打印全文
Processo nº 56/2020 Data: 09.09.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão de terrenos.
Decurso do prazo da concessão.
Caducidade.
Matéria de facto.
Acto vinculado.



SUMÁRIO

1. Em recurso jurisdicional, o Tribunal de Última Instância não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova, podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.

2. Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem o seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.

3. Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 56/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO TIM KENG VAN, S.A.”, (“憩景灣建築置業股份有限公司”), com sede em Macau, interpôs no Tribunal de Segunda Instância recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO, datado de 03.05.2018, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 3.690 m², situado na península de Macau, designado por lote 12 da zona C; (cfr., fls. 2 a 57 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Por Acórdão de 09.01.2020, (Proc. n.° 595/2018), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 366 a 396).

*

Inconformada com o decidido, traz a recorrente o presente recurso, alegando para, a final, e em – longas – conclusões, dizer o que segue:

“A) Erro de julgamento quanto à Matéria de facto
1. O Tribunal a quo não deu como provada matéria relevante para a boa decisão da causa, face aos elementos probatórios disponíveis nos autos, concretamente no processo administrativo instrutor e cópia da certidão extraída do processo administrativo n.° 2006U004.
2. Em particular, o Tribunal a quo não deu como provada matéria de facto que permite aferir a legalidade ou ilegalidade, nomeadamente a existência ou inexistência dos pressupostos de facto e de direito do acto administrativo impugnado, mais especificamente os factos que se encontram indicados nas alíneas 1) a 58) do Ponto II, A - Erro de julgamento quanto à Matéria de Facto, que por razões de economia processual aqui nos dispensamos de transcrever, mas que se devem considerar como que reproduzidas para todos os efeitos legais, e devidamente comprovados pelos documentos que constam no processo administrativo instrutor e copias de certidão do processo administrativo n.° 2006U004.
3. Do confronto de tais factos com a fundamentação do acto administrativo recorrido, verifica-se a existência de diversas informações erradas e omissões de facto, que infirmam os pressupostos de facto da fundamentação do Acto Recorrido, a saber:
a. a conclusão n.° 5 vertida no parecer do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 18 de Novembro de 2016, porquanto omite o facto essencial de que a referida Portaria foi revogada 10 anos antes do termo do prazo da concessão, conforme Despacho do Chefe do Executivo n.° 248/2006, publicado em 21 de Agosto de 2006 no Boletim Oficial;
b. a alusão à altura máxima que o edifício poderia ter segundo a referida portaria (i.e. 90,9 mNMM), também é errada pois além do referido parâmetro ter sido revogado, a DSSOPT emitiu uma PAO autorizando a construção de um edifício no Lote C12 com a altura máxima de 154,20 mNMM;
c. são de igual modo erróneas e falsas algumas afirmações contidas na conclusão n.° 18 do parecer da Comissão de Terras n.° 135/2016, apesar da Autora ter submetido à DSSOPT um ante-projecto de alterações propondo o aumento da altura do edifício previsto no estudo prévio anterior, já nessa data a Portaria n.° 69/91/M se encontrava revogada, e portanto inexistia nessa data qualquer critério para aferir se altura proposta nesse ante-projecto de alterações era ou não legalmente permitida, além de que a Recorrente desistiu expressamente desse ante-projecto de alterações, antes da administração se ter pronunciado sobre o mesmo. De igual, modo não é também verdade a afirmação que consta no referido parecer, que terá sido alegadamente por força desse indeferimento que a Administração não deu continuidade ao procedimento de revisão do contrato de concessão, o que é alias contrariado pela conclusão que consta no ponto 19. do referido parecer, onde se lê que o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baia da Praia Grande, esta sima verdadeira e única razão pela qual o Lote C12 não foi aproveitado.
d. Igualmente peca por factualmente incorrecta a conclusão n.° 16 do referido parecer, tal como a sua inserção cronológica, porquanto as licenças de obras a que aí se alude foram emitidas pela DSSOPT em 2006, e não em 2005 como aí é referido.
e. Não é também exacta a afirmação que consta no ponto 21 do perecer da Comissão de Terras, onde se diz que de 2010 até 2016 a Concessionária tem apresentado vários requerimentos dirigidos à Administração Pública da RAEM, quer para que se concretize o mais rapidamente possível o plano, quer para a renovação do prazo de concessão provisória. Na realidade é desde 26 de fevereiro de 2008, e não desde 2010 como consta erradamente no mencionado parecer, que a Recorrente tem andado atrás da Administração Publica da RAEM (sobretudo Chefe do Executivo e DSSOPT) instando a que esta crie as condições de aproveitamento do terreno. No total foram no mínimo 23, o número de requerimentos da Recorrente dirigidos aos órgãos competentes da Administração Pública e que se encontram documentalmente comprovados no processo instrutor).
f. Uma outra circunstância que se encontra totalmente omissa nos referidos pareceres, e que não foi apreciada pelo Tribunal a quo, é o teor das respostas aos referidos requerimentos por parte da Administração Pública. A respeito desta matéria registam-se pelo menos 9 respostas da Administração Pública à Recorrente provados por documentos que constam no processo instrutor. Da análise dessas respostas, e com excepção do oficio de 30 de Julho de 2009, e no qual a Administração Publica comunicou também à Recorrente padrões urbanísticos e de edificabilidade provisórios para o aproveitamento do Lote C12, verifica-se que, em todos eles, a Administração Pública informou a Recorrente que estava a acometer todos os esforços para finalizar a aprovação do plano urbanístico, sem a aprovação do qual, não seria possível prosseguir com o aproveitamento do Lote C12, mas que, no entanto, tal iria ocorrer com a maior brevidade possível - leia-se, em tempo oportuno e que em nenhuma circunstância, apesar do atraso já verificado na aprovação do referido plano, os direitos e interesses da Recorrente no aproveitamento do Lote C12, seriam postos em causa por força do atraso e falta de aprovação do necessário instrumento de planeamento urbanístico.
g. Por fim, mas não menos importante, os referidos pareceres omitem também que desde pelo menos Novembro de 2011 que o plano da Administração Publica para o aproveitamento do Lote C12 passou a ser o de ajardinamento publico, com o comprovam as certidões do processo administrativo n.° 2006U004 que se encontram juntas aos autos.
B) Erro de julgamento quanto à Matéria de Direito
