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Processo n.º 143/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Sociedade de Investimento e Indústria Sun Fat, Limitada
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 27 de Novembro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Caducidade-preclusão
- Princípios gerais do Direito Administrativo
- Causa impeditiva da caducidade

SUMÁRIO
1. Não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento dos terrenos no prazo fixado para o efeito, já que com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a concessão não pode ser renovada, desde que não se verifique a excepção prevista na lei, e deve ser declarada a sua caducidade. Trata-se duma caducidade-preclusão.
2. No âmbito da actividade vinculada não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.).
3. Mesmo aceitando a hipótese de se poder eventualmente aproveitar o terreno após o prazo fixado para tal, nunca se poderia admitir o exercício do direito resultante do contrato de concessão depois de ter decorrido o prazo de arrendamento de 25 anos.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Sociedade de Investimento e Indústria Sun Fat, Limitada, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 24 de Junho de 2016 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 10.154 m2, situado na Ilha de Coloane, junto à Estrada de Nossa Senhora de Ká-Hó.
Por acórdão proferido em 29 de Abril de 2020, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
Inconformada com o acórdão, recorre a Sociedade de Investimento e Indústria Sun Fat, Limitada para o Tribunal de Última Instância, alegando em síntese o seguinte:
1. Para os efeitos do artigo 152.º do CPAC, entende a Recorrente que o Acórdão recorrido incorre numa errada qualificação jurídica do instituto da caducidade tal como previsto na Lei de Terras e, em consequência, errada aplicação da lei substantiva; em violação e erro na aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), que estipulam os princípios da justiça, da igualdade e da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração; dos artigos 8.º, 323.º e 326.º do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade e ao abuso de direito, incorrendo na previsão do artigo 21.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Administrativo Contencioso;
2. O efeito extintivo do direito da concessionária não se produz automaticamente pela mera ocorrência de um facto objectivo, exigindo-se um juízo avaliativo da Administração para declarar a caducidade, avaliação essa que deve ponderar todos os interesses concretamente em causa;
3. Há uma exigência mínima de procedimentalização para a prática do acto declarativo da caducidade e recai sobre o órgão competente o dever vinculado de verificar e avaliar as causas de caducidade, fazendo um juízo sobre a conduta do particular/sujeito privado, pois só assim poderá averiguar se há incumprimento e em que medida o incumprimento é imputável ao particular;
4. Por isso, incumbe à Administração o poder-dever de avaliar, ponderar e decidir a declaração, ou não, da caducidade, no sentido de apurar se se encontram verificados os pressupostos de facto e de direito da caducidade – legais, regulamentares ou contratuais;
5. Deverá ser averiguado se ocorreram, ou não, causas estranhas à vontade do sujeito privado, que, inclusivamente, podem ter por fonte condutas da própria Administração; ou, ainda, causas de força maior ou outro tipo de circunstâncias alheias à vontade do particular/sujeito privado;
6. O artigo 44.º da Lei de Terras estipula que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente;
7. Esta noção legal de concessão provisória explica, com clareza, que o acto que declare a caducidade de uma concessão provisória nunca pode ter exclusivamente por fundamento o mero decurso do tempo;
8. Saber se, no decurso do prazo fixado, foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas, tal como é exigido no artigo 44.º da Lei de Terras, implica, pressupõe e exige que a Administração avalie efectivamente o comportamento contratual do concessionário, para, de tal modo, poder concluir pelo cumprimento ou incumprimento daquelas cláusulas;
9. Da leitura deste preceito em conjugação com a do artigo 52.º, fácil é de concluir que a declaração de caducidade da concessão provisória exige dois pressupostos: o decurso do prazo fixado e a diligência contratual do concessionário no cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo; na falta de avaliação quanto ao cumprimento do contrato de concessão, não pode a Administração declarar a caducidade da concessão de terreno apenas com base no decurso do prazo fixado no contrato;
10. Não existindo culpa da Recorrente, facto que a própria Entidade Recorrida reconheceu, o artigo 166.º da Lei de Terras não pode ser aplicado às concessões pretéritas, é este o resultado da ressalva da alínea 3) do artigo 215.º da Lei da Terras;
11. É, no mínimo, uma manifestação de má-fé na condução deste processo, afirmar que a Recorrente não construiu a unidade fabril siderúrgica, quando se sabe que o Governo a considerou desnecessária, desadequada e com impacto negativo no aglomerado da Vila de Ká-Hó;
12. Uma Administração que negoceia e concessiona terrenos para desenvolvimento imobiliário, que recebe pagamentos a título de prémios e rendas, que se compromete a rever o contrato de concessão, para, depois, não cumprir o prometido e provocar a caducidade, não age como contratante de boa fé e não é merecedora de confiança para o comércio jurídico;
13. O Governo autorizou a alteração da finalidade da concessão, iniciou um procedimento administrativo para esse propósito, aprovou, o estudo prévio de 10 de Novembro de 2006, tendo-se comprometido à revisão do contrato de concessão, de acordo com a minuta enviada à Recorrente, compromisso que lhe cabia honrar, em respeito pelos princípios da justiça, da boa fé, da decisão e da eficiência da Administração (previstos nos artigos 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do Código do Procedimento Administrativo.
14. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong, na sua declaração de voto vencido do presente processo e dos demais processos relativos à problemática da declaração de caducidade da concessão de terrenos em que interveio, tem defendido que não pode ser declarada a caducidade da concessão quando a Administração pratica actos que reconhecem direitos às concessionárias e que impedem a caducidade;
15. Admitir que a Administração pode criar obstáculos sucessivos, ou omitir a prática de actos relevantes, de modo a deixar esgotar o prazo das concessões, e que esse comportamento não é passível de impugnação, é aceitar que a Administração pode, livremente violar o princípio da boa fé, sem consequências;
16. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong tem defendido, e julga-se que bem, que o princípio da boa fé não se aplica só aos casos de exercício de poder discricionário por parte da Administração mas também nos casos de exercício de poderes vinculados;
17. Entendimento partilhado pelos Tribunais Portugueses, conforme consta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 25/06/2008, no Processo n.º 0291/08, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00101/2002.TFPRT.21 de 10/03/2016 e do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 01312/07.8BEPRT, de 02/11/2010;
18. Também os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mário Aroso da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Fernando Alves Correia e Licínio Lopes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra seguem o mesmo raciocínio jurídico, ou seja: princípios como o da justiça e da boa fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais;
19. O princípio da tutela da confiança e do investimento de confiança assume especial relevância, dado que visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem;
20. O entendimento expresso no Acórdão recorrido que dispensa a Administração de obedecer aos princípios da igualdade e boa fé, no exercício de poderes vinculados, conduz, necessariamente, à conclusão de que a Administração da RAEM pode agir de má fé e em abuso de direito;
21. Não se entende que a Administração se escude nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1, 48.º, n.º 1, 212.º e 215.º da Lei n.º 10/2013, para apelar à caducidade das concessão do lote C10, quando é manifesto que esses preceitos só fazem sentido se não existir um comportamento culposo por parte da Administração;
22. A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança; esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé;
23. Veja-se, a propósito da proibição da chamada conduta contraditória, o entendimento pacífico e conjunto do Tribunal de Segunda Instância e do Tribunal de Última Instância manifestado, respectivamente, nos Acórdãos n.º 577/2006, de 18 de Janeiro de 2007, e n.º 26/2007, de 27 de Junho de 2008, entendimento que coincide com o aqui manifestado pela Recorrente e pelo Meritíssimo Juiz Fong Man Chang no seu voto de vencido;
24. O artigo 41.º da Lei de Terras estabelece, quanto ao regime jurídico aplicável à concessão por arrendamento, que a “concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano rege-se pelas disposições da presente lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável”, e o artigo 220.º, preceitua que, em tudo quanto não estiver, expressamente, previsto na presente lei, são aplicáveis subsidiariamente, consoante a natureza das matérias, o Código do Procedimento Administrativo, o Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código do Registo Predial;
25. A menção ao Decreto-Lei n.º 52/99/M (Regime Geral das Infracções Administrativas) é indiciador de que o incumprimento da Lei de Terras implica a aplicação de sanções e, como tal, que a caducidade prevista nesta Lei é a caducidade-sanção e não a caducidade preclusiva;
26. O artigo 99.º da Lei de Terras estipula a sujeição do concessionário às vinculações prescritivas do plano urbanístico que vigore na zona onde o terreno concedido se encontre situado e a cumprir as condições que lhe sejam impostas para a racional utilização dos recursos naturais do terreno concedido;
