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Processo nº 529/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 17 de Setembro de 2020

ASSUNTO:
- Imposto Complementar de Rendimentos
- Caducidade do direito à liquidação
- Artº 55º do RICR
- Actos Pressupostos ou Preparatórios

SUMÁRIO:
- É de caducidade o prazo do artº 55º do RICR;
- A liquidação do imposto complementar de rendimentos quando precedido de fixação da matéria colectável pela Comissão de Fixação só pode realizar-se depois de decorrido o prazo do nº 2 do artº 44º do RICR ou após a decisão da Comissão de Revisão;
- Se a decisão da Comissão de Revisão vier a ser anulada por decisão judicial apenas se poderá praticar novo acto administrativo tributário de fixação da matéria colectável se ainda não houver decorrido o prazo de caducidade do artº 55º do RICR;

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Rui Pereira Ribeiro
















Processo nº 529/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 17 de Setembro de 2020
Recorrente: A Group Limited
Recorrido: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A Group Limited, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso da Deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 1 de Fevereiro de 2019 que não atendeu o pedido da ora Recorrente em que solicitava a revisão da matéria colectável fixada relativamente ao exercício de 2012, mantendo a mesma em MOP216.778.309,00 e aplicou o agravamento a título de custas de 0.01% sobre a colecta, contra
  Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças.
  Foi proferida sentença na qual foi julgado improcedente o recurso contencioso e mantido o acto recorrido.
  Não se conformando com a sentença proferida veio a Recorrente interpor o presente recurso, concluindo e pedindo que:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 218 a 231 dos autos, que deu por totalmente improcedente o recurso contencioso apresentado pela ora Recorrente contra a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos do dia no dia 1 de Fevereiro de 2019, que não atendeu suposta reclamação (não tendo essa Comissão sido capaz de indicar a data dessa inexistente reclamação) que teria sido apresentada pela ora Recorrente e na qual aparentemente se solicitava a revisão da matéria colectável fixada referente ao exercício de 2012, pelo que a mesma se manteve no total de MOP216,778,309.00 (duzentos e dezasseis milhões, setecentas e setenta e oito mil, trezentas e nove Patacas), com um agravamento a título de custos de 0.01%.
2. Em sentido frontalmente contraditório com sentenças já proferidas em Macau pelos Tribunais superiores sobre a mesma questão de direito (acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância, no âmbito dos Processos nºs 927 e 34/2000, respectivamente), vem o Tribunal Administrativo defender que o presente recurso foi interposto contra o acto de fixação da matéria colectável e, como tal, não pode ser invocada a caducidade do direito à liquidação por ser um “vício próprio” do acto de liquidação.
3. O raciocínio do Mm.º Tribunal recorrido parte, desde logo, de um errado pressuposto quanto à letra da norma jurídica em apreço ao afirmar que “a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação” quando em momento algum o artigo 55º se refere à caducidade de qualquer acto administrativo.
4. O que é manifesto é que a norma do artigo 55º, nº 1, do RICR refere-se à caducidade do direito à liquidação (oficiosa) - e não à prescrição como incorrectamente se diz na sentença recorrida.
5. O direito à liquidação oficiosa que assiste à Administração Fiscal tem de ser exercido através de um procedimento administrativo-tributário (nº 2 o artigo 55º do RICR).
6. No entanto, se a Administração Fiscal já não possui esse direito por força da sua extinção com o decurso do tempo, é do domínio do óbvio que não pode fazer desencadear o procedimento administrativo-tributário tendente à concretização do mesmo, pois para esse efeito precisaria de ter na sua esfera jurídica o direito de proceder a essa mesma liquidação adicional.
7. Se esse direito tiver, entretanto, caducado, então todo o procedimento ficará irremediavelmente comprometido e não apenas o acto final de liquidação propriamente dito.
8. Por outro lado, importa ainda referir que o Tribunal de Segunda Instância, na sentença do Processo nº 34/2000, determinou que a norma do artigo 55º se destina “a regular a impugnação do acto pressuposto (ou acto preparatório decisório) que é a fixação do rendimento colectável”.
9. No entanto, o Tribunal diz de uma forma conclusiva e sem qualquer fundamento que “manifestamente não se trata o caso em apreço” em relação à “prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos”, sem cuidar de explicar em que é que difere o presente caso do que foi decidido anteriormente pelos Tribunais Superiores da RAEM, designadamente no Processo que correu termos sob o nº 34/2000.
10. Dizer que é manifesto é recorrer a uma fundamentação meramente formal, sem qualquer substância, sendo certo que, com o devido respeito, só é manifesto que se afrontou a jurisprudência da RAEM a este respeito.
11. E andou maio Tribunal recorrido ao afirmar que “Daí não se faz suporte legal adequado e correcto a fim de sustentar a alegado ilegalidade do acto recorrido, praticado mormente a fim de dar cumprimento à decisão judicial dentro do prazo e limites legais impostos nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 174º do C.P.A.C..”.
12. Então se o prazo de caducidade do direito à liquidação oficiosa é de 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar, alguma vez é possível que tendo sido anulado o acto de fixação anterior (mesmo que apenas o de revisão!) ainda assim se pode continuar o procedimento tendente à liquidação quando já passaram os 5 anos, recorrendo para isso ao artigo 174.º do CPAC?
13. A resposta tem de ser negativa, porque isso seria permitir liquidações (que ainda não foram feitas no presente processo, tendo em consideração a anterior anulação do acto pressuposto dessa liquidação!) muito para além do prazo de 5 anos.
14. Também não tem razão o Tribunal recorrido quando diz, em claro confronto com a jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância (e, em especial, com o Acórdão do Tribunal Superior de Justiça proferido no Processo nº 927), que “a sentença anulatória em causa conduz apenas à anulação da decisão de indeferimento da reclamação e não projecta efeitos anulatórios sobre o acto de fixação do rendimento colectável da recorrente que o antecede. Assim sendo, a liquidação sobre o acto de fixação feita dentro do prazo de prescrição não está afectada e mantém-se. Não é verificado a prescrição aludida no nº 1 do artigo 55º do RICR.”.
15. É que o artigo 55º não impõe a caducidade “da fixação do rendimento colectável”, mas a caducidade do direito à liquidação, pelo que é irrelevante que “se mantenha o acto de fixação anterior”!
16. Até porque tal seria até um absoluto contra-senso com a própria fundamentação do Tribunal Recorrido, onde antes “a citada disposição diz respeito ao prazo de prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos, o que manifestamente não se trata do caso em apreço, por aqui se versar sobre a fixação do rendimento colectável da recorrente e a respectiva revisão”, agora se diz que não há prescrição porque o acto de fixação já teria sido praticado em devido tempo!
17. Pelo que nunca a “fixação” do rendimento colectável através da Comissão de Fixação poderia levar a que se considerasse que o acto estava completamente estabilizado no procedimento, muito menos para o efeito de obstar à caducidade do prazo de liquidação!
18. Nestes termos, e no mais de Direito, resulta claro que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente a lei, designada mente o artigo 55º do RICR ao considerar que não se verificou a reclamada caducidade do direito à liquidação oficiosa.
19. Posição que o Mm.º Tribunal recorrido assumiu, desconsiderando a existência de decisões em sentido diverso proferidas pelos Tribunais superiores da RAEM (vide os citados Acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância), em especial os citados Acórdãos proferidos nos Processos nºs 927 (pelo Tribunal Superior de Justiça) e 34/2000 (pelo Tribunal de Segunda Instância).
