打印全文
Processo n.º 94/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A.
Recorrido: Chefe do executivo da RAEM
Data da conferência: 16 de Setembro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Caducidade da concessão provisória
- Produção da prova
- Caducidade-preclusão
- Causa impeditiva da caducidade
- Princípios gerais do Direito Administrativo
- Abuso de direito

SUMÁRIO
1. No caso de declaração de caducidade da concessão do terreno por decurso do prozo, que constitui um acto vinculado, o Chefe do Executivo não tem que apurar se o não aproveitamento se deveu a motivo imputável ao concessionário ou não, sendo bastante que o terreno concedido não foi aproveitado pela concessionária no prazo de arrendamento, daí que não há de proceder à produção da prova.
2. A caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão, em que é irrelevante a discussão sobre a questão de culpa no não aproveitamento do terreno concedido.
3. Face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos art.ºs 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.).
4. Não se verifica a causa impeditiva prevista no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil.
5. Ao declarar a caducidade da concessão do terreno, está a Administração a exercer um poder-dever, prescrito por normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
6. Na realidade, limita-se a Administração a cumprir a lei, que é imperativa ao impor à Administração uma obrigação, de praticar um acto vinculativo.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

1. Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A., melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 738 m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22515, a fls. 167 do livro B-49K.
No recurso contencioso, foi requerida a inquirição de testemunhas indicadas na petição do recurso, sobre a qual o Exmo. Juiz Relator do processo proferiu o despacho no sentido de indeferir as requeridas provas testemunhais (fls. 222 e 222 verso dos autos).
Contra tal despacho foi apresentada reclamação para a conferência.
Por acórdão proferido em 19 de Março de 2020, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedentes a reclamação para a conferência e o recurso contencioso.
Inconformada com o acórdão, recorre a Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A. para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que negou provimento ao recurso interposto do Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 738 m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”;
2. A Recorrente remete para a factualidade descrita nos artigos 1.º a 96.º do seu recurso;
Produção de Prova
3. Pelo douto acórdão ora recorrido, foi rejeitada a reclamação apresentada pela Recorrente relativa à decisão de não inquirir as testemunhas arroladas;
4. A Recorrente entende que a caducidade em causa nestes autos é a caducidade-sancionatória mas ainda que de caducidade-preclusiva se tratasse (o que não se concede), tal não impediria a aplicação do regime do artigo 323.º do Código Civil, ou a apreciação da culpa da Administração, porque o regime da caducidade previsto no Código Civil é inteiramente aplicável no âmbito da Lei de Terras;
5. É necessária a produção de prova para que possam ser apreciadas as questões suscitadas pela Recorrente, que comportam factos que impedem, no entender da Recorrente, a declaração de caducidade por decurso do prazo;
6. Tais factos determinavam a interrupção do prazo num momento anterior ao da declaração de caducidade, impedindo que a caducidade se verifique na data prevista no contrato de concessão;
7. Os factos que se pretendem provar pela inquirição das testemunhas arroladas são essenciais aos pedidos concretos formulados pela Recorrente e nenhum deles podia ter sido conhecido e apreciado sem as inquirições requeridas;
8. Não está em causa a liberdade de uso da faculdade prevista no artigo 63.º do CPAC, apenas se invoca que está a ser inadequadamente aplicada porque a prova a produzir é relevante, pertinente, útil, necessária e essencial aos pedidos concretos formulados pela Recorrente e nenhum deles podia ter sido conhecido e apreciado sem as inquirições requeridas;
9. Razão pela qual deve a decisão de não produção da prova testemunhal ser revogada e ser substituída por outra que determine a sua inquirição;
Da Concessão
10. Da douta decisão recorrida pode ler-se “irreversível expiração do prazo de 25 anos” (pág. 26);
11. É exactamente essa a factualidade que se questiona: por certo que decorreram 25 anos desde a concessão inicial mas não decorreu o prazo da concessão porque, pelas razões alegadas pela Requerente, (i) tal prazo se suspendeu em virtude da impossibilidade do exercício do direito desde 2006, por revogação do plano, ou, ainda que assim não se entenda, ou (ii) se interrompeu porque ao reconhecer a necessidade de alterar os contratos de concessão a Administração reconheceu o direito da Recorrente e reconheceu que este só podia ser exercido após a publicação do novo plano de urbanístico;
12. Não decorreram 25 anos também porque a Recorrente, ou a Nam Van que a antecedeu na concessão, nunca dispôs de 25 anos de concessão, porque a Zona C, onde o Terreno se integra, só veio a ser concedida pelo Despacho 56/SATOP/94, publicado a 1 de Junho de 1994, ao contrário do que a Entidade Recorrida afirma no ponto 2 do douto Parecer do SATOP de 4 de Novembro de 2016 e nos pontos 2 e 16 do Parecer 125/2016 da Comissão de Terras de 27 de Outubro de 2016;
13. Razões pelas quais a Recorrente entende que o douto acórdão de que ora se recorre fez uma errada aplicação da lei ao apontado vício de erro sobre os pressupostos de factos;
Da Caducidade
14. De acordo com o douto acórdão recorrido, a caducidade declarada pelo acto recorrido tem natureza preclusiva, conclusão com a qual a Recorrente discorda por entender que se trata de uma errada interpretação da lei aplicável;
15. A caducidade prevista no artigo 166.º da Lei de Terras (admitindo a sua aplicação, como mera hipótese teórica) ou a prevista no artigo 166.º da anterior Lei 6/80/M são uma sanção para o não aproveitamento do terreno e são declaradas em virtude da não conclusão do aproveitamento ou pela suspensão deste por tempo indeterminado e não apenas pelo mero decurso do prazo;
16. A norma contida no artigo 167.º da Lei determina, apenas, a competência para o acto – que cabe ao Chefe do Executivo – e a forma – publicação no Boletim Oficial – mas não a natureza preclusiva da caducidade;
17. O artigo 215.º da Lei de Terras dispõe, que esta Lei n.º 10/2013 aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor – o caso do Terreno – mas com ressalvas, entre elas a da alínea 3), isto é, “quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.”
