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Processo nº 63/2020 Data: 09.09.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão de terrenos.
Decurso do prazo da concessão.
Caducidade.
Inquirição de testemunhas.
Nulidade por omissão de pronúncia.
Acto vinculado.



SUMÁRIO

1. A “nulidade” por “omissão de pronúncia” – tão só – ocorre quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre “questão” que lhe coubesse conhecer, e não quanto a todo e qualquer dos “fundamentos”, “razões”, “opiniões”, ou mesmo doutrinas que os sujeitos processuais invoquem para sustentar ou justificar o seu ponto de vista sobre as (verdadeiras) “questões” que colocam, pois que o vocábulo (legal) “questão” não pode ser entendido de forma a abranger todos os “argumentos” invocados pelas partes.

2. Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem o seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.

3. Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 63/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO CHUI KENG VAN, S.A.”, (“翠景灣建築置業股份有限公司”), com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 03.05.2018 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 1.027 m², situado na península de Macau, designado por lote 3 da zona C, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 61 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 20.02.2020, (Proc. n.° 579/2018), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 309 a 322-v).

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Inconformada com o decidido, do mesmo, traz a recorrente o presente recurso, alegando para, em – longas – conclusões, dizer o que segue:

“1. O presente recurso tem por objecto o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso interposto do Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 027 m2, designado por lote 3 da zona C do empreendimento denominado "Fecho da Baía da Praia Grande";
2. A Recorrente remete para a factualidade descrita nos artigos 1.° a 96.° do seu recurso;
Produção de Prova
3. Pelo douto acórdão ora recorrido, foi rejeitada a reclamação apresentada pela Recorrente relativa à decisão de não inquirir as testemunhas arroladas;
4. A Recorrente entende que a caducidade em causa nestes autos é a caducidade-sancionatória mas ainda que de caducidade-preclusiva se tratasse (o que não se concede), tal não impediria a aplicação do regime do artigo 323.° do Código Civil, ou a apreciação da culpa da Administração, porque o regime da caducidade previsto no Código Civil é inteiramente aplicável no âmbito da Lei de Terras;
5. É necessária a produção de prova para que possam ser apreciadas as questões suscitadas pela Recorrente, que comportam factos que impedem, no entender da Recorrente, a declaração de caducidade por decurso do prazo;
6. Tais factos determinavam a interrupção do prazo num momento anterior ao da declaração de caducidade, impedindo que a caducidade se verifique na data prevista no contrato de concessão;
7. Os factos que se pretendem provar pela inquirição das testemunhas arroladas são essenciais aos pedidos concretos formulados pela Recorrente e nenhum deles podia ter sido conhecido e apreciado sem as inquirições requeridas;
8. Não está em causa a liberdade de uso da faculdade prevista no artigo 63.° do CPAC, apenas se invoca que está a ser inadequadamente aplicada porque a prova a produzir é relevante, pertinente, útil, necessária e essencial aos pedidos concretos formulados pela Recorrente e nenhum deles podia ter sido conhecido e apreciado sem as inquirições requeridas;
9. Razão pela qual deve a decisão de não produção da prova testemunhal ser revogada e ser substituída por outra que determine a sua inquirição;
Da Concessão
10. Da douta decisão recorrida pode ler-se "irreversível expiração do prazo de 25 anos" (pág. 21);
11. É exactamente essa a factualidade que se questiona: por certo que decorreram 25 anos desde a concessão inicial mas não decorreu o prazo da concessão porque, pelas razões alegadas pela Requerente, (i) tal prazo se suspendeu em virtude da impossibilidade do exercício do direito desde 2006, por revogação do plano, ou, ainda que assim não se entenda, ou (ii) se interrompeu porque ao reconhecer a necessidade de alterar os contratos de concessão a Administração reconheceu o direito da Recorrente e reconheceu que este só podia ser exercido após a publicação do nove- plano de urbanístico;
12. Não decorreram 25 anos também porque a Recorrente, ou a Nam Van que a antecedeu na concessão, nunca dispôs de 25 anos de concessão, porque a Zona C, onde o Terreno se integra, só veio a ser concedida pelo Despacho 56/SATOP/94, publicado a 1 de Junho de 1994, ao contrário do que a Entidade Recorrida afirma no ponto 2 do douto Parecer do SATOP de 4 de Novembro de 2016 e nos pontos 2 e 16 do Parecer 123/2016 da Comissão de Terras de 27 de Outubro de 2016;
13. Razões pelas quais a Recorrente entende que o douto acórdão de que ora se recorre fez uma errada aplicação da lei ao apontado vício de erro sobre os pressupostos de factos;
Da Natureza da Caducidade
14. De acordo com o douto acórdão recorrido, a caducidade declarada pelo acto recorrido tem natureza preclusiva, conclusão com a qual a Recorrente discorda por entender que se trata de uma errada interpretação da lei aplicável;