20. Por outro lado, e por mera cautela de patrocínio, importa ainda mencionar que tão­pouco se poderá defender a actuação da Entidade Recorrida ao abrigo de um suposto “poder de praticar um novo acto” durante o período de execução espontânea a que se refere o artigo 174º, nº 1, do Código do Processo Administrativo Contencioso.
21. Com efeito, não se pode aqui olvidar que está em causa um acto praticado ao abrigo do direito de liquidação adicional (ou oficiosa), direito esse que está limitado no tempo por razões evidentes: considerando que já existe uma liquidação, razões de segurança jurídica e estabilização da situação fiscal dos contribuintes exigem que a referida liquidação apenas possa ser revista num prazo máximo de 5 anos.
22. Logo, não pode a Administração “renovar” um acto administrativo que é praticado ao abrigo do artigo 55º e que ao mesmo tempo viola o prazo aí previsto.
23. Por último, diga-se que ao contrário do que parece assumir o Mmº Tribunal recorrido, não foi ainda “renovado” o acto de liquidação (propriamente dito) na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável, pelo que em bom rigor e se fosse de atender ao que foi decidido na sentença recorrida, a Administração Fiscal ainda teria de praticar esse acta e notificar a Recorrente do mesmo, o que até agora não fez.
24. Na sentença recorrida foi ainda dito que “Pese embora não chegou a apurar do acta recorrido a análise sobre o contrato celebrado entre a recorrente e a “XXX”, em particular, como se conclui dos respectivos clausulados que se não respeitam ao alegado “contrato de associação” ou contrato como lido por epígrafe, ou em que termos se avaliou a situação da recorrente com as situações de outros contribuintes que detêm contrato celebrado com a XXX e autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), nem se pode aceitar a autorização como suporte bastante para se distinguir dos outros contribuintes que beneficiam da respectiva isenção fiscal, tal como bem explicado pelo Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal, no seu douto parecer, “… estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos invocados, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (…)”,
25. Salvo o devido respeito, é a Comissão de Revisão que no acto confirmativo impugnado vem escudar-se no argumento de que não há tratamento desigual em relação a outras associadas da XXX porque, “comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a XXX tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.”.
26. O ponto essencial da fundamentação do acto administrativo praticado pela Entidade Recorrida é, salvo o devido respeito, o de que os montantes obtidos pela Recorrente no âmbito do contrato em associação com a XXX estão sujeitos ao imposto complementar de rendimentos porque o seu contrato não foi autorizado pela DICJ, ao contrário do que sucedeu com outros contribuintes com contrato com a XXX.
27. É esse o ponto que supostamente justifica o tratamento discriminatório da ora Recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais.
28. Não há assim qualquer motivação superabundante, a Entidade Recorrida limita-se a considerar no acto recorrido que a Recorrente “não tem um contrato autorizado”, sendo por isso a sua situação distinta das demais concorrentes comerciais.
29. Como se teve oportunidade de dizer, a Recorrente sempre defendeu que a remuneração que lhe é paga vem já tributada em Imposto Especial sobre o Jogo (doravante, “IEJ”) à taxa de 35% (cfr. artigo 28º da Lei nº 16/2001) e demais contribuições obrigatórias exigíveis às concessionárias, ao abrigo das alíneas 7) e 8) do artigo 22º da mesma Lei.
30. Ao abrigo do contrato de associação em participação, a Recorrente recebe da sua parceira XXX uma prestação mensal correspondente a 55% do rendimento gerado na zona afecta ao mercado de massas do casino, 57% do rendimento emergente do jogo das salas VIP e 40% do rendimento emergente de jogos em slot machines, tudo de acordo com a contagem efectuada pela DICJ.
31. A entidade recorrida fez uma errada qualificação do contrato ao considerar que estava em causa um contrato de prestação de serviços para assim considerar a situação da Recorrente em moldes diferentes do que faz para as demais associadas da XXX.
32. Como se disse, é o próprio acto recorrido que faz verter na sua fundamentação que “comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a XXX tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.”.
33. E isto porque o entendimento da DSF nesta matéria, desde 2006 e mantido recentemente em 2013, tem sido o de considerar que os montantes pagos pela XXX, no âmbito da sua actividade do jogo, como remuneração às suas associadas através de Acordos de natureza idêntica ao que celebrou com a ora Recorrente, não estão sujeitos a ICR porque já vêm pagos em sede de Imposto Especial do Jogo!
34. Só que, no caso da Recorrente, a Entidade Recorrida limita-se a considerar que é uma situação diferente das outras associadas da XXX (oferecidas a título de exemplo pela Recorrente), tudo para não dar o mesmo tratamento fiscal à Recorrente.
35. A Recorrente não reclama, ao contrário que é dito no acórdão recorrido, um tratamento fiscal privilegiado, mas antes um tratamento fiscal idêntico ao das suas concorrentes comerciais, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a XXX.
36. Pelo que manifesto fica que a entidade incorre num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a XXX, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza e cariz obrigacional celebrados entre a XXX e as suas associadas, para depois vir negar aquilo que concede às demais associadas da XXX!
37. Surge então que, para aquelas concorrentes comerciais da Recorrente, a Entidade Recorrida considera que há uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no Casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27º e 28º da Lei nº 16/2001 e do artigo 3º do RICR, mas já no que concerne à Recorrente, idêntico tratamento fiscal não pode ser dado por não ter o “contrato autorizado”, situação que não tem qualquer suporte e que representa violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124º do CPA e que não foram devidamente apreciados pelo Tribunal recorrido.
38. Deste modo, temos que também nesta vertente padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, face à clara intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, pretender eliminar a dupla tributação nesta matéria, o que conduz à sua anulação, o que se requer ao abrigo do artigo 20º e 21º, nº 1, alínea d), do CPAC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deverão V. Ex.ªs, Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância, revogar a sentença recorrida e substituí-la por outra que
1. Determine a anulação do acto recorrido por violação da norma do artigo 55º do RICR, que impõe a caducidade do direito à liquidação decorridos 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar, vício que é sancionado com a anulabilidade nos termos do artigo 124º do CPA, o qual constitui um dos fundamentos do recurso contencioso conforme disposto nos artigos 20º e 21º do CPAC;
Caso assim não seja superiormente entendido, deverá o Tribunal de Segunda Instância
2. Determinar a anulação do acto recorrido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124º do CPA e que constituem um dos fundamentos do recurso contencioso conforme disposto nos artigos 20º e 21º do CPAC.
  Admitido o recurso foi a entidade Recorrida notificada para os termos do mesmo, vindo esta apresentar as suas contra-alegações, concluindo e pedindo que:
1) O presente recurso tem por objecto a douta sentença de 26 de Fevereiro de 2020 do Tribunal Administrativo que negou provimento ao recurso contencioso apresentada pela recorrente da deliberação da CRIC que não atendeu à reclamação apresentada pela recorrente relativa à fixação do seu rendimento colectável relativo ao ano de 2012 em sede de Imposto Complementar de Rendimentos.
2) Segundo a recorrente, a sentença encontra-se viciada “por erros de interpretação e aplicação da lei” e por não ter apreciado devidamente o erro nos pressupostos de facto e de direito, desconsiderando o tratamento discriminatório da recorrente-em relação aos seus concorrentes comerciais, violando por isso os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