18. Ora, não tendo havido culpa do concessionário, como a Recorrente descreve no seu recurso, e que a própria Entidade Recorrida não nega ou tão pouco invoca no acto recorrido, o artigo 166.º não pode ser aplicado às concessões pretéritas, é este o resultado da ressalva da alínea 3) do artigo 215.º da Lei da Terras,
19. Porque é condição de aplicação deste normativo que o aproveitamento do Terreno não tenha sido realizado por culpa do concessionário, culpa que não foi apreciada por decisão expressa do douto acórdão recorrido, não obstante ter sido alegada, a culpa da Administração, e ter sido pedida a sua apreciação com os efeitos legais;
20. A questão jurídica da aplicabilidade do artigo 166.º, ex vi artigo 215.º, ambos da Lei de Terras foi levantada no recurso contencioso interposto pela Recorrente mas não foi apreciada na decisão ora recorrida, o que constitui uma omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d) e que determina a nulidade da decisão recorrida;
21. O douto acórdão recorrido não pode deixar de apreciar a culpa – no mínimo a inexistência de culpa do concessionário – para determinar se estão reunidos os requisitos de aplicação do artigo 166.º, ex vi artigo 215.º, alínea 3);
22. O artigo 166.º, n.º 1 pressupõe a culpa da concessionária do terreno (esse é o único sentido da ressalva da alínea 3) do artigo 215.º da Lei de Terras) e, como tal, não pode simultaneamente ser invocado para justificar a natureza preclusiva da caducidade na Lei de Terras, como faz a douta decisão recorrida;
23. Só é vinculado o poder administrativo de declarar a caducidade se esta se tiver verificado e se esta puder ser declarada: o que a Recorrente defende é que a caducidade não se verificou em virtude da causa impeditiva invocada, como adiante melhor se exporá, e que não estavam reunidas as condições para a sua declaração;
24. O artigo 48.º referido na jurisprudência citada no douto acórdão não determina, por si, a natureza da concessão, antes impede a renovação de concessões provisórias.
25. “Esta noção legal de concessão provisória sugere – quase literalmente – que o acto que declare a caducidade de uma concessão provisória nunca pode ter exclusivamente por fundamento o mero decurso do tempo. Na verdade, saber “se, no decurso do fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas”, implica, pressupõe e exige que a Administração avalie efectivamente o comportamento contratual do concessionário, para, de tal modo, concluir pelo cumprimento ou incumprimento daquelas cláusulas. De facto, a norma é composta de dois segmentos normativos: o decurso do tempo (“decurso do prazo fixado”); e a diligência contratual do concessionário no cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo”. (in Parecer, pág. 38);
26. “Mas, para este efeito, se concluir pela não realização do aproveitamento no prazo previsto, deve também verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao sujeito privado, só sendo legítimo declarar a caducidade quando conclua pela positiva.” (idem, pág. 42).
27. “Pelo que este fenómeno de caducidade nunca poderá, pois, ser qualificado como uma caducidade preclusiva, mas, outrossim, como uma caducidade-sancionatória.
Se assim não se entender, então a caducidade-sanção pode “converter-se” num acto ablativo de direitos nas situações em que o incumprimento do prazo não seja imputável ao concessionário. Uma genuína expropriação sacrifício.” (idem, pág. 44).
28. Igual conclusão é feita na douta declaração de voto vencido do Ilustre Magistrado Fong Man Chong anexa à decisão recorrida e, de onde se pode ler: 7. De acordo com a análise e a conclusão acima referidas, consideramos que o prazo de concessão previsto no artigo 47.º da Lei de Terras é de caducidade-sancionatória. Quando a culpa é da Administração por não cumprir os deveres e deixar a impossibilidade de o concessionário utilizar o terreno, pode prorrogar o prazo, mas o poder de decisão pertence à Administração. Esta é a situação do caso em apreço. 8. De acordo com o artigo 323.º do Código Civil, quando a Administração manifestar o seu reconhecimento sobre o direito de aproveitamento do terreno da concessionária, a Administração será impedida de declarar a caducidade do direito de aproveitamento do terreno. 9. Renovação e prorrogação são dois conceitos diferentes: a lei não permite a renovação, o que não significa que o prazo não possa ser prorrogado, principalmente a compensação de tempo pelo atraso causado pela Administração.”.
29. Razões pelas quais a Recorrente alegou também erro nos pressupostos de direito por não estarem reunidos os requisitos necessários à aplicação dos artigos 52.º e 166.º da Lei de Terras e, também em virtude da natureza da caducidade, entende ter a douta decisão recorrida aplicado erradamente a lei.