4. No caso vertente, os vícios que afectam a validade do acto administrativo em crise dizem respeito ao conteúdo acto administrativo propriamente dito.
5. Os vícios infra identificados do Acto Recorrido, tanto relevam, caso se considere que o acto administrativo em causa foi praticado no âmbito de actividade vinculada da Administração, quer no âmbito da sua actividade discricionária (posição adoptada), pois em qualquer dos casos, terá forçosamente de concluir pela ilegalidade do Acto Recorrido.
6. No caso que ora nos ocupa, a questão de fundo que se coloca é a de saber se no caso concreto, se se encontravam ou não verificados os pressupostos previstos na Lei e no Direito, para a declaração de caducidade dos direitos do contrato de concessão do Lote C12, em particular se de facto o prazo da concessão provisória chegou verdadeiramente ao seu termo?
B.1) Da natureza jurídica do contrato de concessão por arrendamento como um direito real de superfície à aplicação do 313.° do Código Civil
7. É consensual na doutrina (ver. Parecer do Prof. Augusto Teixeira Garcia junto aos autos), jurisprudência e parcerística da Assembleia Legislativa que os direitos resultantes da concessão por arrendamento têm natureza real, de natureza similar ou afim do direito de superfície previsto no artigo 1417.° do Código Civil.
8. Tal qualificação resulta claramente do confronto entre o art. 42.° n.° 1 da Lei de Terras que dispõe que "o direito resultante da concessão por arrendamento (…) de terrenos urbanos (…) abrange poderes de construção, manutenção ou manutenção de obra (…), entendendo-se que as construções efectuadas (…) permanecem na propriedade do concessionário" com o disposto no artigo 1417.° do Código Civil onde se encontra previsto que o direito de superfície consiste "na faculdade de construir ou manter (…) uma obra em terreno alheio".
9. Tal qualificação jurídica permite assim o recurso às pertinentes disposições do Código Civil sobre o direito de superfície, em tudo que não esteja especificamente previsto na Lei de Terras e não a contrarie (artigo 41.° da actual Lei de Terras).
10. Diz a al. a) do n.° 1 do artigo 1427.° do Código Civil que o direito de superfície se extingue se a obra não for realizada no prazo acordado ou, na falta deste, no prazo de 7 anos.
11. Ora, nos termos do n.° 3 do artigo 291.° do Código Civil, encontra-se previsto que o direito de superfície não prescreve podendo, no entanto, extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na Lei, sendo aplicáveis na falta de disposição legal em contrário, as regras da caducidade.
12. Ora, precisamente uma das excepções, nas quais se aplica justamente o regime da prescrição ao invés da caducidade, é a extinção do direito de superfície pela não conclusão da obra por parte do superficiário, conforme decorre do art. 1427.° n.° 3 do Código Civil.
13. Deste modo, de entre as regras relativas à prescrição, dispõe o art. 313.° n.° 1 do Código Civil que o prazo se considera suspenso durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior prescrevendo ainda o número 2 do referido preceito que tal regra tem também aplicação sempre que o titular do direito não tenha exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado.
14. Importa notar que no que respeita ao "dolo", entende-se que o preceito é aplicável ainda que não haja dolo stricto sensu, mas desde que ainda assim o obrigado seja imputável pela não observância do prazo fixado e se a alegação da prescrição ofender a boa fé.
15. Quer isto dizer que, o legislador pretendeu inequivocamente tutelar a posição jurídica do superficiário, impedindo a extinção do direito de superfície por falta de construção da obra, sempre que tal resulte da acção ou omissão do proprietário.
16. Apesar da semelhança dos regimes, é certo que na Lei de Terras não há excepção expressa à aplicação das regras da caducidade aos prazos aí estabelecidos, todavia, tal excepção não poderá deixar de ser aplicável em face da remissão expressamente operada pelo artigo 41.° da Lei de Terras, segundo a qual "a concessão por arrendamento (…) rege-se (…) subsidiariamente, pela lei civil aplicável".
17. É a própria natureza jurídica do direito da concessão de terras que convoca a aplicação da disciplina do direito de superfície prevista no Código Civil, encontrando também fundamento legal expresso no supra citado artigo da Lei de Terras, relativamente às matérias que não se encontram especificamente reguladas na referida Lei.
18. Ora, no caso vertente, e como já se disse anteriormente, a Administração Publica da RAEM suspendeu todos os procedimentos de aproveitamento dos lotes da zona C e D da Baía da Praia Grande e consequentemente deixou de apreciar os projectos de aproveitamento submetidos pelos concessionários, em virtude da inclusão do Centro Histórico de Macau no património Mundial da Unesco em 15 de Julho de 2005 e da revogação dos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela portaria n.° 69/91/M por Despacho do Chefe do Executivo n.° 248/2006, publicado em 21 de Agosto de 2006 no Boletim Oficial, cuja existência constituía um pressuposto e condição sine qua non do exercício do direito de aproveitamento do Lote C12.
19. Pelo que necessariamente se tem de entender que se verificam motivos de força maior que impediram a Recorrente de exercer o seu direito, para efeitos do n.° 1 do art.° 313.° do Código Civil.
20. Por ser imputável à Administração Pública o não cumprimento do dever de aproveitamento do terreno pela Recorrente dentro do prazo da concessão, sempre se trataria de um caso de alegação da prescrição/caducidade por parte do credor manifestamente ofensivo e contrário à boa fé1 equiparável ao dolo para efeitos do n.° 2 do artigo 313 do Código Civil.
21. Contra, o supra alegado, não poderá obviamente colher a posição do Venerando TSI vertida no Acórdão recorrido, que com o devido respeito que nos é devido, limitou-se de forma simplista a afirmar que (…) somos a entender que está em causa a questão da caducidade da concessão pelo decurso do prazo, que se distingue da prescrição referida no artigo 313.° do CC, pelo que improcede o recurso quanto a esta parte. (…), sem esclarecer porque razão assim o entende.
22. Assim, por força da aplicação conjugada do n.° 3 do artigo 291 do Código Civil artigo 313.° do Código Civil, determinada pelo n.° 3 do artigo 1427.° do Código Civil ex vi artigo 42.° da Lei de Terras, conclui-se que o prazo do contrato de concessão do Lote C12 se encontrava suspenso desde, pelo menos 21 de Agosto de 2006, assim se encontrando na data em que foi declarada a caducidade da concessão por arrendamento do Lote C12, em 03 de Maio de 2018.
B2) Da verificação da condição de aproveitamento
23. Argumentou ainda a Recorrente a título subsidiário à alegação precedente que, de acordo com os preceitos do artigo 44.° e n.° 1 do artigo 131.° da Lei de Terras, o aproveitamento do terreno constitui condição resolutiva da concessão provisória e, simultaneamente, condição suspensiva da concessão definitiva.