15. A caducidade prevista no artigo 166.° da Lei de Terras (admitindo a sua aplicação como mera hipótese teórica) ou a prevista no artigo 166.° da anterior Lei 6/80/M são uma sanção para o não aproveitamento do terreno e são declaradas em virtude da não conclusão do aproveitamento ou pela suspensão deste por tempo indeterminado e não apenas pelo mero decurso do prazo;
16. A norma contida no artigo 167.° da Lei determina, apenas, a competência para o acto - que cabe ao Chefe do Executivo - e a forma - publicação no Boletim Oficial - mas não a natureza preclusiva da caducidade;
17. O artigo 215.° da Lei de Terras dispõe, que esta Lei n.° 10/2013 aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor - o caso do Terreno - mas com ressalvas, entre elas a da alínea 3), isto é, "quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.° 3 ) do artigo 104.° e no artigo 166.°." (sublinhado nosso)
18. Ora, não tendo havido culpa do concessionário, como a Recorrente descreve no seu recurso, e que a própria Entidade Recorrida não nega ou tão pouco invoca no acto recorrido, o artigo 166.° não pode ser aplicado às concessões pretéritas, é este o resultado da ressalva da alínea 3) do artigo 215.° da Lei da Terras,
19. Porque é condição de aplicação deste normativo que o aproveitamento do Terreno não tenha sido realizado por culpa do concessionário, culpa que não foi apreciada por decisão expressa do douto acórdão recorrido, não obstante ter sido alegada, a culpa da Administração, e ter sido pedida a sua apreciação com os efeitos legais;
20. A questão jurídica da aplicabilidade do artigo 166.°, ex vi artigo 215.°, ambos da Lei de Terras foi levantada no recurso contencioso interposto pela Recorrente mas não foi apreciada na decisão ora recorrida, o que constitui uma omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do artigo 571.°, n.° 1, alínea d) e que determina a nulidade da decisão recorrida;
21. O douto acórdão recorrido não pode deixar de apreciar a culpa - no mínimo a inexistência de culpa do concessionário - para determinar se estão reunidos os requisitos de aplicação do artigo 166.°, ex vi artigo 215.°, alínea 3);
22. O artigo 166.°, n.° 1 pressupõe a culpa da concessionária do terreno (esse é o único sentido da ressalva da alínea 3) do artigo 215.° da Lei de Terras) e, como tal, não pode simultaneamente ser invocado para justificar a natureza preclusiva da caducidade na Lei de Terras, como faz a douta decisão recorrida;
23. Só é vinculado o poder administrativo de declarar a caducidade se esta se tiver verificado e se esta puder ser declarada: o que a Recorrente defende é que a caducidade não se verificou em virtude da causa impeditiva invocada, como adiante melhor se exporá, e que não estavam reunidas as condições para a sua declaração;
24. O artigo 48.° referido na jurisprudência citada no douto acórdão não determina, por si, a natureza da concessão, antes impede a renovação de concessões provisórias.
25. "Esta noção legal de concessão provisória sugere - quase literalmente - que o acto que declare a caducidade de uma concessão provisória nunca pode ter exclusivamente por fundamento o mero decurso do tempo. Na verdade, saber "se, no decurso do fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas", implica, pressupõe e exige que a Administração avalie efectivamente o comportamento contratual do concessionário, para, de tal modo, concluir pelo cumprimento ou incumprimento daquelas cláusulas. De facto, a norma é composta de dois segmentos normativos: o decurso do tempo ("decurso do prazo fixado"); e a diligência contratual do concessionário no cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo". (in Parecer, pág. 38);
26. "Mas, para este efeito, se concluir pela não realização do aproveitamento no prazo previsto, deve também verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao sujeito privado, só sendo legítimo declarar a caducidade quando conclua pela positiva." (idem, pág. 42) (sublinhado nosso).
27. "Pelo que este fenómeno de caducidade nunca poderá, pois, ser qualificado como uma caducidade preclusiva, mas, outrossim, como uma caducidade-sancionatória.
Se assim não se entender, então a caducidade-sanção pode "converter-se" num acto ablativo de direitos nas situações em que o incumprimento do prazo não seja imputável ao concessionário. Uma genuína expropriação sacrifício." (idem, pág. 44) (sublinhado nosso).
28. Igual conclusão é feita na douta declaração de voto vencido do Ilustre Magistrado Fong Man Chong no douto Acórdão proferido no Proc. 824/2016, de onde se pode ler: 8. De acordo com a análise e a conclusão acima referidas, consideramos que o prazo de concessão previsto no artigo 47.° da Lei de Terras é de caducidade-sancionatória. Quando a culpa é da Administração por não cumprir os deveres e deixar a impossibilidade de o concessionário utilizar o terreno, pode prorrogar o prazo, mas o poder de decisão pertence à Administração. Ou mesmo que a Administração não tenha culpa, mas toma qualquer decisão (ou acto) que impede o concessionário a exercer o direito, o respectivo prazo é interrompido."
