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Processo nº 85/2020 Data: 16.09.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão de terrenos.
Culpa da concessionária no não aproveitamento.
Caducidade.
Fundamentação.
Matéria de facto.
Acto vinculado.



SUMÁRIO

1. Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.

Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado.

2. A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.

3. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 85/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “COMPANHIA DE INVESTIMENTO PREDIAL HOI SUN, LIMITADA”, com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 15.05.2015 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 2.510 m², situado na Baixa da Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por lote BT12, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 123 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 05.03.2020, (Proc. n.° 673/2015), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 1242 a 1278-v).

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Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente a presente recurso, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:

“1) Com o presente recurso jurisdicional, a Recorrente pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.º, n.º 2, do CPAC, porquanto, na opinião da Recorrente e em face da factualidade considerada assente, o acto recorrido deve ser anulado em vista dos vícios de que enferma;
2) Contrariamente ao que sustenta o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o acto administrativo padece de vícios de forma porque, por um lado, não contém as menções obrigatórias enunciadas na alínea f) do n.° 1 do artigo 113.° do CPA e, por outro lado, não satisfaz as exigências impostas no artigo 167.º da Lei n.° 10/2013, Lei de Terras;
3) O acto administrativo recorrido é o Despacho de S. Exa. Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015 «Concordo» exarado sobre Parecer do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015;
4) Na opinião da Recorrente, com todo o respeito por entendimento diferente, para satisfazer o disposto na alínea f) do n.° 1 do artigo 113.º do CPA o acto administrativo do Chefe do Executivo devia estar formulado com, pelo menos, as seguintes menções: «Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão [seguindo-se a identificação da concessão e, sendo caso disso, a indicação de elementos constantes de outros documentos que assim sejam integrados no acto administrativo].»
5) Na generalidade dos casos, nomeadamente nos casos apreciados pelo Tribunal de Última Instância nos processos n.° 69/2017, n.° 7/2018, n.° 13/2018, n.° 91/2018, n.° 102/2018, n.° 6/2019, n.° 7/2019, n.° 12/2019, n.° 13/2019, n.° 16/2019, n.° 26/2019, n.° 72/2019, n.° 79/2019, n.° 118/2019, o texto do despacho de declaração de caducidade contém essas menções obrigatórias: «Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão [seguindo-se a identificação da concessão e a referência ao parecer que é integrado no acto administrativo].»
6) Diferentemente de todos esses despachos de declaração de caducidade, o despacho recorrido não contém, no seu teor expresso, o conteúdo ou o sentido da decisão.
7) O Tribunal recorrido argumenta que a proposta e a concordância formam um acto uno, para efeitos de aplicação da alínea f) do artigo 113.º do CPA;
8) A questão é então a de saber se o conteúdo ou o sentido do acto administrativo pode ser inferido ou construído, pelo intérprete, a partir de outros documentos do processo, lavrados por outro órgão administrativo que não o Ex.mo Chefe do Executivo; por outras palavras: podem estas menções obrigatórias, previstas na alínea f) do n.º 1 do artigo 113.º do CPA, resultar de factos constantes de outro documento do processo, da autoria de um outro órgão administrativo que não é o Autor do acto administrativo?
9) Na opinião da Recorrente, essas menções devem sempre constar do despacho do Chefe do Executivo que declara a caducidade da concessão; diversamente do que sucede com o dever de fundamentação, o qual pode ser cumprido por incorporação de elementos de outros documentos, nos termos do artigo 115.º do CPA, para o conteúdo e sentido da decisão a lei não faz qualquer ressalva ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 113.º do CPA;
10) A doutrina refere, com pertinência para este assunto, o seguinte: «Note-se que, se a lei admite que a fundamentação do acto seja indicada por remissão (para propostas, etc.), já não o permite, contudo, no que respeita ao seu conteúdo ou sentido: uma decisão administrativa não pode pois, consistir (nunca) num mero «concordo»; há-de ser, pelo menos, um «concordo e (in)defiro. Os efeitos, o conteúdo ou sentido, do acto têm sempre de vir enunciados nele próprio» (Autores e Obra citada, anotação IV ao artigo 125.°, p. 604). Como ensina Freitas do Amaral, no estudo, precisamente, das menções obrigatórias no acto administrativo, «por não conterem elementos essenciais, sem os quais o acto carece de qualquer validade, são nulos (…) os actos a que falte: a indicação do seu autor (…); a identificação adequada do destinatário ou destinatários (…); o conteúdo ou o sentido da decisão (…); e, finalmente, a assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, p. 280);
11) Por outro lado, ao assacar ao acto recorrido o vício de forma por ofensa ao disposto no artigo 167.º da lei de Terras, aquilo que a Recorrente discute não tem que ver com a disciplina legal da publicidade/notificação, mas com a forma legal especificamente exigida para este tipo de actos administrativos. A questão é, pois, a seguinte: o artigo 167.º da Lei de Terras basta-se com um acto do Chefe do Executivo na forma simples ou exige uma forma solene?
12) Em matéria de forma, os actos administrativos podem estar legalmente sujeitos a formas simples ou a formas solenes, podendo falar-se, segundo a doutrina, num princípio de tipicidade das formas (neste sentido: Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, vol. I, 2016, p. 589); na Lição de Ereitas do Amaral, as «formas simples» são aquelas em que para a exteriorização do órgão administrativo a lei não exige a adopção de um escrito sujeito a um modelo especial; as «formas solenes» são aquelas em que o escrito tem de obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, pp. 397-398);
13) Na opinião da Recorrente, aquela disposição legal exige a observância de uma forma solene: a forma ou modelo legal «despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial»;
14) Após a criação da RAEM, as competências em matéria de terrenos não são originariamente do Chefe do Executivo: a Lei n.° 2/1999 distingue e reparte, nos artigos 15.º a 17.º, as competências de maneira diferente do antigamente; tendo em conta o disposto no artigo 7.º da Lei Básica e no artigo 16.º da Lei n.° 2/1999, a competência para proferir o despache> a declarar a caducidade da concessão do terreno tem que ver com a previsão do artigo 16.ºe é diferente, portanto, do sistema anterior, em que as competências eram originariamente do Governador:
15) A Lei n.º 10/2013 concretiza as formas de exercício das competências que são originariamente do Governo, numa opção legislativa de desconcentração que reparte o exercício de tais competências entre vários Órgãos, nomeadamente entre o Chefe do Executivo e o Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Pelo modo como faz a repartição do exercício dessas competências do Governo, a Lei n.º 10/2013 impõe a observância de formas legais diferentes aos actos administrativos do Chefe do Executivo: formas simples nuns casos, formas solenes noutros casos;
16) As disposições do artigo 5.º e do artigo 167.º são ilustrativas dessa opção do legislador. No caso do acto administrativo previsto no artigo 5.º, n.° 2, a lei não coloca exigências adicionais ao que resulta do regime geral do CPA, pelo que o acto do Governo feito pelo Chefe do Executivo é tornado público através de acto administrativo do STOP; neste caso, a lei exige uma forma simples para o acto do Chefe do Executivo. Diversamente, no caso dos actos administrativos previstos nos artigos 5.º, n.° 1, e 167.º, a lei exige uma forma mais solene: o acto administrativo do Governo feito pelo Chefe do Executivo deve ser exteriorizado através de «despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial».
17) Parece à Recorrente que a diferença de redacção legislativa quanto à forma de exteriorização dos actos administrativos do Chefe do Executivo deve ser respeitada no plano das exigências de forma do acto administrativo: se o legislador determinou a existência de duas formas, como se comprova no artigo 5.°, então afigura-se que não bastará a forma mais simples para considerar satisfeita a exigência legal mais solene.