24. Por essa razão, tendo em consideração o disposto no artigo 268.° n.° 2 do Código Civil, a condição tem-se por verificada caso a sua verificação tenha sido impedida, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem prejudica.
25. No caso vertente, a Recorrente pagou um preço pela transmissão do Lote C12, investiu na realização dos projectos que a Administração Pública foi apreciando e, inclusivamente, autorizando e emitindo até certa data as respectivas licenças de construção, inequivocamente reconhecendo o direito de da Recorrente aproveitar o Lote C12, mediante o cumprimento por parte Administração Pública das correspectivas obrigações relativamente ao referido direito da Recorrente.
26. Mesmo após a suspensão do aproveitamento do Lote C12, a Administração Publica, através dos ofícios enviados em resposta às diversas solicitações da Recorrente, reiterou e reconheceu sempre que iriam ser criadas as condições necessárias para que a Recorrente pudesse aproveitar o Lote C12, reforçando e confortando assim as legitimas expectativas da Recorrente.
27. Todavia a Administração nunca aprovou o instrumento de planeamento urbanístico de que dependia o aproveitamento do Lote C12.
28. Ademais, a partir de Novembro de 2011 a Administração passou internamente a planear a finalidade de aproveitamento do Lote C12 como ajardinamento público, impedindo assim a Recorrente de aproveitar o Lote C12.
29. No entanto, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que o argumento da Recorrente não se afigura procedente, por considerar que o aproveitamento do terreno constitui uma exigência legal para a concessão do terreno se converter em definitiva, não podendo por isso ser considerado como condição para efeitos da aplicação do n.° 2 do artigo 268.° do Código Civil.
30. Todavia, no entender da Recorrente, isso não significa tout court que tal "exigência legal" não possa ser igualmente qualificada como uma condição para efeitos da aplicação do n.° 2 do artigo 268.° do Código Civil.
31. Apesar de não se tratar de uma condição em sentido próprio, como qualifica a doutrina, dado não corresponder ao produto de uma negociação ocorrida entre as partes, mas antes do facto de ser a lei a impôr o aproveitamento como condição da conversão da concessão em definitiva, tal não deixa de ser uma condição, qualificando neste caso a doutrina este tipo de condição de condição imprópria, não estando afastada a possibilidade de aplicação do n.° 2 do artigo 268.° do Código Civil.
32. Assim se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n.°22310/11.1T2SNT.L1-2, de 07/11/2013, com o apoio de doutrina relevante na matéria, a respeito do preceito homologo no ordenamento jurídico português.
33. Ora, em face da disciplina do referido acórdão e da doutrina que o acompanha, é também incontestável que a condição: aproveitamento do terreno - se encontrava expressamente prevista no contrato de concessão, tal como se encontra também prevista a obrigação de o fazer em conformidade com o plano urbanístico revogado pelo Chefe do Executivo, e bem assim, o prazo máximo dentro do qual a Administração Publica deveria ter aprovado os projectos de execução de obra apresentados pela Recorrente, de modo a que esta pudesse cumprir a condição que lhe era imposta, isto é, os elementos que dão forma à condição encontra-se totalmente estabelecidos no contrato de concessão.
34. É assim incontestável, que se encontram perfeitamente preenchidos todos os pressupostos de que depende a aplicação da disciplina prevista no n.° 2 do artigo 268.° do Código Civil ao presente caso, razão pela qual, o efeito jurídico resultante da aplicação do referido artigo impediu que a caducidade se tivesse por verificada, já que por aplicação regime substantivo da lei, tudo se deverá passar como se a concessão já se encontrasse convertida em definitivo na data de declaração da caducidade, sendo assim, mais uma vez, e por este fundamento autónomo, o Acto Recorrido, é anulável, porque ilegal.
B3) Da lacuna na lei n.° 10/2013 (lei de Terras) carecida de ser integrada no caso em que o não aproveitamento do terreno não é imputável à concessionária;
35. Alegou também a Recorrente, a título subsidiário, a existência de uma lacuna na Lei de Terras, com base no fundamento que em síntese se enuncia, segundo o qual, o legislador não considerou na Lei de Terras hipótese de, por vicissitudes diversas, não ser imputável ao próprio concessionário o não aproveitamento do terreno, máxime quando a falta de aproveitamento advém da conduta da própria Administração Pública, como sucedeu no presente caso, justamente por se tratar e um situação de tal modo extraordinária e inusitada, que jamais poderia ser concebível para o legislador.
36. Por essa razão, a Recorrente pugnou pela aplicação analógica da disciplina prevista no artigo 104.° n.° 5 da Lei de Terras, ao abrigo do artigo 9.° do. Código Civil deveria ter lugar.
37. Todavia, caso se entendesse que a aplicação analógica da referida regra na poderia ter lugar, então deveria proceder-se à formulação de uma regra no espirito do sistema segundo a qual se deverá considerar suspenso ou prorrogado o prazo de aproveitamento do terreno, sempre que o não aproveitamento seja imputável à Administração.
38. Não obstante, entendeu o Tribunal de Segunda Instância no acórdão recorrido que não se verifica qualquer lacuna na Lei de Terras que careça de ser integrada, por entender, por um lado, que a caducidade (que, como veremos adiante, erradamente qualifica de preclusiva) se encontra regulamentada na Lei de Terras, inclusivamente no caso de não aproveitamento por facto imputável à Administração Pública, por considerar que, neste último caso, a Recorrente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos sofridos.
39. Todavia, não há porém qualquer preceito na Lei de Terras que regule à hipótese de falta de aproveitamento de terrenos dentro do prazo de concessão inicial por impossibilidade do concessionário por facto imputável à Administração Pública ou qualquer motivo que não lhe seja imputável, donde se conclui que, a caducidade não se encontra regulamentada na Lei de Terras em termos tais que esta última hipótese se encontre contemplada na sua regulamentação.
40. Em segundo lugar, não temos dúvidas de que a Recorrente tem direito a ser ressarcida dos prejuízos causados pela Administração Pública, no âmbito do procedimento administrativo em causa, todavia o fundamento ou fundamentos que constituem essa obrigação de indemnizar a cargo da RAEM, não encontram fundamento expresso na Lei de Terras, a qual pelo contrário, nos termos do artigo 168.°, nega expressamente essa possibilidade, pelo que não se afiguram procedentes os argumentos da posição do Tribunal de Segunda Instância vertida a respeito deste ponto.
B4) Da existência de causa impeditiva da Caducidade