3) No entendimento da recorrente pelo facto da deliberação da Comissão de Revisão, tomada a 1 de Fevereiro de 2019, ter sido notificada à recorrente nesse mesmo mês, o prazo de cinco anos já se encontrava ultrapassado, uma vez que está em causa o exercício de 2012.
4) Como já referimos, nos casos em que o motivo da anulação do acto impugnado foi um vício de forma, como a falta de fundamentação, não haverá, em regra, obstáculo a que a administração tributária pratique um novo acto expurgado do vício que motivou a anulação.
5) Neste caso, a administração tributária não está a exercer o seu poder autónomo de praticar actos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando antes a exercer um poder/dever de executar a decisão anulatória.
6) Pela mesma razão de o poder/dever de executar decisões anulatórias ser autónomo em relação ao poder/dever de liquidar tributos, a administração fiscal não está condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever.
7) A eventual aplicação do prazo de caducidade do direito de liquidação à situação em que o dever de liquidação resulte de uma decisão anulatória reconduzir-se-ia a que, em certos casos, quando a liquidação é efectuada próximo do termo do prazo legal de caducidade (nomeadamente em casos de liquidação adicional e oficiosa) fosse inviável concretizar a adequada execução da decisão anulatória, pois muitas vezes não será possível efectuar a liquidação e respectiva notificação antes de decorrido o prazo de caducidade.
8) Esta inviabilidade de renovar o acto, na sequência de uma decisão anulatória, nos casos em que é possível renovar o acto sem o vício que motivou a anulação, está em dissonância com a intenção da “… reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética.”
9) Aqui chegados, outra não pode ser a conclusão que seja a de que não ocorreu caducidade do direito de liquidação pois esse foi tempestivamente exercido pela administração tributária aquando da primitiva liquidação, em 2016.
10) Alega a recorrente que deveria beneficiar da isenção fiscal que a Administração fiscal já tinha concedido a favor de outras suas concorrentes que se encontram em situação idêntica, mas continua a não invocar em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
11) O regime da Lei nº 16/2001 prevê expressamente duas situações em que é possível o enquadramento de isenção fiscal relativo ao Imposto Complementar de Rendimentos: o artigo 28º, que se refere às concessionárias, e o artigo 29º, que se refere aos promotores de jogo.
12) Defende a recorrente que os seus rendimentos não se enquadram em nenhuma das situações uma vez que os rendimentos não são seus nem podiam ser porque decorrem directamente do exercício da actividade concessionada: são rendimentos da XXX que por eles deve o devido imposto mas que do respectivo pagamento fica isenta.
13) Pelo que só a XXX pode ser titular das obrigações tributárias resultantes da actividade concessionada e, em consequência, a recorrente percebe daquela, já depois de tributados tais rendimentos da XXX, uma prestação mensal constituída por percentagens diversas dos rendimentos gerados na zona afecta ao mercado de massas do casino, do rendimento gerado nas salas VIP e, finalmente, do rendimento gerado nas slot machines.
14) E, segundo a recorrente, paga a XXX tal prestação mensal porque a recorrente celebrou com a XXX um contrato de associação de participação.
15) Ora existindo expressas, no documento contratual que foi submetido, as características de um contrato de prestação de serviços e de ocupação e uso de espaço e não se vislumbrando no mesmo documento quaisquer das características ou referências do contrato de associação em participação.
16) Além disso, permanece intacto e independentemente da natureza do contrato, o facto de este ter sido submetido pela XXX - por si e, implicitamente, em nome da recorrente posto que é sua co-contratante - à apreciação da DICJ, sem que tenha daí resultado acto favorável de sancionamento.
17) A XXX, bem como outras operadoras, celebraram diversos contratos com empresas prestadoras de serviços e outras que são algo semelhantes ao contrato em que a ora recorrente baseia a sua pretensão, só que desses vários contratos, uns foram aprovados e autorizados pela tutela, enquanto outros não tiveram a mesma sorte, como foi o caso da recorrente.
18) A diferença destes resultados depende da avaliação que a DICJ, no exercício das suas competências exclusivas faz das circunstâncias materiais que rodeiam cada caso, sendo que a Administração Fiscal apenas faz reflectir, como consequência, a decisão da DICJ na fixação ou revisão da matéria colectável desses contribuintes.
19) O acto de fixação da matéria colectável e a sua posterior revisão, quando esta exista, é, nestes casos, um acto vinculado da Administração Fiscal ao acto que lhe é prévio, no âmbito da DICJ, que autoriza ou não o contrato celebrado.
20) Foi, pois, pela aplicação do Princípio da Igualdade que a Administração Fiscal tratou de maneira diferente a recorrente relativamente a outras concorrentes comerciais, já que estas obtiveram aquilo que a recorrente falhou em conseguir: a aprovação da tutela para o seu contrato.
21) Uma vez que, como é sabido, o Princípio da Igualdade (e os aqui consequentes Princípios da Justiça e da Imparcialidade) pressupõe que a situações iguais seja dado tratamento igual; mas também exige que a situações diferentes seja dado tratamento diferente.
22) Por fim, não se duvida que existe uma situação de dupla tributação quando, sobre o mesmo rendimento, se faz incidir o Imposto Especial sobre o Jogo e o Imposto Complementar de Rendimentos. Mas não é o caso da recorrente que não tem - nem poderia, sem que para tal estivesse autorizada - rendimentos provenientes da exploração do jogo: o que a recorrente aufere é de uma contraprestação mensal que lhe é devida pelo contrato de prestação de serviços e de uso de espaço que celebrou com a XXX, sociedade esta que, titular de uma concessão, aufere de rendimentos dessa natureza.
23) Para além de que não é de forma alguma ilegal a dupla tributação resultante da aplicação ao mesmo facto fiscal objectivo do Imposto Especial do Jogo e do Imposto Complementar de Rendimentos, já que essa é uma prerrogativa que assiste ao legislador fiscal que é, no caso da RAEM, a Assembleia Legislativa.
24) Que o legislador quis que fosse exactamente assim é indubitável face ao teor do artigo 28° da Lei nº 16/2001, onde se regulamentou especificamente a questão da dupla tributação.
Termos em que se requer a V. Exª que o presente recurso seja julgado improcedente por não padecer dos vícios alegados sendo, consequentemente, mantida a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, com as devidas consequências legais.
  Dada vista dos autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público por este foi opinado no seu Douto parecer que:
  «Nos presentes autos de recurso jurisdicional, verifica-se que a recorrente, “A Group, Limited” impugna a sentença de 26 de Fevereiro de 2020, do Tribunal Administrativo, imputando-lhe erro de julgamento dos vícios que havia suscitado no recurso contencioso.
  Sobre os vícios do acto pronunciou-se oportunamente o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 206 e seguintes, onde sustentada e desenvolvidamente se manifesta contra a tese da ilegalidade escorada nesses vícios em que agora a recorrente volta a insistir.
  Dado que a alegação de recurso jurisdicional, sobre o invocado erro de julgamento dos vícios do acto, constitui, no fundo, um retomar e repisar de argumentos já esgrimidos em sede de recurso contencioso, temos por bem reafirmar aqui o sentido daquele referido parecer, que convocamos em amparo da douta sentença recorrida.
  Apenas se nos oferece acrescentar que as decisões dos tribunais superiores alegadamente contrariadas pela sentença impugnada não abordam, em bom rigor, a mesma questão de que esta conheceu, sendo de notar que, ao dizer que o preceito destina-se a regular a impugnação do acto pressuposto (ou acto preparatório decisório) que é a fixação do rendimento colectável, o acórdão exarado no processo 34/2000, do Tribunal de Segunda Instância, está a referir­se ao artigo 44º e não ao artigo 55º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
  Termos em que, na improcedência dos fundamentos do recurso, nos pronunciamos no sentido de lhe ser negado provimento.».
  