Da Falta de Fundamentação Jurídica do Acto Recorrido
30. A efectiva omissão de referência ao artigo 166.º da Lei de Terras no acto recorrido foi uma das razões que determinou a alegação de falta de fundamentação do acto recorrido por parte da Recorrente;
31. No âmbito da Lei da Terras, a caducidade de uma concessão tem por base jurídica o referido preceito que, por sua vez, implica que se encontrem verificadas as situações nele referidas, não bastando invocar o mero decurso do tempo;
32. A falta de fundamentação alegada pela Recorrente não se refere apenas à omissão de menção do preceito mas à falta do raciocínio jurídico que determinou a sua aplicação, que configure o alegado incumprimento da Recorrente, e que, devido a essa falta de fundamentação, a Recorrente continua a desconhecer qual seja, já que a hipótese da sua aplicação ao caso concreto parece inviável, como acima se expôs e a douta decisão recorrida não o esclarece;
33. O artigo 166.º não se encontra citado no despacho recorrido, no douto parecer do STOP nem do parecer da Comissão de Terras, nem outro o normativo que determine a caducidade do contrato;
34. Não pode recorrer-se ao princípio do aproveitamento do acto jurídico se o acto recorrido não esclarece de que forma aplicou o artigo 166.º, por via do artigo 215.º, ambos da Lei de Terras, já que não se encontram reunidas as condições para essa aplicação, nem o acto recorrido defende que estejam: simplesmente declara a caducidade;
35. Pelo que a decisão recorrida fez uma errada aplicação da lei;
Da Causa Impeditiva e do Decurso do Prazo de Caducidade
36. Por outro lado, existem causas impeditivas do decurso do prazo, remetendo-se para a factualidade descrita no seu recurso, pelo que a caducidade não poderia ter sido declarada, não porque o contrato se pudesse renovar mas porque existiram causas impeditivas da caducidade;
37. O acto só é vinculado depois de verificada a caducidade, não tendo a mesma chegado a ocorrer porque o prazo não decorreu em virtude da causa impeditiva invocada;
38. Quando se invoca a causa impeditiva de caducidade estamos um momento antes da possibilidade de renovação: o prazo da caducidade não decorreu – porque se interrompeu – não se chegando, juridicamente, a Administração a confrontar-se com a aplicação do artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras; não é de uma renovação que se trata mas de uma não verificação da caducidade;
39. A causa impeditiva invocada impede a declaração da caducidade e impõe a manutenção do contrato, sem que tenha sido atingido o decurso do prazo;
40. “E contra o que ora se adianta não valerá um eventual argumento “tirado” do artigo 320.º do Código Civil de Macau, por força do qual o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. Só que a caducidade, ou melhor, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, apenas começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (artigo 321.º do mesmo Código). Ao que acresce o regime do artigo 323.º, dispondo-se aí que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo (n.º 1), mas quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Ora, no caso concreto, não só ocorreram circunstâncias que obstaram ou impediram o exercício, pelos sujeitos privados, dos direitos resultantes das concessões, isto é, impediram e impossibilitaram o cumprimento das referidas cláusulas de aproveitamento dos terrenos, como igualmente se assistiu a um reconhecimento, pela Administração, dessa impossibilidade de execução e – justamente – ao reconhecimento de um direito à revisão dos contratos, o mesmo é dizer, de um direito ao reequilíbrio contratual (…).” (in Parecer, pág. 46), opinião que é confirmada no Voto Vencido já citado e para cuja transcrição acima se remete;
41. O ilustre Magistrado Fong Man Chong, na declaração de voto vencido no Proc. n.º 824/2016 junto do Tribunal de Segunda Instância, em circunstâncias análogas, aponta ainda outras soluções jurídicas, para além das já identificadas pela Recorrente no seu recurso contencioso, e para as quais não pode deixar de apelar porque são juridicamente possíveis para a questão em análise. São elas:
- a Administração impôs a suspensão do aproveitamento dos projectos sujeito a uma condição (artigo 111.º do CPA e artigo 265.º do Código Civil).
“Simplificamos a questão: a Administração expressamente exprimiu que não podia se continuar a execução de obras, excepto quando se lançasse novo planeamento urbanístico da Baía da Praia Grande, só podendo, a partir daí, haver novamente execução. Obviamente, tal decisão determina que, através do “mandado de paralisação de execução” se exige às concessionárias a suspensão da realização de obras e apenas após a ocorrência doutro facto no futuro, ou seja, determinada e iniciada a execução do novo planeamento da Baía (a verificação dessa condição) é que lhes será concedida permissão para execução de obras e serão apreciados os projectos de aproveitamento de terrenos (obras de supraestrutura). Todos esses são factos definitivos e admitidos pela Administração (Os relacionados ofícios foram supra citados).”
- Suspensão e interrupção do prazo da concessão: aplicação analógica do artigo 1427.º, 317.º e 318.º do Código Civil, nos termos dos quais, “quando a Administração reconhece que o concessionário tem o domínio útil, o respectivo prazo deve ser interrompido, com os consequentes efeitos legais.” e
- O prazo de 25 anos previsto na Lei de Terras não é objectivo e não impede a verificação da actuação da Administração por se tratar de uma caducidade sancionatória e que impõe a interrupção do prazo, conforme ponto 8 já acima citado;
42. Todas estas soluções têm a mesma consequência: o decurso do prazo de caducidade não decorreu porque foi suspenso ou interrompido em virtude de diversos actos praticados pela Administração, no limite, quando suspendeu o desenvolvimento e quando relegou a apreciação dos projectos para a aprovação do novo plano;
43. Novo plano que nunca foi aprovado na vigência do contrato de concessão, facto que impede, suspende ou interrompe o decurso da caducidade, consoante a solução jurídica acolhida, mas certamente impossibilita o seu decurso, solução que, como já se afirmou, seria contrária ao Direito;
44. O aproveitamento estava dependente do cumprimento do plano de urbanismo (cláusula 3.ª do contrato de concessão) mas a Entidade Recorrida suspendeu o plano vigente à data da celebração do contrato e reconheceu a necessidade de rever os contratos de concessão de forma a ficarem consentâneos ao futuro novo plano. Depois, simplesmente esperou o decurso do tempo, dele não retirando, como devia, as devidas consequências jurídicas;
45. Não está em causa a existência ou não de um direito disponível, como se pode ler da douta decisão recorrida, mas sim de um prazo contratualmente fixado, previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil: a Administração contratou um prazo com a Recorrente e depois agiu de forma a impedir o cumprimento contratual por parte desta, facto que legitimamente reconheceu por actos posteriores e que a Recorrente invocou como sendo impeditivos da caducidade;
46. A Administração tinha toda a disponibilidade do seu direito contratual e do interesse que a ele subjazia para reconhecer que a sua actuação impediu o cumprimento por parte da Recorrente;
47. O reconhecimento do direito não foi consumado por “informações burocráticas de técnicos da Administração ou mesmo de directores de serviço”; os ofícios e comunicações de serviço interno da DSSOPT são meros veículos de comunicação de actos tomados pelo Governo da RAEM, com poderes para tal, como é o caso dos actos praticados pelo Director da DSSOPT, comunicando tal decisão aos interessados.