18) A forma que foi observada para o acto recorrido coincide com a forma simples prevista no artigo 5.º n.° 2: o acto foi feito por despacho do Chefe do Executivo e depois foi tomado público através de despacho do STOP. Observou-se a forma simples. O acto recorrido não foi exteriorizado na forma solene, a que se refere o artigo 5.º n.° 1 e o artigo 167.º: «despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial»;
19) Por outro lado, a Recorrente pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.º, n.º 2, do CPAC, porquanto o acto impugnado padece de vício de forma, por falta de fundamentação;
20) Tem-se entendido que a validade de um acto administrativo se deve reger pela lei existente ao tempo em que foi praticado, sendo à sua luz que se deve aferir, de acordo com o princípio tempus regit actum, a respectiva conformidade com o ordenamento jurídico (assim, por exemplo, Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, vol. I, 2016, p. 607-608). E no que respeita às exigências formais do acto administrativo, se é certo que muitas formalidades podem ser desvalorizadas e tratadas como "irregularidade", esta «desvalorização do imperativo formal já não será; porém, legítima, onde a lei exija uma fundamentação expressa: aí a exposição dos fundamentos há-de constituir, em si, uma condição de validade dos actos administrativos, em termos de a sua falta (ou insuficiência) poder ter como consequência a anulação deles, mesmo que não contenham, ou independentemente de conterem ou não, vicias substanciais. O mesmo é dizer que aí terá de ser reconhecida à obrigatoriedade de fundamentação uma dimensão formal autónoma» (Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, 1992, p. 27).
21) Ora, na opinião da Recorrente, o acto administrativo recorrido não observou as exigências legais de fundamentação a que estava sujeito, nos termos das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 114.º e do n.º 1 do artigo 115.º do CPA
22) O Acórdão recorrido refuta a existência do vício de forma por falta de fundamentação e afirma o seguinte: «No caso em apreça, foram invocados expressamente os factos pertinentes e argumentos jurídicos para chegar à conclusão da caducidade da concessão do terreno em causa. Uma pessoa de normal diligência, ao ler o texto que suporta a respectiva decisão, fica a perceber o percurso cognoscitivo-valorativo de quem tem a competência para decidir»
23) Salvo o devido respeito, a Recorrente pugna por entendimento diferente, por quatro ordens de razões.
24) Em primeiro lugar, na fundamentação expressa do acto recorrido devia haver indicação das normas legais existentes ao tempo em que o acto é praticado e que representariam a respectiva fundamentação legal. Mas o acto recorrido não contém a indicação das normas legais aplicadas; como se constata da matéria de facto que o Tribunal recorrido considerou provada, nem o despacho recorrido, nem o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015 contêm indicação de normas legais existentes em Maio de 2015, ao tempo em que o acto recorrido foi praticado; e quanto aos demais documentos indicados nem se vê como poderiam ter a indicação das normas legais pertinentes: esses documentos são de 2011, ao passo que a Lei de Terras é de 2013. Já por aqui se teria de concluir, na opinião da Recorrente, pela falta de fundamentação de direito;
25) Em segundo lugar, salvo o devido respeito por opinião diferente, a Recorrente supõe que uma pessoa de normal diligência que consultasse o Parecer da Comissão de Terras de 15 de Dezembro de 2011, na sua parte dispositiva, ficaria com uma dúvida razoável sobre qual seria o sentido provável da decisão; este parecer revela, na parte final, que em situações de facto semelhantes, a decisão do Chefe do Executivo foi no sentido de não declarar a caducidade!
26) Na parte dispositiva desse parecer, a Comissão de Terras entendeu «dever sublinhar que nos procedimentos sobre o incumprimento dos contratos de concessão dos terrenos com as áreas de 15 823m2, 8 124m2 e 13 517m2, situados na ilha da Taipa, junto à Estrada Governador Albano de Oliveira, titulados pelos Despacho n.° 173/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.° 53, II Série, de 31 dê Dezembro de 1997, Despacho n.° 13/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.° 10, II Série, de 11 de Março de 1998 e Despacho n.° 32/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.° 17; II Série, de 29 de Abril de 1998, a decisão foi no sentido de não declarar a caducidade da concessão e, por conseguinte, de conceder um novo prazo para execução do respectivo aproveitamento, apesar de se considerar o não cumprimento do contrato imputável às concessionárias»;
27) Em vista deste sublinhado no parecer da Comissão de Terras, os documentos anteriores, isto é o relatório e o parecer do Departamento Jurídico da DSSOPT não servem como resposta, não são idóneos para satisfazer o dever de fundamentação, porquanto são precisamente as mesmas linhas de argumentação da DSSOPT expostas nesse relatório que são afastadas nos pareceres do assessor no Gabinete do Chefe do Executivo, os quais mereceram a concordância de Chefe do Executivo nos despachos de Maio de 2011 e de Agosto de 2011;
28) Em terceiro lugar, este sublinhado do parecer da Comissão de Terras reforçou a necessidade de fundamentação expressa do acto administrativo. A Comissão de Terras chamou a atenção para a necessidade de o órgão administrativo competente ponderar os elementos e satisfazer o dever de fundamentação também relativamente à eventual mudança do sentido da decisão: se a decisão viesse a ser no sentido da declaração de caducidade, tal decisão teria que indicar os motivos que levavam o Chefe do Executivo a valorar os mesmos factos e a aplicar as mesmas normas de uma maneira diversa da que usara anteriormente.
29) Daí que, na opinião da Recorrente, além do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 114.º do CPA, também é aplicável ao acto recorrido o disposto na alínea e) desse mesmo n.° 1: o acto recorrido devia indicar os motivos que levaram o Autor do despacho, em 2015, a valorar factos semelhantes e a aplicar os mesmos princípios, sejam os princípios e normas acerca da imputação da culpa às concessionárias, seja o princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do CPA, de uma maneira diversa da que usara anteriormente, nomeadamente em Maio de 2011 e em Agosto de 2011.
30) Sucede que nem o Parecer do STOP de 14 de Maio de 2015, nem o despacho do Chefe do Executivo têm qualquer palavra sobre esta vertente dos factos da concessão, sobre as razões de facto e de direito que levaram o Chefe do Executivo a decidir de modo diferente da prática habitualmente seguida, nomeadamente nos processos identificados naquele parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011.
31) O Tribunal recorrido não chegou a apreciar, salvo erro de entendimento, esta vertente da questão. No entanto, na petição de recurso contencioso, a Recorrente pede a anulação do acto recorrido, por vício de forma, nos termos conjugados da alínea e) do n.° 1 do artigo 114.º e do n.° 1 do artigo 115:º, ambos do CPA, e da alínea c) do n.° 1 do artigo 21.° do CPAC, por faltar uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a diferença do acto recorrido face à prática e aos critérios seguidos pelo Chefe do Executivo em casos semelhantes - são a este respeito as conclusões 22) a 25) formuladas na petição do recurso contencioso.
32) Em quarto lugar, a Recorrente não acompanha, com o devido respeito por entendimento diverso, o modo como o Tribunal recorrido aplica o artigo 115.º do CPA, admitindo uma remissão indiscriminada e indeterminada da fundamentação do acto para os elementos do processo:
33) O Despacho «Concordo» é exarado sobre parecer do STOP de Maio de 2015; este parecer remete a Recorrente, quanto às razões que fundamentariam o acto impugnado, para o processo administrativo da Comissão de Terras de 2011, mas sem acrescentar as razões de facto e de direito que determinariam o afastamento do já referido sublinhado do parecer de Dezembro de 2011; por sua vez o parecer da Comissão de Terras remete a Recorrente, quanto às razões que fundamentariam o acto impugnado, para os elementos de outro processo administrativo instrutório, nomeadamente os documentos elaborados em Agosto de 2011 pelo Departamento Jurídico da DSSOPT, em Agosto de 2011;
34) Verificando-se que o acto impugnado foi praticado em Maio de 2015, no âmbito da vigência da Lei n.º 10/2013, e que há sucessivas remissões quanto à respectiva fundamentação, até chegarmos aos elementos de dois processos administrativos, praticados em 2011, a questão que se coloca é a seguinte: tais elementos do processo praticados quatro anos antes, no domínio de outro regime legal, com linhas de argumentação entretanto afastadas por despachos do Ex.mo Chefe do Executivo em casos semelhantes, ainda podem fazer parte integrante do acto impugnado, em termos de constituírem a totalidade da sua fundamentação de fado e de direito?