  Foram colhidos os vistos legais.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
  
  Da sentença recorrida e dos elementos constantes dos autos, apurou-se a seguinte factualidade:
  1.º - Por ofício com n.º de referência: 55/CONF/2012 datado de 18/01/2012, à solicitação da Direcção dos Serviços de Finanças (D.S.F.), a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos deu resposta quanto às informações solicitadas sobre a lista das sociedades autorizadas a celebrar contratos de prestação de serviço com as concessionárias de jogos de fortuna ou azar, nela se incluem B S.A. (Sociedade de Investimento Predial B, S.A.), Grupo de Entretenimento C (Macau) S.A. e Sociedade D (Macau) Lda. (cfr. fls. 72 e 82 a 89 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  2.º – Pelo despacho de “concordância” do Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarado sobre o relatório n.º 051/DIR/2012, de 09/01/2013, foi determinado a manutenção do entendimento exposto no ofício com n.º de referência: 123/NAJ/JJ/06, emitido pela D.S.F., de que os lucros da Sociedade de Investimento Predial B, S.A. provenientes das actividades de jogos e referidos no contrato de prestação de serviço celebrado com a Xxx Xxx Xxx, S.A., não serão considerados para efeitos do imposto complementar de rendimentos (cfr. fls. 79, 93 a 96 e 98 a 101 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  3.º - Em 03/06/2013, a recorrente apresentou a declaração de rendimentos do imposto complementar de rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, respeitante ao exercício de 2012, tendo declarado como lucro tributável negativo ou prejuízo no valor de MOP153.975,00, com a junção dos documentos comprovativos (cfr. fls. 52 a 64 e 73 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  4.º - Em 22/03/2016, a Comissão de Fixação da D.S.F. fixou o rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” da recorrente referente ao exercício de 2012, no valor de MOP216.778.309,00, e em 13/05/2016, a Directora Substituta da D.S.F. procedeu à respectiva liquidação da colecta no montante de MOP25.986.398,00 (cfr. fls. 14 e 15 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  5.º - Em 18/05/2016, o Director da D.S.F. emitiu à recorrente a notificação de fixação de rendimento do imposto complementar de rendimentos (cfr. fls. 11 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  6.º - Em 06/06/2016, a recorrente apresentou a reclamação contra a decisão de fixação junto do Presidente da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos (cfr. fls. 40 a 48 e verso do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  7.º - Pela deliberação datada de 11/08/2016, a entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação, mantendo o rendimento colectável da recorrente para o exercício de 2012 no valor de MOP216.778.309,00, com a aplicação do agravamento de 0.01% sobre a colecta de MOP25.986.398,00 (cfr. fls. 26 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  8.º - Por ofício com n.º de referência: 061/DAIJ/CRIC/16, foi a recorrente notificada da deliberação da entidade recorrida de 11/08/2016 (cfr. fls. 25 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  9.º - Em 24/10/2016, a recorrente apresentou o recurso contencioso fiscal contra a supradita deliberação junto deste Tribunal, autuado sob o processo n.º 1492/16-CF. Em 18/07/2018, foi julgado procedente o respectivo recurso contencioso com a consequente anulação da deliberação recorrida (cfr. fls. 50 a 54 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  10.º - Pela decisão de 07/01/2019 proferida nos autos do recurso jurisdicional interposto junto do Venerando Tribunal de Segunda Instância com processo n.º 1004/2018 contra a sentença proferida nos autos do processo n.º 1492/16-CF deste Tribunal, foi declarada extinta a instância pela desistência válida da entidade recorrida (cfr. fls. 56 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  11.º - Pela deliberação datada de 01/02/2019, a entidade recorrida voltou a negar provimento à reclamação da recorrente, mantendo o rendimento colectável da recorrente para o exercício de 2012 no valor de MOP216.778.309,00, com a aplicação do agravamento de 0.01% sobre a colecta de MOP25.986.398,00 (cfr. fls. 5 a 8 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  12.º - Por ofício com n.º de referência: 002/DAIJ/CRIC/19, foi a recorrente notificada da deliberação da entidade recorrida de 01/02/2019 (cfr. fls. 4 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  13.º - Em 14/02/2019, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra a supradita deliberação da entidade recorrida de 01/02/2019 (cfr. fls. 2 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
  14º - Em 13.12.2018 no seguimento do trânsito em julgado daquela decisão a ora Recorrente apresentou o requerimento dirigido ao Director de Finanças cuja cópia consta de fls. 46 a 48 e onde pede:
- Se digne determinar a correcção da matéria colectável da requerente pelo resultado tributável negativo apresentado na declaração M/1 de MOP (153,975.00) para o exercício de 2012.
- Se digne anular a colecta indevidamente imposta, bem como o agravamento a título de custas pela reclamação para a Comissão de Revisão.
- Se digne ordenar a restituição do montante indevidamente pago de Imposto Complementar de Rendimentos para o ano de 2012 de MOP25,988,997.00.1

b) Do Direito
  Em sede de recurso o tribunal está limitado às conclusões apresentadas em sede de alegações - artº 598º do CPC “ex vi” nº 1 do artº 149º do CPAC -.
  As conclusões de recurso de 1) a 15) sustentam a caducidade do direito a praticar o acto de fixação da matéria colectável pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 1 de Fevereiro de 2019.
  
