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Processo nº 135/2020 Data: 23.09.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão de terrenos.
Culpa da concessionária no não aproveitamento.
Caducidade.
Fundamentação.
Matéria de facto.
Acto vinculado.



SUMÁRIO

1. Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.

Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado.

2. A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.

3. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo (de aproveitamento) previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 135/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “SOCIEDADE DE FOMENTO PREDIAL PREDIFIC, LIMITADA”, com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 15.05.2015 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 7.731 m², situado na Baixa da Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por lote BT9, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 123 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 23.04.2020, (Proc. n.° 670/2015), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 2256 a 2286).

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Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente o presente recurso, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:

“1) Com o presente recurso jurisdicional, a Recorrente pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.º, n.º 2, do CPAC, porquanto, na opinião da Recorrente e em face da factualidade considerada assente, o acto recorrido deve ser anulado em vista dos vícios de que enferma;
2) O acto administrativo recorrido é o Despacho de S. Exa. Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015 «Concordo» exarado sobre Parecer do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015;
3) Contrariamente ao que sustenta o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o acto administrativo padece de vícios de forma, porque, por um lado, não contém as menções obrigatórias enunciadas na alínea f) do n.° 1 do artigo 113.º do CPA e, por outro lado, não satisfaz as exigências impostas no artigo 167.º da Lei n.° 10/2013, Lei de Terras;
4) A discordância com o Acórdão recorrido prende-se, fundamentalmente, com os dois aspectos seguintes:
- Na matéria em causa, o despacho do Chefe do Executivo não pode consistir na fórmula «Concordo», sem as menções obrigatórias exigidas na alínea f) do n.° 1 do artigo 113.º do CPA;
- O artigo 167.º da Lei de Terras exige uma forma solene para o despacho que declara a caducidade das concessões;
5) Na opinião da Recorrente, com todo o respeito por entendimento diferente, para satisfazer o disposto na alínea f) do n.° 1 do artigo 113.º do CPA, conjugado com o disposto no n.° 2 do mesmo preceito, o acto administrativo do Chefe do Executivo devia estar formulado com, pelo menos, as seguintes menções: «Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão [seguindo-se a identificação da concessão e, sendo caso disso, a indicação de elementos constantes de outros documentos que assim sejam integrados no acto administrativo].»
6) Na generalidade dos casos, nomeadamente nos casos apreciados pelo Tribunal de Última Instância nos processos n.° 69/2017, n.° 7/2018, n.° 13/2018, n.° 91/2018, n.° 102/2018 n.° 6/2019, n.° 7/2019, n.° 12/2019, n.° 13/2019, n.° 16/2019, n.° 26/2019, n.° 72/2019, n.° 79/2019, n.° 118/2019, o texto do despacho de declaração de caducidade contém essas menções obrigatórias: «Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão [seguindo-se a identificação da concessão e a referência ao parecer que é integrado no acto administrativo].»
7) Porém, diferentemente do que sucedeu nesses despachos de declaração de caducidade, o despacho recorrido não contém, no seu teor expresso, o conteúdo ou o sentido da decisão;
8) O douto parecer do Dign.° Magistrado do Ministério Público avança o argumento, que o Acórdão recorrido faz seu, segundo o qual o acto administrativo não se esgota na asserção «concordo»: «a decisão apropriou o parecer/proposta do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que, por isso, passou a constituir parte integrante do acto, juntamente com os pareceres e informações insertos no processo instrutor, para os quais o parecer/proposta remete. Tal parecer e os elementos procedimentais para que remete afloram e esclarecem devidamente o objecto, o conteúdo e o sentido decisório do acto»;
9) Este raciocínio, segundo o qual o despacho de 2015 e os elementos procedimentais de 2011 formam um acto administrativo uno, para efeitos para efeitos de aplicação da alínea f) do artigo 113.º do CPA, pressupõe que se invoque a possibilidade de incorporação que a lei admite exclusivamente para o dever de fundamentação, no n.° 1 do artigo 115.º do CPA, e que se alargue essa possibilidade de incorporação também para as menções obrigatórias exigidas pela alínea f) do n.° 1 do artigo 113.º do CPA;
10) Mas precisamente por isso, na opinião da Recorrente trata-se de um raciocínio contrário à lei, pois o certo é que a lei distingue o dever de fundamentação, previsto na alínea e) do n.° 1 do artigo 113.º do CPA, das menções obrigatórias referidas na alínea f) do n.° 1 do mesmo artigo 113º do CPA; e é somente para efeitos de satisfação do dever de fundamentação que a lei admite, no n.° 1 do artigo 115.º do CPA, que a fundamentação expressa no acto consista em mera declaração de concordância com elementos procedimentais;
11) Já quanto ao cumprimento do disposto na alínea f) do n.° 1 do referido artigo 115.º, essas menções devem sempre constar do despacho do Chefe do Executivo que declara a caducidade da concessão: a lei não faz qualquer ressalva, no artigo 115.º ou noutra norma, ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 113.º do CPA;
12) A Recorrente também não encontra qualquer apoio, nas obras científicas sobre este assunto, para o raciocínio sufragado pelo Acórdão; pelo contrário, a doutrina refere o seguinte: «Note-se que, se a lei admite que a fundamentação do acto seja indicada por remissão (para propostas, etc.), já não o permite, contudo, no que respeita ao seu conteúdo ou sentido: uma decisão administrativa não pode, pois, consistir (nunca) num mero «concordo»; há-de ser, pelo menos, um «concordo e (ii)defiro. Os efeitos, o conteúdo ou sentido, do acto têm sempre de vir enunciados nele próprio» (Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., anotação IV ao artigo 125.º, p. 604). Como ensina Freitas do Amaral, no estudo, precisamente, das menções obrigatórias no acto administrativo, «por não conterem elementos essenciais, sem os quais o acto carece de qualquer validade, são nulos (…) os actos a que falte: a indicação do seu autor (…); a identificação adequada do destinatário ou destinatários (…); o conteúdo ou o sentido da decisão (…); e, finalmente, a assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, p. 280);
13) Por outro lado, ao assacar ao acto recorrido o vício de forma por ofensa ao disposto no artigo 167.º da lei de Terras, aquilo que a Recorrente discute não tem que ver com a disciplina legal da publicidade/notificação, mas com a forma legal especificamente exigida para este tipo de actos administrativos. A questão é, pois, a seguinte: o artigo 167.º da Lei de Terras basta-se com um acto do Chefe do Executivo na forma simples ou exige uma forma solene?
14) Em matéria de forma, os actos administrativos podem estar legalmente sujeitos a formas simples ou a formas solenes, podendo falar-se, segundo a doutrina, num princípio de tipicidade das formas (neste sentido: Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, vol. I, 2016, p. 589); na Lição de Freitas do Amaral, as «formas simples» são aquelas em que para a exteriorização do órgão administrativo a lei não exige a adopção de um escrito sujeito a um modelo especial; as «formas solenes» são aquelas em que o escrito tem de obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, pp. 397-398);
15) Na opinião da Recorrente, aquela disposição legal exige a observância de uma forma solene: a forma ou modelo legal «despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial», tal como se lê no referido artigo 167.º da Lei de Terras:
16) Após a criação da RAEM, as competências em matéria de terrenos não são originariamente do Chefe do Executivo: a Lei n.° 2/1999 distingue e reparte, nos artigos 15.º a 17.º, as competências de maneira diferente do antigamente; tendo em conta o disposto no artigo 7.º da Lei Básica e no artigo 16.º da Lei n.° 2/1999, a competência para proferir o despacho a declarar a caducidade da concessão do terreno tem que ver com a previsão do artigo 16.º e é diferente, portanto, do sistema anterior, em que as competências eram originariamente do Governador;
17) A Lei n.º 10/2013 concretiza as formas de exercício das competências que são originariamente do Governo, numa opção legislativa de desconcentração que reparte o exercício de tais competências entre vários Órgãos, nomeadamente entre o Chefe do Executivo e o Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Pelo modo como faz a repartição do exercício dessas competências do Governo, a Lei n.º 10/2013 impõe a observância de formas legais diferentes aos actos administrativos do Chefe do Executivo: formas simples nuns casos, formas solenes noutros casos;
18) As disposições do artigo 5.º e do artigo 167.º da Lei de Terras são ilustrativas dessa opção do legislador. No caso do acto administrativo previsto no artigo 5.º, no. 2, a lei não coloca exigências adicionais ao que resulta do regime geral do CPA, pelo que o acto do Governo feito pelo Chefe do Executivo é tornado público através de acto administrativo do STOP; neste caso, a lei exige uma forma simples para o acto do Chefe do Executivo. Diversamente, no caso dos actos administrativos previstos nos artigos 5.º, n.° 1, e 167.º, a lei exige uma forma mais solene: o acto administrativo do Governo feito pelo Chefe do Executivo deve ser exteriorizado através de «despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial»;