35) Com o devido respeito, a Recorrente entende que a resposta não deve ser afirmativa, porque além do mais quebraria a aferição da validade do acto administrativo de acordo com o princípio tempus regit atum: «a validade de um acto administrativo afere-se sempre pela conformidade desse acto com o ordenamento jurídico no momento em que ele é praticado» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, p. 429);
36) A Recorrente também não está conformada com o entendimento do Acórdão recorrido acerca do deficit de instrução, pelo que pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.°, n.º 2, do CPAC, porquanto entende que ocorreu violação do princípio do inquisitório, em especial da dimensão material deste princípio, violação que inquinou, por deficit de instrução, o próprio acto administrativo, o I qual enferma de ilegalidade, por violação dos artigos 59.° e 86.° do CPA, mas também por violação dos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público consagrados, respectivamente, nos artigos 3.º e 4.º do CPA;
37) O Tribunal recorrido pronunciou-se pela improcedência deste vício por considerar, louvando-se no douto parecer do Dign.o Magistrado do Ministério Público, que o processo 6320 da DSSOPT e o processo 46/2010 da Comissão de Terras contêm a base fáctica e essencial bastante para respaldar a decisão adoptada;
38) O documento elaborado pelo Departamento Jurídico da DSSOPT, em Agosto de 2011, permite verificar que os serviços da Entidade Recorrida consideravam irrelevantes, relativamente à concessão da Recorrente, os factos atinentes ao impacto da crise financeira, os factos atinentes à epidemia da SARS e o facto de a concessionária ter pago as prestações de prémio em dívida, com liquidação dos juros de mora, na medida em que só o fez em Abril de 2011;
39) Simplesmente, nesse mesmo período temporal de 2011, a Entidade Recorrida ponderava todos esses elementos e decidia em sentido diferente ao proposto pelos serviços da DSSOPT; a argumentação que os serviços da DSSOPT expenderam para concluírem pela verificação da presunção de culpa da concessionária foi expressamente refutada pelo próprio Governo, em pareceres que mereceram a concordância do Ex.mo Chefe do Executivo, pela existência de factos objectivos que não permitem imputar plenamente o incumprimento à concessionária, ainda quando a concessionária não tivesse conseguido juntar provas para ilidir a presunção;
40) A prática habitualmente seguida na decisão de casos semelhantes é exposta e sublinhada na parte final do parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011 e comprova-se pelos documentos existentes nos autos, nomeadamente os pareceres jurídicos dos assessores do Gabinete do Chefe do Executivo, que mereceram a concordância do Ex.mo Senhor Chefe do Executivo;
41) No entanto, estes factos, referidos no parecer da Comissão de Terras de Dezembro de 2011, não foram submetidos à apreciação, em 2011 ou mais tarde, do Gabinete do Chefe do Executivo; o texto do Parecer do Sr. STOP, sobre o qual recaiu o despacho recorrido, também não inclui a parte dispositiva do parecer da Comissão de Terras, onde se chamava a atenção para o paralelismo com as decisões tomadas noutros processos no sentido de não declarara caducidade da concessão;
42) Acresce ainda que o relatório e parecer elaborado pelo Departamento Jurídico da DSSOPT e o parecer da Comissão de Terras também não atenderam aos factos narrados na Informação n.° 116/SOLDEP/97 da DSSOPT (doc. de fls. 34 junto com a Petição de Recurso), onde se admite, entre o mais, o seguinte:
«5. As principais condições da revisão da concessão de cada um dos lotes são as a seguir apresentadas:
(…)
5.5 Lote "BT12": (Anexo 13)
Concessionária: "Companhia de Fomento Predial Hoi Sun, Lda." Prémio: $17.981.216,00
Projecto aprovado: Estudo Prévio enviado ao DURDEP em 14.09.94 (T-2198) e considerado passível de aprovação por despacho do Exmo. Sr. Director datado de 15.10.94;
Aproveitamento: Um edifício constituído por um pódio com quatro pisos, sobre o qual se edifica uma torre com 28 pisos;
Áreas Brutas de Construção: Habitação: 26.937 m2; Comércio: 2.101 m2; Estacionamento: 7.188 m2.»
43) Em vista do exposto, cumpre perguntar: se os factos atinentes à crise financeira, à SARS, ao pagamento das prestações do prémio em dívida, à prestação de garantia financeira, à apresentação de estudos e projectos tendo em vista o aproveitamento cuja análise técnica nunca ficou concluída, se todos estes elementos tivessem sido dados a conhecer superiormente, nomeadamente na sequência da parte dispositiva do parecer da Comissão de Terras, existia ou não uma forte possibilidade de os assessores jurídicos do Gabinete do Chefe do Executivo manterem o entendimento acima exposto e proporem acompanhamento e actos complementares de instrução?
44) Na opinião da Recorrente, os factos que assim não foram expostos ao Órgão competente para a decisão são relevantes para a decisão administrativa, desde logo porque permitiriam estabelecer a presença de base factual e jurídica para afastar a aplicação de qualquer das hipóteses previstas no artigo 215.º da Lei n.º 10/2013; o conhecimento daqueles elementos teria inviabilizado a imputação de culpa exclusiva à «concessionária;
45) Portanto, com o devido respeito por entendimento contrário, o deficit de instrução inquinou o próprio acto administrativo;
46) A Recorrente pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.°, n.° 2, do CPAC, porquanto entende que o acto administrativo está ferido de erro nos pressupostos, com violação do artigo 215.º da Lei n.° 10/2013;
47) A Recorrente diverge do douto entendimento explanado no Acórdão recorrido relativamente à imputação da culpa à Concessionária pelo não aproveitamento do terreno até Junho de 2003;
48) Contudo, caso se entenda, contra a opinião da Recorrente, que a obrigação de aproveitamento é uma obrigação de termo essencial, que teria de ser impreterivelmente cumprida no prazo de 42 meses, o certo é que não era só a Concessionária que devia ser diligente na execução do programa contratual: havia actos indispensáveis que só os serviços da Entidade Recorrida podiam praticar; a Concessionária estava dependente da colaboração do credor, nomeadamente para minimizar as consequências dos atrasos na desanexação dos lotes;
49) As primeiras diligências da Concessionária para realizar as prestações de cumprimento da obrigação de aproveitamento tinham que ver com a formalização jurídica do lote BT12 e, logo aí, a Recorrente ficou dependente da colaboração do Credor, isto é, dos serviços da Entidade Recorrida para conseguir iniciar as diligências de concretização da desanexação jurídica e da demarcação do prédio.
50) É que, pese embora o texto da minuta do contrato refira que há uma planta cadastral anexa a esse mesmo contrato, na realidade os serviços da Entidade Recorrida não incluíram a planta no contrato; a dificuldade da Recorrente não residia na obtenção da planta cadastral do terreno correspondente ao prédio descrito na CRP sob o n.º 20670, isto é, da planta cadastral n.° 128/89, emitida pela DSCC em 11 de Março de 1996; essa planta, sem que nela estivessem assinalados os novos lotes, respectivas localizações e confrontações, de nada valia à Concessionária.
51) A colaboração imprescindível dos serviços da Entidade Recorrida concretizava-se nos seguintes passos: assinalar, na referida planta cadastral, os 5 lotes e a parcela que revertia para a RAEM, tal como declarado no texto do contrato, e em seguida promover a publicação da planta cadastral, já com os lotes e parcela assinalados nessa planta, no Boletim Oficial.
52) Contudo, só em Setembro de 2000, praticamente decorridos 10 meses de um prazo de 42 meses, é que os serviços da Entidade Recorrida concretizaram esses passos: os lotes e a parcela foram assinalados na planta cadastral pertinente, a qual foi publicada a coberto do Despacho do STOP n.º 76/2000, no BO, II Série, n.º 36, de 6 de Setembro de 2000.
53) O relevo destes factos para as vicissitudes da obrigação do aproveitamento que impende sobre a Concessionária demonstra-se rapidamente, pois resulta imediatamente dos regimes legais aplicáveis:
Sem publicação no BO da planta cadastral, comas lotes devidamente assinalados, não era possível tramitar o processo de descrição predial do Lote BT12 na CRP e obter a pertinente certidão do registo predial;