48. Isso mesmo reconhece o parecer da Comissão de Terras anexo ao acto recorrido, do qual se pode ler:
“13. (…) Em articulação com a monitorização por parte do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande e apenas em Novembro de 2014 é que o referido departamento concluiu o estudo do plano urbanístico das mesmas, aguardando ainda pela aprovação superior, a fim de poder então emitir as respectivas plantas de condições urbanísticas (PCU).” (sublinhado nosso); documento que foi confirmado pelo Chefe do Executivo ao anexá-lo ao acto recorrido;
49. O Chefe do Executivo, em 2015 e em 2016, em declarações na Assembleia Legislativa, confirmou ainda ter sido o Governo a suspender o plano urbanístico o que impossibilitou o aproveitamento dos terrenos da Zona C e D, reconhecendo até responsabilidade do Governo nesse acto, aqui se remetendo para a transcrição acima constante;
50. A suspensão, acto do Governo da RAEM, ocorreu em 2005 e não em data posterior ao prazo de arrendamento do terreno, como se pode ler do acto recorrido (pág. 29);
51. A validação desta situação pela douta decisão recorrida resulta de uma errada aplicação da lei;
Do Abuso de Direito e da Violação dos Princípios Gerais de Direito Administrativo
52. A Recorrente invocou a violação dos princípios da igualdade, da boa-fé, incluindo venire contra factum proprium, da proporcionalidade, da decisão e da eficiência;
53. A douta decisão recorrida respondeu, em geral, que nenhum destes princípios se aplicam ao acto recorrido, porque a administração terá actuado no âmbito de poderes vinculados, o que, no entender da Recorrente, configura uma errada aplicação da lei, já que tais princípios têm aplicação ainda que a actuação fosse no âmbito de poderes vinculados;
54. A Entidade Recorrida não praticou o acto recorrido em cumprimento de cláusulas contratuais e da lei, pelo contrário, abusou dos seus poderes para condicionar o cumprimento contratual da Recorrente – ao suspender o plano urbanístico – desequilibrando as prestações do contrato que celebrou, em claro abuso de direito;
55. Ao princípio da igualdade, a douta decisão recorrida responde também dizendo que não há igualdade na ilegalidade mas não identifica ou invoca qualquer ilegalidade dos actos especificamente listados pela Recorrente;
56. Nenhuma das situações concretas de tratamento desigual citadas foi, até à presente data, questionada ou considerada ilegal sob qualquer perspectiva ou em alguma das diferentes fases que passou até à sua concretização final pelo que o único argumento de que não há igualdade na ilegalidade não se aplica e não pode acolher;
57. O princípio da igualdade aplica-se, esteja em causa uma actuação discricionária ou vinculada da Administração;
58. Do artigo 8.º do CPA pode ler-se: “No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras de boa-fé.” (sublinhado nosso), norma textualmente igual ao equivalente artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo português.
59. Em anotação a este artigo, escreve o Prof. Dr. António Francisco de Sousa: “3. O princípio da boa-fé impõe que, no exercício dos seus poderes, ainda que vinculados, a Administração tenha uma conduta ética irrepreensível, seja honesta e correcta, e adopte um comportamento leal para com o cidadão. Para respeitar o princípio da boa-fé, a Administração deve tomar em consideração os valores jurídicos fundamentais relevantes para a decisão, em especial a confiança suscitadas no particular e o objectivo a alcançar com a actuação em causa (artigo 6.º-A).” (in Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado, 2.a Edição, Quid Juris);
60. A mesma opinião pode ser encontrada no já citado voto vencido: são diversas as passagens da declaração de voto vencido em que o Ilustre Magistrado alerta para o comportamento contraditório da Administração, que num momento autoriza e no momento seguinte suspende, ou que num momento suspende o desenvolvimento e seguidamente declara a caducidade, conforme acima já citado;
61. É do conhecimento público, e foi a própria Administração que o publicitou – na sua página da internet, na Secção de Informação sobre Terras, que pode ser consultada em – https://www.dssopt.gov.mo/pt/menu/publicInfo/id/171 –, que o não aproveitamento de um determinado conjunto de terrenos da Nam Van, entre eles o Terreno, não se deveu à culpa das concessionárias, antes se ficou a dever a um conjunto de circunstâncias criadas pela administração já sobejamente retratadas nestes autos.
