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Processo n.º 133/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A.
Recorrido: Chefe do executivo da RAEM
Data da conferência: 27 de Novembro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Caducidade da concessão provisória
- Caducidade-preclusão
- Causa impeditiva da caducidade
- Princípios gerais do Direito Administrativo
- Abuso de direito

SUMÁRIO
1. A caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão, em que é irrelevante a discussão sobre a questão de culpa no não aproveitamento do terreno concedido.
2. Face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos art.ºs 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.).
3. Mesmo admitindo que a Administração reconheceu o direito da concessionária de desenvolver o terreno para além do prazo de aproveitamento estatuído no contrato de concessão, tal não implica o reconhecimento do direito ao aproveitamento para além do prazo de arrendamento, pois a lei e o contrato de concessão permitiam era, no máximo, aproveitar o terreno até perfazer o prazo de 25 anos.
4. Não se verifica a causa impeditiva prevista no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil.
5. Ao declarar a caducidade da concessão do terreno, está a Administração a exercer um poder-dever, prescrito por normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
6. Na realidade, limita-se a Administração a cumprir a lei, que é imperativa ao impor à Administração uma obrigação, de praticar um acto vinculativo.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

1. Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A., melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3.490 m2, designado por lote 10 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22520, a fls. 172 do livro B49K.
Por acórdão proferido em 29 de Abril de 2020, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso contencioso.
Inconformada com o acórdão, recorre a Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A. para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Para os efeitos do artigo 152.º do CPAC, entende a Recorrente que o Acórdão recorrido incorre em violação e erro na aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 5.º, 8.º, 11.º e 12.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), que estipulam os princípios da igualdade e boa fé, da decisão e da eficiência da Administração; do artigo 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC, relativo ao erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito; dos artigos 115.º do CPA e 21.º, do n.º 1, al. c) do CPAC, relativos ao vício de falta de fundamentação; dos artigos 323.º e 326.º do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade e ao abuso de direito; dos artigos 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica e do artigo 1427.º do Código Civil, por referência ao direito do uso de superfície, e do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico;
2. Sendo que a alegada violação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico não foi sequer abordada no Acórdão recorrido, o que salvo o devido respeito configura o vício de omissão de pronúncia, o que determina a nulidade do Acórdão, de acordo com o previsto no artigo 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.º do CPAC;
3. O efeito extintivo do direito da concessionária não se produz automaticamente pela mera ocorrência de um facto objectivo, exigindo-se um juízo avaliativo da Administração para declarar a caducidade, avaliação essa que deve ponderar todos os interesses concretamente em causa, avaliação que não é feita no ponto 7 do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, não existindo fundamentação sobre percurso traçado para chegar a essa conclusão, circunstância que consubstancia vício de falta de fundamentação, nos termos dos artigos 115.º do CPA e 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC;
4. Recai sobre o órgão público competente o dever vinculado de verificar e avaliar as causas de caducidade, fazendo um juízo sobre a conduta do particular/sujeito privado, pois só assim poderá averiguar se há incumprimento e em que medida o incumprimento é imputável ao particular;
5. Saber se, no decurso do prazo fixado, foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas, tal como é exigido no artigo 44.º da Lei de Terras, implica, pressupõe e exige que a Administração avalie efectivamente o comportamento contratual do concessionário, para, de tal modo, poder concluir pelo cumprimento ou incumprimento daquelas cláusulas;
6. Pelo que, na falta de uma avaliação quanto ao cumprimento do contrato de concessão, não pode a Administração declarar a caducidade da concessão de terreno apenas com base no decurso do prazo fixado no contrato;
7. Os artigos 44.º, 47.º, n.º 1, 48.º, n.º 1 e 215.º da Lei de Terras citados nos Pareceres da Comissão de Terras e do Secretário para os Transportes e Obras Públicas não são normas legais que justifiquem a decisão proferida;
8. Não há fundamentação de direito quando não se invoca no acto administrativo norma legal ou princípio de direito justificativos do sentido decisório do acto apresentando-se, deste modo, insuficiente a fundamentação do acto que equivale a falta de fundamentação e determina consequentemente a sua anulação;
9. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong, na sua declaração de voto vencido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 354/2017, entendeu que não pode ser declarada a caducidade da concessão quando a Administração pratica actos que reconhecem direitos às concessionárias e que impedem a caducidade;