Sem reunir ambos os documentos, a planta cadastral e a certidão do registo predial, era impossível a Concessionária concluir a instrução dos processos urbanísticos, nomeadamente para a Administração passar a ter prazos para concluir a apreciação dos Estudos e Projectos. Isto porque, por força do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Geral da Construção Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, o requerimento de apreciação dos projectos de especialidade e de arquitectura para o lote BT12 tem que ser instruído com certidão do registo predial e, por força das alíneas b) e c) do n.º 6 do mesmo artigo 19.° do RGCU, o requerimento tem que ser instruído com planta cadastral oficial com indicação das dimensões do terreno, área respectiva e confrontações de acordo com o respectivo título de registo de propriedade, assim como memória descritiva das fracções autónomas e regulamento de condomínio quando para o edifício se preveja a constituição do regime de propriedade horizontal.
O contrato de concessão determina que os edifícios devem ser construídos no regime da propriedade horizontal.
Ora, a aprovação do projecto pelo órgão competente é indispensável para a válida constituição da propriedade horizontal, nos termos dos artigos 38.º e 39.º da Lei n.° 25/96/M, de 9 de Setembro - que continuam em vigor nos termos do artigo 3.º, n.° 3, alínea e) do Decreto-Lei n.° 39/99/M, de 3 de Agosto - e do artigo 1317.º, n.° 1 e n.° 2 do Código Civil.
54) A Recorrente não está a assacar culpas à actuação da Administração ou a censurar aos serviços da Entidade Recorrida; nos termos gerais, o credor constitui-se em mora independentemente de culpa: «Há, assim, sob este aspecto, uma diferença significativa entre a mora do devedor, dependente sempre de culpa, e a mora do credor. O facto não surpreende, pois o devedor está obrigado a cumprir, enquanto o credor não está propriamente obrigado a aceitar a prestação, tendo apenas que exercer o seu direito de harmonia com as regras da boa fé.» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., anotação 1 ao artigo 813.º, p. 84)
55) E quando há mora do credor, como é o caso, o não cumprimento do devedor, isto é, da Concessionária só releva se houver dolo da sua parte quanto ao objecto da prestação, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 803.º do Código Civil.
56) Portanto, com o devido respeito, a Recorrente entende, em vista dos factos sobre as incorrecções do texto contratual e respectivas rectificações, que a eventual aplicação da alínea 3) do artigo 215.° da Lei n.° 10/2013 não se traduz na questão de saber se a Concessionária ilidiu a presunção de culpa que sobre ela alegadamente recairia, porque não é essa a situação dos autos; este terá sido o raciocínio que conduziu à decisão impugnada;
57) Mas esse raciocínio assenta num erro sobre os pressupostos de facto, nomeadamente por não atribuir relevo às incorrecções iniciais do contrato, à necessidade das rectificações e ao tempo que decorreu até que existisse o documento oficial que permitia concretizar a desanexação dos lotes; e o erro sobre os pressupostos de facto origina depois um erro nos pressupostos de direito: não se averiguou o releve da conduta da Administração para as questões da imputação do não cumprimento;
58) Por último, a Recorrente pede que o TUI julgue inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no artigo 159.º, n.º 2, do CPAC, porquanto entende que o acto administrativo impugnado faz errada aplicação das normas legais aplicáveis à interpretação dos contratos e faz errada aplicação da lei contratual, incorrendo em erros sobre os pressupostos de aplicação da cláusula décima-terceira do contrato, pelo que enfermado vício de violação de lei;
59) A respeito desta questão, a Recorrente diverge do Acórdão recorrido, na parte em que considera legalmente impossível o cumprimento da obrigação de aproveitamento do lote BT12 após o decurso no prazo de 42 meses estipulado no contrato.
60) O contrato de concessão (cláusula décima terceira) não liga a caducidade do contrato ao decurso do "prazo de aproveitamento";
61) O contrato também não associa ao prazo fixado para o aproveitamento o regime da condição resolutiva (artigo 263.° do Código Civil): na opinião da Recorrente, nenhuma cláusula ou combinação de cláusulas do contrato de concessão tem o sentido de caso o aproveitamento não ocorrer no prazo de 42 meses (evento futuro e incerto), os efeitos do contrato ficarão resolvidos.
62) Depois, na opinião da Recorrente, relativamente à questão de saber se o estabelecimento do prazo de cumprimento duma obrigação é ou não essencial e se o seu decurso se traduz num incumprimento definitivo, a resposta deve resultar não só da interpretação literal das cláusulas do contrato, como do comportamento anterior e posterior dos contraentes.
63) Há factos que permitem comprovar que, nem as Concessionárias, nem a Entidade Recorrida faziam, em Abril de 2005 essa interpretação do contrato de concessão: o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 13 de Abril de 2005, publicado no Boletim Oficial, II Série, n.º 16, de 20 de Abril 2005, página 2412, procede à Rectificação do texto do contrato publicado em 1999.
Ora, se a Entidade Recorrida tivesse, em 2005, o entendimento que agora defende, então já não haveria lugar a mais Rectificações do texto do contrato, porque já se estaria perante situação de incumprimento definitivo do contrato de concessão.
64) Não atribuir valor jurídico a essa interpretação das partes e ao investimento de confiança que aquele Despacho de 2005 alicerçou, seria além do mais, na opinião da Recorrente, uma interpretação integradora do contrato contrária aos ditames da boa fé, em violação do artigo 231.º, n.° 1 do Código Civil;
65) Mais recentemente, nos casos já identificados nas presentes alegações, nos pontos 2 e seguintes, cujos documentos constam dos autos, a Entidade Recorrida ponderou factos ocorridos posteriormente ao decurso do prazo estipulado para o aproveitamento e permitiu a continuidade das respectivas concessões;
66) Portanto, na interpretação que a Entidade Recorrida vinha fazendo dos contratos de concessão, os factos ocorridos posteriormente ao prazo do aproveitamento eram ponderados e podia haver continuidade do contrato de concessão, para efectiva execução do aproveitamento previsto;
67) O documento elaborado pelo Departamento Jurídico da DSSOPT, em Agosto de 2011, que consta da matéria de facto considerada provada, permite verificar que os serviços da Entidade Recorrida passaram a imputar aos contratos de concessão um sentido diferente, nomeadamente considerando que, perante o facto objectivo do não aproveitamento no prazo estipulado no contrato de concessão, não restava ao Governo outra alternativa que não extinguir a concessão; esse documento revela igualmente, como aliás é salientado no douto voto de vencido, que os serviços da Entidade Recorrida não se preocuparam em interpretar o relevo dos comportamentos de ambas as partes, nomeadamente para averiguar o relevo da conduta da Administração para as questões da imputação do não cumprimento da obrigação contratual;
68) Todavia, seja no período inicial dos 42 meses, seja no período posterior, os serviços da Entidade Recorrida não foram solícitos a praticar actos indispensáveis à boa execução do programa contratual, nomeadamente: a preparação e publicação da planta cadastral com os lotes assinalados; a aprovação interna e publicação das rectificações ao texto do contrato publicado, inicialmente, ao abrigo do Despacho n.° 125/SATOP /99; a emissão da Planta de Alinhamento Oficial; a demora na apreciação técnica dos projectos, em especial o projecto de obra cujo pedido deu entrada em Maio de 2011.
69) A Recorrente reitera que não está, com o exposto, a assacar culpas aos serviços da Entidade Recorrida; os deveres de colaboração do credor para possibilitar a realização das prestações do devedor não têm que ser violados culposamente para que exista a mora do credor nos termos do artigo 802.º, segunda parte, do Código Civil.
70) Tal como em relação ao artigo 215.º da Lei n.° 10/2013, a hipótese de culpa da concessionária que justificasse a invocação da caducidade sanção prevista na cláusula décima-terceira do contrato assenta num erro sobre os pressupostos de facto, nomeadamente por nesta hipótese não se atender às incorrecções iniciais do contrato, à necessidade das rectificações e às datas em que as rectificações ao contrato foram feitas; erro sobre os pressupostos de facto que se conjuga, depois, com um erro nos pressupostos de direito: não se averiguou o relevo da conduta da Administração para as questões da imputação do não cumprimento. Daí que a Recorrente impugne o acto administrativo com fundamento em erros nos pressupostos em violação das regras legais aplicáveis à interpretação dos contratos e em errada aplicação da lei contratual”; (cfr., fls. 1282 a 1334).