  Vejamos então.
  
  Na sequência da apresentação pela Recorrente da declaração de rendimentos modelo M/1, para efeito de fixação do Imposto Complementar de Rendimentos (doravante ICR), grupo A, referente ao exercício de 2012, da qual resultava um resultado negativo, a Comissão de Fixação em 2016 veio a fixar o rendimento colectável à Recorrente com o que esta não se conformou reclamando para a Comissão de Revisão a qual manteve o rendimento fixado. Entretanto procedeu-se à liquidação do imposto com base no rendimento fixado, tendo o imposto sido pago. Posteriormente daquela decisão o contribuinte (agora Recorrente) veio a recorrer para o Tribunal Administrativo sendo a decisão da Comissão de Revisão anulada por falta de fundamentação, tendo essa decisão transitado em julgado.
  
  Sobre a natureza do acto da Comissão de Revisão é esclarecedor o Acórdão deste Tribunal de 13.02.2014 proferido no Processo nº 221/2009, onde se diz que:
  «Com efeito:
  1 - Da fixação do rendimento colectável cabe “impugnação” através de reclamação para a Comissão de Revisão (cfr. arts. 44º, nº4 e 80º, nº1, do RICR).
  2 - Esta reclamação tem efeito suspensivo (art. 44º, nº3, do RICR).
  Significa que a decisão reclamada não pode ser dada à execução pela Administração Fiscal e que precisa de esperar pelo resultado final e definitivo da deliberação da Comissão de Revisão. É assim, aliás, que sucede com qualquer acto administrativo de que não caiba recurso contencioso, face ao disposto no art. 150º, do CPA.
  3 - A deliberação tomada nessa sede em 3/03/2008 é considerada acto definitivo de que cabe recurso contencioso para o tribunal administrativo (art. 80º, nº2, 81 e 82º, do RICR).
  4 - A reclamação graciosa que se seguiu àquela deliberação é deduzida perante a mesma Comissão (art. 77º, nº1, RICR) e tem efeito meramente devolutivo (art. 78º, nº1, RICR), não interrompendo o prazo do recurso contencioso (art. 84º, nº2, RICR), tal como sucede no regime geral da reclamação administrativa nos termos do art. 150º, nº2, do CPA.
  Serve esta incursão normativa, apresentada sob a forma de breve resenha, para esclarecer que a reclamação graciosa tinha apenas em vista a tentativa de obter uma decisão favorável no seio da Administração Fiscal, mas que não invalidaria, de maneira nenhuma, a necessidade de recorrer contenciosamente da deliberação anterior da Comissão de Revisão. Esse, sim, é que era o acto administrativo definitivo e executório (sublinhado e negrito nosso), a última palavra da Administração Fiscal, tal como decorre sem sombra de dúvida do conjunto de normas citado, e, consequentemente, o único recorrível contenciosamente.».
  Ou seja, como resulta do acórdão citado o acto tributário que define a matéria colectável para efeitos de incidência de ICR é a decisão da Comissão de Revisão.
  Uma vez que, de acordo com o disposto no artº 22º do CPAC o recurso contencioso não tem efeito suspensivo, aquele que haja sido interposto da decisão da Comissão de Revisão não suspende os efeitos desta decisão, o mesmo é dizer, não obsta à liquidação do imposto.
  Daí que, quando a agora Recorrente recorreu, antes, para o TA da decisão da Comissão de 11.08.2016, tal não haja obstado à liquidação do imposto e seu pagamento.
  Porém, aquela decisão da Comissão de Revisão nos termos do nº 4 do artº 44º do RICR veio a ser anulada por decisão do TA de 18.07.2018, transitada em julgado.
  Ora, se é anulada a decisão da Comissão de Revisão que fixa a matéria colectável não pode subsistir a liquidação que incidiu sobre a mesma e cujo pagamento veio a ser exigido em 21.09.2016 como resulta de fls. 18 do processo administrativo apenso.
  Antes de sabermos se a Administração poderia praticar um “novo acto administrativo/tributário” - no que, acompanhamos sem dúvida o Magistrado do Ministério Público junto do TA no seu Douto Parecer e a sentença recorrida -, há que conhecer dos efeitos da sentença anulatória do acto antes praticado.
  E aqui, não encontramos como justificar como é que, incidindo a liquidação de imposto sobre a matéria colectável, sendo erradicado o acto de fixação da matéria colectável pode subsistir o acto de liquidação que sobre ela incidia.
  Ora, é aqui que salvo melhor opinião na decisão recorrida se tenta ultrapassar a questão tentando demonstrar o indemonstrável.
  O acto administrativo que pode ser dado à execução é apenas a decisão da Comissão de Revisão.
  Se tivermos dois actos administrativos definitivos e executórios em que o segundo haja substituído o primeiro, a anulação do segundo, em determinadas situações pode significar a reposição do que havia sido primeiro praticado.
  Mas há um requisito essencial: ambos os actos têm de ser definitivos e executórios, o que não acontece entre o acto da Comissão de fixação e o acto da Comissão de Revisão.
  Ora como se viu supra só há um acto de fixação da matéria colectável, o qual, é o único que é contenciosamente recorrível e esse acto é o da Comissão de Revisão. Veja-se o citado acórdão deste Tribunal de 24.09.2015 proferido no processo nº 328/2015, transcrito supra na parte que releva.
  Logo, o único acto administrativo que se praticou e que foi impugnado e anulado, desapareceu da ordem jurídica e não lhe subsistiu acto nenhum, uma vez que o anterior (que por força da reclamação com efeito suspensivo) nunca foi um acto administrativo definitivo, já havia sido substituído por este outro que foi anulado.
  A não se entender assim, o contribuinte tinha de recorrer contenciosamente do acto da Comissão de Fixação, o que, como já se viu não é possível.
  A liquidação é essencialmente uma operação matemática que consiste na aplicação de uma taxa percentual a um determinado valor – matéria colectável expressa em numerário – de que resulta o apuramento de um resultado – colecta – que é o valor do imposto a pagar.
  Se é anulado o apuramento da matéria colectável não há como calcular a colecta. Logo a colecta que foi calculada sobre o apuramento de uma matéria colectável que foi anulada não pode subsistir.
  É isto que a Recorrente sustenta.
  E tem razão.
  
  Aqui chegados passemos à situação seguinte.
  