62. Dessa informação publicada pela Administração consta ainda a razão desses terrenos não terem sido classificados como terrenos não desenvolvidos dentro do prazo (que agora vem invocar no acto recorrido), e que deve a um dos seguintes factores: “Já concluída a apreciação dos projectos, procedimento de revisão de contrato de concessão em curso, planeamento urbanístico e acções judiciais.” (sendo que não havia acções judiciais pendentes do Terreno à data);
63. Esta mesma actuação, bem como a descrita no recurso apresentado pela Recorrente, veio a Administração alterar ao praticar o acto recorrido, agindo em violação do princípio da boa-fé, o qual inclui o abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium, igualmente proíbido pelo artigo 8.º do CPA e pelo artigo 326.º do Código Civil, aplicável nos termos acima descritos;
64. A Recorrente juntou ou remeteu para muitos elementos que demonstram que os actos praticados pela Administração ofenderam, de forma clamorosa, a justiça e excederam manifestamente os limites imposto pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico do direito (artigo 326.º do Código Civil) e se não foram bastantes tal ficou-se a dever exclusivamente à falta de produção da prova testemunhal, que lhe foi, indevidamente, recusada;
65. Quando faltavam apenas 10 anos para o fim do prazo da concessão inicialmente previsto no contrato de concessão em discussão, a Administração suspende, sine die, o plano urbanístico de que dependia o contrato de concessão (cláusula 3.a do contrato), espera, voluntária e conscientemente, sem aprovar qualquer plano, que decorram esses 10 anos e declara a caducidade do contrato;
66. O princípio da boa-fé, em toda a sua extensão normativa, foi manifestamente violado, em claro abuso de direito;
67. Viola ainda, de forma grave e irreversível, o princípio da decisão e da eficiência, ao contrário do que se conclui na douta decisão recorrida;
68. Não são vinculados os poderes, se a administração dispõe da arbitrariedade para avaliar a situação de facto, considerar o prazo interrompido ou suspenso antes de declarar o seu decurso, nos termos acima descritos, e decide não o fazer para optar pela única solução que branqueia a sua atitude ao longo do contrato;
69. Por outro lado, não é aceitável que a Administração tenha comportamentos vinculados que não estejam pautados pelo estrito cumprimento da lei;
Do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico e da Lei Básica:
70. A Recorrente invocou a violação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico – na medida em que impunha à Entidade Recorrida uma obrigação de rever o contrato de concessão de que a Recorrente era titular, em vez de declarar a sua caducidade;
71. Bem como a violação dos artigos 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica da RAEM;
72. Sobre esta questão não se pronuncia a douta decisão recorrida, o que consubstancia uma omissão de pronúncia e determina a nulidade da decisão, nos termos e para os efeitos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, nulidade que ora se invoca;
73. Razões pelas quais se entende que o douto acórdão fez uma errada aplicação dos normativos invocados pela Recorrente e omitiu a pronúncia de duas questões colocadas pela Recorrente: a inaplicabilidade do artigo 166.º, ex vi o artigo 215.º, ambos da Lei de Terras, e a violação do artigo 55.º da lei do Planeamento e dos artigos 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica da RAEM.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, também no sentido de negar-se provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos considera-se assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
1. Na sequência do Despacho n.º 203/GM/89, de 29/12/1989, por escritura pública de 30/07/1991, com as alterações introduzidas pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93, 56/SATOP/94 e 71/SATOP/99, respectivamente publicados no Boletim Oficial de 06 de Julho de 1992, 26 de Abril de 1993, 01 de Junho de 1994 e 18 de Agosto de 1999, o terreno com a área de 738 m2, situado junto à Avenida Doutor Stanley Ho, designado por lote C4 do Plano da Baía Grande, foi concedido por arrendamento simultaneamente com outros lotes previstos no mesmo plano à Sociedade de Empreendimentos Nam Van.
2. Pelo Despacho do SOPT n.º 82/2001, foi autorizada a transmissão à Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A. das situações decorrentes da concessão por arrendamento, do terreno respeitante ao lote C4 da zona C da Baía da Praia Grande.
3. Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arrendamento do lote C4 é válido até 30 de Julho de 2016.
4. De acordo com as cláusulas terceira e quinta do contrato de concessão, o lote C4 destina-se a habitação e estacionamento, o seu prazo de aproveitamento deve operar-se no prazo global de 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, data em que foi publicado o Despacho n.º 71/SATOP/99, isto é, até 17 de Agosto de 2005.
5. Pelo requerimento n.º 65 880/2016 de 06 de Maio de 2016, a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. solicitou a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno em apreço e a aprovação do Plano de Reordenamento para o Fecho da Baía da Praia Grande.
6. Pelo requerimento que se anexa ao ofício n.º 05 249/GCE/2016 de 01 de Julho de 2016, a Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A. solicitou a suspensão e prorrogação de prazo de aproveitamento e renovar o prazo de arrendamento, ou conceder novamente o mesmo terreno por arrendamento e com dispensa de concurso público ou proceder à troca do terreno em apreço, por direito de outro terreno adjacente.
7. Não foi concluído o aproveitamento do terreno.
8. O terreno encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 22 515 a fls. 167 do livro B49K e inscrito a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A. sob o n.º 26 668F, e não se encontra onerado com qualquer hipoteca na inscrição da CRP.
9. No procedimento com vista à declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, foi elaborado e aprovado o seguinte parecer pela Comissão de Terras:
PARECER N.º 125/2016
Proc. n.º 62/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 738 m2, situado na península de Macau, designado por lote 4 da zona C do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
I
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. De acordo com o estabelecido no artigo segundo do contrato de revisão de concessão titulado pelo Despacho n.º 56/SATOP/94, através do qual foram concedidos onze lotes da zona C e dois lotes da zona D, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
4. Segundo o estipulado na cláusula quarta do mesmo contrato, o aproveitamento de cada lote das zonas C e D deve ser realizado em conformidade com o Plano de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande e respectivos regulamentos, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991. Entre esses lotes, o lote 4 da zona C, com uma área de 738 m2, será aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade habitacional e de estacionamento, cuja altura máxima permitida é de 30,1m NMM.