10. Como foi referido nas alegações facultativas, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (“DSSOPT”), publicou e mantém disponível para consulta, há vários anos, no seu website, um link (https://www.dssopt.gov.mo/pt/menu/publicInfo/id/171) com uma lista designada “65 processos dos terrenos que não foram classificados como terrenos não desenvolvidos dentro do prazo, por razões não imputáveis ao concessionário no ano 2011”, em Chinês “65個於2011年基於不可歸責承批人之原因,不被納入為未按時發展之土地個案”, onde está incluído, em 19.º lugar, o lote de terreno em causa nos presentes autos;
11. E para que não se diga que a lista publicada pela DSSOPT não vincula a RAEM, importa recordar que o Exmo. Chefe do Executivo, na sua qualidade de representante máximo da RAEM, referiu, em 18 de Novembro de 2015 e 22 Abril de 2016, na Assembleia Legislativa, durante as apresentações das Linhas de Acção Governativa, assumiu a responsabilidade da RAEM pela falta de desenvolvimento do terrenos concessionados no Fecho da Baía da Praia Grande;
12. Disse o Senhor Chefe do Executivo, na primeira intervenção, que os 14 terrenos localizados nas zonas C e D da Nam Van, pertencem aos 65 casos que não são da responsabilidade dos concessionários e que não foram incluídos nos casos de desenvolvimento inacabado após a análise realizada em 2011 e que não foram concluídos devido à falta de aprovação dos planos, à alteração dos contratos de concessão, ao planeamento urbanístico, ao andamento dos processos judiciais e a outros motivos;
13. Acrescentou o Chefe do Executivo, na segunda intervenção, que o Governo está a trabalhar e a reexaminar os casos em que os terrenos não puderam ser desenvolvidos por razões imputáveis ao Governo, para apurar as responsabilidades que deve assumir;
14. As afirmações do Chefe do Executivo proferidas, nessa qualidade e na Assembleia Legislativa vinculam, obviamente a RAEM, no claro reconhecimento de culpa da Administração pelo incumprimento dos compromissos assumidos das legítimas expectativas criadas nas Autoras, como resulta com abundância nos autos;
15. Como tal, o entendimento de que as informações e comunicações da DSSOPT não vinculam a RAEM, e não podem configurar reconhecimento de culpa nem o reconhecimento de direitos, contende claramente com a lista publicada no website da DSSOPT das concessionárias que não puderam desenvolver os terrenos concessionados por culpa do Governo e com as afirmações do Senhor Chefe do Executivo que as validou perante outro órgão máximo da RAEM: a Assembleia Legislativa;
16. Ora, tendo a Administração reconhecido os direitos das concessionárias verem aprovado o projecto que apresentaram e as revisões dos seus contratos de concessão, não pode, agora, vir-se afirmar que a caducidade ocorreu ipsu iure, escudando-se nos supra referidos preceitos da Lei de Terras, em clara violação do artigo 8.º do Código Civil, que proíbe o intérprete de se cingir à letra da lei;
17. Afirmar que a caducidade das concessões opera por mero decurso do prazo, a Administração faz tábua rasa do reconhecimento da causa impeditiva e viola os princípios da igualdade e da boa fé, nomeadamente porque, nos Despachos do STOP n.º 20/2006, de 20 de Fevereiro de 2006, n.º 8/2009, de 3 de Fevereiro de 2009, e n.º 89/2007, de 23 de Outubro de 2007, publicado no BO n.º 44, II Série, de 31 de Outubro de 2007, foi verificada a falta de culpa dos concessionários no cumprimento dos prazos, sendo que as previsões relevantes da antiga Lei de Terras, citadas nos Pareceres da Comissão de Terras referidos naqueles três Despachos são iguais às da Lei de Terras em vigor;
18. Não se entende como pode o Tribunal recorrido limitar-se a acolher o Parecer do Magistrado do MP e não tomar em consideração que aqueles Despachos são obviamente legais e enobrecem quem os praticou, porque denotam o respeito pela tutela da confiança contratual, pelos princípios da boa fé e da justiça, pelo cumprimento dos compromissos assumidos e pela segurança do comércio jurídico – que são pilares de um Estado de Direito;
19. A adopção de critérios diferentes para situações idênticas, dando por verificada a falta de culpa das concessionárias noutras concessões face à declaração de caducidade por parte da entidade recorrida no caso em análise nos autos, quando da sua conduta resultou sempre que não o iria fazer e sendo ela quem impediu a revisão do contrato de concessão, resulta na violação dos princípios da igualdade e da boa fé, e consubstancia um abuso de direito, vg. artigos 25.º da Lei Básica, 5.º e 8.º, n.º 2, al. a) do CPA e 326.º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, princípio que se mostra violado;
20. Por outro lado, como contrapartida pelas desistências das concessões dos lotes B/b, B/f, B/g e B/1 da Zona B, o Governo garantiu, contratualmente, à Nam Van e às suas subsidiárias, incluindo a Recorrente, que iria rever os planos de pormenor das Zonas C e D, para nelas incluir as áreas dos quatro lotes que reverteram para a RAEM, tal como consta dos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.os 33/2004, 34/2004, 35/2004 e 36/2004 de 1 de Abril, publicados no B.O. n.º 14, II Série, de 14 de Abril de 2004;
21. O prometido aumento da área de construção e capacidade aedificandi das Zonas C e D não se verificou e constituiu, como é evidente, mais um factor de constrangimento criado pelo Governo no desenvolvimento dos projectos imobiliários das várias concessionárias, incluindo o da Recorrente;
22. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong tem defendido, e julga-se que bem, que o princípio da boa fé não se aplica só aos casos de exercício de poder discricionário por parte da Administração mas também nos casos de exercício de poderes vinculados;
23. Entendimento partilhado pelos Tribunais Portugueses, conforme consta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 25/06/2008, no Processo n.º 0291/08, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00101/2002.TFPRT.21 de 10/03/2016 e do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 01312/07.8BEPRT, de 02/11/2010;