29. Razões pelas quais a Recorrente alegou também erro nos pressupostos de direito por não estarem reunidos os requisitos necessários à aplicação dos artigos 52.° e 166.° da Lei de Terras e, também em virtude da natureza da caducidade, entende ter a douta decisão recorrida aplicado erradamente a lei.
Da Falta de Fundamentação Jurídica do Acto Recorrido
30. A efectiva omissão de referência ao artigo 166.° da Lei de Terras no acto recorrido foi uma das razões que determinou a alegação de falta de fundamentação do acto recorrido por parte da Recorrente;
31. No âmbito da Lei da Terras, a caducidade de uma concessão tem por base jurídica o referido preceito que, por sua vez, implica que se encontrem verificadas as situações nele referidas, não bastando invocar o mero decurso do tempo;
32. A falta de fundamentação alegada pela Recorrente não se refere apenas à omissão de menção do preceito mas à falta do raciocínio jurídico que determinou a sua aplicação, que configure o alegado incumprimento da Recorrente, e que, devido a essa falta de fundamentação, a Recorrente continua a desconhecer qual seja, já que a hipótese da sua aplicação ao caso concreto parece inviável, como acima se expôs e a douta decisão recorrida não o esclarece;
33. Tal fundamentação não consta do ponto 7 do Parecer do STOP apontado pela decisão recorrida, do qual nem consta o artigo 166.° ou o outro normativo que determine a caducidade do contrato;
34. Não pode recorrer-se ao princípio do aproveitamento do acto jurídico se o acto recorrido não esclarece de que forma aplicou o artigo 166.°, por via do artigo 215.°, ambos da Lei de Terras, já que não se encontram reunidas as condições para essa aplicação, nem o acto recorrido defende que estejam: simplesmente declara a caducidade;
35. Pelo que a decisão recorrida fez uma errada aplicação da lei;
Da Causa Impeditiva e do Decurso do Prazo de Caducidade
36. Por outro lado, existem causas impeditivas do decurso do prazo, remetendo-se para a factualidade descrita no seu recurso, pelo que a caducidade não poderia ter sido declarada, não porque o contrato se pudesse renovar mas porque existiram causas impeditivas da caducidade;
37. O acto só é vinculado depois de verificada a caducidade, não tendo a mesma chegado a ocorrer porque o prazo não decorreu em virtude da causa impeditiva invocada;
38. Quando se invoca a causa impeditiva de caducidade estamos um momento antes da possibilidade de renovação: o prazo da caducidade não decorreu - porque se interrompeu - não se chegando. Juridicamente, a Administração a confrontar-se com a aplicação do artigo 48.°. n.° 1 da Lei de Terras; não é de uma renovação que se trata mas de uma não verificação da caducidade;
39. A causa impeditiva invocada impede a declaração da caducidade e impõe a manutenção do contrato, sem que tenha sido atingido o decurso do prazo;
40. "E contra o que ora se adianta não valerá um eventual argumento "tirado" do artigo 320.° do Código Civil de Macau, por força do qual o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. Só que a caducidade, ou melhor, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, apenas começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (artigo 321.° do mesmo Código). Ao que acresce o regime do artigo 323.°, dispondo-se aí que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo (n.° 1), mas quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Ora, no caso concreto, não só ocorreram circunstâncias que obstaram ou impediram o exercício, pelos sujeitos privados, dos direitos resultantes das concessões, isto é, impediram e impossibilitaram o cumprimento das referidas cláusulas de aproveitamento dos terrenos, como igualmente se assistiu a um reconhecimento, pela Administração, dessa impossibilidade de execução e - justamente - ao reconhecimento de um direito à revisão dos contratos, o mesmo é dizer, de um direito ao reequilíbrio contratual (…)." (in Parecer, pág. 46), opinião que é confirmada no Voto Vencido já citado e para cuja transcrição acima se remete;
41. No Voto Vencido, o ilustre Magistrado aponta ainda outras soluções jurídicas, para além das já identificadas pela Recorrente no seu recurso contencioso, e para as quais não pode deixar de apelar porque são juridicamente possíveis para a questão em análise. São elas:
- a Administração impôs a suspensão do aproveitamento dos projectos sujeito a uma condição (artigo 111.° do CPA e artigo 265.° do Código Civil).
"Simplificamos a questão: a Administração expressamente exprimiu que não podia se continuar a execução de obras, excepto quando se lançasse novo planeamento urbanístico da Baía da Praia Grande, só podendo, a partir daí, haver novamente execução. Obviamente, tal decisão determina que, através do "mandado de paralisação de execução" se exige às concessionárias a suspensão da realização de obras e apenas após a ocorrência doutro facto no futuro, ou seja, determinada e iniciada a execução do novo planeamento da Baía (a verificação dessa condição) é que lhes será concedida permissão para execução de obras e serão apreciados os projectos de aproveitamento de terrenos (obras de supraestrutura). Todos esses são factos definitivos e admitidos pela Administração (Os relacionados ofícios foram supra citados)."