5. O prazo de aproveitamento dos lotes das zonas C e D é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, conforme previsto na cláusula sexta do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho n.º 73/SATOP/92, na redacção introduzida pelo artigo terceiro do contrato titulado pelo referido Despacho n.º 56/SATOP/94.
6. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram numa nova revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
7. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes da zona B, reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
8. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados nas zonas C e D prorrogado por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
9. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 82/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 4 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
10. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
11. O terreno em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22515 a fls. 167 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.º 26668F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
II
12. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M.
13. Em 15 de Julho de 2005 o “Centro Histórico de Macau” foi inscrito na lista do património mundial. Segundo o parecer emitido pelo Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da CSI n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril, sobre a situação dos lotes das zonas C e D, dado que estas zonas se situam a sul deste Centro Histórico, e com a importância da sua localização, os diversos sectores sociais e os especialistas em património mundial acompanham sempre com atenção o respectivo planeamento. Em articulação com a monitorização por parte do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande e apenas em Novembro de 2014 é que o referido departamento concluiu o estudo do plano urbanístico das mesmas, aguardando ainda pela aprovação superior, a fim de poder então emitir as respectivas plantas de condições urbanísticas (PCU).
14. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., através do requerimento de 6 de Maio de 2016, solicitou que fosse autorizada a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno.
15. Em 30 de Junho de 2016, a concessionária apresentou um novo requerimento dirigido ao Gabinete do Chefe do Executivo, a solicitar a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno, a prorrogação do prazo de aproveitamento por mais de 10 anos, a renovação do prazo de concessão provisória por mais 10 anos ou, após a declaração de caducidade do terreno em epígrafe, a sua concessão de novo à requerente, com dispensa de concurso público, ou a sua troca pelo direito de concessão de outro terreno adjacente, com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalentes.
III
16. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
17. Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 368/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167.º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
18. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
19. Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
20. Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
21. De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
22. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
23. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 27 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes da proposta n.º 368/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 19 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 27 de Outubro de 2016.
10. Na sequência da elaboração e aprovação do parecer supra pela Comissão de Terras, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
Parecer
Proc. n.º 62/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 738 m2, situado na península de Macau, designado por lote 4 da zona C do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016, cuja concessão foi titulada pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 82/2001.
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 82/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 4 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van, S.A ..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 30,1 m NMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 27 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
11. Submetido o parecer à decisão pelo Senhor Chefe do Executivo, o mesmo exarou sobre ele o seguinte despacho:
Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 62/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 3 de Maio de 2018.

3. Direito
3.1. Da produção da prova testemunhal
Constata-se nos autos que, no recurso contencioso e por despacho proferido pelo Juiz Relator do processo, foi indeferida a produção da prova testemunhal requerida pela ora recorrente, ao abrigo do art.º 63.º n.º 3, a contrario, do CPAC, tendo o Juiz considerado que, “não sendo relevante para a matéria de caducidade a questão de saber a quem se deve imputar a responsabilidade pelo não aproveitamento atempado do terreno, torna-se desnecessária a produção de prova dos factos que visam a demonstrar a culpa por parte da Administração e a falta da culpa por parte da concessionária” (fls. 222 e 222 verso dos autos).
O acórdão ora recorrido manteve tal despacho reclamado.
Alega a recorrente que a caducidade em causa é a caducidade-sancionatória, mas ainda que de caducidade-preclusiva se tratasse, tal não impediria a aplicação do regime do art.º 323.º do Código Civil, ou a apreciação da culpa da Administração, e é necessária a produção de prova para que possam ser apreciadas as questões por si suscitadas, que comportam factos que impedem a declaração de caducidade por decurso do prazo de concessão e que determinam a interrupção do prazo num momento anterior ao da declaração de caducidade.
Ora, quanto à natureza da caducidade declarada por decurso do prazo de concessão, questão já por várias vezes abordada e apreciada tanto pelo Tribunal de Segunda Instância como por este Tribunal de Última Instância, a jurisprudência de Macau vai no sentido de considerar a caducidade como caducidade preclusiva.
Nos seus acórdãos proferidos nos Processos n.º 7/2018, n.º 43/2018 e n.º 90/2018, de 23 de Maio, 6 de Junho e 12 de Dezembro de 2018, para além de outros, o Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos referidos acórdãos na parte respeitante à questão ora em causa.
Repetindo, não está aqui em causa a questão de culpa no não aproveitamento do terreno.
Nos termos do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013, é estabelecida como regra a não renovação da concessão provisória, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (que não é o nosso caso).
E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
No caso vertente, a verdade é que, independentemente da questão da culpa, não foram cumpridas as cláusulas estipuladas no contrato de concessão, pois não se verifica o aproveitamento do terreno, pelo que não há lugar à conversão em definitiva da concessão provisória.
A lei é muito clara quanto à não renovação da concessão provisória e à sua caducidade, independentemente da culpa, ou não, do concessionário, dai que é imposta à Administração o dever de declarar a caducidade de concessão.
Por outro lado, não obstante a disposição do n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil, segundo o qual se se tratar de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, certo é que a actuação por parte da Administração no procedimento administrativo relativo ao aproveitamento do terreno concedido não significa que a Administração reconheça o direito ao aproveitamento para além do prazo de caducidade, pois o que a lei e o contrato de concessão permitiam era aproveitar o terreno até perfazer o prazo de 25 anos, sem prejuízo do decurso do prazo de aproveitamento. Não há aqui qualquer reconhecimento de direito a aproveitar o terreno depois do prazo da concessão.
Coloca-se ainda a questão de saber se os direitos da RAEM em causa são ou não disponíveis, dado que só há lugar à aplicação da norma em causa quando estão em jogo direitos disponíveis.1
Daí que são irrelevantes os factos invocados pela recorrente que pretende a produção de prova, visando estabelecer a culpa da Administração no não aproveitamento do terreno e a eventual causa impeditiva de caducidade, bem como as questões ora em causa.