41. Também a título subsidiário e por cautela de patrocínio, a Recorrente alegou no seu recurso contencioso a existência de causa impeditiva da caducidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 323.° n.° 2 do Código Civil.
42. Todavia, entendeu o Tribunal a quo, que no presente caso não se verificou qualquer reconhecimento do direito por parte da Administração Pública, mais especificamente, entendeu que nem o estudo prévio aprovado pela Administração, nem as licenças de obra emitidas pela Administração, implicaram o reconhecimento de qualquer direito por parte da Recorrente.
43. Antes de mais, o direito de que aqui estamos a falar é obviamente do direito da Recorrente aproveitar o terreno, mais concretamente, o direito de edificação e de manutenção de uma obra no terreno que lhe foi concessionado e, em especial, no momento temporal imediatamente após a remoção do obstáculo criado ao exercício de tal direito pela Administração, isto é, aprovação do novo plano de intervenção urbanística.
44. Todavia, e como já se disse, o terreno só não foi aproveitado porque a Administração decidiu suspender os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande - o mesmo é dizer que suspendeu o direito/dever da Recorrente aproveitar o terreno.
45. Neste contexto, a aprovação do estudo prévio apresentado pela Recorrente bem como a emissão das licenças de obras das fundações referentes ao edifício que a Recorrente planeava construir, bem como a realização e conclusão dessas mesmas obras pela Recorrente, não podem deixar inequivocamente de representar o reconhecimento por parte da Administração do direito da Recorrente de aproveitamento do Lote C12, na medida em que tais aprovações, licenças e autorizações permitiram já o exercício e a prática de actos materiais do seu jus aedificandi.
46. Não reconhecer isto, é negar de chofre a realidade dos factos, o que é absolutamente inaceitável, pelo que, é assim evidente o erro de julgamento do Tribunal de Segunda Instância, no que diz respeito a esta matéria.
47. Acresce que, a Administração Pública nos diversos ofícios endereçados à Recorrente informou e reiterou que o processo de aproveitamento do Lote C12 seria retomado logo que fosse aprovado o novo plano de intervenção urbanística e que esta estava a acometer os seus melhores esforços para aprovar rapidamente o referido plano e que em tempo oportuno o mesmo seria aprovado.
48. Pelo que, é assim incontestável que a Administração Publica reconheceu nesses ofícios, nos termos e para os efeitos do n.° 2 do artigo 323.° do Código Civil, e mais do que uma vez, o direito da Recorrente aproveitar o Lote C12 logo após a remoção dos obstáculos por si criados, o que inevitavelmente impediu o prazo de caducidade.
49. Cumpre aqui realçar que os diversos ofícios da Administração endereçados à Recorrente em resposta às missivas por si dirigidas a Sua Excelência o Chefe do Executivo, foram respondidas pelos serviços da DSSOPT por ordem e instrução directa do mesmo, conforme o comprovam as diversas comunicações internas do Gabinete do Chefe do Executivo, que constam igualmente no processo administrativo instrutor, pelo que, contra as mesmas não poderá colher de forma alguma o argumento verificado em certa jurisprudência, segundo a qual tais respostas (…) nunca poderiam constituir reconhecimento de nenhum direito das recorrentes por parte da RAEM, uma vez que as informações ou opiniões nelas contidas não representam nem obrigam a RAEM já que os ofícios em causa foram dirigidos à Recorrente segundo as instruções emanadas pelo Chefe Máximo da Administração Pública da RAEM, no uso do seu poder de direcção.
50. Haverá ainda que reconhecer que a suspensão do próprio direito da Recorrente de aproveitar o terreno em face da já referida revogação do plano urbanístico, constitui por si próprio e por natureza o reconhecimento desse mesmo direito da Recorrente, já que o referido direito da Recorrente corresponde justamente ao objecto do acto de suspensão do aproveitamento determinado pela Administração Pública.
51. Suspensão essa que ficou, todavia, sujeita a termo resolutivo incerto, ou seja, à data de aprovação do novo plano urbanístico, tal como referido nos inúmeros ofícios da Administração Pública.
52. Assim, deverá concluir-se que, encontrando-se impedido o prazo de caducidade da concessão, impedido se encontrava o Chefe do Executivo de a declarar, o que constitui também fundamento autónomo de anulação do acto administrativo recorrido, por violação da lei.
53. Contra o que acima se disse, também não poderá proceder a afirmação de que a caducidade opera de forma automática, desde logo, porque o prazo de caducidade é um prazo jurídico e tem sempre efeitos sancionatórios, razão pela qual, não opera pelo mero decurso cronológico do tempo, há pois sempre que averiguar as circunstancias de facto ou direito que podem influir no decurso do mesmo.
54. E tanto é assim que, o artigo 167.° da Lei de Terras obriga a que a caducidade seja declarada por despacho do Chefe do Executivo, e dever ser publicada em Boletim Oficial, pelo que a mesma nunca pode operar de forma automática.
55. Neste sentido se posiciona justamente doutrina autorizada, veja-se a posição de Sérvulo Correia2.
B5) Será que não cabe à Administração decidir se declara ou não declara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento, uma vez que se trata de um acto vinculado do Chefe do Executivo?
56. Julgou-se no Acórdão recorrido que o poder que ao Chefe do Executivo é conferido pelo n.° 5 do artigo 104.°, de conceder suspensões ou prorrogações do prazo de aproveitamento, encontra um limite absoluto no prazo inicial da concessão, e que este constitui, em qualquer circunstância, um obstáculo legal inultrapassável à subsistência da concessão provisória
57. É contraditório o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual se entende que, quando existem razões justificativas da suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento, não há incumprimento do dever de aproveitamento por facto imputável ao concessionário e, por isso, não há caducidade da concessão provisória - por outro, não obstante a existência das mesmíssimas circunstâncias que determinam a prorrogação ou suspensão do prazo de aproveitamento, a concessão provisória já caducará se expirar o prazo inicial da concessão, pelo simples facto de este prazo ser (formalmente) qualificado como um prazo de caducidade simples ou preclusiva - apesar de tal ter como sanção a extinção dos direitos da concessão!
58. A declaração de caducidade não se apresenta como um acto vinculado, nem como uma inevitabilidade, mas diferentemente uma das prerrogativas ao dispor do Chefe do Executivo e que, este, no uso do seu poder discricionário orientado pelos princípios conformadores de direito administrativo poderia escolher, até porque é o órgão competente para dispor dos terrenos (art. 39.° da Lei de Terras).