- Suspensão e interrupção do prazo da concessão: aplicação analógica do artigo 1427.°, 317.° e 318.° do Código Civil, nos termos dos quais, "quando a Administração reconhece que o concessionário tem o domínio útil, o respectivo prazo deve ser interrompido, com os consequentes efeitos legais." e
- O prazo de 25 anos previsto na Lei de Terras não é objectivo e não impede a verificação da actuação da Administração por se tratar de uma caducidade sancionatória e que impõe a interrupção do prazo, conforme ponto 8 já acima citado;
42. Todas estas soluções têm a mesma consequência: o decurso do prazo de caducidade não decorreu porque foi suspenso ou interrompido em virtude de diversos actos praticados pela Administração, no limite, quando suspendeu o desenvolvimento e quando relegou a apreciação dos projectos para a aprovação do novo plano;
43. Novo plano que nunca foi aprovado na vigência do contrato de concessão, facto que impede, suspende ou interrompe o decurso da caducidade, consoante a solução jurídica acolhida, mas certamente impossibilita o seu decurso, solução que, como já se afirmou, seria contrária ao Direito;
44. O aproveitamento estava dependente do cumprimento do plano de urbanismo (cláusula 3.ª do contrato de concessão) mas a Entidade Recorrida suspendeu o plano vigente à data da celebração do contrato e reconheceu a necessidade de rever os contratos de concessão de forma a ficarem consentâneos ao futuro novo plano. Depois, simplesmente esperou o decurso do tempo, dele não retirando, como devia, as devidas consequências jurídicas;
45. Não está em causa a existência ou não de um direito disponível, como se pode ler da douta decisão recorrida, mas sim de um prazo contratualmente fixado, previsto no n.° 2 do artigo 323.° do Código Civil: a Administração contratou um prazo com a Recorrente e depois agiu de forma a impedir o cumprimento contratual por parte desta, facto que legitimamente reconheceu por actos posteriores e que a Recorrente invocou como sendo impeditivos da caducidade;
46. A Administração tinha toda a disponibilidade do seu direito contratual e do interesse que a ele subjazia para reconhecer que a sua actuação impediu o cumprimento por parte da Recorrente;
47. O reconhecimento do direito não foi consumado por "informações burocráticas de técnicos da Administração ou mesmo de directores de serviço"; os ofícios e comunicações de serviço interno da DSSOPT são meros veículos de comunicação de actos tomados pelo Governo da RAEM, com poderes para tal, comunicando tal decisão aos interessados.
48. Isso mesmo reconhece o parecer da Comissão de Terras anexo ao acto recorrido, do qual se pode ler:
"13. (…) Em articulação com a monitorização por parte do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas Ce D da Baía da Praia Grande e apenas em Novembro de 2014 é que o referido departamento concluiu o estudo do plano urbanístico das mesmas, aguardando ainda pela aprovação superior, a fim de poder então emitir as respectivas plantas de condições urbanísticas (PCU)." (sublinhado nosso); documento que foi confirmado pelo Chefe do Executivo ao anexá-lo ao acto recorrido;
49. O Chefe do Executivo, em 2015 e em 2016, em declarações na Assembleia Legislativa, confirmou ainda ter sido o Governo a suspender o plano urbanístico o que impossibilitou o aproveitamento dos terrenos da Zona C e D, reconhecendo até responsabilidade do Governo nesse acto, aqui se remetendo para a transcrição acima constante;
50. A suspensão, acto do Governo da RAEM, ocorreu em 2005 e não em data posterior ao prazo de arrendamento do terreno, como se pode ler do acto recorrido (pág. 24)
51. A validação desta situação pela douta decisão recorrida resulta de uma errada aplicação da lei;
Do Abuso de Direito e da Violação dos Princípios Gerais de Direito Administrativo
52. A Recorrente invocou a violação dos princípios da igualdade, da boa-fé, incluindo venire contra factum proprium, da proporcionalidade, da decisão e da eficiência;
53. A douta decisão recorrida respondeu, em geral, que nenhum destes princípios se aplicam ao acto recorrido, porque a administração terá actuado no âmbito de poderes vinculados, e que, no entender da Recorrente, configura uma errada aplicação da lei, já que tais princípios têm aplicação ainda que a actuação fosse no âmbito de poderes vinculados;
54. A Entidade Recorrida não praticou o acto recorrido em cumprimento de cláusulas contratuais e da lei, pelo contrário, abusou dos seus poderes para condicionar o cumprimento contratual da Recorrente - ao suspender o plano urbanístico - desequilibrando as prestações do contrato que celebrou, em claro abuso de direito;
55. Ao princípio da igualdade, a douta decisão recorrida responde também dizendo que não há igualdade na ilegalidade mas não identifica ou invoca qualquer ilegalidade dos actos especificamente listados pela Recorrente;
56. Nenhuma das situações concretas de tratamento desigual citadas foi, até à presente data, questionada ou considerada ilegal sob qualquer perspectiva ou em alguma das diferentes fases que passou até à sua concretização final pelo que o único argumento de que não há igualdade na ilegalidade não se aplica e não pode acolher;
57. O princípio da igualdade aplica-se, esteja em causa uma actuação discricionária ou vinculada da Administração;