Como se sabe, no recurso contencioso, a produção de prova só tem lugar se os factos forem relevantes para a decisão de mérito (n.º 1 do art.º 63.º e n.º 3 do art.º 65.º do CPAC).
E “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa …” (1.ª parte do n.º 3 do art.º 628.º do CPC, aplicável por força do art.º 1.º do CPAC).
Evidentemente, no presente caso não estão em causa tais factos relevantes nem questões que possam ter influência na decisão da causa.
Improcede assim o recurso, nesta parte.
Na realidade, já foi apreciada em vários processos2 a questão de produção de prova em sede de recurso contencioso interposto do acto administrativo que declarou a caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento, formando-se a jurisprudência uniforme que aponta para a desnecessidade de tal diligência.

3.2. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
Alega a recorrente que o acórdão recorrido omitiu a pronúncia de duas questões por si colocadas: a inaplicabilidade do art.º 166.º, ex vi o art.º 215.º, ambos da Lei de Terras, e a violação do art.º 55.º da Lei do Planeamento e dos art.ºs 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica.
Ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, enquanto o art.º 563.º n.º 2 do mesmo diploma prevê que “o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
E por questões entendem-se “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”.3

Visto o acórdão recorrido, parece certo que o Tribunal de Segunda Instância não tomou expressamente posição sobre as questões indicadas pela recorrente.
No entanto, há que ver em que termos foram as questões suscitadas para apurar se se tratam de questões de que hajam de ser conhecidas pelo tribunal, sob pena da nulidade do acórdão.
Tal como salienta o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, na petição de recurso constata-se que a inaplicabilidade do art.º 166.º da Lei de Terras não foi invocada como vício autónomo do acto, sendo que tal norma foi mencionada, en passant, na rubrica “Da Caducidade”, a propósito da inquinação da fundamentação do acto e da necessidade de apreciação da culpa, não enquanto vício de que houvesse que conhecer-se especificamente.
Por outro lado e quanto à violação dos artigos 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico e 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica, “constata-se que as normas dos aludidos artigos 55.º e 25.º foram invocadas a propósito dos suscitados vícios de violação do princípio da igualdade e de abuso do direito, vícios estes que foram objecto de conhecimento pelo acórdão impugnado, por remissão para o parecer do Ministério Público, como facilmente se conclui da análise do aresto. Já quanto aos artigos 7.º e 103.º da Lei Básica, apura-se que apenas a final vêm arrolados nas normas tidas por violadas, não constando do corpo do articulado da petição de recurso a explicitação legalmente exigida como causa de pedir (cf. artigo 42.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não se pode considerar que a imputada violação destes normativos fosse uma questão de que houvesse que conhecer-se especificamente por força dos artigos 563.º, n.ºs 2 e 3, e 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil”.
Daí que não se verifica o vício invocado pela recorrente, pois não estão em causa as questões cuja não apreciação implique a nulidade do acórdão.

3.3. Da causa impeditiva e do decurso do prazo de caducidade
Na óptica da recorrente, sendo embora certo que decorreram 25 anos desde a concessão inicial do terreno, não decorreu o prazo da concessão porque i) tal prazo se suspendeu em virtude da impossibilidade do exercício do direito desde 2006; ii) o prazo se interrompeu porque ao reconhecer a necessidade de alterar os contratos de concessão a Administração reconheceu o direito da recorrente e reconheceu que este só podia ser exercido após a publicação do novo plano de urbanístico; e iii) a concessionária nunca dispôs de 25 anos de concessão, porque a Zona C, onde o Terreno se integra, só veio a ser concedida pelo Despacho 56/SATOP/94, ao contrário do que a entidade recorrida afirma.
Daí que entende a recorrente que o acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Desde logo e quanto à concessão do terreno, constata-se na factualidade dada por assente, não impugnada pela recorrente, que o terreno em causa foi concedido à Sociedade de Empreendimento Nam Van, “na sequência do Despacho n.º 203/GM/89, de 29/12/1989, por escritura pública de 30/07/1991, com as alterações introduzidas pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93, 56/SATOP/94 e 71/SATOP/99”. E pelo Despacho do STOP n.º 82/2001, foi autorizada a transmissão à ora recorrente das situações decorrentes da concessão por arrendamento do terreno.
Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arrendamento do terreno é válido até 30 de Julho de 2016 (25 anos, contados a partir da data da outorga da referida escritura pública).
Improcede assim o terceiro argumento da recorrente.
Na óptica da recorrente, existem causas impeditivas do decurso do prazo, pelo que a caducidade não poderia ter sido declarada, não porque o contrato se pudesse renovar mas porque existiam causas impeditivas da caducidade.
E o decurso do prazo de caducidade não decorreu porque foi suspenso ou interrompido em virtude de diversos actos praticados pela Administração, no limite, quando suspendeu o desenvolvimento e quando relegou a apreciação dos projectos para a aprovação do novo plano,que nunca foi aprovado na vigência do contrato de concessão.
Não se afigura assistir razão à recorrente.
Desde logo, dão-se aqui como integralmente reproduzidas as considerações expostas no ponto 3.1. sobre a não aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil.
É de reafirmar que os actos praticados pela Administração configurem, de modo algum, o reconhecimento dos direitos da recorrente que possam ser exercidos depois de ter decorrido o prazo de arrendamento.
E quanto à alegada impossibilidade de exercer o direito de aproveitar o terreno, resulta dos autos que o aproveitamento do terreno não foi realizado no prazo contratualmente estipulado para o efeito, como devia ser.