24. Também os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mário Aroso da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Fernando Alves Correia e Licínio Lopes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra seguem o mesmo raciocínio jurídico, ou seja: princípios como o da justiça e da boa fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais;
25. O princípio da tutela da confiança e do investimento de confiança assume especial relevância, dado que visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem;
26. O entendimento expresso no Acórdão recorrido que dispensa a Administração de obedecer aos princípios da igualdade e boa fé, no exercício de poderes vinculados, conduz, necessariamente, à conclusão de que a Administração da RAEM pode agir de má fé e em abuso de direito;
27. Não se entende que a Administração se escude nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1, 48.º, n.º 1 e 215.º da Lei n.º 10/2013, para apelar à caducidade das concessão do lote C10, quando é manifesto que esses preceitos só fazem sentido se não existir um comportamento culposo por parte da Administração;
28. Não existindo culpa da Recorrente, facto que a própria Entidade Recorrida reconheceu, o artigo 166.º da Lei de Terras não pode ser aplicado às concessões pretéritas, é este o resultado da ressalva da alínea 3) do artigo 215.º da Lei da Terras;
29. A Administração reconheceu direitos à Recorrente, desguarnecendo, em clara violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 5.º do CPA, o cuidado e as precauções que devem ser tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos;
30. A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança; esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé;
31. O artigo 41.º da Lei de Terras estabelece, quanto ao regime jurídico aplicável à concessão por arrendamento, que a “concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano rege-se pelas disposições da presente lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável”, e o artigo 220.º, preceitua que, em tudo quanto não estiver, expressamente, previsto na presente lei, são aplicáveis subsidiariamente, consoante a natureza das matérias, o Código do Procedimento Administrativo, o Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código do Registo Predial;
32. A menção ao Decreto-Lei n.º 52/99/M (Regime Geral das Infracções Administrativas) é indiciador de que o incumprimento da Lei de Terras implica a aplicação de sanções e, como tal, que a caducidade prevista nesta Lei é a caducidade-sanção e não a caducidade preclusiva;
33. O artigo 99.º da Lei de Terras estipula a sujeição do concessionário às vinculações prescritivas do plano urbanístico que vigore na zona onde o terreno concedido se encontre situado e a cumprir as condições que lhe sejam impostas para a racional utilização dos recursos naturais do terreno concedido;
34. O artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico determina que, quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento de um terreno concedido, o concessionário tem direito, nos termos da Lei de Terras, a requerer a revisão do contrato de concessão ou, tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão, sem prejuízo de ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido, preceito que se considera violado, que foi objecto do recurso interposto do acto de declaração de caducidade e sobre o qual o Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou;
35. Defende o Meritíssimo Juiz Fong Man Chong que enquanto não se verificar a condição (a aprovação do Plano Urbanístico) a Administração está inibida de declarar a caducidade da concessão de terrenos e de contar o decurso do prazo de aproveitamento, porque a Administração admitiu expressamente o direito das concessionárias sobre os terrenos e foi ela quem impôs uma condição ao acto praticado anteriormente, na verdade essa condição ainda não se verificou, estando ainda a Administração e as concessionárias a ela sujeitas;
36. Ou seja, o acto da Administração que ordenou a suspensão das obras constitui uma condição suspensiva prevista no artigo 111.º do CPA, só depois da aprovação do plano urbanístico é que era permitido o concessionário a continuar a construção e rever a concessão;
37. A Administração comprometeu-se a prorrogar os prazos de aproveitamento e a proceder às revisões dos contratos de concessão, para isso foram emitidos várias PAO, pareceres favoráveis da Autoridade de Aviação Civil, CEM, IACM e Corpo de Bombeiros, depois da aprovação do novo plano de intervenção urbanística das Zonas C e D do Fecho da Baía da Praia Grande;
38. Com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem à Recorrente, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil;
39. O artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil determina que quando se trate de prazo fixado por contrato, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido impede a caducidade;
40. Sendo o direito disponível, se for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição), o reconhecimento impede, sim, a caducidade tal como impediria a prática do acto sujeito a caducidade;
41. O prazo de caducidade não se suspende nem interrompe, a não ser nos casos em que a lei o determine (artigo 320.º do nosso Código Civil), podendo, porém, ser impedido (artigo 323.º do nosso Código Civil), o que corresponderá à efectivação do direito, sem gerar novo prazo, ficando o mesmo sujeito às disposições que regem a prescrição;
42. Se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade, esse reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, uma vez feito, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade.