58. Do artigo 8.° do CPA pode ler-se: "No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras de boa-fé." (sublinhado nosso), norma textualmente igual ao equivalente artigo 6.°-A do Código do Procedimento Administrativo português.
59. Em anotação a este artigo, escreve o Prof. Dr. António Francisco de Sousa: "3. O princípio da boa-fé impõe que, no exercício dos seus poderes, ainda que vinculados, a Administração tenha uma conduta ética irrepreensível, seja honesta e correcta, e adopte um comportamento leal para com o cidadão. Para respeitar o princípio da boa-fé, a Administração deve tomar em consideração os valores jurídicos fundamentais relevantes para a decisão, em especial a confiança suscitadas no particular e o objectivo a alcançar com a actuação em causa (artigo 6.°-A)." (in Código do Procedimento Administrativo - Anotado e Comentado, 2.ª Edição, Quid Juris) (sublinhado nosso);
60. A mesma opinião pode ser encontrada no já citado Voto Vencido: são diversas as passagens da declaração de voto vencido em que o Ilustre Magistrado alerta para o comportamento contraditório da Administração, que num momento autoriza e no momento seguinte suspende, ou que num momento suspende o desenvolvimento e seguidamente declara a caducidade, conforme acima já citado;
61. É do conhecimento público, e foi a própria Administração que o publicitou - na sua página da internet, na Secção de Informação sobre Terras, que pode ser consultada em https://www.dssopt.gov.mo/pt/menu/publicInfo/id/171 -, que o não aproveitamento de um determinado conjunto de terrenos da Nam Van, entre eles o Terreno, não se deveu à culpa das concessionárias, antes se ficou a dever a um conjunto de circunstâncias criadas pela administração já sobejamente retratadas nestes autos.
62. Dessa informação publicada pela Administração consta ainda a razão desses terrenos não terem sido classificados como terrenos não desenvolvidos dentro do prazo (que agora vem invocar no acto recorrido), e que deve a um dos seguintes factores: "Já concluída a apreciação dos projectos, procedimento de revisão de contrato de concessão em curso, planeamento urbanístico e acções judiciais." (sendo que não havia acções judiciais pendentes do Terreno à data);
63. Esta mesma actuação, bem como a descrita no recurso apresentado pela Recorrente, veio a Administração alterar ao praticar o acto recorrido, agindo em violação do principio da boa-fé, o qual inclui o abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, igualmente proibido pelo artigo 8.° do CPA e pelo artigo 326.° do Código Civil, aplicável nos termos acima descritos;
64. A Recorrente juntou ou remeteu para muitos elementos que demonstram que os actos praticados pela Administração ofenderam, de forma clamorosa, a justiça e excederam manifestamente os limites imposto pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico do direito (artigo 326.° do Código Civil) e se não foram bastantes tal ficou-se a dever exclusivamente à falta de produção da prova testemunhal, que lhe foi, indevidamente, recusada;
65. Quando faltavam apenas 10 anos para o fim do prazo da concessão inicialmente previsto no contrato de concessão em discussão, a Administração suspende, sine die, o plano urbanístico de que dependia o contrato de concessão (cláusula 3.a do contrato), espera, voluntária e conscientemente, sem aprovar qualquer plano, que decorram esses 10 anos e declara a caducidade do contrato;
66. O princípio da boa-fé, em toda a sua extensão normativa, foi manifestamente violado, em claro abuso de direito;
67. Viola ainda, de forma grave e irreversível, o princípio da decisão e da eficiência, ao contrário do que se conclui na douta decisão recorrida;
68. Não são vinculados os poderes, se a administração dispõe da arbitrariedade para avaliar a situação de facto, considerar o prazo interrompido ou suspenso antes de declarar o seu decurso, nos termos acima descritos, e decide não o fazer para optar pela única solução que branqueia a sua atitude ao longo do contrato;
69. Por outro lado, não é aceitável que a Administração tenha comportamentos vinculados que não estejam pautados pelo estrito cumprimento da lei;
Do artigo 55.° da Lei do Planeamento Urbanístico e da Lei Básica:
70. A Recorrente invocou a violação do artigo 55.° da Lei do Planeamento Urbanístico - na medida em que impunha à Entidade Recorrida uma obrigação de rever o contrato de concessão de que a Recorrente era titular, em vez de declarar a sua caducidade;
71. Bem como a violação dos artigos 7.°, 25.° e 103.° da Lei Básica da RAEM;
72. Sobre esta questão não se pronuncia a douta decisão recorrida, o que consubstancia uma omissão de pronúncia e determina a nulidade da decisão, nos termos e para os efeitos do artigo 571.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, nulidade que ora se invoca;
73. Razões pelas quais se entende que o douto acórdão fez uma errada aplicação dos normativos invocados pela Recorrente e omitiu a pronúncia de duas questões colocadas pela Recorrente: a inaplicabilidade do artigo 166.°, ex vi o artigo 215.°, ambos da Lei de Terras, e a violação do artigo 55.° da Lei do Planeamento e dos artigos 7.°, 25.° e 103.° da Lei Básica da RAEM”; (cfr., fls. 325 a 386).