  Anulada a decisão da Comissão de Revisão de 11.08.2016, esgrime-se a decisão sob recurso, a justificar que a Administração Fiscal podia praticar novo acto, o que não sendo um erro “quanto à possibilidade de praticar outro acto”, não é absoluto porque esse acto só poderá ser praticado novamente se outra causa não houver que obste a tal.
  Dúvidas não há que, em teoria e abstractamente apreciando a questão, a Administração Tributária, no caso em apreço a Comissão de Revisão da matéria colectável, uma vez anulada a anterior decisão de fixação da matéria colectável por falta de fundamentação podia praticar um novo acto administrativo em matéria tributária de nova fixação da matéria colectável, agora devidamente fundamentado.
  E assim fez.
  Mas este acto “é novo”. Este acto é outro acto administrativo tributário. Este acto está fundamentado, é diferente e distinto do anterior. Por mera coincidência fixa um valor igual. Este acto novo é o acto da Comissão de Revisão de 01.02.2019.
  Mas sendo este acto de fixação da matéria colectável um “acto novo” então havia que daí retirar as devidas consequências.
  Como qualquer acto de fixação da matéria colectável ele visa que a administração fiscal por força da aplicação da taxa de incidência de imposto sobre a matéria colectável apure a colecta, isto é, o valor do imposto a pagar, ou seja, liquide o imposto a pagar.
  Assim pergunta-se onde está o acto de liquidação impugnável e que havia de ser atacado para se apurar da eventual caducidade do direito à liquidação?
  Decorre da decisão sob recurso que esse acto de liquidação é aquele que foi praticado em 2016.
  A ser assim a decisão sob recurso confunde entre a possibilidade da Administração praticar um “novo acto” e “renovação do acto em si”.
  A Administração Fiscal sem dúvida pode praticar (se outras causas a tal não obstarem) um novo acto de fixação da matéria colectável agora devidamente fundamentado. Mas este acto novo que se pratica não é a “renovação do anterior e anulado” no sentido de ir ocupar o lugar deste justificando “a posteriori” a liquidação que antes havia sido feita.
  Este acto de fixação da matéria colectável praticado em 2019 pela Comissão de Revisão, é um acto novo dando origem a todo um novo procedimento a partir do momento em que é proferido, nomeadamente, nova liquidação e lançamento para cobrança.
  Porém, não houve acto de liquidação algum, e aqui surge aquilo que apenas pode ser ficção, tentando transmutar este acto de fixação da matéria colectável de 01.02.2019 agora fundamentado, no acto que no anterior procedimento de liquidação de imposto decorrido no ido ano de 2016 foi anulado e como fixa o mesmo valor de matéria colectável e agora já está fundamentado, está sanado o vício. Isto seria como se a fundamentação apresentada “a posteriori” sanasse o vício do acto que já foi anulado “revalidando-o” e em momento algum se sustenta tal solução, por absurda que é.
  No procedimento de apuramento da matéria colectável e subsequente liquidação de imposto em 2016 o acto praticado pela Administração Tributária foi anulado.
  O acto praticado em 2019 é outro procedimento de apuramento da matéria colectável que haveria de conduzir a nova liquidação se fosse ainda possível.
  Imagine-se que ao fundamentar a nova fixação da matéria colectável a Comissão de Revisão encontrava agora um valor distinto. Dúvidas não há que havia que fazer nova liquidação.
  A situação é a mesma independentemente da alteração ou não do valor apurado.
  Escuda-se a decisão sob recurso que o artº 55º do RICR apenas se reporta à caducidade do direito à liquidação e que como a liquidação foi feita dentro desse prazo de 5 anos não ocorria aquela.
  Como vimos não é assim.
  O acto agora praticado de fixação da matéria colectável não é de convalidação do acto praticado em 2016, impugnado e anulado.
  Este é um acto novo, e todo o procedimento haveria de ser concluído antes de decorrido o prazo de 5 anos do artº 55º do RICR.
  A este respeito já se pronunciou o então Tribunal Superior de Justiça de Macau, no processo nº 927, em Acórdão de 18.11.1998, mas que por não ter sido alterada a norma sob que versa se mantém actual.
  «8.3. Conforme se afirma - e bem - na decisão recorrida, o procedimento tendente à aplicação da norma tributária material a cada caso concreto e que dará origem à prolação do acto tributário final ou conclusivo é complexo. Importa distinguir, por um lado, este acto tributário final dos restantes actos integrados na série procedimental que em relação a ele funcionam como actos pressupostos, actos preparatórios e actos complementares e, por outro, explicar a relevância destes últimos actos no valor jurídico do acto tributário, já que este valor pode ser afectado pela existência e validade daqueles.
  Por actos pressupostos costuma-se aqueles actos de qualificação jurídica de situações cuja verificação a lei reputa indispensável para que o acto tributário se possa praticar, ou se possa praticar de certo modo.
  Por sua vez, serão actos preparatórios aqueles que têm em vista preparar o acto tributário, habilitando a autoridade competente a manifestar uma vontade conforme à lei.
  Assim, os actos preparatórios não respeitam directamente ao problema da vontade, limitam-se, antes, a desempenhar uma função de reconhecimento ou a qualificar as situações jurídicas com base nas quais o acto tributário deverá ser praticado, enquanto que os actos preparatórios de conteúdo decisório inscrevem-se directamente no processo de manifestação de vontade da Administração fiscal, de que representam a expressa resolução de algum ou alguns dos seus antecedentes lógicos.
  Os actos complementares são aqueles actos que têm por fim condicionar a eficácia ou a perfeição do respectivo acto conclusivo.
  Dado que estes últimos actos já se encontram, no procedimento, a jusante do acto tributário, não assumem especial relevância na problemática que agora estamos a tratar.
  Mas, mesmo em relação aos actos pressupostos e actos preparatórios, eles só terão relevância no procedimento na medida em que consubstanciem questão condicionante do acto tributário de natureza substantiva, isto é, que se refira directamente à obrigação do imposto, que assumam a função de questão directa e imediatamente prejudicial de tal acto e que sejam, ao mesmo tempo, objecto de um acto expresso e autónomo em relação ao acto tributário final.
  Quer isto dizer que apenas se incluem no conceito de questões prejudiciais aquelas que fazem parte do juízo lógico relativo à questão de fundo, como seus antecedentes necessários, excluindo-se assim do seu âmbito todas as que revestem natureza meramente processual e às quais melhor cabe a designação de questões prévias (vide, no sentido exposto, o Prof Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, págs. 188 e segs, e págs. 243 a 258).
  Delimitados, assim, os actos pressupostos e actos preparatórios de conteúdo decisório com relevância condicionante e prejudicial no procedimento relativamente ao próprio acto tributário conclusivo ou final, importa agora determinar, não tanto em que categoria daqueles actos se inclue a fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do Grupo B, a que está sujeito o ora agravante, mas mais qual o regime jurídico aplicável àqueles actos, esse sim com interesse para o tratamento da última questão, suscitada pelo ora agravante, da prescrição da liquidação do imposto.