43. Ensina Adriano Vaz Serra, como foi doutamente registado pelo Meritíssimo Juiz Fong Man Chong na sua Declaração de Voto Vencido do presente processo, que se a caducidade for arguida por quem lhe deu causa que a respectiva invocação pode ser paralisada por abuso de direito;
44. Entende-se que quem com a sua actuação obsta ao exercício tempestivo do direito do titular, e vem depois invocar a caducidade desse direito, procede contra a boa fé, podendo o titular opor-lhe a referida objecção, com o efeito de ao titular ser concedido o tempo adequado segundo as circunstâncias para o exercício do direito;
45. O direito de superfície reveste um carácter autónomo, em relação ao direito de propriedade do dono do terreno, sendo o seu objecto integrado pela faculdade de ocupação do espaço aéreo e do subsolo correspondentes à porção delimitada de terreno. Embora o solo continue pertença daquele, pode o superficiário ocupar com a construção ou com a plantação que tenha direito a fazer ou manter esse solo;
46. A Administração usa o instituto jurídico da caducidade como uma punição sem culpa, desembocando num efeito jurídico próximo do da expropriação sem compensação, em clara violação do espírito do artigo 103.º da Lei Básica;
47. Nem se diga que não é o direito de propriedade que está em causa, pois o que a Recorrente adquiriu foi o direito do uso da propriedade, também consagrado e protegido naquele preceito fundamental da lei de Macau;
48. Neste sentido, o Prof. Doutor Fernando Alves Correia e o Juiz Fong Man Chong defendem que a concessão por arrendamento de terrenos do Estado dá lugar à aplicação subsidiária do regime jurídico do direito de superfície de duração previsto no artigo 1427.º do Código Civil;
49. Os concessionários por arrendamento viram-se impedidos de exercer o seu direito a fazer a obra, nos termos contratualmente acordados, por factos da Administração, aos quais são completamente alheios, e que não podiam de todo em todo ultrapassar;
50. Por conseguinte, em tais casos verifica-se, para os concessionários, uma situação de absoluta invencibilidade do obstáculo criado pela Administração à realização do aproveitamento, pelo que se verificam “motivos de força maior” que impediram os concessionários de exercerem o seu direito, para os efeitos do n.º 1 do artigo 313.º do Código Civil de Macau;
51. Mesmo que se considerasse que a noção de motivo de força maior não abrange estas situações, o que, como acabámos de ver, não pode merecer dúvidas, ainda assim sempre seria aplicável o n.º 2 do artigo 313.º do Código Civil de Macau;
52. Na verdade, e a despeito deste n.º 2 mencionar o dolo da contraparte, entende-se que o mesmo é aplicável para o caso de, podendo embora não ter existido dolo da contraparte, ainda assim lhe ser imputável a não observância pelo devedor do prazo fixado, se a alegação da prescrição/caducidade pelo credor ofender a boa fé; e
53. Neste cenário, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não ocorreu a caducidade da concessão e o respectivo prazo está suspenso, nos termos do artigo 313.º do Código Civil de Macau, aplicável por força do n.º 3 do artigo 1427.º do mesmo código, ambos por sua vez convocados ex vi artigo 41.º da Lei de Terras.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, propendendo pelo não provimento do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos considera-se assente a seguinte factualidade com relevância para a boa decisão do recurso:
1. Na sequência do Despacho n.º 203/GM/89, de 29/12/1989, por escritura pública de 30/07/1991, com as alterações introduzidas pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93, 56/SATOP/94 e 71/SATOP/99, respectivamente publicados no Boletim Oficial de 06 de Julho de 1992, 26 de Abril de 1993, 01 de Junho de 1994 e 18 de Agosto de 1999, o terreno com a área de 738 m2, situado junto à Avenida Doutor Stanley Ho, designado por lote C4 do Plano da Baía Grande, foi concedido por arrendamento simultaneamente com outros lotes previstos no mesmo plano à Sociedade de Empreendimentos Nam Van.
2. Pelo Despacho do SOPT n.º 87/2001, foi autorizada a transmissão à Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A. das situações decorrentes da concessão por arrendamento, do terreno respeitante ao lote C10 da zona C da Baía da Praia Grande.
3. Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arredamento do lote C4 é válido até 30 de Julho de 2016.
4. De acordo com as cláusulas terceira e quinta do contrato de concessão, o lote C10 destina-se a habitação e estacionamento, o seu prazo de aproveitamento deve operar-se no prazo global de 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, data em que foi publicado o Despacho n.º 71/SATOP/99, isto é, até 17 de Agosto de 2005.