*

Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 1338 a 1345), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Visto.
Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, verifica-se que a recorrente “Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada” impugna o acórdão de 5 de Março de 2020, do Tribunal de Segunda Instância, imputando-lhe erros de julgamento da maioria dos vícios que suscitara no recurso contencioso.
Sobre esses vícios do acto administrativo impugnado – despacho de 15 de Maio de 2015, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 2510 m2, situado na Avenida de Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote BT12, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 23140 – pronunciou-se oportunamente o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls, 1232 e seguintes, onde se manifesta contra a tese da ilegalidade baseada nesses vícios em que agora a recorrente volta a insistir.
Dado que a alegação de recurso jurisdicional sobre esses invocados erros de julgamento constitui no fundo um reafirmar de argumentos já esgrimidos em sede de recurso contencioso, temos por bem reiterar o sentido daquele nosso parecer, com o que nos pronunciamos pela improcedência do recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 1353-v a 1354).

*

Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem elencada como “provada” a matéria de facto seguinte:

“1. Através da escritura pública do contrato de concessão constante a fls. 32 do livro n.º 130 de 29 de Outubro de 1964 da "Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade" e da cláusula adicional do contrato cuja eficácia foi conferida pela escritura pública do contrato de troca constante a fls. 107 do livro n.º 272 de 24 de Novembro de 1989 da DSF, foi concedido por arrendamento à "Fábrica de Artigos de Vestuário Estilo, Limitada" um terreno com a área de 30.798 m2, situado na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung (antiga estrada Governador Albano de Oliveira), constituído pelos lotes BT6, BT11, BT8, BT9 e BT12.
2. Mais tarde, foi efectuada uma alteração através do Despacho n.º 125/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial, II Série, n.º 50, de 17 de Dezembro de 1999: uma parcela de terreno com a área de 12.376 m2 foi revertida a favor de Macau, para integrar a via pública, assim a área total do terreno acima referido constituído por 5 lotes foi reduzida para 18.422m2, afectado às finalidades da construção de vários edifícios de utilização habitacional, comercial, de estacionamento e de equipamentos sociais; ao mesmo tempo, foi autorizada a alienação dos direitos derivados da concessão dos 5 lotes às seguintes companhias: Companhia de Investimento Predial Hamilton, Limitada, Companhia de Investimento Predial Pak Lok Mun, Limitada, Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, Sociedade Fomento Predial Predific, Limitada e Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada.
3. Por negligência, faltou publicar a planta cadastral em causa no anexo do despacho referido no número anterior. Por isso, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obra Públicas n.º 76/2000, publicado no Boletim Oficial, II Série, n.º 36, de 6 de Setembro de 2000, foi publicada a planta cadastral n.º 128/1989, emitida pela antiga Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC) em 11 de Março de 1996, para esclarecer a demarcação e a descrição dos 5 lotes.
4. Nos termos da cláusula segunda desse contrato, o arrendamento do terreno seria válido pelo prazo de 50 anos, contados a partir de 29 de Outubro de 1964, data da outorga da escritura pública do contrato de concessão, e acaba em 28 de Outubro de 2014.
5. O prazo de validade do arrendamento fixado no número anterior pode ser renovado continuadamente, nos termos da legislação aplicável, até 19 de Dezembro de 2049.
6. O terreno que constitui o objecto do presente processo é o lote BT12, com a área de 2.510 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23140 no livro B, os direitos derivadas da concessão encontram-se inscritos, em nome da concessionária (Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada) sob o n.º 30013F. Não existe qualquer inscrição de hipoteca voluntária para o lote, que é demarcado pela letra "B" e descrito na planta cadastral n.º 128/1989 acima mencionada.
7. O terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 4 (quatro) pisos (incluindo os pisos) e uma torre com 28 (vinte e oito) pisos, afectado às seguintes finalidades de utilização: (i) habitacional; (ii) comercial e (iii) estacionamento.
8. De acordo com a cláusula quinta do dito contrato, o aproveitamento do terreno deveria operar-se no prazo global de 42 meses, contados da data da publicação do Despacho que titulou o contrato no Boletim Oficial de Macau, e acaba em 16 de Junho de 2003; dentro do prazo acima mencionado, estavam também fixados os prazos para a concessionária apresentar o projecto de obra e para a execução da obra, nomeadamente: 60 dias, contados da publicação do despacho, para a elaboração e apresentação do projecto de arquitectura; 90 dias, contados da notificação da aprovação do projecto de arquitectura, para elaboração e apresentação do projecto de obra; 45 dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto de obra, para o início das obras.
9. O prémio do contrato totalizava MOP$17.981.216,00; dentro do qual um montante de MOP$9.000.000,00 deveria ser pago no prazo de 1 mês, contado da publicação do despacho no Boletim Oficial de Macau que tinha conferido eficácia ao contrato; o montante restante de MOP$8.981.216,00 seria pago em 4 prestações com juros à taxa de juro anual de 7%, correspondendo a uma prestação um semestre; o montante de cada prestação seria igual, ou seja, o montante global do capital com os juros totalizava MOP$2.445.145,00. A primeira prestação deveria ser paga no prazo de 6 meses contados da publicação do despacho que titulou o contrato.
10. Além disso, segundo a cláusula de encargos especiais que alterou o contrato de concessão, a concessionária obrigava-se a suportar exclusivamente a desocupação das parcelas de terreno e remoção das mesmas de todas as construções e materiais, e à execução, juntamente com as concessionárias dos outros 4 lotes de todas as infra-estruturas sobre o terreno, incluindo a construção e a pavimentação da via já planeada no terreno assinalado com a letra «F» na planta n.º 128/1989.
11. A fim de reforçar a fiscalização da situação do aproveitamento dos terrenos concedidos e optimizar a gestão dos recursos dos solos, foi tomada a decisão superior de analisar aprofundadamente o aproveitamento dos terrenos concedidos, e de estudar e adoptar medidas eficazes para assegurar o aproveitamento máximo dos terrenos concedidos, a fim de atender às exigências do desenvolvimento social. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o despacho n.º 07/SOPT/2010, de 8 de Março de 2010, a ordenar à DSSOPT notificar, no prazo de 15 dias, todas as concessionárias que não tinham concluído o aproveitamento dos terrenos respeitando os prazos definidos nos contratos de concessão de terreno, para a apresentação de uma justificação por escrito ao governo pelo incumprimento dos contratos no prazo de um mês contado a partir da data da recepção do ofício.
12. Vista a situação, o Departamento da Gestão de Solos da DSSOPT seleccionou 29 casos mais graves de terrenos não aproveitados, nos quais estava o presente processo, para tratamento em prioridade. Mandaram-se cartas exigindo às respectivas concessionárias de terreno justificar o incumprimento do aproveitamento do terreno e apresentar todas as informações clarificadoras aplicáveis, no prazo de 30 dias contados da notificação; indicando ao mesmo tempo que a falta de resposta ou a não admissão da justificação fariam com que a entidade concedente iniciasse o processo da declaração da caducidade do contrato de concessão / extinção do contrato de concessão.
13. Depois de várias discussões com o GSTOP (Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas) sobre o tratamento dos terrenos não aproveitados bem como várias análises, o Departamento de Gestão de Solos fez tabelas de acordo com a situação dos terrenos não aproveitados, fixou critérios de classificação e o princípio de tratamento em função da gravidade de caso, em 12 de Maio de 2010, elaborou a informação n.º 095/DSODEP/2010 para vista superior, a fim que o superior pudesse dar orientações claras e concretas no que respeitava ao tratamento dos terrenos não aproveitados.
14. Em seguida, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer e concordou com "os critérios de classificação de gravidade" estabelecidos naquela informação, para determinar a sequência de tratamento dos casos de terreno não aproveitados, bem como os critérios de referência para analisar os casos concretos por parte do departamento executivo no futuro, e apresentou-o ao Chefe do Executivo para consideração e aprovação. Em 31 de Maio de 2010, o Chefe do Executivo proferiu o despacho de aprovação.
15. Como a concessionária de terreno referida no título nunca tinha concluído o aproveitamento do terreno respeitando o prazo estabelecido no contrato de concessão, segundo as instruções, em 23 de Março de 2010 foi emitido o ofício n.º 184/6320.02/DSODEP/2010, através do qual a entidade concedente notificou a concessionária de apresentar uma justificação escrita sobre o incumprimento do aproveitamento do terreno, a falta do pagamento do prémio e a falta de cumprimento dos encargos especiais no prazo de 30 dias para que a Administração pudesse acompanhar o caso.
16. De acordo com as exigências da entidade concedente, em 21 de Abril de 2010, através do membro de administração A, a concessionária forneceu a seguinte justificação pelo incumprimento do aproveitamento do terreno:
– Em Dezembro de 1999, quando o terreno objecto foi concedido, era um terreno de uso industrial. Sobre o terreno estavam construídas várias oficinas industriais, entre as quais algumas estavam ainda em operação. Entretanto registaram-se esforços no sentido de negociar sobre a deslocação das fábricas. No entanto, cada oficina industrial ainda em funcionamento enfrentava, na realidade, muitas dificuldades de deslocação complicadas. A isso acrescia a evolução do ambiente da indústria, tantas vezes os planos de solução acabaram por não surtir efeito. Apesar da situação nos anos mais recentes, de que o funcionamento de tais oficinais se verifica com interrupções e de maneira escassa, só que os assuntos acumulados ainda por negociar ainda esperam por um resultado aceitável por todas as partes. Por ora já se está a organizar efectivamente a deslocação das fábricas originais. Durante as negociações acima referidas respeitante à deslocação, a atitude adoptada tem estado sempre positiva e activa, com a esperança de que o problema seja resolvido quando antes, para poder pôr em prática o plano de desenvolvimento do terreno. Se lançamos um olhar sobre os casos passados de Macau de deslocação de terreno, verdade seja dita, foram raríssimos os casos nos quais a deslocação de terreno concluiu efectivamente dentro do prazo fixado pelo governo e pela empresa de desenvolvimento. A concessionária encontra-se precisamente na mesma situação, ou seja, por quanto tempo gastado, sempre não conseguiu arrancar o aproveitamento do terreno anteriormente programado segundo o plano original. Portanto, opina-se que o atraso no aproveitamento do terreno não é de todo imputável à concessionária. De facto, perdeu inúmeras oportunidades de investimentos.
– Como o lote BT12 é perto do Parque Central da Taipa, que é extenso, no passado, o governo tentou indagar formas de desenvolvimento do terreno em vários aspectos. Pode-se inclusivamente dizer que a decisão tomada pelo governo no que toca à forma de utilização do lote exercerá influência profunda sobre o desenvolvimento da inteira Taipa. Portanto, tem-se acompanhado de perto a forma e a tendência do desenvolvimento do lote. Há o plano de ao desenvolver o lote BT12, dar o seu melhor por colaborar com o governo no que diz respeito à vontade de desenvolvimento comunitário, a fim de conceber um modelo de desenvolvimento mais favorável ao desenvolvimento da Taipa. Neste momento o governo já iniciou o desenvolvimento do terreno. Apesar do longo período entretanto decorrido, a empresa de desenvolvimento, enquanto concessionária, precisa de acompanhar atentamente a tendência de evolução dos terrenos nas redondezas. Está disposta a cooperar para que a evolução da sociedade em geral apresente uma tendência positiva.
– De resto, como o terreno é composto por 5 lotes, ao cumprir os encargos especiais (a construção das infra-estruturas), há que negociar com as outras 4 concessionárias, por conseguinte o andamento lento, o que levou à falta de conclusão tempestiva das vias pública como previsto, que colocou em causa o prazo de desenvolvimento do lote.
17. É esperança da concessionária que a entidade concedente aceite as justificações acima mencionadas; ao mesmo tempo declara-se disposta a continuar a desenvolver o terreno na seguinte maneira:
1) O aproveitamento sará realizado nos termos do modelo de desenvolvimento estabelecido no contrato de concessão original.
2) Uma vez recebidas as informações elencadas pela DSSOPT sobre o prémio e os juros de mora por pagar, procede-se imediatamente ao pagamento;
3) No prazo de 55 dias contados da notificação acima mencionadas, a concessionária apresentará o projecto de construção; no prazo de 85 dias contados da aprovação do projecto de construção apresentar-se-á o plano de obra; no prazo de 40 dias contados da aprovação do projecto de construção, a obra começará. Prevê-se que a obra conclua em 25 meses.
18. O Departamento da Gestão de Solos analisou a justificação escrita apresentada pela concessionária, como ficou provada que depois da publicação do despacho n.º 125/SATOP/99 em 17 de Dezembro de 1999, a concessionária nunca pediu ajuda à DSSOPT por razões de dificuldades financeiras ou económicas, nem justificou de qualquer maneira a falta do pagamento do prémio, pode-se indicar claramente que é totalmente imputável à concessionária o incumprimento da responsabilidade do pagamento do prémio.
19. Segundo as informações fornecidas pelo Departamento de Urbanização em 3 de Junho de 2010 através da Comunicação Interna n.º 664/DURDEP/2010, depois da publicação do despacho no BO de Macau, a concessionária nunca apresentou qualquer plano de aproveitamento do terreno.
20. No relatório de análise, o Departamento de Gestão de Solos indicava: a concessionária tinha explicado que precisava de tempo para resolver o problema de desocupação do terreno; no entanto, nunca tinha levantado a questão à Administração, nem pedido uma extensão do prazo para o aproveitamento do terreno. E é de tudo inadmissível o argumento de que a concessionária só poderia determinar o projecto de desenvolvimento do terreno com um plano fixado para o Parque Central da Taipa, e era por isso é que o desenvolvimento do terreno por parte dele estava atrasado. Eis porque o plano para o Parque Central da Taipa nunca fez parte do âmbito da concessão de terreno. Portanto é-lhe imputável. Segundo as fotos tiradas no local sobre o terreno estavam ainda várias filas de edifícios de um piso.
21. Além disso, quanto ao fundamento acerca das dificuldades encontradas nas negociações com as outras 4 concessionárias para cumprir os encargos especiais da construção de todas as infra-estruturas em conjunto, as quais colocaram em causa por sua vez o prazo de desenvolvimento do lote, tendo em conta o facto de que a construção da rede de esgotos e das vias públicas é imprescindível porque se tratava de instalações da cidade indispensáveis, todas as concessionárias deviam negociar entre si, programar e planear orários oportunos para a conclusão da construção de tais instalações dentro do prazo do aproveitamento do terreno, por forma a cumprir as obrigações contratuais estabelecidas, bem como satisfazer os termos e condições para a utilização dos prédios. No entanto, a concessionária nunca referiu as dificuldades acima mencionadas à DSSOPT, nem pediu ajuda à Administração. Portanto, a justificação, por ser irrazoável, é difícil de aceitar.
22. Em conclusão da análise acima exposta, em função dos "critérios de classificação de gravidade" para tratar dos terrenos não aproveitados, o Departamento de Gestão de Solos chegou à conclusão de que a concessionária tinha cometido 3 violações classificadas como "as mais graves" e 1 classificada como " grave", que se traduziam na falta do pagamento do prémio, no prazo restante da concessão de menos de 5 anos, na falta da apresentação do plano de aproveitamento de terreno depois da concessão do terreno, e na falta de pedido de extensão depois da caducidade do prazo de aproveitamento do terreno. Com base na informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, a verificação de qualquer uma das situações "mais graves" não justificada determinaria imediatamente o início do procedimento da avocação do terreno.
23. Tendo em consideração a complexidade do processo e a probabilidade de a concessionária deduzir reclamação e/ou de interpor recurso contencioso da declaração da caducidade do contrato de concessão / da extinção do contrato de concessão, com o consentimento do director da DSSOPT, o Departamento de Gestão de Solos remeteu o processo ao Departamento Jurídico, para que o Departamento Jurídico pudesse analisar aprofundadamente a satisfação ou não das condições suficientes para dar início ao procedimento de devolução do terreno ou de concessão de novo. Forneceu também fundamentos jurídicos relacionados.
24. Em 29 de Outubro, através da informação n.º 65/DJUDEP/2010, o Departamento Jurídico emitiu parecer jurídico, opinando que as justificações apresentadas pela concessionária para a falta completa do aproveitamento do terreno, para além de estar privas de provas documentais ou de outros tipos de prova, nem eram casos especiais de força maior ou de outros casos fora do seu controlo.
25. Quanto à explicação de que "na RAEM, foram muito raros os casos de observância efectiva do prazo de aproveitamento… Enquanto a situação da empresa em discussão não é mais do que mais um caso de incumprimento de obrigações depois de muitos outros", segundo o Departamento Jurídico, "não se pode justificar com os erros cometidos por outros", além disso, "não é possível que exista igualdade de direitos no caso de ilicitude" e "que não se devem repetir os erros cometidos".
26. Além disso, segundo o Departamento Jurídico, a concessionária não pode em todo o caso defender-se com a desculpa de que o terreno estava sempre ocupado ilegalmente, de que estava lá uma grande quantidade de lixos e resíduos; isso não pode servir como justificação para a falta de aproveitamento do terreno. Eis porque nos termos da cláusula oitava sobre os encargos especiais, a concessionária obrigava-se a suportar exclusivamente a desocupação e a remoção de todas as construções e materiais existentes sobre o terreno concedido. Portanto, a concessionária não pode defender-se com a desculpa de que o terreno estava sempre ocupado ilegalmente por terceiro, de que estava lá uma grande quantidade de lixos e resíduos. Além disso, a desocupação e a remoção de todas as construções e materiais existentes sobre o terreno concedido constituem obrigações dela (obrigações contratuais). Pode-se dizer que "não corresponde à realidade".
27. Segundo o Departamento Jurídico, se as dificuldades na desocupação do terreno referidas pela concessionária tivessem sido verdadeiras, então a concessionária devia ter obrigado os ocupantes a desistir do terreno por via judiciária. Mas não o fez.
O facto de que a concessionária nunca intentou acção judiciária contra os ocupantes ilegais já mostra por si só que a concessionária não tinha absolutamente a intenção de aproveitar o lote.