19) Parece à Recorrente que a diferença de redacção legislativa quanto à forma de exteriorização dos actos administrativos do Chefe do Executivo deve ser respeitada no plano das exigências de forma do acto administrativo: se o legislador determinou a existência de duas formas, como se comprova no artigo 5.º, então afigura-se que não bastará a forma mais simples para considerar satisfeita a exigência legal mais solene;
20) A forma que foi observada para o acto recorrido coincide com a forma simples prevista no artigo 5.º n.° 2: o acto foi feito por despacho do Chefe do Executivo e depois foi tornado público através de despacho do STOP. Observou-se a forma simples. O acto recorrido não foi exteriorizado na forma solene, a que se refere o artigo 5.º n.° 1 e o artigo 167.º: «despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial». Daí o vício de forma, por violação desse preceito;
21) Por outro lado, a Recorrente pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.º, n.º 2, do CPAC, porquanto o acto impugnado padece de vício de forma, por falta de fundamentação;
22) Na opinião da Recorrente o acto administrativo recorrido não observou as exigências legais de fundamentação a que estava sujeito, nos termos das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 114.º e do n.º 1 do artigo 115.º do CPA;
23) O Acórdão recorrido faz a sua argumentação exposta no douto parecer do Dign.° Magistrado do Ministério Público, para refutar a existência deste vício, sendo que tal argumentação consiste fundamentalmente na referência ao conteúdo de um relatório de 16 de Agosto de 2011, que foi objecto de aprovação pelo parecer de 24 de Agosto de 2011, da Chefe do DJUDEP (fls. 299 e seguintes do processo instrutor 44/2010);
24) No entendimento do Dign.° Magistrado do Ministério Público, o texto desse relatório de Agosto de 2011 é que constitui a fundamentação, de facto e de direito, do acto recorrido, praticado em 2015, porque tal relatório foi expressamente convocado, quer pela Comissão de Terras, no seu parecer de 15 de Dezembro de 2011, quer pelo parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015 (fls. 359 e seguintes e 408 e seguintes do processo instrutor 44/2010); todos esses elementos de 2011 foram incorporados, por apropriação, no acto recorrido, para efeitos de se considerar satisfeito o dever de fundamentação, de facto e de direito;
25) Salvo o devido respeito, a Recorrente pugna por entendimento diferente, por várias ordens de razões;
26) Em primeiro lugar, mesmo com a incorporação no acto administrativo recorrido de todos os elementos procedimentais desde Agosto de 2011, como preconiza o Acórdão recorrido, o certo é que ainda assim falta a indicação das normas legais aplicadas;
27) Como se constata da matéria de facto que o Tribunal recorrido considerou provada, nem o despacho recorrido, nem o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015 contêm indicação de normas legais existentes em Maio de 2015, ao tempo em que o acto recorrido foi praticado; dos demais documentos de 2011 invocados pelo Dign.° Magistrado do Ministério Público também não consta a indicação das normas legais pertinentes aplicadas em 2015;
28) Aliás, nem isso seria possível: a Lei de Terras é de 2013, ao passo que os documentos mencionados pelo Acórdão recorrido são de 2011;
29) Ora, tem-se entendido que a validade de um acto administrativo se deve reger pela lei existente ao tempo em que foi praticado, sendo à sua luz que se deve aferir, de acordo com o princípio tempus regit acium, a respectiva conformidade com o ordenamento jurídico (assim, por exemplo, Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, vol. I,2016, p. 607-608);
30) Em segundo lugar, quanto à fundamentação de facto, a Recorrente não acompanha, ressalvado o devido respeito, o modo como o Tribunal recorrido aplica o artigo 115.º do CPA, admitindo uma remissão indiscriminada e indeterminada da fundamentação do acto para os elementos do processo;
31) O parecer do STOP remete a Recorrente, quanto às razões que fundamentariam o acto impugnado, para o processo administrativo da Comissão de Terras; por sua vez, o Parecer da Comissão de Terras remete a Recorrente, quanto às razões que fundamentariam o acto impugnado, para os elementos do processo administrativo instrutório.
32) E o Dign.° Magistrado do Ministério Público e o Acórdão recorrido indicam o relatório do técnico da DSSOPT, elaborado 16 de em Agosto de 2011, como documento que faz parte do acto administrativo, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º do CPA;
33) Acerca deste ponto, com o devido respeito por entendimento diverso, à Recorrente afigura-se que a lei não permite considerar que a exigência de fundamentação expressa ainda é satisfeita quando o acto administrativo remete para determinado documento e este, por sua vez, remete a fundamentação para outro documento, o qual, por sua vez, remete ainda para outro documento, e assim sucessivamente.
34) A fundamentação por remissão, como é a do acto recorrido, obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido. Não contendo tal informação, com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da decisão, estamos perante a falta de fundamentação do acto administrativo: a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação, nos termos do n.° 2 do artigo 115.º do CPA;
35) Também se afigura à Recorrente que deve haver limites à selecção dos elementos do processo administrativo que podem ser tidos por relevantes, para efeitos do n.° 1 do artigo 115.º do CPA, até porque tais elementos passam, nos termos desse preceito, a ser parte integrante do respectivo acto;
36) Esses limites à selecção dos elementos relevantes devem incluir, segundo parece, os intervalos prolongados de tempo e as mudanças no ordenamento jurídico: a «validade de um acto administrativo afere-se sempre pela conformidade desse acto com o ordenamento jurídico no momento em que ele é praticado» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, p. 429).
37) Verificando-se que o acto impugnado foi praticado em Maio de 2015, no âmbito da vigência da Lei n.º 10/2013, e que, no entendimento do Acórdão recorrido, há sucessivas remissões quanto à respectiva fundamentação, até chegarmos aos elementos do processo administrativo instrutório, praticados em 2011, a questão que se coloca é a seguinte: tais elementos do processo praticados quatro anos antes, no domínio de outro regime legal, com linhas de argumentação· entretanto afastadas por despachos do Ex.mo Chefe do Executivo em casos semelhantes, ainda podem fazer parte integrante do acto impugnado, em termos de constituírem a totalidade da sua fundamentação de facto e de direito?
38) Com o devido respeito, a Recorrente entende que não, porque além do mais quebraria a aferição da validade do acto administrativo de acordo com o princípio tempus regit atum;
39) Portanto, salvo o devido respeito por opinião diversa, a Recorrente entende que o acto administrativo recorrido não observou as exigências legais de fundamentação a que estava sujeito, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 114.º e do n.° 1 do artigo 115.º do CPA.
40) Em terceiro lugar, o douto parecer do Dign.° Magistrado do Ministério Público e o Acórdão recorrido não chegaram a apreciar os aspectos pertinentes ao não cumprimento, pelo acto recorrido, das exigências legais de fundamentação a que estava sujeito, nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 114.º e do n.° 1 do artigo 115.º do CPA;
41) Na parte dispositiva do parecer de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras entendeu «dever sublinhar que nos procedimentos sobre o incumprimento dos contratos de concessão dos terrenos com as áreas de 15 823m2, 8 124m2 e 13 517m2, situados na ilha da Taipa, junto à Estrada Governador Albano de Oliveira, titulados pelos Despacho n.º 173/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.° 53, II Série, de 31 de Dezembro de 1997, Despacho n. º 13/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 10, II Série, de 11 de Março de 1998 e Despacho n.° 32/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17; II Série, de 29 de Abril de 1998, a decisão foi no sentido de não declarar a caducidade da concessão e, por conseguinte, de conceder um novo prazo para execução do respectivo aproveitamento, apesar de se considerar o não cumprimento do contrato imputável às concessionárias»;
42) O que este parecer revela, nesta parte, é que em situações de facto semelhantes, a decisão do Chefe do Executivo foi no sentido de não declarar a caducidade!
43) Na opinião da Recorrente, esta constatação significa, além do mais, que os documentos procedimentais anteriores, isto é o relatório e o parecer do Departamento Jurídico da DSSOPT não são idóneos, só por si, para satisfazer o dever de fundamentação dos factos, porquanto reproduziam as mesmas linhas de argumentação que foram expressamente afastadas nos pareceres do assessor do Gabinete do Chefe do Executivo e nos despachos do Chefe do Executivo de Maio de 2011 e de Agosto de 2011;
44) Acresce ainda, em quarto lugar, que o referido parecer da Comissão de Terras, ao formular na sua parte dispositiva as afirmações acima transcritas, chamou a atenção para a necessidade de o órgão administrativo competente ponderar os elementos e satisfazer o dever de fundamentação também relativamente à eventual mudança do sentido da decisão: se a decisão viesse a ser no sentido da declaração de caducidade, tal decisão teria que indicar os motivos que levavam o Chefe do Executivo a valor ar os mesmos factos e a aplicar as mesmas normas de uma maneira diversa da que usara anteriormente.
45) Daí que, na opinião da Recorrente, além do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 114.º do CPA, também é aplicável ao despacho recorrido o disposto na alínea e) desse mesmo n.° 1: o acto administrativo recorrido devia indicar os motivos que levaram o Autor do despacho, em 2015, a valorar factos semelhantes e a aplicar os mesmos princípios, sejam os princípios e normas acerca da imputação da culpa às concessionárias, seja o princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do CP A, de uma maneira diversa da que usara anteriormente, nomeadamente em Maio de 2011 e em Agosto de 2011;