5. Pelo requerimento n.º 65 880/2016 de 06 de Maio de 2016, a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. solicitou a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno em apreço e a aprovação do Plano de Reordenamento para o Fecho da Baía da Praia Grande.
6. Pelo requerimento que se anexa ao ofício n.º 05249/GCE/2016 de 01 de Julho de 2016, a Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A. solicitou a suspensão e prorrogação de prazo de aproveitamento e renovar o prazo de arrendamento, ou conceder novamente o mesmo terreno por arrendamento e com dispensa de concurso público ou proceder à troca do terreno em apreço, por direito de outro terreno adjacente.
7. Não foi concluído o aproveitamento do terreno.
8. O terreno encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 22 520 a fls. 167 do livro B49K e inscrito a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A. sob o n.º 26 673F, e não se encontra onerado com qualquer hipoteca na inscrição da CRP.
9. No procedimento com vista à declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, foi elaborado e aprovado o seguinte parecer pela Comissão de Terras:
Proc. n.º 67/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 3 490m2, situado na península de Macau, designado por lote 10 da zona C do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
I
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.º 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. De acordo com o estabelecido no artigo segundo do contrato de revisão de concessão titulado pelo Despacho n.º 56/SATOP/94 (concessão dos treze lotes das zonas C e D), o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
4. Segundo o estipulado na cláusula quarta do mesmo contrato, o aproveitamento de cada lote das zonas C e D deve ser realizado em conformidade com o Plano de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande e respectivos regulamentos, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991. Entre esses lotes, o lote 10 da zona C, com uma área de 3 490 m2, será aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade habitacional e de estacionamento, cuja altura máxima permitida é de 34,5m NMM.
5. O prazo de aproveitamento dos lotes das zonas C e D é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, conforme previsto na cláusula sexta do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho n.º 73/SATOP/92, na redacção introduzida pelo artigo terceiro do contrato titulado pelo referido Despacho n.º 56/SATOP/94.
6. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram numa nova revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
7. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes da zona B, reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
8. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados nas zonas C e D prorrogado por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
9. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 87/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno, designado por lote 10 da zona C do referido empreendimento a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
10. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
11. O terreno em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22520 a fls. 172 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.º 26673F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
II
12. Em 15 de Março de 2006, através de requerimento acompanhando de um estudo prévio de construção, co-assinado pelas concessionárias dos lotes 8, 9, 10 e 11 da zona C e apresentado à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), estas solicitaram o aproveitamento em conjunto dos referidos 4 lotes, de forma a constituírem um único lote com a área global de 14 105m2, para construção de edifícios com 150m NMM de altura nos lotes C8 e C9, e de um auto-silo subterrâneo e jardim nos lotes C10 e C11.
13. Através de ofício datado de 2 de Junho de 2006, o Departamento de Urbanização (DUR) da DSSOPT informou as requerentes que, por despacho do director destes Serviços, de 19 de Maio do mesmo ano, o estudo prévio acima referido foi considerado passível de aprovação, condicionada ao cumprimento dos pareceres técnicos emitidos pelas várias entidades.
14. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M.
15. Todavia, devido ao facto do plano das zonas C e D da Baía da Praia Grande ainda não ter sido aprovado, o procedimento de revisão do contrato de concessão do lote C10 não foi concretizado.
16. Em 15 de Julho de 2005 o “Centro Histórico de Macau” foi inscrito na lista do património mundial. Segundo o parecer emitido pelo Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) da DSSOPT, através da comunicação de serviço interno (CSI) n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril, sobre a situação dos lotes das zonas C e D, dado que estas zonas se situam a sul deste Centro Histórico, bem como a importância da sua localização, os diversos sectores sociais e os especialistas em património mundial acompanham sempre com atenção o respectivo planeamento. Em articulação com a monitorização por parte do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande e apenas em Novembro de 2014 é que o referido departamento concluiu o estudo do plano urbanístico das mesmas, aguardando ainda pela aprovação superior, a fim de poder emitir as respectivas plantas de condições urbanísticas (PCU).
17. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., através do requerimento de 6 de Maio de 2016, solicitou que fosse autorizada a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno.
18. Em 30 de Junho de 2016, a concessionária apresentou um novo requerimento dirigido ao Gabinete do Chefe do Executivo, a solicitar a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno, a prorrogação do prazo de aproveitamento por mais de 10 anos, a renovação do prazo de concessão provisória por mais 10 anos ou, após a declaração da caducidade da concessão do referido lote, a sua concessão de novo à requerente, com dispensa de concurso público, ou a sua troca pelo direito de concessão de outro terreno adjacente, com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalentes.
III
19. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
20. Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 373/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167.º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
21. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
22. Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
23. Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
24. De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
25. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
26. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 10 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes da proposta n.º 373/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 19 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.