*

Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 391 a 397), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Vem impugnado o acórdão de 20 de Fevereiro de 2020, do Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso contencioso interposto por “Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A.” contra o despacho de 3 de Maio de 2018, do Exm.º Chefe do Executivo, através do qual foi declarada a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno com a área de 1 027 m2, designado por lote 3, situado em Macau, na zona C do “Fecho da Baía da Praia Grande”, e que igualmente negou provimento à reclamação para a conferência, onde era visado o despacho do relator, que havia indeferido a produção de prova testemunhal.
A recorrente imputa ao acórdão recorrido a nulidade do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por alegada omissão de pronúncia, e erro de julgamento, quer da questão da necessidade de produção de prova testemunhal, quer dos vícios assacados ao acto.
Vejamos, começando pela matéria relativa à reclamação para a conferência.
Nesta parte, a recorrente acha que o acórdão incorreu em erro de julgamento, em violação do direito à prova, quer porque está em causa um caso de caducidade sanção, no âmbito do qual haveria lugar à apreciação da culpa, quer porque, em todo o caso, haveria que fazer prova dos factos impeditivos do decurso do prazo da caducidade e do abuso de direito e violação de princípios fundamentais.
Afigura-se que o acórdão não incorreu no apontado erro de julgamento.
Está por demais sedimentada a jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, no sentido de que o decurso do prazo da concessão provisória sem que, por via do aproveitamento, haja lugar à conversão em concessão definitiva, integra caso de caducidade preclusiva. E é pacífica a jurisprudência segundo a qual, nesta hipótese, está dispensado o apuramento da responsabilidade pelo incumprimento – cf., v.g., acórdão do Tribunal de Última Instância, de 11 de Outubro de 2017, in Processo n.º 28/2017.
Portanto, não havia que fazer prova sobre a culpa.
Por outro lado, quanto à hipótese de prova de factos impeditivos da caducidade, a recorrente joga com o artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, escudando-se no argumento de que teria havido um reconhecimento do seu direito ao desenvolvimento do terreno, o que, nos termos daquele inciso, constituiria impedimento à verificação da caducidade.
Ora bem, o direito ao desenvolvimento ou aproveitamento do terreno é um direito resultante do contrato e que, naturalmente, está presente no normal relacionamento que as partes contratuais vão mantendo ao longo da duração do contrato. Isso não significa que a circunstância de a Administração actuar tomando por base aquele direito do particular ao aproveitamento e tentando proporcionar-lhe a possibilidade de aproveitar o terreno, respondendo aos requerimentos deste e prevendo a conjugação futura de condições para concretização dos projectos, isso não significa, dizíamos, que a Administração reconheça o direito ao aproveitamento para além do normal prazo de caducidade. É este o reconhecimento que o artigo em causa pressupõe, e que, como é óbvio, não ocorreu nem tão pouco resulta da matéria alegada pela recorrente.
E, quanto ao abuso do direito e violação dos princípios da actividade administrativa, é sabido que estes vícios, típicos dos actos discricionários ou predominantemente discricionários, não podem ocorrer quando estão em causa actos marcadamente vinculados, como o que estava em causa no recurso contencioso, onde a actividade decisória da Administração não tem margem de desvio relativamente ao padrão estritamente imposto por lei.
Não estava em causa, também nestes vectores, matéria a carecer de prova.
Improcedem, pois, os fundamentos do recurso quanto à matéria da reclamação.
No que toca propriamente à decisão do recurso contencioso, vêm imputados ao acórdão a nulidade do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por alegada omissão de pronúncia, e erro de julgamento dos vícios assacados ao acto administrativo.
Deve notar-se, quanto à arguida nulidade por omissão de pronúncia, que a recorrente a suscita por alegada falta de apreciação da violação dos artigos 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica e 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico.
Nos termos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, há omissão de pronúncia quando o tribunal não se debruça sobre questões que devesse apreciar. O que interessa, nos termos conjugados deste inciso com o artigo 563.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, é que o tribunal resolva todas essas questões, não se lhe impondo que aborde todos os factos, argumentos, considerações ou razões produzidos pelas partes em abono dos seus pontos de vista – cf. Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, a pgs. 143.
Ora bem, em contencioso administrativo de anulação, as questões que o tribunal é chamado a resolver são as da operatividade dos vícios que vêm imputados ao acto administrativo, como causas da sua possível invalidade. E há que convir que essas questões suscitadas foram todas resolvidas pelo acórdão, mediante remissão para o parecer do Ministério Público, neste tendo sido abordados e tratados todos os vícios imputados ao acto. É que, debruçando-nos sobre o teor da petição de recurso, constata-se que a possível violação dos artigos 25.º da Lei Básica e 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico foi aventada a propósito dos suscitados vícios de violação do princípio da igualdade e de abuso do direito, vícios estes que foram objecto de conhecimento pelo acórdão impugnado, por remissão para o parecer do Ministério Público, como facilmente se conclui da análise do aresto. E, quanto aos artigos 7.º e 103.º da Lei Básica, apura-se que apenas a final vêm arrolados nas normas tidas por violadas, não constando do corpo do articulado da petição de recurso a explicitação legalmente exigida como causa de pedir (cf. artigo 42.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não se pode considerar que a imputada violação destes normativos fosse uma questão de que houvesse que conhecer-se especificamente por força dos artigos 563.º, n.ºs 2 e 3, e 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Improcede também este fundamento do recurso.
Passando aos erros de julgamento dos vícios atribuídos ao acto administrativo, verifica-se que a recorrente vem, em sede de recurso jurisdicional, esgrimir e reafirmar motivos e argumentos que já antes utilizara em sede de recurso contencioso, na caracterização e explicitação dos vícios do acto.
Na oportunidade, sobre esses vícios emitiu pronúncia o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 302 e seguintes, manifestando-se contra a tese da ilegalidade do acto que agora volta a terreiro. Temos por pertinente e bem fundada a posição então avançada pelo Ministério Público no recurso contencioso, que sufragamos, e que aliás foi acolhida pelo acórdão impugnado.
Daí que, reafirmando o sentido do aludido parecer, nos pronunciemos pela improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional, também no tocante aos aventados erros de julgamento dos vícios do acto administrativo.
Termos em que se afigura não merecer censura o acórdão recorrido, que deve ser mantido, negando-se provimento ao recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 407 a 409-v).