46) Sucede que nem o Parecer do STOP de 14 de Maio de 2015, nem o despacho do Chefe do Executivo têm qualquer palavra sobre esta vertente dos factos da concessão, nem sobre as razões de facto e de direito, que levaram o Chefe do Executivo a decidir de modo diferente da prática habitualmente seguida, nomeadamente nos processos identificados naquele parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011;
47) O Tribunal recorrido não chegou a apreciar, salvo erro de entendimento, esta vertente da questão; no entanto, na petição de recurso contencioso, a Recorrente pede a anulação do acto recorrido, por vício de forma, nos termos conjugados da alínea e) do n.° 1 do artigo 114.º e do n.° 1 do artigo 115.º, ambos do CPA, e da alínea c) do n.° 1 do artigo 21.º do CPAC, por faltar uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a diferença do acto recorrido face à prática e aos critérios seguidos pelo Chefe do Executivo em casos semelhantes – são a este respeito as conclusões 21) a 25) formuladas na petição do recurso contencioso;
48) A Recorrente também não está conformada com o entendimento do Acórdão recorrido acerca do deficit de instrução, pelo que pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.º, n.º 2, do CPAC, porquanto entende que ocorreu violação do princípio do inquisitório, em especial da dimensão material deste princípio, violação que inquinou, por deficit de instrução, o próprio acto administrativo, o qual enferma de ilegalidade, por violação dos artigos 59.º e 86.º do CPA, mas também por violação dos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público consagrados, respectivamente, nos artigos 3.º e 4.º do CPA;
49) O Tribunal recorrido pronunciou-se pela improcedência deste vício por considerar, louvando-se no douto parecer do Dign.° Magistrado do Ministério Público, que o processo 6322 da DSSOPT e o processo 44/2010 da Comissão de Terras contêm a base fáctica e essencial bastante para respaldar a decisão adoptada;
50) Diversamente, à Recorrente afigura-se que há elementos relevantes que foram subtraídos à apreciação da Entidade Recorrida; há documentos nos autos que permitem admitir que, caso esses elementos tivessem sido submetidos à sua apreciação, tempestivamente, a decisão da Entidade Recorrida teria sido noutro sentido;
51) Quanto ao relatório elaborado nos serviços da DSSOPT em Agosto de 2011, o seu texto permite verificar que o técnico da DSSOPT considerava irrelevantes, relativamente à concessão da Recorrente, os factos atinentes ao impacto da crise financeira, os factos atinentes à epidemia da SARS e o facto de a concessionária ter pago as prestações de prémio em dívida, com liquidação dos juros de mora, na medida em que só o fez em Abril de 2011;
52) Simplesmente, nesse mesmo período temporal de 2011, a Entidade Recorrida sustentava o entendimento oposto e por isso as decisões administrativas eram em sentido diferente do proposto pela DSSOPT, como é observado e sublinhado na parte final do parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011;
Mais concretamente:
- Apesar de a concessionária não ter conseguido apresentar provas, mesmo assim, os motivos de incumprimento alegados pela concessionária (designadamente, a síndrome respiratória aguda severa e a crise financeira de 2007) eram factos notórios, imprevisíveis e incontroláveis ainda que o nível de impacto dos mesmos fosse diferente consoante os casos; (…) Actualmente em Macau existe ainda uma insuficiência de recursos humanos resultante do desenvolvimento muito rápido da economia, pelo que essa situação constituiu na altura um impedimento para o cumprimento do prazo de aproveitamento por parte da concessionária. Apesar disso, o Governo da RAEM ainda insiste em aplicar o mecanismo de importação de trabalhadores não residentes, estabelecido de acordo com o princípio de que os trabalhadores não residentes são importados para suprir a insuficiência de trabalhadores residentes, com vista a assegurar o direito ao emprego dos residentes de Macau. Tendo em consideração os referidos factos objectivos, o incumprimento do contrato no âmbito do aproveitamento do terreno não é imputável plenamente à concessionária (parecer jurídico n.° 473/CCP/GCE/2011, do assessor do Gabinete do Chefe do Executivo, de 19 de Agosto de 2011, que mereceu a concordância do Ex.mo Senhor Chefe do Executivo, por despacho de 19 de Agosto de 2011, que determinou o reenvio do processo para se dar acompanhamento);
- Visto que em 23 de Março de 2010 a Administração procedeu ao relaxe do prémio e dos juros de mora que, em resposta, a concessionária pagou integralmente os respectivos montantes, fazendo isto sem dúvida que a concessionária tivesse a esperança de que a Administração lhe iria solicitar cumprir o contrato uma vez que o contrato era ainda válido (não tinha ainda sido rescindido) (…) Devido à complexidade e especificidade do processo e ao facto de existirem partes que não podem ser imputadas à concessionária, assim, tendo em consideração o principio de boa fé estipulado no artigo 8.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 57/99/M., de 11 de Outubro e o princípio da desburocratização e da eficiência estipulado no artigo 12.º do mesmo Código, o autor do parecer propõe superiormente que não seja autorizado o desencadeamento do processo de declaração da caducidade da concessão, dando-se continuidade ao cumprimento do contrato (parecer jurídico n.° 256/CCP/GCE/2011, do assessor do Gabinete do Chefe do Executivo, de 25 de Maio de 2011, que mereceu a concordância do Ex.mo Senhor Chefe do Executivo, por despacho de 26 de Maio de 2011, que determinou o reenvio do processo para se dar acompanhamento);
53) Por conseguinte, a argumentação que os serviços da DSSOPT expenderam para concluírem pela verificação da presunção de culpa da concessionária foi expressamente refutada pelo próprio Governo, naqueles pareceres que mereceram a concordância do Ex.mo Chefe do Executivo, pela existência de factos objectivos que não permitem imputar plenamente o incumprimento à concessionária, ainda quando a concessionária não tivesse conseguido juntar provas para ilidir a presunção;
54) No douto parecer do Dign.° Magistrado do Ministério Público, cuja argumentação é apropriada pelo Acórdão recorrido, é feita referência a essa argumentação vertida no relatório da DSSOPT em 2011, mas não é ponderado o facto de sinal contrário: o Chefe do Executivo refutou essa argumentação nos despachos sobre concessão de terrenos e conferiu relevo às circunstâncias que o técnico da DSSOPT tinha por irrelevantes nos seus relatórios;
55) E, como já referido, o parecer da Comissão de Terras de 15 de Dezembro de 2011, chamou a atenção para a necessidade de o órgão administrativo competente ponderar esses elementos, visto que se a decisão viesse a ser no sentido da declaração de caducidade, tal decisão teria que indicar os motivos que levavam o Chefe do Executivo a valorar os mesmos factos e a aplicar as mesmas normas de uma maneira diversa da que usara anteriormente;
56) A prática habitualmente seguida na decisão de casos semelhantes é exposta e sublinhada na parte final do parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011 e comprova-se pelos documentos existentes nos autos, nomeadamente os pareceres jurídicos dos assessores do Gabinete do Chefe do Executivo, que mereceram a concordância do Ex.mo Senhor Chefe do Executivo;
57) No entanto, estes factos, referidos no parecer da Comissão ·de Terras de Dezembro de 2011, não foram submetidos à apreciação, em 2011 ou mais tarde, do Gabinete do Chefe do Executivo; o texto do Parecer do Sr. STOP, sobre o qual recaiu o despacho recorrido, também não inclui a parte dispositiva do parecer da Comissão de Terras, onde se chamava a atenção para o paralelismo com as decisões tomadas noutros processos no sentido de não declarar a caducidade da concessão;
58) Acresce ainda que o relatório e parecer elaborados pelo Departamento Jurídico da DSSOPT em Agosto de 2011 e o parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011 também não atenderam aos factos narrados na Informação n.° 116/S0LDEP/97 da DSSOPT (doe. de fls. 34 junto com a Petição de Recurso), onde se admite, entre o mais, o seguinte:
«5. As principais condições da revisão da concessão de cada um dos lotes são as a seguir apresentadas:
(…)
5.3 Lote "BT9": (Anexo 11)
Concessionária: "Sociedade de Fomento Predial Predific, Lda" Prémio: $68.152.117,00
Projecto aprovado: Projecto de alteração de arquitectura apresentado em 03.05.94 (T-2443) e considerado passível de aprovação por despacho do Exmo. Sr. Director Subst. datado de 23.08.94;
Aproveitamento: Um edifício constituído por um pódio com cinco pisos (dos quais dois em cave), e seis torres, duas com 29 pisos, duas com 38 pisos e duas com 35 pisos;
Áreas Brutas de Construção: Habitação: 82.866 m2; Comércio: 18.471 m2; Estacionamento: 15.009 m2;
59) Em vista do exposto, cumpre perguntar: se os factos atinentes à crise financeira, à SARS, ao pagamento das prestações do prémio em dívida, à prestação de garantia financeira, à apresentação de estudos e projectos tendo em vista o aproveitamento cuja análise técnica nunca ficou concluída, se todos estes elementos tivessem sido dados a conhecer superiormente, nomeadamente na sequência da parte dispositiva do parecer da Comissão de Terras, existia ou não uma forte possibilidade de os assessores jurídicos do Gabinete do Chefe do Executivo manterem o entendimento acima exposto e proporem acompanhamento e actos complementares de instrução?
60) Na opinião da Recorrente, os factos que assim não foram expostos ao Órgão competente para a decisão são relevantes para a decisão administrativa, desde logo porque permitiriam estabelecer a presença de base factual e jurídica para afastar a aplicação de qualquer das hipóteses previstas no artigo 215.º da Lei n.º 10/2013; o conhecimento daqueles elementos teria inviabilizado a imputação de culpa exclusiva à «concessionária»;
61) Portanto, com o devido respeito por entendimento contrário, o deficit de instrução inquinou o próprio acto administrativo”; (cfr., fls. 2295 a 2332).