10. Na sequência da elaboração e aprovação do parecer supra pela Comissão de Terras, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
Proc. n.º 67/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 3 490m2, situado na península de Macau, designado por lote 10 da zona C do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 87/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 10 da zona C do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A ..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade habitacional e de estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 34,5 mNMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 10 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
11. Submetido o parecer à decisão pelo Senhor Chefe do Executivo, o mesmo exarou sobre ele o seguinte despacho:
Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 67/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 14 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 3 de Maio de 2018.

3. Direito
No presente recurso foram suscitadas as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre a imputada violação do art.º 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico;
- Violação dos princípios da igualdade e boa fé, da decisão e da eficiência da Administração;
- Errada apreciação do vício de falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto;
- Causa impeditiva da caducidade;
- Abuso de direito;
- Violação dos art.ºs 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica da RAEM e do art.º 1427.º do Código Civil; e
- Violação do art.º 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico.
Vejamos.

3.1. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e da violação do art.º 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico
Alega a recorrente que a violação do art.º 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico por si invocada não foi sequer abordada no acórdão recorrido, o que configura o vício de omissão de pronúncia, determinando a nulidade do acórdão.
Ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, enquanto o art.º 563.º n.º 2 do mesmo diploma prevê que “o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
E por questões entendem-se “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”.1
Visto o acórdão recorrido, parece certo que o Tribunal de Segunda Instância não tomou expressamente posição sobre a questão indicada pela recorrente.
No entanto, há que ver em que termos foi invocado o art.º 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico para apurar se se trata de uma questão que haja de ser conhecida pelo tribunal, sob pena da nulidade do acórdão.
Ora, constata-se na petição do recurso contencioso que a recorrente identificou expressamente os vícios do acto administrativo impugnado, sendo um deles “falta de fundamentação e do erro nos pressupostos de facto”. Foi precisamente nesta parte, nomeadamente ao alegar a violação do princípio da igualdade, em que a recorrente invocou, num único artigo, a norma em causa para demonstrar que o concessionário do terreno tem direito a requerer a revisão do contrato de concessão ou a transmissão das situações resultantes da concessão nos termos legai, sem prejuízo de ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido (cfr. fls. 19, 35 a 38 dos autos).
Daí que, evidentemente, a recorrente não chegou a imputar a violação do art.º 55.º, que nem sequer foi invocada como vício autónomo do acto.
Tal como salienta o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, a invocação pela recorrente da violação da norma em causa “não pode ser equacionada na ‘questão’ submetida ao tribunal, constituindo tão-só e simplesmente um fundamento para fazer valer o pedido da anulação do despacho objecto do recurso contencioso”, pelo que não deve ser considerada como uma questão de que o tribunal deva conhecer.
Assim, sendo a norma invocada apenas a propósito do suscitado vício de violação do princípio da igualdade, vício este que foi devidamente apreciado pelo acórdão recorrido, não se detecta a omissão de pronúncia imputada pela recorrente.
No presente recurso jurisdicional, invoca a violação do art.º 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico.
Trata-se duma questão nova, que não foi submetida à apreciação do TSI e que não é de conhecimento oficioso.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão de Segunda Instância e não para apreciar questão que não foi anteriormente suscitada, a não ser de conhecimento oficioso, pelo que não é de conhecer a questão ora colocada.

3.2. Da errada apreciação do vício de falta de fundamentação e do erro nos pressupostos de facto
Ora, nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A lei permite que se faça a fundamentação do acto administrativo com mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
No caso vertente, é precisamente por este meio que se encontra fundamentada a decisão impugnada pela recorrente.
Constata-se no Parecer do STOP que este solicitou ao Chefe do Executivo a declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, “tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), ……” (ponto 7 do Parecer).
Daí que, como facilmente se percebe, o acto administrativo em crise se fundamenta no decurso do prazo de arrendamento do terreno sem que este se mostre aproveitado e na impossibilidade de renovação da concessão provisória, de acordo com o previsto no n.º 1 do art.º 48.º da Lei de Terras, o que determina a caducidade da concessão do terreno.
Perante uma fundamentação como esta, é de crer que, mesmo não sendo completa a explicação sobre os motivos justificativos, foi devidamente cumprido o dever imposto pelo art.º 115.º do CPA, pois a leitura do despacho questionado, que remete para o Parecer do STOP, permite a compreensão, para um destinatário normal, dos motivos, embora sucintamente exposto, que levaram a entidade recorrida a tomar a decisão.
É consabido que a insuficiência da fundamentação não gera necessariamente uma situação de falta de fundamentação, pois só a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação (art.º 115.º n.º 2 do CPA). O que não é o nosso caso.
E não é bem exacto que a entidade recorrida não invocou no acto administrativo nenhuma norma legal justificativa do sentido decisório do acto, já que foi indicado o preceito no n.º 1 do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013 quanto à impossibilidade de renovação da concessão provisória do terreno.
