打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ------------------------------------
--- Data: 04/09/2020 --------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz Chan Kuong Seng ---------------------------------------------------------------------------------------------


Processo n.º 708/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente: 2.o arguido A



DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 291 a 296v do Processo Comum Singular n.° CR2-20-0005-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o 1.o arguido B e o 2.o arguido A, aí já melhor identificados, ficaram condenados como co-autores materiais de um crime consumado de usura para jogo, p. e p. sobretudo pelos art.os 13.o e 15.o da Lei n.o 8/96/M, na pena individual de nove meses de prisão (igualmente suspensa na execução por dois anos), e na sanção individual de interdição de entrada nos casinos, igualmente por dois anos.
Inconformado, veio o 2.o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na motivação de fls. 303 a 306 dos presentes autos correspondentes, que aquela decisão condenatória padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de erro notório na apreciação da prova, aludidos respectivamente nas alíneas a) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), porquanto, em suma, as provas dos autos não dão para comprovar a participação do próprio recorrente na concessão de empréstimo com juros em causa, pelo que deve ser ele absolvido do crime de usura para jogo.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 314 a 326v dos autos, pugnando pela manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 325 a 326v, opinando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontrou proferida a fls. 291 a 296v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Da análise da argumentação recursória tecida pelo 2.o arguido, resulta nítido que ele, ao fim e ao cabo, está a fazer sindicar materialmente da livre convicção do Tribunal recorrido sobre os factos por que vinha acusado.
Entretanto, desde já, há que observar que a fundamentação fáctica da sentença recorrida evidencia que o Tribunal sentenciador investigou, sem lacuna alguma, sobre a veracidade de todo o tema probando dos autos (sobre o que se deve entender por objecto do processo ou tema probando a nível do julgamento da matéria de facto, cfr., por exemplo, de entre muitos outros, os acórdãos deste TSI, de 22 de Julho de 2010, do Processo n.o 441/2008, e de 17 de Maio de 2018, do Processo n.o 817/2014), pelo que a decisão condenatória ora recorrida não pode ter enfermado do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Assim, resta ajuizar se o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova.
Há erro notório na apreciação da prova como vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente, e até com minúcia, as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos – cfr. o teor da mesma fundamentação probatória, tecida nas páginas 7 (a partir do seu terceiro parágrafo) a 8 (até ao segundo parágrafo desta) do texto do aresto impugnado, a fl. 294 a 294v, no referente sobretudo à análise crítica das provas dos autos.
Como o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, é patente a improcedência do alegado vício de erro notório na apreciação da prova.
Ante a factualidade já provada em primeira instância, é acertada a decisão jurídica condenatória penal ora recorrida pelo 2.o arguido.
Há, pois, que rejeitar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Macau, 4 de Setembro de 2020.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)



Processo n.º 708/2020 Pág. 1/6