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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 2337 a 2343), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Nas conclusões das alegações do recurso jurisdicional em apreço, a recorrente assacou, ao Acórdão em questão, o erro de julgamento quanto aos três vícios por si imputados ao despacho impugnado no recurso contencioso, a saber: vício de forma por omitir a menção consagrada pela alí. f) do n.º1 do art.113º do CPA e, de outro lado, ainda por não satisfazer as exigências impostas no art.167.º da Lei n.º10/2013, vícios de forma por falta de fundamentação, e vício do deficit de instrução.
Em consonância com a douta jurisprudência que inculca que a delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TSI no Processo nº98/2012), basta-nos indagar se in casu existir o supramencionado erro de julgamento.
*
1. Sobre a arguição do vício por falta de fundamentação
Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, inclinamos a opinar que não é mais correcto o Acórdão recorrido na parte de julgar inexistente a arguida falta de fundamentação, na medida em que, segundo nos parece, o despacho objecto do recurso contencioso padece deste vício que se degrada in casu na formalidade não essencial.
1.1. Ora, certo e patente é que tanto o despacho contenciosamente recorrido como o seu subjacente Parecer subscrito pelo Exmo. Sr. STOP não mencionam a base legal da caducidade declarada pelo apontado despacho, pese embora tal Parecer relate concisamente os principais trâmites do processo culminante com a declaração da caducidade e manifestou a expressa concordância com as razões indicadas nesse processo.
Convém assinalar que todos os pareceres e informações referidos no Anexo do ofício n.º178/DAT/2015 que se serve da notificação do dito despacho declarativo da caducidade foram emitidos antes da publicação da Lei n.º10/2013 (actual Lei de Terras) e, por natureza das coisas, citam disposições na Lei n.º6/80/M que viu revogada pela Lei n.º10/2013.
De facto, é o ofício n.º178/DAT/2015 que, pela primeira vez, menciona “… nos termos da alínea 1) do n.º1 do artigo 166.º, por força do artigo 215.º, ambos da Lei n.º10/2013 (Lei de terras)”. Dado que esse ofício é apenas a notificação do sobredito despacho, tal menção das duas normas da Lei n.º10/2013 não faz parte integrante do mesmo despacho.
Tudo isto aconselha-nos a colher que o despacho contenciosamente recorrido bem como os pareceres e informações por si acolhidos directa e indirectamente não indicam a recorrente que a declaração da caducidade titulada pelo aludido despacho se estriba na alínea 1) do n.º1 do art.166º e no art.215.º da Lei n.º10/2013, deste modo, surgiu a invocada falta da fundamentação quanto à base legal dessa declaração da caducidade.
1.2. No nosso prisma, é consolidada e assente a jurisprudência mais autorizada, segundo a qual é vinculada a declaração da caducidade que deriva da falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, e a culpa do concessionário, prevista na norma transitória da alínea 3) do artigo 215.º da Lei de Terras de 2013, constitui um conceito indeterminado, que integra actividade vinculada, de mera interpretação da lei (a título exemplificativo, cfr os Acórdãos do TUI nos Processos n.º38/2017, n.º62/2017, n.º103/2018, n.º35/2020 e n.º38/2020).
Com efeito, assevera ainda peremptoriamente que “Havendo fundamento para declarar a caducidade de concessão de terreno urbano, porque houve culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno no prazo fixado, tal constitui um acto vinculado para a Administração. Se esta, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.” (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º111/2018)
Em esteira, podemos extrair que a declaração da caducidade titulada pelo despacho objecto do recurso contencioso constitui única solução legalmente consentida e, nesta medida, tal despacho assume a natureza jurídica de acto vinculado, sem discricionariedade ou livre apreciação.
Na nossa modesta opinião, é igualmente válida e aplicável ao vício de forma por falta de fundamentação a assente jurisprudência, no sentido de que “Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.” (a título exemplificativo, cfr. os Acórdãos do TUI nos Processos n.º20/2016, n.º81/2017, n.º43/2018, n.º16/2019 e n.º118/2019)
De outra banda, vale realçar que os pareceres e informações acolhidos pelo supra referido despacho declarativo da caducidade da concessão de terreno vêm mencionando a alínea a) do n.º1 da Cláusula 13ª do contrato de concessão titulado pelo Despacho n.º125/SATOP/99, alínea que estipula concludentemente a caducidade desse contrato de concessão no caso de ter findado o prazo da multa agravada previsto na cláusula sexta.
Chegando aqui, inclinamos a entender que embora se verifique no caso sub judice, a falta de fundamentação assacada em sede do recurso contencioso cede ao princípio de aproveitamento do acto anulável, não deve provocar a invalidade do despacho contenciosamente impugnado.
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2. Do invocado vício de forma por falta de menções obrigatórias
Em relação ao assacado vício de forma por omitir a menção consagrada na alínea f) do n.º1 do art.113º do CPA e também por não satisfazer as exigências impostas pelo art.167.º da Lei n.º10/2013, acompanhamos as judiciosas e cabais explanações do ilustre colega no seu Parecer (vide. fls.2239 a 2245 dos autos), que vêem subscrição pelo douto Tribunal a quo.
Para os devidos efeitos, acrescemos que a jurisprudência mais autorizada afirma propositadamente (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º1/2018): Quando, após examinar e citar parecer da Comissão de Terras, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas exarou um parecer com 12 pontos, em que concluía dizendo: “Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno” e o Chefe do Executivo exarou o despacho “Concordo” sobre o parecer do Secretário, a interpretação deste Despacho só pode ser uma: o Chefe do Executivo declarou formalmente a caducidade da concessão do referido terreno.
Bem, a brilhante jurisprudência vem sedimentando pacificamente que a palavra “concordo” figura a exemplar declaração de concordância e quando o acto é um simples “concordo”, tanto a sua fundamentação como a sua dispositividade, são aquelas que constam da informação, do parecer ou da proposta sobre que ele recai. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º626/2016 e, em sentido próximo, e também o Acórdão do TSI no Processo n.º443/2015)
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3. Do assacado deficit de instrução
Ora bem, cremos sossegadamente que é prudente a jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º456/2015): O chamado “deficit instrutório”, procedente de um deficiente uso do princípio do inquisitivo, de que vemos emanação nos arts.59º e 86º do CPA, pode conduzir à anulação do acto, sob duas perspectivas: a) A falta de factos que não dêem suporte ao acto, poderá significar que o acto administrativo padece de erro sobre os pressupostos de facto; Ou, b) Significará que padece de violação de lei por ofensa a um dever instrutório e investigatório previsto especialmente na lei, o que em linhas gerais assumirá a violação do princípio da legalidade, previsto no art.3º do CPA.
Aderindo à linha do douto pensamento atrás aludido, e em virtude das duas razões infra, não podemos deixar de concluir que o despacho objecto do recurso contencioso não enferma da arrogada deficit de instrução, a invocação da dita deficit é incuravelmente descabida.
Em primeiro lugar, sufragamos inteiramente a criteriosa análise do ilustre colega que apontou: São dois os processos administrativos remetidos a tribunal em cumprimento da imposição resultante do artigo 55.º do Código de Processo Administrativo Contencioso: o processo 6322 da DSSOPT e o processo 44/2010 da Comissão de Terras. Visto o conteúdo destes processos instrutores, onde se evidencia o acervo de diligências e actos procedimentais efectuados, não se crê que assista razão à recorrente nas críticas que agora formula. Tais processos contêm a base fáctica essencial e bastante para respaldar a decisão adoptada, a qual foi precedida dos estudos, informações e pareceres necessários à ponderação do (in)cumprimento do clausulado do contrato de concessão. Aliás, como se vê da exposição efectuada pela recorrente em exercitação do direito de audição, não foi aí suscitada qualquer omissão instrutória. Em sede de audiência, a recorrente percebeu o que estava em causa, tentou demonstrar que o incumprimento não procedia de culpa sua, defendeu-se como entendeu mais adequado, invocando, então, embora extemporaneamente, à luz do contrato, factos tendentes a caracterizar situações de força maior susceptíveis de a exonerar da responsabilidade pelo incumprimento dos prazos contratualmente clausulados. Não se vislumbra, pois, fundamento plausível para vir agora sustentar, entre o mais, que os prazos não tinham importância, pois nunca foram essenciais e que o Governo e os seus representantes recomendaram o protelamento do aproveitamento, etc., e que tal devia ter sido objecto de averiguação, com vista a facultar a emissão de um juízo acerca da efectiva existência de factos revêladores de condutas particularmente censuráveis por parte da concessionária…
E em segundo, as recentes jurisprudências dos Venerandos TSI e TUI tornam inquestionável que todas as matérias mencionadas nas conclusões 51 e 59 das alegações do recurso jurisdicional – a crise económica, a SARS, o pagamento em prestações do prémio em dívida, a prestação da garantia financeira … – não constituem força maior e são insignificantes para neutralizar a culpa da recorrente no não aproveitamento do terreno dentro do prazo imperativamente fixado no contrato de concessão.
Por todo o expendido acima, opinamos que é insignificante a falta de fundamentação e não merece provimento o presente recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 2353 a 2356).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem elencada como “provada” a matéria de facto seguinte:

“1. Por escritura pública de contrato de concessão por arrendamento de 29 de Outubro de 1964, lavrada a fls. 32 do Livro de Notas n.º 130 da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, e por aditamento ao contrato titulado pela escritura pública de contrato de troca de 24 de Novembro de 1989, lavrada a fls. 107 do livro n.º 272 da Direcção dos Serviços de Finanças, foi concedido, por arrendamento, à sociedade comercial denominada “Fábrica de Artigos de Vestuário Estilo, Limitada”, o terreno com a área de 30.789 m2, situado na Baixa da Taipa, na Avenida Kwong Tung (antiga Estrada Governador Albano de Oliveira), constituído pelos lotes “BT6”, “BT11”, “BT8”, “BT9” e “BT12”.
2. Em seguida, foi revisto pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, publicado no Suprimento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 50, II Série, de 17 de Dezembro de 1999, que foi revertida ao Território a parcela de terreno com a área de 12.376 m2, destinada a integrar a via pública, ficando o terreno com a área total de 18.422m2, constituído pelos lotes já mencionados e que se destinam a ser aproveitados com a construção de edifícios afectos às finalidades habitacional, comercial, de estacionamento e equipamento social, e foi autorizada a transmissão dos direitos resultantes da concessão por arrendamento destes cinco lotes à “Companhia de Investimento Predial Hamilton, Limitada”, “Companhia de Investimento Predial Pak Lok Mun, Limitada”, “Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada”, “Sociedade Fomento Predial Predific, Limitada” e “Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada”.
3. Por lapso, a planta em questão não tinha sido publicada em anexo ao despacho acima referido, pelo que através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obra Públicas n.º 76/2000, publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 36, II Série, de 6 de Setembro de 2000, procedeu-se à publicação da planta n.º 128/1989, emitida em 11 de Março de 1996, pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), a fim de demarcar e assinalar expressamente estes cinco lotes de terreno.
4. De acordo com a cláusula 2.ª do contrato em questão, o período de validade do arrendamento do terreno era de 50 anos, contados a partir de 29 de Outubro de 1964, data da outorga da escritura pública do contrato de concessão, até 28 de Outubro de 2014.
5. O prazo de arrendamento fixado no número anterior pode, nos termos da legislação aplicável, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049.
6. É objecto dos presentes autos, o terreno designado por lote “BT9”, com a área de 7.731m2, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 23139 do livro B, cujos direitos resultantes da concessão se encontram inscritos a favor da concessionária (Sociedade de Fomento Predial Predific, Limitada) sob o n.º 30013F, sem qualquer registo de hipoteca voluntária sobre este lote, assinalado pela letra “D” e demarcado na planta n.º 128/1989 acima referida.
7. O terreno é aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com cinco pisos, dos quais dois em cave e seis torres, duas com 29 pisos, duas com 32 pisos e duas com 35 pisos, sendo afectado às finalidades de utilização habitacional, comercial e de estacionamento.
8. Em conformidade com a cláusula 5.ª do contrato, o aproveitamento do terreno devia operar-se no prazo global de 42 meses, contados da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que titula o contrato em questão, até 16 de Junho de 2003. No prazo acima indicado se inclui os dias determinados para apresentação dos projectos e inicio das obras pela concessionária, nomeadamente: 60 dias, contados data da publicação do despacho para a elaboração e apresentação do projecto de arquitectura; 90 dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto de arquitectura, para elaboração e apresentação do projecto de obra; e, 45 dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto de obra, para o início das obras.
9. O prémio do contrato é de MOP$68.152.117,00, nos quais, o montante de MOP$35.000.000,00 é pago no prazo de 1 mês a contar da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que titula o contrato em questão; e, o remanescente, no montante de MOP$33.152.117,00, que vence juros à taxa anual de 7%, é pago em 4 prestações semestrais, iguais de capital e juros, no montante de MOP$9.025.697,00, cada uma, vencendo-se a primeira no prazo de 6 meses a contar da publicação do despacho que titula o contrato em questão.
10. Além disso, de acordo com a cláusula do contrato de revisão de concessão referente aos encargos especiais, constituem encargos especiais a suportar exclusivamente pela concessionária: a desocupação e remoção do terreno de quaisquer construções provisórias e materiais porventura aí existentes; e, a execução, conjuntamente com os concessionários dos 4 lotes, de todas as infra-estruturas do terreno, nomeadamente a construção e a pavimentação dos arruamentos projectados, assinalados pela letra “F” na planta n.º 128/1989.
11. Com o intuito de reforçar a fiscalização da situação de aproveitamento dos terrenos concedidos e optimizar a gestão dos solos, o superior decidiu proceder a uma análise aprofundada acerca do aproveitamento dos terrenos concedidos, estudar e tomar diligências eficazes, para que os terrenos concedidos possam ser suficientemente aproveitados para corresponder às necessidades do desenvolvimento social de Macau, pelo que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu, em 8 de Março de 2010, o despacho n.º 07/SOPT/2010, a ordenar à DSSOPT, dentro do prazo de 15 dias, para notificar, por ofício, todos aos concessionários dos terrenos cujo aproveitamento não foi concluído de acordo com o prazo fixado no contrato de concessão do terreno, para justificarem o facto por escrito, no prazo de um mês contado a partir da data da recepção da notificação.
12. Com base nisso, o Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT selecionou os 29 terrenos não aproveitados com as situações mais graves, incluindo o terreno nos presentes autos, para tratamento prioritário, e oficiou aos concessionários dos terrenos para justificar o incumprimento do aproveitamento do terreno e apresentar todos os esclarecimentos aplicáveis, no prazo de 30 dias contados a partir da data da recepação do ofício, mais, expressando que, caso não apresentasse qualquer resposta ou a sua justificação não fosse admitida, a entidade concedente iria lançar o procedimento da declaração da caducidade do contrato de concessão / da rescisão do contrato de concessão.
13. Após várias discussões e análises com o Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas sobre o tratamento dos terrenos não aproveitados, o Departamento de Gestão de Solos submeteu à consideração superior, através da informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, o mapa das situações dos terrenos não aproveitados, os critérios de classificação do grau da gravidade e o princípio de tratamento, tudo no intuito de permitir estabelecer orientações claras e precisas para o tratamento dessas situações.
14. Em seguida, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o parecer, no qual concordou que “os critérios de classificação do grau de gravidade” definidos na informação acima referida vieram a ser adoptados para fixar a ordem da prioridade de tratamento dos processos respeitantes aos terrenos não aproveitados e para servir no futuro como critérios de referência para a análise de cada caso concreto por parte da entidade executante, bem como submeteu-os à apreciação do Chefe do Executivo e, foram os mesmos aprovados por despacho do Chefe do Executivo de 31 de Maio de 2010.