*

Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Por escritura pública de 30 de Julho de 1991, exarada de fls. 4 e seguintes do livro 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, celebrada em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, e com as alterações introduzidas pelos Despacho n.º 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, Despacho n.º 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993, Despacho n.º 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, e Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999, foi titulada a concessão por arrendamento de vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situados na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício FIT Center, 21.º andar B, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 4144 (SO) a fls. 166 do livro C10.
2. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 81/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa dos direitos resultantes da concessão do terreno com a área de 1,027m2, designado por lote 3 da zona C do referido empreendimento a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício FIT Center, 21.º andar B, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 8975 (SO) a fls. 18 do livro C23.
3. O mencionado lote está descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º 22514 a fls. 166 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor daquela sociedade sob o n.º 26667F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
4. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de transmissão titulado pelo sobredito Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 81/2001, o arrendamento do terreno é válido até 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato de transmissão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, em conformidade com o plano de pormenor e respectivo regulamento, relativo à zona C, aprovado pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991.
6. Em 04/11/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
“…
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 81/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 3 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van, S.A..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 34,5 mNMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 27 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno…”.
8. Em 03/05/2018, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“…Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 61/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”»; (cfr., fls. 315-v a 318).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.

Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com uma breve “nota introdutória”.

O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se mostra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020 e de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020).

Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar cabal resposta às questões colocadas.

Pois bem, percorrendo a alegação de recurso apresentada e as conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, constata-se que – em síntese – pela mesma vem suscitadas três questões: a primeira, incidindo sobre o indeferimento da sua requerida “inquirição de testemunhas”, a segunda, assacando ao Acórdão recorrido uma “nulidade” por alegada omissão de pronúncia, e, a terceira, tendo como objecto o “enquadramento legal” pelo Tribunal de Segunda Instância efectuado à matéria de facto dada como provada.

Vejamos.