59. Como ensina o Prof. Rogério Soares, O legislador vai dizer: "todas as vezes que aconteça isto, o agente terá de praticar um acto com estas e estas características," mas concede sempre uma liberdade de encontrar uma particularização adequada ao caso. (…) O legislador não pode pensar na solução até às últimas consequências, tem de deixar sempre qualquer coisa para que o administrador vá compor aquele acto. Mesmo que seja uma margem muito pequena.
60. Especialmente porque, como bem refere o ilustre Professor, há que reconhecer que fazer leis não significa necessariamente fazer leis boas e justas, ou de que a sua aplicação formal conduza aos resultados pretendidos pelo legislador.
61. Foi justamente com base em tal constatação que consistiu a mudança de paradigma de uma administração positivista apenas subordinada à Lei, para que a mesma passasse a estar subordinada ao Direito, e é este precisamente o paradigma que se encontra consagrado no artigo 3.° do nosso Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual a Administração Pública deve obediência à lei e ao direito!
62. Neste sentido, toda a actividade da Administração Pública, vinculada ou discricionária é, e deverá ser, em toda a linha um instrumento de realização de justiça e não apenas um instrumento de realização de legalidade formal.
63. Neste contexto, o Dr. Rogério Soares classifica justamente como um tipo de discricionariedade, além dos casos que inequivocamente resultam da Lei, também aquelas situações em que por hipótese a lei enuncia quando o agente deve praticar um acto com talou tal recorte. Deve praticar. Isso significa que, em princípio, esse será o comportamento do administrador. Mas podem surgir circunstâncias especiais em que ele venha demonstrar que a solução não era a adequada para o caso e justificar os motivos para encontrar uma outra. (…) Neste sentido vejam-se também as posições de Paulo Otero3 e Castanheira Neves4 acima citadas.
64. Assim, neste caso particular, em virtude das circunstâncias excepcionais já aqui profusamente enunciadas, o acto que a Administração Pública se encontrava vinculada a praticar era o de não declarar a caducidade, por esta ser uma solução que apesar de formalmente conforme a Lei, se revelar contrária ao Direito.
65. Sendo este justamente, o fundamento que, segundo Rogério Soares, abre caminho à actividade discricionária da Administração no caso vertente, em homenagem aos princípios conformadores da sua actividade, ou seja, a consideração motivada de soluções mais adequadas para o caso, e dos fundamentos de validade do sistema.
66. Pelo que não é assim verdade nem tecnicamente correcto o entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual "não se vislumbra qualquer necessidade de ponderação dos princípios da igualdade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da boa fé, invocados pela recorrente, os quais só se aplicam aos actos administrativos discricionários. (…) o acto em crise praticado pelo Chefe do Executivo não acarreta a violação daqueles princípios, os quais funcionam apenas como limites internos da actividade discricionária da Administração e não no âmbito do exercício de poderes vinculados."
67. Ora como acabamos de ver, tal não se afigura tecnicamente correcto, justamente porque sendo tais princípios elementos estruturantes do próprio sistema jurídico, estes vinculam a Administração a não praticar um acto que, não obstante, formalmente, se encontre vinculada a praticar, conduza a uma solução desadequada, impondo-lhe justificadamente a busca de uma solução adequada.
68. Em benefício do que se alega, e que contraria a posição do Tribunal a quo, e da abundante, mas superficial jurisprudência sobre o assunto, veja-se o que estabelece o n.° 1 do artigo 322.° do Código Civil.
69. A disciplina do referido preceito, incontestavelmente aplicável ao prazo de caducidade previsto na Lei de Terras, não só por força do artigo 41.° da referida Lei, mas também dos princípios de validade do sistema, e que sem ferir o disposto no n.° 1 do artigo 48.° da Lei de Terras, coloca assim ao dispor da Administração Pública 3 opções, que esta no uso da sua actividade discricionária, orientada pelos princípios conformadores da actividade administrativa, poderia e deveria ter exercido, como alternativa à declaração de caducidade, ou seja, suspensão; prorrogação; ou renuncia à caducidade.
70. Mas mais, também não se encontrava prejudicada, a possibilidade de a Administração Pública, justificar a prorrogação dos prazos de aproveitamento e concessão, com fundamento no reequilíbrio económico financeiro do contrato.
71. No âmbito da execução do contrato de concessão, é incontestável que a Administração da RAEM goza, ao abrigo do disposto na al. a) do artigo 167.° do CPA aplicável no presente caso por forca do disposto nos artigos 220.° da Lei de Terras e n.°s 2 e 4 do artigo 2.° do CPA, do poder de conformar o conteúdo das prestações contratuais, em nome do legítimo interesse público, desde que respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro, nomeadamente, suspendendo-o, tal como também poderia ser configurado no caso.
72. Deste modo, para salvaguardar não só a execução do contrato, mas também o equilíbrio das prestações contratuais a Administração estava legalmente autorizada a repor o equilíbrio económico ou financeiro do contrato, mediante a prorrogação dos prazos de aproveitamento e concessão, pelo período equivalente ao período da suspensão.
73. Assim, além do Acto Recorrido ter assentado no pressuposto errado de que o prazo da concessão se encontrava esgotado, tal como acima se expôs (ainda que com base em argumentos distintos), o Acto Recorrido assentou também no pressuposto errado de que não existia outra alternativa legalmente válida que o autorizasse a praticar um acto diferente daquele que praticou, por julgar tratar-se de um acto vinculado.
74. Não podia, pois, a Administração Publica ignorar que o resultado dessa decisão era desadequada ao caso concreto, e por isso acabou por praticar um acto ilegal, que os princípios de ordem pública, boa fé e tutela da confiança reciproca, justiça e proporcionalidade lhe exigiam que não fosse praticasse, nos termos da melhor doutrina administrativista acima citada.
75. Por isso, o Acto Recorrido enferma igualmente de erro nos pressupostos, erro no processo de formação da vontade do órgão, e de violação dos princípios gerais da actividade administrativa, sendo por isso anulável, por ilegal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas doutamente suprirão, requer-se a V. Exas que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, e, em consequência, seja revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, devendo este ser substituído por outro que julgue procedente o recurso contencioso instaurado pela Recorrente, anulando assim o acto recorrido, com todos os efeitos legais”; (cfr., fls. 405 a 444).

