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Processo n.º 782/2020 Data do acórdão: 2020-9-24 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– burla em valor consideravelmente elevado
– atenuação especial da pena
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
Sendo o arguido recorrente um delinquente primário e tendo ele já depositado dinheiro destinado à indemnização dos danos causados pela sua conduta de burla em valor consideravelmente elevado contra os dois ofendidos dos autos, e tendo ele ficado preso preventivamente no processo desde há nove meses (situação essa que lhe serve de lição), crê-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da sua pena final de prisão, com já aplicação da atenuação especial da pena pelo tribunal recorrido, bastem para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que é de passar a determinar a suspensão da execução da sua pena única de prisão, sob a égide do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 782/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 321 a 329 do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR2-20-0133-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de dois crimes de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal (CP), ambos com pena especialmente atenuada, um em dois anos de prisão e o outro em um ano e nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de três anos de prisão efectiva.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para rogar a redução das suas duas penas parcelares (para um ano de prisão e nove meses de prisão, respectivamente) e da pena única (para um ano e três meses de prisão apenas), e na eventual hipótese de manutenção das duas penas parcelares achadas no aresto recorrido, a redução da pena única (de três anos para dois anos e três meses somente), bem como a suspensão da execução da pena única – cf. em mais detalhes, a motivação de fls. 341 a 382 dos presentes autos correspondentes.
Respondeu o Ministério Público a fls. 384 a 386, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 400 a 402, no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Não sendo impugnada a matéria de facto já dada por provada no acórdão recorrido, como tal descrita a fls. 323 a 325 dos autos, é de tomá-la como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso.
Do exame dos autos, sabe-se que o arguido se tem encontrado preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde há nove meses.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido ora recorrente começou por apontar à decisão recorrida o excesso na medida das suas duas penas parcelares e da sua pena única.
No caso, o Tribunal já decidiu atenuar-lhe especialmente a pena, devido ao depósito, feito por ele antes da audiência de julgamento em primeira instância, de dinheiro destinado à indemnização dos prejuízos pecuniários causados aos dois ofendidos. Assim sendo, a moldura penal abstracta de cada um dos dois crimes de burla em valor consideravelmente elevado já passou de dois a dez anos para um mês a seis anos e oito meses de prisão apenas (cfr. mormente os art.os 211.o, n.o 4, alínea a), 41.o, n.o 1, e 67.o, n.o 1, alíneas a) e b), do CP).
Na medida concreta da pena de prisão dos dois crimes em questão, é de relevar, a favor do recorrente, a circunstância de ser ele um delinquente primário, com confissão integral de todos os factos constitutivos dos dois crimes. Entretanto, também é de relevar, mas já em desfavor dele, o facto de serem muito prementes as necessidades da prevenção geral do tipo legal de conduta de burla em valor consideravelmente elevado, com a agravante de que os montantes totais burlados por ele aos dois ofendidos ultrapassaram significativamente o valor de cento e cinquenta mil patacas. Ante também todas as outras circunstâncias fácticas já assentes em primeira instância, e aos padrões da medida concreta da pena plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, as duas penas parcelares achadas no aresto recorrido já não têm margem para qualquer redução. E o mesmo sucede com a pena única de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, com ponderação, em conjunto, nos termos do art.o 71.o, n.o 1, do CP, dos factos e da personalidade do recorrente reflectida na prática dos mesmos.
Por fim, quanto à rogada suspensão da execução da pena, sendo o recorrente um delinquente primário e tendo já depositado dinheiro destinado à indemnização dos danos pecuniários causados, e tendo ele ficado preso preventivamente desde há nove meses (situação essa que lhe serve de lição), crê-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão já bastem para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que é de passar a determinar a suspensão, por três anos e seis meses, da execução da sua pena única de três anos de prisão, sob a égide do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, passando, por conseguinte, a determinar a suspensão da execução, por três anos e seis meses, da pena única de três anos de prisão do arguido recorrente.
Pagará o recorrente a metade das custas do seu recurso, com duas UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial do recurso.
Passe mandados de soltura a favor do recorrente.
Comunique a presente decisão ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, com referência ao ofício de fl. 396.
Macau, 24 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(Vencida por entender que face à gravidade das condutas ilícitas, era de manter a condenação do Tribunal a quo.)



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