Ora, não obstante a disposição do art.º 321.º do CC, que prevê o começo do prazo de caducidade, certo é que no n.º 1 do artigo seguinte (art.º 322.º) se dispõe que são válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, contanto que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais da prescrição.
No presente caso o início do prazo de arrendamento de 25 anos foi estabelecido no contrato de concessão celebrado por escritura pública de 30/07/1991, sendo esta data querida pelas partes para começar a contar o prazo de arrendamento. Tal estipulação, legalmente permitida, não constitui matéria indisponível das partes (nem se indicia fraude às regras legais da prescrição).
Por outro lado, constata-se nos autos que o prazo inicial de aproveitamento do terreno é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, que foi depois prorrogado até 17 de Agosto de 2005, aquando da nova revisão da concessão titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, sendo que os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M foram revogados através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006.
E em 01 de Julho de 2016 a recorrente solicitou a suspensão e prorrogação de prazo de aproveitamento, a renovação do prazo de arrendamento, ou a nova concessão do mesmo terreno ou ainda a troca do terreno em apreço.
Por outras palavras, a revogação do plano de desenvolvimento da zona onde situa o terreno em causa ocorreu depois do prazo de aproveitamento, já prorrogado até Agosto de 2005, sendo certo que, antes da revogação do plano, a recorrente não ficou impedida de exercer o seu direito por causa disso.
Na realidade, decorre das disposições tanto da Lei de Terras nova – art.º 166.º n.º 1, al. a) – como da Lei antiga – art.º 166.º n.º 2 e n.º 1, al. a) – que a falta de aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais implica a caducidade das concessões provisórias de terrenos urbanos, devendo o Chefe do Executivo declarar a caducidade das respectivas concessões.
Assim sendo, não se pode falar na suspensão da caducidade da concessão por falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado para o efeito enquanto já ultrapassou há muito tal prazo.4
Ora, seja como for, e mesmo aceitando a hipótese de se poder eventualmente aproveitar o terreno após o prazo fixado para tal, nunca se poderia admitir o exercício do direito resultante do contrato de concessão depois de ter decorrido o prazo de arrendamento de 25 anos.
Improcede também o recurso, nesta parte.

3.4. Da falta de fundamentação jurídica do acto recorrido
Para a recorrente, a efectiva omissão de referência ao art.º 166.º da Lei de Terras no acto recorrido foi uma das razões que determinou a alegação de falta de fundamentação do acto recorrido, para além da imputada falta do raciocínio jurídico que determinou a sua aplicação, pois tal norma “não se encontra citado no despacho recorrido, no douto parecer do STOP nem do parecer da Comissão de Terras, nem outro o normativo que determine a caducidade do contrato”, pelo que a decisão recorrida fez uma errada aplicação da lei.
Ora, é verdade a falta de menção da norma indicada pela recorrente.
Como se sabe, a lei (art.º 115.º n.º 1 do CPA) permite que se faça a fundamentação do acto administrativo com mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
No caso vertente, é precisamente por este meio que se encontra fundamentada a decisão impugnada pela recorrente.
Constata-se no Parecer do STOP que este solicitou ao Chefe do Executivo a declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, “tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo” (ponto 7 do Parecer).
Conjugando o despacho do Chefe do Executivo e o Parecer integrante do STOP, evidentemente é de afirmar que o acto administrativo se fundamenta no decurso do prazo de arrendamento do terreno sem que este se mostre aproveitado e na impossibilidade de renovação da concessão provisória, de acordo com o previsto no n.º 1 do art.º 48.º da Lei de Terras, o que determina a caducidade (preclusiva) da concessão do terreno.
Ora, mesmo sem a menção expressa do apontado art.º 166.º, certo é que o acto administrativo permite aos seus destinatários, incluindo a ora recorrente, perceber a sua racionalidade da decisão.
Nota-se que o art.º 166.º regula situações em que ocorre a caducidade da concessão do terreno, tal como é do conhecimento da própria recorrente.
O que se detecta, com a falta de menção da norma, é no máximo a insuficiência da fundamentação, o que não gera uma situação de falta de fundamentação, pois só a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação (art.º 115.º n.º 2 do CPA).
Não se descortina o vício imputado pela recorrente.

3.5. Do abuso de direito e da violação dos princípios gerais de Direito Administrativo
A questão de violação dos princípios gerais de direito administrativo também já foi objecto de apreciação em vários acórdãos proferidos pelo TUI, tais como nos processos n.ºs 7/2018, 43/2018 e 79/2019, para além de outros, tendo este Tribunal considerado que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não vale aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.).
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento por parte da recorrente no prazo de concessão de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios gerais de Direito Administrativo.
No que respeita ao invocado abuso de direito, prevê o art.º 326.º do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
No presente caso, ao declarar a caducidade da concessão do terreno, está a Administração a exercer um poder-dever, prescrito por normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
E na realidade, limita-se a Administração a cumprir a lei, que é imperativa ao impor à Administração uma obrigação, de praticar um acto vinculativo, como já vimos.
Daí que não se admite falar no abuso de direito.
Não assiste razão à recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 16 UC.

Macau, 16 de Setembro de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
                 
1 Cfr. Ac.s do TUI, de 13 de Março de 2019, de 4 de Abril de 2019 e de 10 de Julho de 2019, Proc. n.ºs 16/2019, 2/2019, 12/2019 e 13/2019, para além dos outros.
2 Cfr. Ac.s do TUI, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018; de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018 e de 31 de Julho de 2018, Proc. n.º 69/2017.
3 Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122.º, p. 112.
4 Cfr. Ac.s do TUI, Proc. n.º 62/2017 e 103/2018, ambos de 31 de Janeiro de 2019.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




46
Processo n.º 94/2020