  Determina o nº 2 do artº 36º do RICR que compete à Comissão de Fixação - orgão colegial com a constituição e funcionamento referidos no artº 37° daquele diploma (ao qual pertencerão todas as normas a partir daqui citadas sem indicação de origem) - a determinação do rendimento colectável do imposto complementar dos contribuintes do Grupo B.
  A fixação do rendimento será feita, sem prejuízo do disposto nos artºs 19º a 35º e 36º, nº 3, em face das declarações dos contribuintes, eventualmente corrigidas com base em informações devidamente fundamentadas dos serviços de fiscalização ou de quaisquer outros elementos de que se disponha, e a decisão será fundamentada se fixar rendimento colectável divergente da declaração do contribuinte (artº 41º).
  Ficará depois sujeita a exame e a reclamação para a Comissão de Revisão e a deliberação desta, sobre a matéria, a recurso contencioso nos termos que atrás deixamos indicados nos artº 43º, nºs 4 e 5, 44º, nºs 2, 3 e 4, 80º, 81º, 82º e artº 7º da Lei nº 15/96/M.
  Deste modo, quer a fixação do rendimento colectável feita nos termos que resumidamente deixamos expostos seja enquadrada no conceito de acto pressuposto como atrás se deixou delineado - para que parece tender o Exmº Magistrado do MºPº no seu bem fundamento parecer final de fls. 144 a 151 -, quer no de acto preparatório de conteúdo decisório - no qual a parece enquadrar o Prof Alberto Xavier (in obra citada, pág. 224 a 227 e 245), dando aqui especial relevância ao facto de a determinação do rendimento co1ectável, nestes casos, de processos que decorrem perante as Comissões de fixação de rendimentos, ser um acto conclusivo de um processo gracioso autónomo que se enxerta necessariamente no decurso do processo gracioso tributário e, por conseguinte, consubstanciar uma manifestação de vontade da Administração fiscal que representa a expressa resolução de um antecedente lógico do acto tributário final -, o seu regime jurídico é sempre o mesmo e, consequentemente, o resultado prático que dela se pretende extrair.
  Na verdade, quer os actos pressupostos, quer os actos preparatórios, com a natureza atrás referida, para além de regras específicas a que estão sujeitos no que diz respeito à competência do orgão para a sua decisão - que tem necessariamente de caber a orgão diverso do que praticará o acto tributário -, têm efeitos especiais de conformação e invalidade derivada sobre o conteúdo do acto tributário e gozam ainda de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário por eles prejudicado.
  Ora, é destas últimas características de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário que resultam as principais consequências para a equação do problema da prescrição da liquidação do imposto.
  Com efeito, como vimos atrás, a lei faculta aos interessados, nestes casos da fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do grupo B, remédios impugnatórios de reclamação e de recurso contencioso em relação àquele acto autónomo conclusivo de um processo também autónomo ainda que rudimentar como é a fixação do rendimento colectável, de tal modo que, decorridos os prazos para a sua apresentação sem que tenham sido utilizados, se verifica uma preclusão processual da questão neles versada, que já não mais poderá ser discutida, daí resultando o fundamento do dever da autoridade fiscal se conformar com o conteúdo desse acto prejudicial.
  Quer tudo isto dizer que, in casu, enquanto os actos pressupostos prejudiciais ou actos preparatórios prejudiciais referidos não estiverem completamente estabilizados no procedimento, não se poderá passar à fase seguinte, do lançamento e liquidação do imposto, a não ser no caso de ser interposto recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão, já que aqui a lei atribui a tal recurso efeito meramente devolutivo (artº 85º). Porém, se porventura for invalidado tal acto prejudicial com fundamento em vícios próprios, então, nessa situação, essa invalidação acarreta a necessária invalidação derivada do acto tributário, que deve ser anulado, substituído ou modificado, consoante os casos, de modo a conformar-se com o juízo formulado a respeito do acto prejudicial, operando tal invalidade derivada automaticamente. (Neste sentido, autor e obra citada, pág. 256).
  Não funciona, assim, no procedimento tributário, na sua pureza, o chamado princípio da impugnação unitária segundo o qual deveriam reflectir-se no acto tributário final todas as ilegalidades dos actos preparatórios ou actos pressupostos, mas apenas aqueles vícios destes actos prejudiciais dos quais se tenha reclamado ou recorrido autonomamente.
  Delineado, assim, o regime jurídico dos actos prejudiciais, encontramo-nos em condições de, a partir de agora, apreciar a terceira e última questão da prescrição liquidação do imposto complementar referente aos exercícios de 1991 e de 1992.
  Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
  Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.
  “Os prazos de caducidade, por sua própria natureza, pressupõem o interesse da rápida definição do direito, que se não-compadecem com dilações, já que protegem direito acabado de nascer e limita-o na sua distância, como afirma Carnelutti (citado pelo Dr. Aníbal de Castro, in “A Caducidade na Doutrina na Lei e na Jurisprudência”, pág.49).
  Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extingue-se directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
  O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
  O direito caducável existe até ao limite do prazo, extinguindo-se depois de modo a dele nada restar, porque se perdeu a possibilidade de o realizar por falta de exercício”.
  Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
  Deste modo, estes prazos não se suspendem nem se interrompem senão nos casos em que a lei o determina e a sua verificação só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito suspensivo (artºs 328º e 331, nº 1, do Cód. Civil).
  Pelo contrário, na prescrição, que assenta na inércia e na negligência do titular do direito no seu não exercício e que visa fundamentalmente a realização de objectivos de conveniência e oportunidade, embora não lhe sendo, como é óbvio, estranhas razões de justiça e também a segurança jurídica e certeza do direito, a suspensão e interrupção dos prazos são admitidos como regra (vidé artºs 318º e segs. e 323º e segs. do cód. Civil).
  Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR.
  Ora, in casu, e partindo da solução, a que aderiu a decisão recorrida e vai confirmada no presente Acórdão e que é a mais favorável à Administração, de que o recorrente, ora agravante, foi notificado da fixação do rendimento colectável, respeitante aos exercícios de 1991 e 1992, em 31.12.96, e não apenas em 28.01.97, como é a tese do ora agravante - e considerando ainda, de acordo com a orientação mais correntemente seguida (vidé autor e obra citada, pág. 242, nota 129), de que só a partir da notificação da liquidação ao contribuinte, e não apenas da realização desta dentro do prazo, se impede os efeitos da caducidade -, mesmo assim teremos de concluir, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que o direito à liquidação do imposto respeitante ao exercício de 1991 caducou nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR, porquanto, apesar de ter sido efectuada ainda no ano de 1996 e ter sido notificada ao agravante em 31.12.96, ela só poderia produzir efeitos decorrido que estivesse o termo legal dos 20 dias, contados após a notificação, seguidos de mais 30 dias, que a lei concede para a reclamação e sua apreciação pela Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável nos termos atrás indicados, pelo que a sentença recorrida irá ser revogada nesta parte.».