É verdade que não se consta a menção expressa do art.º 166.º da Lei de Terras, que regula situações em que ocorre a caducidade da concessão do terreno; porém, o acto administrativo nem por isso deixa de permitir aos seus destinatários, incluindo a ora recorrente, perceber a sua racionalidade da decisão.
Ora, o acto administrativo questionado fundamenta-se no decurso do prazo de arrendamento do terreno, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e na não renovação da concessão provisória do mesmo terreno.
Daí que não se pode afirmar que a Administração não fez avaliação sobre o cumprimento por parte da ora recorrente do contrato de concessão.
Na verdade, até ao termo do prazo de arredamento do terreno, este não se encontrava ainda aproveitado, pelo que forçosamente é de concluir que não foram cumpridas as cláusulas contratuais quanto ao aproveitamento do terreno.
Improcede o argumento da recorrente quanto ao vício formal de falta de fundamentação.
Por outro lado, não concorda a recorrente com o acórdão recorrido na parte em que se considera a caducidade relativa à concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento do terreno como caducidade preclusiva, natureza esta também indicada pela entidade recorrida.
Na tese da recorrente, está em causa uma caducidade sancionatória, pelo que, não existindo a culpa da recorrente no não aproveitamento do terreno, o art.º 166.º não pode ser aplicado às concessões pretéritas, o que resulta da ressalva da al. 3) do art.º 215.º da Lei de Terras.
É de salientar, desde logo, que a ressalva feita na al. 3) do art.º 215.º se aplica a casos em que se verifique a expiração do prazo de aproveitamento fixado sem que este tenha sido realizado por culpa do concessionário.
No presente caso, a caducidade da concessão do terreno não se deveu ao não aproveitamento do terreno no prazo de aproveitamento, mas sim ao decurso do prazo de concessão sem o aproveitamento por parte da recorrente, daí que, para declaração da caducidade da concessão, não se mostra relevante a existência, ou não, da sua culpa no não aproveitamento do terreno.
Na realidade, decorre das disposições tanto da Lei de Terras nova – art.º 166.º n.º 1, al. a) – como da Lei antiga – art.º 166.º n.º 2 e n.º 1, al. a) – que a falta de aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais implica a caducidade das concessões provisórias de terrenos urbanos, devendo o Chefe do Executivo declarar a caducidade das respectivas concessões.
Ora, quanto à natureza da caducidade declarada por decurso do prazo de concessão sem que o terreno se encontre aproveitado, a questão já foi por muitas vezes abordada e apreciada tanto pelo Tribunal de Segunda Instância como por este Tribunal de Última Instância, sendo que a jurisprudência de Macau vai no sentido de considerar a caducidade como caducidade preclusiva.
Nos seus acórdãos proferidos nos Processos n.º 7/2018, n.º 43/2018 e n.º 90/2018, de 23 de Maio, 6 de Junho e 12 de Dezembro de 2018, para além de outros, o Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos referidos acórdãos na parte respeitante à questão ora em causa.
Repetindo, não está aqui em causa a questão de culpa no não aproveitamento do terreno, uma vez que, ratando-se duma caducidade-preclusão, é irrelevante a discussão sobre tal questão.
Nos termos do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013, é estabelecida como regra a não renovação da concessão provisória, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (que não é o nosso caso).
E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
No caso vertente, a verdade é que, independentemente da questão da culpa, não foram cumpridas as cláusulas estipuladas no contrato de concessão, pois não se verifica o aproveitamento do terreno, pelo que não há lugar à conversão em definitiva da concessão provisória.
A lei é muito clara quanto à não renovação da concessão provisória e à sua caducidade, independentemente da culpa, ou não, do concessionário, dai que é imposta à Administração o dever de declarar a caducidade de concessão.
Por outro lado, tal como se decide já em muitos acórdãos anteriores, entendemos que, face à falta de aproveitamento por parte do concessionário no prazo de concessão do terreno, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.
O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Trata-se duma actividade de natureza vinculativa.
É de manter aqui a posição deste TUI, já anunciada em vários acórdãos em que se discute a questão sobre a natureza discricionária ou vinculativa do acto de declaração de caducidade.2
No presente caso, uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 sem que o terreno tenha sido aproveitado, deve o Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão, pelo decurso do prazo de arrendamento, tal como sucedeu.
Improcede também o vício imputado de erro nos pressupostos de facto.

3.3. Da violação dos princípios da boa fé, da igualdade, da decisão e da eficiência da Administração e do abuso de direito
A questão de violação dos princípios gerais de direito administrativo também já foi objecto de apreciação em vários acórdãos proferidos pelo TUI, tais como nos processos n.ºs 7/2018, 43/2018 e 79/2019, para além de outros, tendo este Tribunal considerado que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não vale aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.).
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento por parte da recorrente no prazo de concessão de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios gerais de Direito Administrativo.