15. Dado que a concessionária do terreno em epígrafe tem vindo a não cumprir o prazo fixado no contrato de concessão para a conclusão do aproveitamento do terreno, de acordo com a respectiva instrução, a entidade concedente notificou, em 23 de Março de 2010, pelo ofício n.º 189/6322.02/DSODEP/2010, a concessionária para no prazo de 30 dias apresentar uma justificação escrita relativa às situações do incumprimento do aproveitamento do terreno, do não pagamento do prémio e do incumprimento dos encargos especiais, a fim de acompanhamento pela Administração de tais situações.
16. A pedido da entidade concedente, A, administradora da concessionária, apresentou em 22 de Abril de 2010 os seguintes motivos pelo incumprimento do aproveitamento do terreno:
- Quando o terreno objecto foi concedido em Dezembro de 1999, tratava-se de um terreno inicialmente para fins industriais, onde tinham sido construídas várias fábricas industriais, as quais se encontram em funcionamento. Durante este período, esforçava-se para coordenar a mudança das fábricas, mas, para uma fábrica em funcionamento, existem efectivamente muitos problemas complexos para a deslocação, juntamente com a alteração do exercício industrial, as soluções sempre não surtiram efeito. Nos últimos anos, essas fábricas estão a operar de forma intermitente e de pequena escala, mas, ainda há muitas questões acumuladas que devem ser discutidas e, ainda tem que procurar um resultado admissível para todas as partes. Até hoje, o trabalho da mudança das fábricas aí existentes encontra-se na fase de implementação. No procedimento da coordenação da mudança em questão, tem vindo a efectuar com uma atitude positiva, para que o caso possa ser resolvido o mais rápido possível e o plano de desenvolvimento do terreno possa ser implementado. Olhando para a desocupação de outros terrenos em Macau no passado, muito pouco terreno foi desocupado com êxito dentro do prazo de desenvolvimento fixado entre o governo e o promotor do empreendimento, então, a concessionária também encontra-se na mesma situação, ou seja, gastou muito tempo, mas, não conseguiu iniciar o aproveitamento do terreno segundo o plano original, pelo que é considerado que o atraso desse aproveitamento não pode ser totalmente imputável à concessionária, bem como a concessionaria também perdeu inúmeras oportunidades de investimento.
- Dado que o lote “BT9” fica junto do parque central da Taipa que ocupa uma grande área, o governo tentava estudar, sobre vários pontos de vista, o desenvolvimento desse terreno no passado, podendo dizer-se que a forma de aproveitamento desse terreno a ser decidida pelo governo tem uma influência profunda no desenvolvimento da ilha da Taipa. Por isso, esta sociedade tem vindo a prestar atenção à forma e tendência do desenvolvimento deste lote, e pretende cooperar com as intenções de desenvolvimento comunitário do governo aquando de desenvolver o lote “BT9”, a fim de criar um modelo mais favorável para o desenvolvimento de todo o bairro da Taipa. Actualmente, o governo já iniciou os trabalhos de desenvolvimento deste lote, apesar de ter decorrido um longo período de tempo, esta sociedade como concessionária deste terreno, tem que prestar atenção à tendência de desenvolvimento dos terrenos ao redor, e está disposto a cooperar, para que o desenvolvimento social geral seja positivo.
- Além disso, dado que este terreno é inteiramente constituído por 5 lotes, no caso de cumprir os encargos especiais (a construção de infra-estrutura), é necessário coordenar com os demais 4 concessionários, razão pela qual o decurso é lento e as vias públicas relevantes não podiam ser concluídas no prazo previsto, provando impacto no prazo de desenvolvimento do lote.
17. A concessionária não só esperou que a entidade concedente admitisse os motivos enunciados no número anterior, mas também disse pretender desenvolver o terreno conforme abaixo descrito:
1) O terreno opera-se de acordo com a forma de desenvolvimento determinada no contrato inicial de concessão;
2. Quando obtenha as informações sobre o pagamento do prémio e juro moratório apresentadas pela DSSOPT, irá dispor o seu pagamento;
3. A concessionária irá apresentar o projecto de arquitectura no prazo de 55 dias contados a partir da data de recepção da notificação acima referida, e apresentar o projecto de obra no prazo de 85 dias contados a partir da data da aprovação do projecto de arquitectura, bem como irá iniciar as obras no prazo de 40 dias contados da data da aprovação do projecto de obra. Prevê-se que tudo possa ser concluído no prazo de 25 meses.
18. Quando o Departamento de Gestão de Solos procedeu à análise da justificação escrita apresentada pela concessionária, verificou que, segundo o mapa de acompanhamento financeiro constante de fls. 39 dos autos, a concessionária tinha pago as 1.ª, 3.ª a 4ª prestações do prémio, mas, ainda deveu o montante de MOP$35.000.000,00 a ser pago no prazo de um mês contado da data da publicação do respectivo despacho no Boletim Oficial de Macau e a 2.ª prestação do prémio no valor de MOP$9.025.697,00. Na carta de justificação escrita por si apresentada, não deu qualquer resposta ao assunto de não pagamento do prémio acima indicado, pelo que se pode determinar que a responsabilidade de incumprimento do pagamento do prémio pode ser totalmente imputável à concessionária.
19. Através das informações apresentadas pelo Departamento de Urbanização na notificação interna n.º 668/DURDEP/2010 de 3 de Junho de 2010, verifica-se que a concessionária nunca apresentou qualquer plano de aproveitamento do terreno após a publicação do respectivo despacho no Boletim Oficial de Macau.
20. No seu relatório da análise, o Departamento de Gestão de Solos ainda indica que a concessionária explicou necessitar de tempo para resolver a questão de desocupação do terreno, mas, ela nunca tinha revelado esta questão à Administração nem apresentou qualquer pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno. Mais, a concessionária alegou que o empreendimento do desenvolvimento do terreno só poderia ser determinado após a implementação do plano do parque central da Taipa, face a tal, este é um motivo completamente inadmissível para justificar o atraso de desenvolvimento do terreno, pela razão de que o terreno do plano do parque central não se enquadra no terreno concedido, assim, a mesma deve ser imputável. De acordo com as fotografias tiradas no local, existem no terreno uma grande quantidade de materiais de construção e vários contentores que são servidos de escritório temporário, mas, não se encontra qualquer fábrica construída nele.
21. Além disso, quanto ao motivo que, tinha dificuldade de coordenar com os demais 4 concessionários para cumprir os encargos especiais relativos à construção de todas as infra-estruturas, o que tinha influência no prazo de desenvolvimento do terreno, considerando que a construção de redes de esgotos e vias públicas é as infra-estruturas urbanas indispensáveis, todos os concessionários devem coordenar-se, planejar e providenciar um calendário adequado da conclusão destas infra-estruturas no prazo de aproveitamento do terreno, a fim de cumprir as obrigações estipuladas no contrato e preencher as condições do uso de edifício. No entanto, a concessionária nunca apresentou as dificuldades acima referidas à DSSOPT nem pediu ajuda à Administração, pelo que esse motivo por si alegado é irracional e inadmitido.
22. Pelo exposto, de acordo com os “critérios de classificação do grau de gravidade” relativos aos terrenos não aproveitados, o Departamento de Gestão de Solos considerou que no caso da concessionária em apreço se verificam três violações qualificadas de “muito grave” e uma violação qualificada de “grave”, respectivamente, o não pagamento integral do prémio; o prazo restante da concessão de terreno com menos de 5 anos; a não apresentação do plano de aproveitamento do terreno após a sua concessão; e, a não apresentação do pedido de prorrogação após findo o prazo do aproveitamento do terreno. De acordo com a informação n.º 095/DSODEP/2010 de 12 de Maio de 2010, desde que se verifique qualquer uma das situações qualificadas de “muito grave” e não haja justificação, pode-se, de imediato, proceder ao procedimento de reversão do terreno.