  Como decorre do citado Acórdão enquanto o “acto pressuposto” ou “acto preparatório” como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver “estabilizado no procedimento”, o mesmo é dizer enquanto não forem um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
  Ora o acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido erradicado da ordem jurídica.
  Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
  O poder ser praticado novo acto, embora de conteúdo igual, mas agora expurgado do vício, não vem repristinar o acto inicial.
  Este acto de fixação da matéria colectável relativo ao exercício de 2012 apenas foi praticado em 2019 quando há muito se havia completado o prazo de caducidade a que alude o artº 55º do RICR já não podendo por força dele proceder-se aos actos subsequentes de lançamento e liquidação do imposto.
  Ao contrário do que se sustenta no Parecer do Ministério Público junto do TA - quando defende que o novo acto foi praticado nos 30 dias em que o podia ser -, não tem aplicação no caso em apreço o disposto no artº 174º do CPAC, o qual inserido no capítulo referente ao processo executivo visa o cumprimento das decisões que imponham à Administração a prática de um comportamento (vg. pagamento de uma quantia) ou de um acto administrativo de conteúdo vinculado.
  A sentença anulatória por falta de fundamentação, como é o caso dos autos quanto à fixação da matéria da colectável ocorrida em 2016, não cabe seguramente na previsão do artº 174º do CPAC.
  Em face da anulação do acto a Administração Tributária praticaria ou não um outro acto se ainda fosse possível, nomeadamente, se ainda pudesse haver lugar à liquidação de imposto.
  O fundamento invocado na decisão recorrida de que o artº 55º do RICR apenas se aplica à liquidação e não ao acto da fixação da matéria colectável, também nos termos em que é usado, não estando errado, não serve à solução do caso em apreço.
  Após a sentença anulatória da decisão da Comissão de Revisão a Recorrente pediu a devolução do imposto pago em 2016.
  Salvo melhor opinião, a anulação da liquidação de imposto de 2016 – como aliás decorre do citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau – é uma decorrência da anulação da decisão de fixação da matéria colectável.
  Não havendo fixação da matéria colectável não se pode inscrever o imposto para lançamento e proceder à liquidação.
  Tal como já vimos, uma vez que o recurso da decisão da Comissão de Revisão tem efeito meramente devolutivo, nada obstava a que após aquela decisão se lançasse e liquidasse o imposto. Mas anulando-se aquela (a fixação da matéria colectável) a liquidação é anulada por ser um acto decorrente/consequente/dependente daquele.
  Em termos de direito comparado o Regulamento do Imposto Complementar de rendimentos não segue o regime que se aplica em Portugal de impugnação unitária dos actos tributários que é feito através da impugnação da liquidação onde se discutem todos os vícios do procedimento, nomeadamente os actos de fixação da matéria colectável. Esta solução jurídica evita os problemas como aquele que temos agora, mas não foi a opção escolhida pelo nosso legislador.
  Havendo um regime de impugnação autónoma dos actos pressuposto ou actos preparatórios e do acto de liquidação, pode ocorrer – como sucede no caso em apreço – que após a realização do acto de liquidação (que ao tempo era possível) venha a ser anulado um dos actos pressuposto ou preparatórios.
  Não se pode exigir (nem a lei o faz) que o contribuinte tendo impugnado o acto pressuposto ou preparatório, haja, apenas para acautelar o seu direito que impugnar a liquidação, o que até nem faria sentido, porque se aquele não vier a ser anulado esta (a liquidação) não enfermaria de vício algum.
  No entanto se o acto pressuposto ou preparatório vier a ser anulado a liquidação sendo um acto subsequente daquele tem de ser anulada.
  Isto era o que se devia ter feito no caso em apreço e não se fez.
  Se ainda não houvesse decorrido o prazo de caducidade de 5 anos nada obstaria a que a Administração Fiscal praticasse novo acto de fixação da matéria colectável, inscrevesse o imposto para lançamento e procedesse à liquidação.
  O que nunca se poderia fazer é praticar um acto novo, expurgado dos vícios que o acto anulado tinha, e fazer crer que esse acto (novo) praticado posteriormente se insere no procedimento que se havia realizado antes.
  Ou seja, neste caso - que é o que parece que a Administração Fiscal e a sentença recorrida sustentam – o acto pressuposto ou preparatório é praticado 3 anos depois da liquidação e fica tudo sanado sem que se possa invocar a caducidade da liquidação porque essa tinha sido feita em tempo.
  É precisamente contra esta situação que o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau decidiu em 18.11.1998.
  No caso em apreço a Administração Fiscal em resposta ao requerimento da Recorrente, nada disse quanto à anulação da liquidação de 2016 e devolução do imposto, praticando um acto de fixação da matéria colectável para além dos 5 anos do prazo de caducidade da liquidação, não liquidando imposto e dizendo que a liquidação que subsiste foi a feita anos antes do acto de fixação da matéria colectável.
  Ora, este raciocínio viola manifestamente todo o procedimento de liquidação do imposto.
  A anulação do acto administrativo implica segundo as regras do direito a anulação de todos os actos subsequentes que dele dependam.
  A possibilidade de praticar um novo acto administrativo expurgado dos vícios do anterior que foi anulado, exige que se pratiquem de novo também os actos subsequentes que dele dependem.
  No caso dos autos ficámos num limbo em que nada se disse quanto à liquidação anterior, subsequente e decorrente do acto que foi anulado e não se fez nova liquidação decorrente do acto novo.
  Outra solução não resta que não seja a de, acompanhando o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau, concluir pela caducidade do direito ao procedimento de liquidação por força do disposto no artº 55º do RICR e consequentemente revogar o acto impugnado de fixação da matéria colectável de imposto complementar sobre o rendimento referente ao exercício de 2012 por violação de lei.
  Assim são de proceder as conclusões do recurso 1) a 15) e 16) a 18), sendo de anular a decisão recorrida.
  Em sentido idêntico e de onde resulta que a liquidação não pode ter lugar antes de concluído o processo de fixação da matéria colectável se concluiu no Acórdão deste Tribunal de 02.03.2000, Procº 34/2000, consultado em Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, Tomo I, de 2000 e no Acórdão de 24.06.2020 processo 327/2020.
  Procedendo a invocada caducidade do direito à liquidação e subsequente anulação do acto impugnado fica prejudicada a invocada apreciação de erro nos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado.
  
III. DECISÃO
  
  Termos em que pelos fundamentos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida anulando-se o acto tributário impugnado por caducidade do direito à liquidação do imposto complementar referente ao exercício de 2012.
  
  Sem custas por dela estar isenta a Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 17 de Setembro de 2020
  
  Relator
  Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
  
  Primeiro Juiz-Adjunto
  Lai Kin Hong
  
  Segundo Juiz-Adjunto
  Fong Man Chong
  
  
  Mai Man Ieng
1 Facto adicionado por nós por considerarmos essencial para a decisão da causa e constar dos documentos juntos aos autos
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529/2020 ADM 1