No que respeita ao invocado abuso de direito, prevê o art.º 326.º do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
No presente caso, ao declarar a caducidade da concessão do terreno, está a Administração a exercer um poder-dever, prescrito por normas imperativas de direito público sobre o regime jurídico das concessões.
E na realidade, limita-se a Administração a cumprir a lei, que é imperativa ao impor à Administração uma obrigação, de praticar um acto vinculativo, como já vimos.
Daí que não se admite imputar o vício de abuso de direito.
Não assiste razão à recorrente.

3.4. Da causa impeditiva da caducidade
Alega a recorrente que o acórdão recorrido fez uma errada aplicação do art.º 323.º do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade, dizendo que, quando a Administração reconhece, de qualquer forma, que o concessionário tem o direito de utilizar o terreno, é impedida de declarar a caducidade do direito de utilização de terreno e que, no caso em apreço, a Administração veio a reconhecer o direito de a concessionária desenvolver o terreno para além do prazo estatuído na cláusula quinta do contrato de concessão, tendo provocando o efeito jurídico impeditivo da caducidade previsto no art.º 323.º n.º 2 do Código Civil.
Estipula o n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil que, se se tratar de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Ora, mesmo sendo verdade, certo é que, tal como afirma a própria recorrente, foi reconhecido à recorrente o direito de desenvolver o terreno “para além do prazo estatuído na cláusula quinta do contrato de concessão”, que se refere ao prazo de aproveitamento.
Constata-se na factualidade assente que de acordo com as cláusulas terceira e quinta do contrato de concessão, o lote C10 destina-se a habitação e estacionamento e o seu prazo de aproveitamento deve operar-se no prazo global de 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, data em que foi publicado o Despacho n.º 71/SATOP/99, isto é, até 17 de Agosto de 2005.
Por outras palavras, mesmo admitindo que a Administração reconheceu o direito de desenvolver o terreno para além do prazo de aproveitamento estatuído no contrato de concessão, tal não significa que a Administração reconheça o direito ao aproveitamento para além do prazo de arrendamento, pois a lei e o contrato de concessão permitiam era, no máximo, aproveitar o terreno até perfazer o prazo de 25 anos. Não há aqui qualquer reconhecimento de direito a aproveitar o terreno depois do prazo de concessão.
Reafirmando, os actos praticados pela Administração configurem, de modo algum, o reconhecimento dos direitos da recorrente que possam ser exercidos depois de ter decorrido o prazo de arrendamento.
Seja como for, e mesmo aceitando a hipótese de se poder eventualmente aproveitar o terreno após o prazo fixado para tal efeito, nunca se poderia admitir o exercício do direito resultante do contrato de concessão depois de ter decorrido o prazo de arrendamento de 25 anos.
Improcede também o recurso, nesta parte.

3.5. Violação dos art.ºs 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica da RAEM e do art.º 1427.º do Código Civil
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Desde logo, é de frisar que no presente caso não está em causa qualquer direito à propriedade privada da recorrente, face ao contrato de concessão por arrendamento do terreno que foi celebrado, que não lhe confere qualquer direito de propriedade sobre o mesmo terreno. A jurisprudência de Macau aponta para este sentido.
Quanto à violação do art.ºs 7.º e 103.º da Lei Básica e do art.º 1427.º do Código Civil, a questão já foi abordada nos nossos acórdãos proferidos em 4 de Abril, 20 de Fevereiro, 10 de Julho, 18 de Setembro e 29 de Novembro, todos de 2019, nos Processos n.ºs 2/2019, 102/2018, 12/2019, 13/2019, 26/2019 e 79/2019, respectivamente, em que pronunciámos que, no caso de declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento do terreno, não se vislumbra nenhuma violação das normas em causa.
Dão-se aqui como reproduzidas as considerações expostas nos referidos acórdãos.
No que respeita à violação ao art.º 25.º da Lei Básica, que regula o princípio da igualdade, valem aqui também as considerações supra tecidas sobre o mesmo princípio.
Não se descortina o vício imputado pela recorrente.
Alega ainda a recorrente que o prazo de caducidade da concessão está suspenso, nos termos do art.º 313.º do Código Civil, dizendo que a suspensão do procedimento para a aprovação do projecto de arquitectura e para a revisão do contrato de concessão tem origem na decisão do Governo de proteger o Centro Histórico de Macau.
Repare-se que a norma em causa não foi invocada no recurso contencioso, não como questão nem como argumento do recurso, razão porque não foi objecto da apreciação do Tribunal recorrido. Trata-se assim duma questão nova.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não para apreciar questão que nunca foi alegada, a não ser de conhecimento oficioso.
Daí que não se conhece do argumento ora deduzido.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 16 UC.

               Macau, 27 de Novembro de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122.º, p. 112.
2 Cfr. Ac.s do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.º 28/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018, entre outros.
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Processo n.º 133/2020