*

Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 449 a 455), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, considerando também que o recurso não merecia provimento.

Tem este o teor seguinte:

“Vem impugnado o acórdão de 9 de Janeiro de 2020, do Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso contencioso interposto por “Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, S.A.” contra o despacho de 3 de Maio de 2018, do Exm.º Chefe do Executivo, através do qual foi declarada a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno com a área de 3 690 m2, designado por lote 12 da zona C do “Fecho da Baía da Praia Grande”.
A recorrente impugna o julgamento da matéria de facto, que diz ter sido errado, e insurge-se também contra o erro de julgamento dos vícios que havia imputado ao acto contenciosamente recorrido.
Quanto à matéria de facto, deve notar-se, em primeiro lugar, que a alegação da recorrente, conjugada com o pedido que formula a final (revogação do acórdão do TSI e anulação do acto administrativo, na procedência do recurso contencioso), pressupõe a alteração da matéria de facto pelo Tribunal de Última Instância.
Porém, no contencioso administrativo, está vedado ao Tribunal de Última Instância, como tribunal de recurso, alterar a matéria de facto, apenas o podendo fazer na hipótese prevista na parte final do n.º 2 do artigo 649.º do Código de Processo Civil, ou seja, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – cf. também o artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Ora, não se divisa, nem a recorrente identifica, disposição legal expressa que, em matéria de vinculação e força probatória, haja sido afrontada pela selecção da matéria de facto operada pelo acórdão recorrido.
Em segundo lugar, é também assinalar que, embora a recorrente afirme que não se pode imputar nulidade ao acórdão por falta de fundamentação, o certo é que ela sustenta que foram omitidos, na selecção dos factos provados, alguns factos relevantes para a boa decisão da causa.
Só que não esclarece qual a relevância que essa omissão projectou no julgamento dos vícios que imputou ao acto.
Por outro lado, parece mais que, com esta alegação, a recorrente pretende trazer para a discussão eventuais erros subjacentes à decisão administrativa, relativamente à veracidade dos seus pressupostos, que não invocou no recurso contencioso.
Em qualquer dos casos, a sua alegação acerca do julgamento da matéria de facto não pode deixar de ser considerada improcedente.
Passando aos erros de julgamento dos vícios, verifica-se que a recorrente vem, em sede de recurso jurisdicional, esgrimir e repisar, quiçá com uma roupagem ligeiramente diferente, motivos e argumentos que já antes utilizara em sede de recurso contencioso, na caracterização e explicitação dos vícios do acto.
Na oportunidade, pronunciou-se o Ministério Público sobre esses vícios, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 359 e seguintes, manifestando-se contra a tese da ilegalidade do acto em que a recorrente volta a insistir. Temos por pertinente e bem fundada a posição avançada pelo Ministério Público no recurso contencioso, que sufragamos, coincidente, ao cabo e ao resto, com o sentido decisório que fez vencimento no acórdão recorrido.
Daí que, reafirmando o sentido do aludido parecer, nos pronunciemos pela improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional, também no tocante aos aventados erros de julgamento de direito.
Termos em que se afigura não merecer censura o acórdão recorrido, que deve ser mantido, negando-se provimento ao recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 464 a 465-v).

*

Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como “provada” a seguinte matéria de facto:

«Pelo Despacho n.º 203/GM/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de vários terrenos sitos nas Zonas A, B, C e D do empreendimento designado por “Fecho da Baía da Praia Grande”, titulada pela escritura pública outorgada em 30.7.1991, e revisto pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.
O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir de 30.7.1991, podendo o prazo ser sucessivamente renovado, nos termos da legislação aplicável, até 19 de Dezembro de 2049.
Conforme o estipulado no n.º 1 da cláusula sexta do contrato de revisão titulado pelo Despacho n.º 73/SATOP/92, na redacção introduzida pelo artigo terceiro do contrato titulado pelo Despacho n.º 56/SATOP/94, o prazo global de aproveitamento foi fixado em 96 meses, contados a partir de 6.7.1992, ou seja, até 5.7.2000.
Posteriormente, através do Despacho n.º 89/2001, publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 37, II Série, de 12.9.2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno com a área de 3690 m², situado na península de Macau, designado por lote 12 da Zona C do empreendimento denominado por “Fecho da Baía da Praia Grande”, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, S.A., ora recorrente.
O terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22522 a fls. 174 do livro B49K e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor daquela Sociedade sob o n.º 26676F.
A finalidade de tal concessão era a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento.
Até 3 de Maio de 2018, data em que foi declarada a caducidade do contrato de concessão pelo Exm.º Chefe do Executivo, o aproveitamento do referido terreno não chegou a ser concretizado.
Reunida em sessão de 17 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 69/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 3690 m2, situado na península de Macau, designado por lote 12 da zona C do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
I
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. De acordo com o estabelecido no artigo segundo do contrato de revisão de concessão titulado pelo Despacho n.º 56/SATOP/94, através do qual foram concedidos onze lotes da zona C e dois lotes da zona D, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
4. Segundo o estipulado na cláusula quarta do mesmo contrato, o aproveitamento de cada lote das zonas C e D deve ser realizado em conformidade com o Plano de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande e respectivos regulamentos, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991. Entre esses lotes, o lote 12 da zona C, com uma área de 3690m2, será aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade habitacional e de estacionamento, cuja altura máxima permitida é de 90,9m NMM.
5. O prazo de aproveitamento dos lotes das zonas C e D é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, conforme previsto na cláusula sexta do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho n.º 73/SATOP/92, na redacção introduzida pelo artigo terceiro do contrato titulado pelo referido Despacho n.º 56/SATOP/94.
6. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram numa nova revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
7. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes da zona B, reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
8. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados nas zonas C e D prorrogado por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
9. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 89/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 12 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
10. O terreno em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22522 a fls. 174 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.º 26676F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
11. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
II
12. Em 30 de Maio de 2002, a concessionária submeteu um requerimento ao Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, no qual solicitou autorização para a ocupação temporária desse lote por um período de dois anos para construir um restaurante de luxo. Embora o pedido tenha sido autorizado por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Julho de 2002, o respectivo projecto nunca foi concretizado.
13. A concessionária, em 1 de Agosto de 2005, apresentou um novo estudo prévio à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), com a pretensão de construir nesse lote um edifício com a altura de 175m NMM, destinado à finalidade habitacional. De acordo com o despacho do director destes Serviços de 28 de Outubro do mesmo ano, o projecto em causa foi considerado passível de aprovação, condicionada ao cumprimento dos pareceres técnicos emitidos pelas entidades competentes.
14. Assim, no dia 17 de Novembro de 2005, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT, através de ofício, pediu à concessionária para entregar os documentos necessários para poder dar seguimento à revisão do contrato de concessão do terreno.
15. Conforme a Planta de Alinhamento Oficial (PAO) emitida em 25 de Novembro de 2005, a altura máxima permitida de construção para esse lote é de 154,2m NMM.
16. A DSSOPT emitiu as licenças de obras de nivelamento e de tapumes para o lote em causa em 7 de Fevereiro, 27 de Abril e 22 de Junho de 2005, e as licenças de obra de fundação em 5 de Julho e 28 de Novembro do mesmo ano.
17. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M.
18. Em 14 de Setembro de 2006, a concessionária submeteu à DSSOPT um novo estudo prévio, no qual pretendia que a altura do edifício a construir fosse de 164m NMM. O director destes Serviços emitiu em 1 de Fevereiro de 2007 parecer desfavorável ao projecto, pelo que a Administração não deu continuidade ao procedimento de revisão do contrato de concessão.
19. Em 15 de Julho de 2005, o “Centro Histórico de Macau” foi inscrito na lista do património mundial. Segundo o parecer emitido pelo Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) da DSSOPT, através da comunicação de serviço interno (CSI) n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril, sobre a situação dos lotes das zonas C e D, dado que estas zonas se situam a sul deste Centro Histórico, bem como a importância da sua localização, os diversos sectores sociais e os especialistas em património mundial acompanham sempre com atenção o respectivo planeamento. Em articulação com a monitorização por parte do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande e apenas em Novembro de 2014 é que o referido departamento concluiu o estudo do plano urbanístico das mesmas, aguardando ainda pela aprovação superior, a fim de poder emitir as respectivas plantas de condições urbanísticas (PCU).
20. Todavia, devido ao facto do plano das zonas C e D da Baía da Praia Grande ainda não ter sido aprovado, o procedimento de revisão do contrato de concessão do lote C12 não foi concretizado.
21. De 2010 até 2016, a concessionária tem apresentado vários requerimentos dirigidos ao Gabinete do Chefe do Executivo, a solicitar a concretização com a maior brevidade do plano de desenvolvimento das zonas C e D de empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande” e a renovação do prazo de concessão provisória do terreno ou, após a declaração de caducidade do referido lote, a sua concessão de novo à requerente, com dispensa de concurso público, ou a sua troca pelo direito de concessão de outro terreno adjacente, com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalentes.
III
22. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
23. Nestas circunstâncias, o DSO da DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 375/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras, para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
24. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
25. Com efeito, de acordo, com o artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212º e 215º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130º e 131º).
26. Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
27. De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória e virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49º, 132º e 133º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55º era aplicável apenas às concessões definitivas.
28. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167º da Lei n.º 10/2013.
29. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 17 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 375/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 19 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.”
Posteriormente, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu, em 18 de Novembro de 2016, o seguinte parecer:
“Proc. n.º 69/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 3690 m2, situado na península de Macau, designado por lote 12 da zona C do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 89/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 12 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, S.A.
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade habitacional e de estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 90,9m NMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 17 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212º e 215º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
O Exm.º Chefe do Executivo proferiu a seguinte decisão em 3 de Maio de 2018: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 69/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 18 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”»; (cfr., fls. 371 a 376-v).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.