28. Nos termos da cláusula sexta 4) do contrato, a concessionária obrigava-se a notificar sobre a desocupação do terreno, no entanto, nos autos não se encontram registos de notificação feita à entidade concedente de negociações realizadas sobre a desocupação do terreno; ali está apenas uma menção do acordo atingido sobre a mudança.
É verdade que a concessionária negociou sobre a desocupação do terreno; não pediu a extensão para aproveitamento do terreno antes do fim do prazo para o aproveitamento do terreno, i.e., 16 de Junho de 2003.
(…)
29. Como a concessionária de terreno referida no título nunca tinha concluído o aproveitamento do terreno respeitando o prazo estabelecido no contrato de concessão, segundo as instruções, em 23 de Março de 2010 foi emitido o ofício n.º 184/6320.02/DSODEP/2010, através do qual a entidade concedente notificou a concessionária de apresentar uma justificação escrita sobre o incumprimento do aproveitamento do terreno, a falta do pagamento do prémio e a falta de cumprimento dos encargos especiais no prazo de 30 dias para que a Administração pudesse acompanhar o caso.
30. De acordo com as exigências da entidade concedente, em 21 de Abril de 2010, através do membro de administração A, a concessionária forneceu a seguinte justificação pelo incumprimento do aproveitamento do terreno:
– Em Dezembro de 1999, quando o terreno objecto foi concedido, era um terreno de uso industrial. Sobre o terreno estavam construídas várias oficinas industriais, entre as quais algumas estavam ainda em operação. Entretanto registaram-se esforços no sentido de negociar sobre a deslocação das fábricas. No entanto, cada oficina industrial ainda em funcionamento enfrentava, na realidade, muitas dificuldades de deslocação complicadas. A isso acrescia a evolução do ambiente da indústria, tantas vezes os planos de solução acabaram por não surtir efeito. Apesar da situação nos anos mais recentes, de que o funcionamento de tais oficinais se verifica com interrupções e de maneira escassa, só que os assuntos acumulados ainda por negociar ainda esperam por um resultado aceitável por todas as partes. Por ora já se está a organizar efectivamente a deslocação das fábricas originais. Durante as negociações acima referidas respeitante à deslocação, a atitude adoptada tem estado sempre positiva e activa, com a esperança de que o problema seja resolvido quando antes, para poder pôr em prática o plano de desenvolvimento do terreno. Se lançamos um olhar sobre os casos passados de Macau de deslocação de terreno, verdade seja dita, foram raríssimos os casos nos quais a deslocação de terreno concluiu efectivamente dentro do prazo fixado pelo governo e pela empresa de desenvolvimento. A concessionária encontra-se precisamente na mesma situação, ou seja, por quanto tempo gastado, sempre não conseguiu arrancar o aproveitamento do terreno anteriormente programado segundo o plano original. Portanto, opina-se que o atraso no aproveitamento do terreno não é de todo imputável à concessionária. De facto, perdeu inúmeras oportunidades de investimentos.
– Como o lote BT12 é perto do Parque Central da Taipa, que é extenso, no passado, o governo tentou indagar formas de desenvolvimento do terreno em vários aspectos. Pode-se inclusivamente dizer que a decisão tomada pelo governo no que toca à forma de utilização do lote exercerá influência profunda sobre o desenvolvimento da inteira Taipa. Portanto, tem-se acompanhado de perto a forma e a tendência do desenvolvimento do lote. Há o plano de ao desenvolver o lote BT12, dar o seu melhor por colaborar com o governo no que diz respeito à vontade de desenvolvimento comunitário, a fim de conceber um modelo de desenvolvimento mais favorável ao desenvolvimento da Taipa. Neste momento o governo já iniciou o desenvolvimento do terreno. Apesar do longo período entretanto decorrido, a empresa de desenvolvimento, enquanto concessionária, precisa de acompanhar atentamente a tendência de evolução dos terrenos nas redondezas. Está disposta a cooperar para que a evolução da sociedade em geral apresente uma tendência positiva.
– De resto, como o terreno é composto por 5 lotes, ao cumprir os encargos especiais (a construção das infra-estruturas), há que negociar com as outras 4 concessionárias, por conseguinte o andamento lento, o que levou à falta de conclusão tempestiva das vias pública como previsto, que colocou em causa o prazo de desenvolvimento do lote.
31. É esperança da concessionária que a entidade concedente aceite as justificações acima mencionadas; ao mesmo tempo declara-se disposta a continuar a desenvolver o terreno na seguinte maneira:
1) O aproveitamento sará realizado nos termos do modelo de desenvolvimento estabelecido no contrato de concessão original.
2) Uma vez recebidas as informações elencadas pela DSSOPT sobre o prémio e os juros de mora por pagar, procede-se imediatamente ao pagamento;
3) No prazo de 55 dias contados da notificação acima mencionadas, a concessionária apresentará o projecto de construção; no prazo de 85 dias contados da aprovação do projecto de construção apresentar-se-á o plano de obra; no prazo de 40 dias contados da aprovação do projecto de construção, a obra começará. Prevê-se que a obra conclua em 25 meses.
32. Departamento da Gestão de Solos analisou a justificação escrita apresentada pela concessionária, como ficou provada que depois da publicação do despacho n.º 125/SATOP/99 em 17 de Dezembro de 1999, a concessionária nunca pediu ajuda à DSSOPT por razões de dificuldades financeiras ou económicas, nem justificou de qualquer maneira a falta do pagamento do prémio, pode-se indicar claramente que é totalmente imputável à concessionária o incumprimento da responsabilidade do pagamento do prémio.
33. Segundo as informações fornecidas pelo Departamento de Urbanização em 3 de Junho de 2010 através da Comunicação Interna n.º 664/DURDEP/2010, depois da publicação do despacho no BO de Macau, a concessionária nunca apresentou qualquer plano de aproveitamento do terreno.
34. No relatório de análise, o Departamento de Gestão de Solos indicava: a concessionária tinha explicado que precisava de tempo para resolver o problema de desocupação do terreno; no entanto, nunca tinha levantado a questão à Administração, nem pedido uma extensão do prazo para o aproveitamento do terreno. E é de tudo inadmissível o argumento de que a concessionária só poderia determinar o projecto de desenvolvimento do terreno com um plano fixado para o Parque Central da Taipa, e era por isso é que o desenvolvimento do terreno por parte dele estava atrasado. Eis porque o plano para o Parque Central da Taipa nunca fez parte do âmbito da concessão de terreno. Portanto é-lhe imputável. Segundo as fotos tiradas no local sobre o terreno estavam ainda várias filas de edifícios de um piso.
35. Quanto à análise feita pelo Departamento Jurídico no parecer, em 3 de Novembro o Departamento de Gestão de Solos elaborou a Informação n.º 216/DSODEP/2010, entendendo que já estavam satisfeitas as condições para iniciar o processo de declaração de caducidade da concessão do terreno, portanto propôs ao superior dar autorização para iniciar o processo.
36. O Director e os Subdirectores do DSSOPT também concordaram com a proposta. O Director propôs remeter o processo à Comissão de Terras para emitir parecer e realizar as diligências subsequentes. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas também concordou com a proposta. Segundo o despacho de 23 de Novembro de 2010, o Chefe do Executivo também concordou.
37. Observando o despacho do Chefe do Executivo, os autos foram remetidas à Comissão de Terras para emitir parecer.
38. Segundo os fundamentos expostos no Despacho n.º 125/SATOP/99 e as consequências causadas pelo procedimento administrativo em causa, levou muito tempo a negociar sobre a alteração da concessão do terreno com a área original de 30.798 m2 constituído por 5 (cinco) lotes. Entretanto os dois outorgantes, por motivos técnicos e financeiros, concordaram alienar os lotes a companhia de comércio diferentes.
39. Segundo o plano de aproveitamento apresentado pela empresa concessionária original e pelas empresas cessionárias (programa de estudos iniciais), foram fixados o aproveitamento e a finalidade de cada lote, bem como as condições de execução de obra, sobretudo no que dizia respeito aos prazos para a apresentação dos planos, a data de início e de conclusão da obra; considerando a oportunidade das finalidades do terreno e a importância para a economia social, a entidade concedente deu a autorização.
40. Todas as empresas cessionárias, ou seja, as actuais concessionárias dos lotes deixaram claro que concordavam com a alteração das condições da concessão. Não apresentaram impugnação seja sobre o prazo de aproveitamento do terreno, seja o montante e a forma de pagamento do prémio, os encargos especiais, seja as regras de punição para o incumprimento das obrigações contratuais.
41. Portanto, é claro que a concessionária do lote BT12 já conhecia completamente o conteúdo do contrato. Não é possível que não tenha conhecido do conteúdo anteriormente acordado, nem é possível que não tenha sabido da apresentação do projecto sem obstar ao prazo definido na cláusula quinta 2) una vez iniciada a execução da obra, da devida execução do aproveitamento prevista na cláusula terça, respeitando o prazo global estabelecido na cláusula quinta 1) do contrato, bem como do cumprimento dos encargos especiais previstos na cláusula oitava do contrato.
42. Segundo as informações apresentadas pela DSSOPT, a concessionária não apenas não respeitou o prazo definido na cláusula quinta, como também não pediu uma extensão do prazo, nem pagou prémio, nem apresentou qualquer plano para o aproveitamento do terreno.
43. A concessionária nunca apresentou justificação à entidade concedente sobre o não aproveitamento, por exemplo sobre as dificuldades verificadas acima mencionadas durante a desocupação de terreno”; (cfr., fls. 1267 a 1269-v e 90 a 108 do Apenso).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.