23. Tendo em consideração a complexidade do processo e a grande possibilidade de a concessionária deduzir reclamação e/ou interpor recurso contencioso contra a declaração da caducidade do contrato de concessão / rescisão do contrato de concessão, com o consentimento do Exm.º Senhor Director da DSSOPT, o Departamento de Gestão de Solos remeteu o processo ao Departamento Jurídico, a fim de proceder a uma análise aprofunda para verificar se dispõe de condições suficientes da abertura do procedimento de reversão do terreno ou de nova concessão, e para obter os respectivos fundamentos de direito.
24. O Departamento Jurídico emitiu o seu parecer jurídico na informação n.º 64/DJUDEP/2010 de 29 de Outubro, entendendo que os motivos de não aproveitamento do terreno alegados pela concessionária, salvo a falta de documentos comprovativos ou outro tipo de prova, não constituem casos de força maior ou de outros factos relevantes que estejam comprovadamente fora do seu controlo.
25. Quanto à justificação de que “na RAEM, são muito poucos casos de cumprimento com sucesso do prazo de aproveitamento do terreno… e a situação desta sociedade é apenas um dos casos de incumprimento das obrigações”, o Departamento Jurídico entende que o erro dos outros não deve ser considerado como justificação para o seu próprio erro, bem como “não pode existir o direito à igualdade em caso de ilegalidade” e “o mesmo erro não deve ser repetido”.
26. Além disso, o Departamento Jurídico entende que a concessionária não se pode defender em que o terreno tinha vindo a ser ocupado ilegalmente e acumulava grandes quantidades de lixo e resíduos, o que também não pode servir de justificação de não aproveitamento do terreno. Relativamente aos encargos especiais, dispõe-se na cláusula 8.ª do contrato que a concessionária tem que responder exclusivamente pela desocupação e remoção do terreno de todos os objectos aí existentes, pelo que a concessionária não se pode defender em que o terreno tinha vindo a ser ocupado ilegalmente por terceiros e acumulava grandes quantidades de lixo e resíduos. Por outro lado, cabe à concessionária a responsabilidade da desocupação e remoção de todos os objectos existentes no terreno (as obrigações contratuais), concluindo-se que o alegado “não corresponde à verdade”.
27. Face à dificuldade de desocupação do terreno alegada pela concessionária, o Departamento Jurídico entende que, caso fosse verdadeira, a concessionária deveria obrigar o ocupante a abandonar o terreno por via judicial, mas ela não fez isto.
Pelo facto de que a concessionária nunca instaurou acção judicial contra o ocupante ilegal, mostra-se que a concessionária não tem vontade de aproveitar este terreno.
28. No n.º 4 da cláusula 6.ª do contrato, dispõe-se que a concessionária obriga-se a comunicar o caso da desocupação do terreno, mas, nos presentes autos, não há qualquer registo de comunicação feita à entidade concedente sobre as negociações relativas à desocupação do terreno, só se encontra neles o acordo relativo à mudança.
É verdade que a concessionária procurava acordar a forma de desocupação do terreno, mas, porquê não apresentou um pedido de prorrogação do prazo antes de 16 de Junho de 2003, data do termo do prazo de aproveitamento do terreno?
29. De acordo com as informações apresentadas pela DSSOPT, a concessionária não só não cumpriu o prazo fixado na cláusula 5.ª do contrato, mas também não apresentou um pedido de prorrogação desse prazo, bem como apenas pagou as 1.ª, 3.ª e 4.ª prestações do prémio e nunca entregou qualquer plano de aproveitamento do terreno.
30. Os motivos pelo incumprimento do contrato supracitados não são considerados justificados, pelo que a responsabilidade pelo incumprimento do contrato deve ser imputada à concessionária.
31. Nestes termos, tendo em consideração que a concessionária não cumpriu efectivamente as cláusulas 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª do contrato de revisão de concessão, nem conseguiu provar que o incumprimento contratual não é oriundo da sua culpa, a Comissão de Terras concorda com a proposta da entidade concedente, e não se opõe à declaração de caducidade da concessão do terreno com a área de 7.731 m2, situado na ilha de Taipa, na Avenida Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote “BT9”, através do despacho n.º 125/SATOP/99, a favor da “Sociedade de Fomento Predial Predific, Limitada”, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 166.º da Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho, ou à declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n.º 1 do artigo 169.º da referida Lei, bem como concorda com a reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
32. De acordo com o n.º 2 da cláusula 13.ª do mesmo contrato e nos termos do disposto no art.º 167.º da Lei de Terras, a caducidade do contrato é declarada por despacho do Chefe do Executivo, a publicar no Boletim Oficial da RAEM.
33. Mais, nos termos do disposto no art.º 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 22, I Série, de 31 de Maio de 2004, no caso de ser declarada a caducidade da concessão, a concessionária perde parcialmente as prestações do prémio já pagas a favor da RAEM.
*
Depois foi proferido o despacho com o seguinte teor:
Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 60/2015
Considerando que a «Sociedade Fomento Predial Predific, Limitada», com sede em Macau, na Avenida de Lisboa, n.ºs 2 a 4, Nova Ala do Hotel Lisboa, 2.º andar, descrita na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 5 675 (SO) a fls. 144V do livro C14, é titular do direito resultante da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 7 731 m2, designado por lote «BT9», situado na ilha da Taipa, na Avenida de Kwong Tung, descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º 23 139 do livro B, conforme inscrição a seu favor sob n.º 30 011F, para ser aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, comércio e estacionamento.
Considerando que a sobredita concessionária não cumpriu com a obrigação de realizar o aproveitamento do terreno no prazo estipulado no número um da cláusula quinta do contrato que rege a concessão, adiante designado por contrato de concessão, titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, publicado no Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 50, II Série, de 17 de Dezembro de 1999.
Considerando que as razões justificativas expostas pela concessionária na resposta à audiência escrita não lograram alterar o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão por falta de realização do aproveitamento do terreno nas condições contratualmente definidas imputável à concessionária, estando portanto preenchidos os pressupostos previstos na alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e na alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º, por força do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º e do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015, exarado sobre o seu parecer de 14 de Maio de 2015, que concordou com o proposto no processo n.º 44/2010 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 7 731 m2, situado na ilha da Taipa, na Avenida de Kwong Tung, designado por lote BT9, descrito na CRP sob o n.º 23 139 do livro B, ao abrigo da alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados a partir da publicação do presente despacho ou da notificação do acto, se esta ocorrer posteriormente, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada integralmente pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A concessionária pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da concessionária na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 16.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
15 de Maio de 2015.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário”; (cfr., fls. 2278 a 2281 e 4 a 21 do Apenso).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.

Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com uma breve “nota introdutória”.

O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se mostra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020 e de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020).

Nesta conformidade, e não sendo este o local para se elaborar ou tecer grandes e longas considerações sobre o tema, sem mais demoras se passa a (tentar) dar cabal resposta às questões colocadas.

–– Pois bem, percorrendo as alegações do recurso apresentado e as – extensas – conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, constata-se que pela mesma vem suscitadas as “(mesmas) questões” antes já colocadas ao Tribunal de Segunda Instância, e que, no Acórdão ora recorrido, foram, em nossa opinião, clara e cabalmente apreciadas e solucionadas de forma que se nos apresenta não merecedora de qualquer censura, consignando-se, assim, atenta a referida “identidade de questões”, e até por uma questão de “economia processual”, que se adopta o exposto no dito veredicto como fundamentação do que, a final, se irá decidir.

Não se deixa porém de dizer o que segue, (notando-se, igualmente, que no douto Parecer do Ministério Público atrás transcrito se dá também clara e cabal resposta ao presente recurso e que nos Procs. n°s 35/2020 e 85/2020 deste Tribunal de Última Instância se procedeu à apreciação de idênticas questões, pelo que se passa a acompanhar o aí decidido, cfr., os Acs. de 10.06.2020 e 16.09.2020, respectivamente).

–– Isto dito, vejamos, então, começando-se pelo alegado “vício de forma”.

Diz a ora recorrente que a “decisão não contém as menções obrigatórias enunciadas na alínea f) do n.° 1 do art. 113° do C.P.A.”, padecendo, igualmente, de “falta de fundamentação”.

Ora, como (cremos que) sem esforço se vê, manifesta é a sua falta de razão.

Como se evidencia pelo que atrás se deixou relatado, a “decisão administrativa” em questão, (cabendo notar que o presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não aquela), é um “despacho concordante” do Chefe do Executivo, (“Concordo”), e que – como tem constituído entendimento pacífico, firme e repetido – faz seus os argumentos e fundamentos de facto e de direito enunciados nos expedientes que lhe antecedem, (cabendo aqui destacar o parecer do S.T.O.P. que atrás se deixou transcrito), e que, por sua vez, são claros quanto às razões de facto e de direito do decidido.

Como recentemente, (acompanhando-se igualmente entendimento firme), se decidiu:

“A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.
Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.
Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado”; (cfr., v.g., o citados Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020).

Por sua vez, cabe dizer que a colocada questão, não deixa de constituir uma “falsa questão” pois que a mesma já foi objecto de expressa e adequada apreciação e decisão pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância – e embora seja esta a “decisão” que (agora) constitui o objecto do presente recurso (jurisdicional) para esta Instância – verifica-se que se limita a recorrente a repetir o antes já alegado no seu anterior recurso contencioso que tinha como objecto o “acto administrativo” a que se refere, mais não se mostrando de dizer, porque, ocioso.

–– Quanto ao alegado “déficit de instrução”, (por alegada falta de consideração de outra matéria relevante), a mesma se apresenta que deva ser a solução.

Para além de se nos mostrar que nenhuma relevância tem o que para a recorrente assim parece ser, cabe dizer que a competência deste Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” fica delimitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020, de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020 e de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020).

Motivos não havendo para se alterar o assim entendido, também aqui se terá de decidir pela improcedência do recurso.

–– Por fim, quanto aos “erros de direito”.

Pois bem, perante o que se deixou consignado, e aqui chegados, pouco há a dizer sobre os assacados “erros de direito”.

Na verdade, e para além de se mostrar de salientar que as ditas (idênticas) “questões” foram pelo Tribunal de Segunda Instância apreciadas de forma que se apresenta em consonância com o entendimento por esta Instância assumido em (abundantes) decisões a que atrás já se fez referência, há que ter presente que da factualidade provada resulta, claramente, que a decisão que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno à ora recorrente assentou na sua “falta de aproveitamento, (por inexecução da obra nos termos acordados), no prazo legal, por culpa da ora recorrente”.

E, como temos entendido:

“Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020 e de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020).

Dest’arte, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 23 de Setembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

Proc. 135/2020 Pág. 44

Proc. 135/2020 Pág. 45