Nada parecendo obstar o conhecimento do presente recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno e adequado, com uma breve “nota introdutória”.

O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se mostra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020 e de 31.07.2020, Procs. n.° 18/2020).

Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema – não se mostrando de olvidar o número de páginas que as conclusões da recorrente já ocupam, assim como o teor douto Parecer que juntou aos autos – tentar-se-á dar (cabal) resposta às questões colocadas.

Total razão assistindo ao Ministério Público na consideração tecida no seu douto Parecer, no sentido de que a recorrente se limita – essencialmente – a “reafirmar ou repisar” no presente recurso (jurisdicional) o que antes tinha argumentado no seu recurso (contencioso) para o Tribunal de Segunda Instância, adequado se mostra de ponderar no teor da decisão proferida e ora recorrida.

Assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância, (afigurando-se-nos de destacar o seguinte segmento decisório):

“Entende a recorrente que a concessão do terreno se identifica com o direito de superfície, devendo, assim ser aplicada o n.º 2 do artigo 313.º do Código Civil e considerar-se suspenso o prazo de concessão até que a Administração retome a apreciação dos projectos de aproveitamento do referido terreno.
Sem necessidade de delongas considerações, somos a entender que está em causa a questão de caducidade da concessão pelo decurso do prazo, que se distingue da prescrição referida no artigo 313.º do CC, pelo que, improcede o recurso quanto a esta parte.
Por outro lado, entende a recorrente que, por que o aproveitamento do terreno constitui condição resolutiva da concessão provisória e, simultaneamente, condição suspensiva da concessão definitiva, ao suspender a apreciação dos projectos de aproveitamento, a Administração impediu a recorrente de proceder ao aproveitamento do terreno, tendo com a sua conduta violado o disposto no n.º 2 do artigo 268.º do CC.
A nosso ver, não lhe assistir razão.
Como observa Rodrigues Bastos, citado por Gil de Oliveira e Cândido de Pinho5, “a condição é um elemento voluntário, acessório e típico do negócio, pela qual fazem depender os efeitos daquele, total ou parcialmente, da verificação de um acontecimento futuro e incerto. Por essa voluntariedade se distingue das conditiones iuris, que são os elementos exigidos por lei para a existência ou eficácia de certos negócios jurídicos, e que não podem, por isso, considerar-se verdadeiras condições”.
Em boa verdade, no caso de declaração da caducidade da concessão pelo decurso do prazo máximo, o aproveitamento do terreno constitui uma exigência legal para a concessão se converter em definitiva, não podendo, portanto, ser considerado como condição.
Improcede, pois, esta parte do recurso.
Invoca ainda a recorrente a existência de lacuna na Lei de Terras que careça de ser integrada, sobretudo no tocante à questão de suspensão do prazo da concessão no caso em que a concessionária não era imputável pelo não aproveitamento.
Ora, uma vez que a matéria de caducidade da concessão está regulamentada na Lei de Terras, falando-se de caducidade-preclusiva e do prazo máximo de concessão por arrendamento como veremos mais adiante, aliado ao facto de a recorrente ter direito a ser ressarcida dos prejuízos sofridos, caso não lhe seja imputável a falta do aproveitamento, não se vislumbra, a nosso ver, a existência de lacuna que careça de ser integrada.
Por outro lado, também não se descortina a suposta violação do disposto no artigo 323.º, n.º 2 do CC.
De acordo com a referida norma, constitui causa impeditiva da caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
No caso dos autos, o facto de a recorrente ter apresentado à Administração um estudo prévio e que este foi considerado passível de aprovação, ou ter sido emitidas àquela licenças de nivelamento e de tapumes, não significa que o seu projecto ficou definitivamente aprovado, tais factos não implicam qualquer reconhecimento do direito da recorrente, pelo que preenchido não está o disposto no n.º 2 do artigo 323.º do CC.
Segundo o artigo 215.º da Lei n.º 10/2013 (Nova Lei de Terras), esta aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor.
Sendo que o “direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano abrange poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas ou mantidas permanecem na propriedade do concessionário ou subconcessionário até à extinção da concessão por qualquer das causas previstas na presente lei ou no contrato” – artigo 47.º, n.º 1 da Lei de Terras.
Mais se determina no artigo 44.º do mesmo diploma legal que “a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente”.
O prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato, não podendo exceder 25 anos (artigo 47.º, n.º 1 da Lei de Terras).
No caso em apreço, o prazo de concessão por arrendamento é válido até 30.7.2016.
Até 3.5.2018, o aproveitamento do referido terreno não chegou a ser concretizado.
Há-de frisar ainda que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo a seguinte excepção: a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º, n.º 1 e 2 da Lei de Terras), o que não é o caso. Fora deste condicionalismo, não pode haver lugar a renovação das concessões provisórias.
E mesmo que se recorra ao regime de suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento a que se alude no n.º 5 do artigo 104.º da Lei de Terras, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo, também nunca pode ultrapassar o prazo-limite de 25 anos previsto no artigo 47.º da mesma Lei.
Preceitua-se no artigo 167.º da Lei de Terras que “A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.
Conforme ficou decidido no recente Acórdão do TUI, no Processo n.º 7/2018: “Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.”
Ou seja, trata-se de um dos efeitos impostos pela Lei de Terras e não cabe à Administração decidir se declara ou não declara a caducidade, pois é um acto vinculado do Chefe do Executivo.
Assim, incumbe ao Chefe do Executivo declarar a caducidade pelo decurso do prazo da concessão, caso o concessionário não consiga apresentar a licença de utilização (artigo 130.º Lei de Terras), porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento do terreno urbano.
Sendo uma actividade vinculada da Administração, ao declarar a caducidade da concessão após decorrido o prazo máximo de 25 anos, a Administração está a cumprir rigorosamente um dever legal imposto pela Lei de Terras.
Quanto à alegada falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno, entende-se na jurisprudência dominante da RAEM6 que a questão não é relevante para situações de caducidade-preclusão, em que depende apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio.
Improcedem, assim, as razões da recorrente nesta parte, não sendo legalmente admissível a prorrogação tanto do prazo de aproveitamento como do prazo da concessão, mesmo sob o pretexto de repor o equilíbrio económico ou financeiro do contrato.
No que se refere à suposta violação dos princípios básicos informadores do direito da RAEM, considerando que a Administração tem o dever de declarar a caducidade da concessão se não houver prova do aproveitamento do terreno, não se vislumbra qualquer necessidade de ponderação dos princípios da igualdade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da boa fé, invocados pela recorrente, os quais só se aplicam aos actos administrativos discricionários. Efectivamente, inserindo-se a actividade da Administração no âmbito do exercício de poderes vinculados que decorre do disposto nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1 e 48.º, n.º 1, da Lei de Terras, o acto em crise praticado pelo Chefe do Executivo não acarreta violação daqueles princípios, os quais funcionam apenas como limites internos da actividade discricionária da Administração e não no âmbito do exercício de poderes vinculados.
Conforme dito acima, a Nova Lei de Terras aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, sendo que, mesmo que não tenha sido declarada a caducidade aquando do termo do prazo inicial de aproveitamento, também não impede que seja declarada a caducidade da concessão pelo decurso do prazo máximo, nos termos consentidos pelos artigos 47.º e 167.º, ambos da Lei de Terras.
Pelo que improcede o vício de violação de lei por afronta aos artigos 52.º e 215.º, alínea 2) da Lei de Terras.
Por tudo quanto deixou exposto, improcedem as razões aduzidas pela recorrente neste recurso”; (cfr., fls. 376-v a 380).