–– Quanto à primeira, tem a decisão do Tribunal de Segunda Instância o teor seguinte, (passando-se a transcrever o que se mostra relevante):

“(…)
Vem a Recorrente reclamar para a Conferência o despacho do Relator de 22/11/2018, pelo qual de determinou a não inquirição das testemunhas arroladas por entender que a requerida diligência probatória é desnecessária para a boa decisão da causa.
Analisada a situação concreta do caso, concordamos a decisão reclamada, visto que a caducidade da concessão foi declarada com fundamento no decurso do prazo da concessão provisória sem que esta convertida em definitiva.
Nesta medida, a Recorrente nunca poderá proceder ao seu aproveitamento por qualquer forma face à legislação vigente.
Quanto à alegada nulidade do despacho ora reclamado por se tratar da prática de um acto que a lei não admite e por tal acto influir na decisão da causa, salientamos desde já que conforme supra exposto, a decisão ora reclamada nada influi na decisão da causa, por ser um acto inútil.
Em relação a sua admissibilidade legal, cumpre-nos dizer o facto de o Relator ter ordenado o cumprimento do disposto do artº 64º do CPAC, nada lhe impede que no momento posterior, determina a desnecessidade da produção da prova.
O essencial é saber se a requerida diligaência probatória ser necessária ou não para a boa decisão do mérito da causa.
Nesta conformidade, ainda que determinada a realização da prova testemunhal, nada impede a parte que a requereu, desiste da mesma antes ou no decurso da mesma.
Por outro lado, o Tribunal, no âmbito do seu poder de direcção do processo conferido pelo nº 1 do artº 6º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, tem o poder-dever de recusar realizar as diligências desnecessárias e impertinentes.
Assim, em nome da economia processual e com vista a evitar a prática de actos inúteis, é de manter a decisão reclamada, julgando improcedente a reclamação apresentada”; (cfr., fls. 318 a 318-v).

Perante o assim decidido, censura cremos que não merece o decidido.

Com efeito, e como tem constituído entendimento repetido e firme deste Tribunal de Última Instância:

“Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem a conclusão do seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.
Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica”; (cfr., os Acs. atrás referidos, e entre outros, o recente Ac. de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020).

Nesta conformidade, tal como resulta da factualidade dada como provada – sem a dita inquirição de testemunhas e com recurso aos documentos juntos aos autos – a “concessão por arrendamento” do terreno em questão era para durar “25 anos”, contados a partir da outorga da respectiva escritura pública, (30.07.1991), e, como é bom de ver, expirado estando tal prazo, (o que sucedeu em 30.07.2016), sem que concluído estivesse o seu aproveitamento, outra matéria não se revelava necessária para se decidir, como se decidiu, que pertinente não era a prova sobre a eventual “culpa” de tal não aproveitamento, e que legalmente correcta se apresentava a decisão do Chefe do Executivo que, (em 03.05.2018), declarou a sua caducidade.

–– Quanto à assacada nulidade por (alegada) omissão de pronúncia, a mesma se apresenta dever ser a solução, pois que como bem nota o Exmo. Magistrado do Ministério Público, não se pode reconhecer razão à recorrente.

Na verdade, não se pode esquecer que a “nulidade” por “omissão de pronúncia” – tão só – ocorre quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre “questão” que lhe coubesse conhecer, e que tal apenas ocorre em relação a “questões”, e não quanto a todo e qualquer dos “fundamentos”, “razões”, “opiniões”, ou mesmo doutrinas que os sujeitos processuais invoquem para sustentar ou justificar o seu ponto de vista sobre as (verdadeiras) “questões” que colocam, pois que, vocábulo (legal) “questão” não pode ser entendido de forma a abranger todos os “argumentos” invocados pelas partes; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Acórdão deste T.U.I. de 31.07.2020, Proc. n.° 51/2020).

–– E, dito isto, visto cremos que fica também que nenhuma censura merece o Acórdão recorrido e que o presente recurso terá que improceder.

Na verdade, quanto ao “enquadramento jurídico” pelo Tribunal de Segunda Instância efectuado à factualidade considerada provada e atrás retratada, mostra-se igualmente de consignar que nenhuma censura merece, pois que a solução a que se chegou corresponde ao por esta Instância considerado sobre a questão, (notando-se que na decisão recorrida se citam vários Acórdãos desta Instância onde se teve oportunidade se de apreciar idêntica matéria e questões, e que, por economia processual, aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

Com efeito, e como no sumário do recente Acórdão deste Tribunal de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020 se fez constar:

“No que concerne à declaração de caducidade da concessão do terreno, por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M).
A jurisprudência dos tribunais da RAEM vai no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno por decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva.
No caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha sido aproveitado o terreno, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão. Trata-se dum acto vinculado.
O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação e da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares”.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 9 de Setembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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