*

–– Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno e adequado, com duas breves “notas”.

A primeira, para se dizer que se detectam dois “lapsos” na decisão da matéria de facto ínsita no Acórdão recorrido.

Com efeito, verifica-se que os factos elencados como provados sob os “números 30 a 34” na dita decisão reproduzem os constantes nos “números 16 a 20”, e, nesta conformidade, mostra-se de proceder à respectiva correcção, eliminando-se da dita decisão a matéria constante nos “pontos 30 a 34”.

Por sua vez, e em sede da mesma decisão, verifica-se que não se fez referência ao “despacho do Chefe de Executivo”, datado de 15.05.2015, que declarou a caducidade da concessão do terreno já identificado e “objecto do recurso” para o Tribunal de Segunda Instância, não se explicitando também aí que o mesmo foi exarado na sequência do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 14.05.2015, e que para melhor alcance e compreensão das questões a tratar, se passa a transcrever:

“ Parecer
Proc. n.° 46/2010 – Proposta de declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 2 510m2, situado na ilha de Taipa, na Avenida Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote BT12, a favor da Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada, pelo incumprimento do aproveitamento do terreno no prazo fixado. A concessão provisória é titulada pelo Despacho n.°125/SATOP/99, cuja caducidade determina a reversão do terreno, livre de quaisquer onús ou encargos, à posse da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
1. De acordo com o despacho do Chefe do Executivo, através da informação n.° 216/DSODEP/2010 da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), foi aprovada a proposta de iniciar o procedimento de declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da concessionária Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada, do terreno com a área de 2 510m2, situado na ilha da Taipa, designado por lote BT12, titulado pelo Despacho n.° 125/SATOP/99, por incumprimento das cláusulas quinta, sétima e oitava do contrato da concessão e decidido submeter o processo à Comissão de Terras, para análise e parecer.
2. Reunida em sessões de 19 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2011, a Comissão de Terras, pelo parecer n.° 33/2011, e em concordância com a proposta da entidade concedente, propôs a declaração de caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.° 1 do artigo 166.° da Lei de Terras, ex vi do n.° 2 do mesmo artigo, ou a declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.° 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n. ° 1 do artigo 169.° da referida Lei, e a consequente reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
3. Propôs ainda aquela Comissão que, nos termos dos artigos 93.° e 94.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a concessionária seja notificada para, no prazo de dez dias a contar da data da notificação, se pronunciar por escrito sobre o sentido provável da decisão.
4. Submetido o parecer da Comissão de Terras a homologação do Chefe do Executivo, decidiu esta entidade, por despacho de 24 de Março de 2011, que antes da tomada da decisão final neste procedimento de declaração de caducidade da concessão deveria ser realizada a audiência da concessionária e solicitado parecer ao Ministério Público.
5. Nos termos do disposto nos artigos 93.° e 94.° do CPA, a DSSOPT, através do oficio n.° 334/6320.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, submeteu o sentido provável da decisão (declaração de caducidade da concessão) a audiência prévia do interessado, tendo este disposto de um prazo de 10 dias a contar da data da notificação – 18 de Maio de 2011 – para se pronunciar por escrito.
6. A concessionária apresentou em 2 de Junho de 2011 a sua resposta escrita.
7. Assim, recebida a resposta da concessionária, foi produzido pelo Departamento Jurídico da DSSOPT um relatório, datado de 24 de Agosto de 2011.
8. O referido relatório conclui propondo que seja mantido o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão, comunicada à concessionária através do ofício n.° 334/6320.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, tendo em conta que a concessionária, na sua resposta à audiência dos interessados, não logrou afastar a presunção de culpa que onera o seu comportamento faltoso, consubstanciado na inexecução da obra que constitui o aproveitamento do terreno denominado lote BT12, objecto da concessão.
9. Em cumprimento do despacho do director da DSSOPT, de 25 de Agosto de 2011, o referido relatório foi enviado ao DSODEP para tramitação subsequente.
10. O DSODEP elaborou a informação n.° 232/DSODEP/2011, de 2 de Setembro de 2011, na qual propõe superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância da subdirectora e do director da referida Direcção de Serviços.
11. Sobre esta informação o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu despacho em 6 de Outubro de 2011, ordenando o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer.
12. Reunida em sessão de 15 de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração o teor do relatório sobre a audiência dos interessados, datado de 24 de Agosto de 2011, é de parecer que deve ser declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote BT12, com os fundamentos de facto e de direito constantes do sobredito relatório, ao abrigo da alínea a) do n.° 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.° 1 do artigo 166.° da Lei de Terras, ex vi do n.° 2 do mesmo artigo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
(…)”; (cfr., fls. 407 a 412).

Passando-se para a segunda nota, apresenta-se de referir que o presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de aproveitamento e desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a “situação”, as suas “soluções”, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de referir que são de várias dezenas o número de processos nos quais esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos por arrendamento”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar e ponderar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se mostra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020, de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020 e de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020).

Nesta conformidade, e não sendo este o local para se elaborar ou tecer grandes e longas considerações sobre o tema, sem mais demoras se passa a (tentar) dar cabal resposta às questões colocadas.

–– Pois bem, percorrendo as alegações do recurso apresentado e as – extensas – conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, constata-se que pela mesma vem suscitadas as “(mesmas) questões” antes já colocadas ao Tribunal de Segunda Instância, e que, no Acórdão ora recorrido, foram, em nossa opinião, clara e cabalmente apreciadas e solucionadas de forma que se nos apresenta não merecedora de qualquer censura, consignando-se, assim, atenta a referida “identidade de questões”, e até por uma questão de “economia processual”, que se adopta o exposto no dito veredicto como fundamentação do que, a final, se irá decidir.

Não se deixa porém de dizer o que segue.

–– Vejamos, então, ainda que abreviadamente, começando-se pelo alegado “vício de forma”.

Diz a ora recorrente que a “decisão não contém as menções obrigatórias enunciadas na alínea f) do n.° 1 do art. 113° do C.P.A.”, padecendo, igualmente, de “falta de fundamentação”.

Ora, como (cremos que) sem esforço se vê, manifesta é a sua falta de razão.

Como se evidencia pelo que atrás se deixou relatado, a “decisão administrativa” em questão, (cabendo notar que o presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não aquela), é um “despacho concordante” do Chefe do Executivo, (“Concordo”), e que – como tem constituído entendimento pacífico, firme e repetido – faz seus os argumentos e fundamentos de facto e de direito enunciados nos expedientes que lhe antecedem, (cabendo aqui destacar o parecer do S.T.O.P. que atrás se deixou transcrito), e que, por sua vez, são claros quanto às razões de facto e de direito do decidido.

Como recentemente, (acompanhando-se igualmente entendimento firme), se decidiu:

“A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.
Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.
Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado”; (cfr., v.g., o Ac. desta Instância de 18.03.2020, Proc. n.° 16/2020).

Por sua vez, cabe dizer que a colocada questão, não deixa de constituir uma “falsa questão” pois que a mesma já foi objecto de expressa e adequada apreciação e decisão pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância – e embora seja esta a “decisão” que (agora) constitui o objecto do presente recurso (jurisdicional) para esta Instância – verifica-se que se limita a recorrente a repetir o antes já alegado no seu anterior recurso contencioso que tinha como objecto o “acto administrativo” a que se refere, mais não se mostrando de dizer, porque, ocioso.

–– Quanto ao alegado “déficit de instrução”, (por alegada falta de consideração de outra matéria relevante), a mesma se apresenta que deva ser a solução.

Para além de se nos mostrar que nenhuma relevância tem o que para a recorrente assim parece ser, cabe dizer que a competência deste Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” fica delimitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. de 16.05.2018, Proc. n.° 40/2018, de 13.11.2019, Proc. n.° 85/2019, de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020 e de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020).

Motivos não havendo para se alterar o assim entendido, também aqui se terá de decidir pela improcedência do recurso.

–– Por fim, quanto aos “erros de direito”.

Pois bem, perante o que se deixou consignado, e aqui chegados, pouco há a dizer sobre os assacados “erros de direito”.

Na verdade, e para além de se mostrar de salientar que as ditas (idênticas) “questões” foram pelo Tribunal de Segunda Instância apreciadas de forma que se apresenta em consonância com o entendimento por esta Instância assumido em (abundantes) decisões a que atrás já se fez referência, há que ter presente que da factualidade provada resulta, claramente, que a decisão que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno à ora recorrente assentou na sua “falta de aproveitamento, (por inexecução da obra nos termos acordados), no prazo legal, por culpa da ora recorrente”.

E, como temos entendido:

“Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020).

Dest’arte, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 16 de Setembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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