz-se na manutenção da posse por parte da administração quando, apesar de a posse assentar em título ilegal, não representando um atentado grosseiro ao direito de propriedade, deva ser mantida, sob pena de resultarem danos graves para o interesse público. Em contra partida, a Administração Pública deve indemnizar o particular pelos prejuízos sofridos pelo mesmo.
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:
    1) – Não atender o documento de fls. 2287 a 2288 nesta sede do recurso (por tal já ter sido objecto da decisão do Tribunal recorrido por despacho transitado em julgado), o qual será devolvido à apresentante (1ª Ré) nos termos do disposto no artigo 467º do CPC.
*
    2) - Negar provimento aos recursos interpostos pela 1ª Ré e pelo 2º Réu.
*
    3) – Não tomar conhecimento dos recursos interpostos pela Inverveniente principal (B) (quer no que toca à legitimidade de impugnação da escritura de habilitação notarial, quer no que se refere ao pedido de ampliação da matéria do recurso) nos termos do disposto nos artigos 590º e 628º do CPC.
    *
    4) – Julgar procedente o recurso interposto pela Autora, condenando a 1ª Ré a pagar 1ª Autora uma indemnização na quantia de HKD$30,275,000.00, equivalente a MOP$31,183,250.00, acrescida de juros, calculados à taxa legal (9,75%, nos termos da Ordem Executiva n.º 29/2006, em vigor desde 11/07/2006), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
    *
    5) – Quanto ao demais, mantém-se o já decidido na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.
    *
    Sem custas relativamente à 1ª Ré e ao 2º Réu, por isenção subjectiva.
    Fixam-se em 4 Ucs a título de custas incidentais a cargo da Interveniente principal/Recorrente.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 10 de Setembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong

1 Processo redistribuído em 17/12/2019, conforme a deliberação do CMJ, de 06/12/2019.
2 Esta alínea foi inserida nesta ordem para manter uma sequência lógica dos factos. Corresponde à resposta dada ao item 18º da base instrutória.
3 Idem. Corresponde á Resposta dada ao item 19º da base instrutória.
4 Em suma, tal designado “parecer” padece de vários problemas:
    - Uma peça escrita onde se formulam pedidos de procedência ou de improcedência como se de uma das partes em litígio se tratasse (cfr. a título de exemplo, fls. 90, 120, 127 e 128 do referido documento escrito);
    - Peça em que se vem, em substituição das partes, acenar com uma "invocação" de usucapião, quando os Réus não assim invocaram em sede reconvencional;
    - Não obstante a data aposta no exemplar do "parecer" junto aos autos, é muito claro que, à data da elaboração das suas alegações de recurso o 2° Réu já estava na posse de um exemplar do “parecer”, caso contrário não seria possível fazer remissões para tal documento nas alegações do recurso;
    - O dito “parecer” (fls. 2033 a 2180), datado de 31 de Março de 2015, foi junto aos autos, tão-só, em 27 de Abril de 2015 (cfr. fls. 2385) - sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para a sua junção tardia ;
    - A junção tardia do “parecer” aos autos, mormente quando é amplamente citado nas alegações de recurso em apreço, é susceptível de se configurar uma utilização inadequada, senão abusiva, por parte do seu apresentante, da faculdade conferida pelo artigo 616º do CPC.
5 Defende-se a ideia semelhante: Ac do STJ de 21 de Janeiro de 2003, in www.dgsi.pt.
6 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
7 Exemplos são os casos julgados por nós nos processos nº 831/2016, de 29/04/2020, 1288/2019, de 21/05/2020, invocados aqui com base no artigo 434º do CPC (elementos conhecidos no exercício de funções), em que foi utilizado um método semelhante, lançando dúvidas com informações abundantes sem que se conseguisse indicar concretamente os elementos probatórios com capacidade persuasiva.
8 Quanto à realização da prova do contrário, importa distinguir entre os casos em que a demonstração do contrário pode ser efectuada através de qualquer meio probatório, designadamente através de testemunhas (caso das presunções legais iuris tantum), e os casos em que tal demonstração só pode ser feita por certos meios probatórios (v.g., prova documental: cfr. arts. 393.º a 395.º do Cód. Civil).
9 Por analogia com o que se entendia por e para os caminhos públicos veja-se Assento do STJ Português de 19.04.1989 em Diário da Republica nº 126/89, I Série, de 02.06.1989.
10 A RAEM na sua contestação (e não na reconvenção) invoca que o bem integra o domínio público e que está fora do comércio, questão que já antes decidimos e improcede no que concerne a esta parcela. Porém, não alega nem sustenta a RAEM em sede de reconvenção ser a proprietária do bem e muito menos em sede de reconvenção vem pedir que seja reconhecida como tal e a consequente contra-acção de reivindicação do bem. Pelo que, em face dos pedidos reconvencionais do único sujeito com legitimidade para o efeito, a RAEM, inócua se torna estar a desenvolver a questão da “validade” da sucessão de bem alheio.
11 Recorde-se assim é porque os restantes 4,235 m2 estando afectos ao domínio público são coisa fora do comércio.
12Cit. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed., pág. 448.
13Obra citada a pág.481.

14 Cfr Ac STJ de 11 de Julho de 2006 (Relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
15 Cfr AUJ do STJ de 4 de Dezembro de 2007 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.
16 Esta alínea foi inserida nesta ordem para manter uma sequência lógica dos factos. Corresponde à resposta dada ao item 18º da base instrutória.
17 Idem. Corresponde á Resposta dada ao item 19º da base instrutória.
18 A RAEM na sua contestação (e não na reconvenção) invoca que o bem integra o domínio público e que está fora do comércio, questão que já antes decidimos e improcede no que concerne a esta parcela. Porém, não alega nem sustenta a RAEM em sede de reconvenção ser a proprietária do bem e muito menos em sede de reconvenção vem pedir que seja reconhecida como tal e a consequente contra-acção de reivindicação do bem. Pelo que, em face dos pedidos reconvencionais do único sujeito com legitimidade para o efeito, a RAEM, inócua se torna estar a desenvolver a questão da “validade” da sucessão de bem alheio.
19 Recorde-se assim é porque os restantes 4,235 m2 estando afectos ao domínio público são coisa fora do comércio.
20 Ac do STJ, de 09/11/2018, Proc. No 342/12.4TBFAF.G2.S2
21 Ana Raquel Gonçalves Moniz (2006), “ O Direito Público – O Critério e o Regime Jurídico da Dominalidade”, Almedina.
22 Em Portugal, com base nos artigos 159º e seguintes do CPTA defende-se a mesma ideia.
23Cit. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed., pág. 448.
24Obra citada a pág.481.

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