Aqui chegados, vejamos.

Percorrendo as – extensas – “conclusões” da recorrente, em abreviada síntese que se nos mostra adequada, (e não obstante repetir a recorrente a “versão” antes já apresentada ao Tribunal de Segunda Instância), cremos que, em bom rigor, duas são as “questões” a apreciar.

Uma, relacionada com a “decisão da matéria de facto” do Acórdão recorrido, e a outra, com o “enquadramento jurídico” aí efectuado.

–– No que toca à primeira, é (essencialmente) a recorrente de opinião que se incorreu em “erro de julgamento da matéria de facto” dado que o Tribunal a quo não apreciou, deu como “provada”, e ponderou, matéria de facto (que seria) relevante para a boa decisão da causa.

Porém, sem embargo do muito respeito por outro entendimento, à ora recorrente não se pode reconhecer razão.

De facto, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, o Ac. de 27.11.2002, Proc. n.° 12/2002, de 24.03.2004, Proc. n.° 5/2004, de 02.06.2004, Proc. n.° 17/2003, de 29.06.2005, Proc. n.° 3/2005, de 14.12.2012, Proc. n.° 61/2012, de 16.05.2018, Proc. n.° 40/2018, de 13.11.2019, Proc. n.° 85/2019 e de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020).

Sendo este o entendimento que de forma firme, (e repetida), tem vindo a ser assumido por este Tribunal de Última Instância, e motivos não se nos apresentando para o alterar, visto cremos que está a solução para a questão.

–– Quanto ao “enquadramento jurídico” pelo Tribunal de Segunda Instância efectuado à factualidade considerada provada e atrás retratada, consigna-se, também, que não se mostra de censurar, pois que a solução a que se chegou corresponde, na íntegra, ao que por esta Instância tem vindo a ser considerado sobre a questão, (notando-se que na decisão recorrida se cita o Acórdão desta Instância de 23.05.2018, tirado no Proc. n.° 7/2018, onde se tratou de idêntica matéria e questões, e que, por razões de economia processual, aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Na verdade, e tal como resulta da factualidade dada como provada, a “concessão por arrendamento” do terreno em questão era para durar por “25 anos” contados a partir da outorga da respectiva escritura pública, (30.07.1991), e, como é bom de ver, expirado estando tal prazo, (o que sucedeu em 30.07.2016), sem que concluído estivesse o seu aproveitamento, legalmente correcta se apresenta a decisão do Chefe do Executivo que, em 03.05.2018, declarou a sua caducidade.

Com efeito, e como tem constituído entendimento deste Tribunal de Última Instância:

“Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem a conclusão do seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.
Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica”; (cfr., os Acs. atrás referidos, e entre outros, o recente Ac. de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020).

No mesmo sentido, e como se fez constar no sumário do recente Acórdão deste Tribunal de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020:

“No que concerne à declaração de caducidade da concessão do terreno, por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M).
A jurisprudência dos tribunais da RAEM vai no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno por decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva.
No caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha sido aproveitado o terreno, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão. Trata-se dum acto vinculado.
O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação e da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares”.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 9 de Setembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 Adriano Vaz Serra, anotação ao Ac. STJ, de 9 de Fevereiro de 1971, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105, n.° 3467, p. 28; id., anotação ao Ac. STJ, de 5 de Dezembro de 1972, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107, n.° 3515, p. 25, nota 2.
2 in Noções de Direito Administrativo - Editora Danúbio Lda Lisboa 1982 pp472
3 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, o Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, 2017
4 A. Catanheira Neves, Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Reimpressão, 2013
5 Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume IV, CFJJ, pág. 111
6 A título exemplificativo, decidiu-se no recente Acórdão do TUI, no Processo n.º 7/2018 que: “O Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.”
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Proc. 56/2020 Pág. 44

Proc. 56/2020 Pág. 45