27. Defende o Meritíssimo Juiz Fong Man Chong que enquanto não se verificar a condição (a aprovação do Plano de Ordenamento Urbanístico para o aglomerado de Ká-Hó) a Administração está inibida de declarar a caducidade da concessão de terrenos e de contar o decurso do prazo de aproveitamento, porque a Administração admitiu expressamente o direito das concessionárias sobre os terrenos e foi ela quem impôs uma condição ao acto praticado anteriormente, na verdade essa condição ainda não se verificou, estando ainda a Administração a ela sujeita;
28. Com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem à Recorrente, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, preceito que se considera violado;
29. O artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil determina que quando se trate de prazo fixado por contrato, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido impede a caducidade;
30. Sendo o direito disponível, se for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição), o reconhecimento impede, sim, a caducidade tal como impediria a prática do acto sujeito a caducidade;
31. O prazo de caducidade não se suspende nem interrompe, a não ser nos casos em que a lei o determine, podendo, porém, ser impedido, o que corresponderá à efectivação do direito, sem gerar novo prazo, ficando o mesmo sujeito às disposições que regem a prescrição;
32. Se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade, esse reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, uma vez feito, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade.
33. Ensina Adriano Vaz Serra, como foi doutamente registado pelo Meritíssimo Juiz Fong Man Chong na sua Declaração de Voto Vencido do presente processo, que se a caducidade for arguida por quem lhe deu causa que a respectiva invocação pode ser paralisada por abuso de direito;
34. Entende-se que quem com a sua actuação obsta ao exercício tempestivo do direito do titular, e vem depois invocar a caducidade desse direito, procede contra a boa fé, podendo o titular opor-lhe a referida objecção, com o efeito de ao titular ser concedido o tempo adequado segundo as circunstâncias para o exercício do direito:
35. Neste cenário, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não ocorreu a caducidade da concessão e o respectivo prazo está suspenso, nos termos do artigo 313.º do Código Civil de Macau, aplicável por força do n.º 3.º do artigo 1427.º do mesmo código, ambos por sua vez convocados ex vi artigo 41.º da Lei de Terras.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, propendendo pelo não provimento do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
É dado como assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
1. Através da escritura pública de 3 de Março de 1989 exarada em conformidade com o despacho n.º 174/SAOPH/88, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 30 de Dezembro de 1988, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 10.154 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada de Nossa Senhora de Ká-Hó, a favor da Sociedade de Investimento e Indústria Sun Fat, Limitada.
2. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento do terreno era válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública, ou seja, até 2 de Março de 2014.
3. Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício para instalação de uma unidade siderúrgica para reaproveitamento de chapas e outros materiais de aço, a explorar directamente pela concessionária, incluindo escritórios, instalações industriais e de apoio, estacionamento e armazenagem.
4. O prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 24 meses, contados a partir da data de publicação do atrás mencionado despacho, ou seja, até 29 de Dezembro de 1990.
5. O prémio do contrato, no montante de 2.752.560,00 patacas, foi integralmente pago em prestações pela concessionária.
6. O respectivo terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21 769 a fls. 125v do livro B85 e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 3118 a fls. 187 do livro F26A.
7. Findo o prazo de aproveitamento, a concessionária pediu a prorrogação do mesmo em 16 de Maio de 1991. Por despacho do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 5 de Junho de 1991, o prazo foi prorrogado por 18 meses, contados a partir de 30 de Dezembro de 1990, até 29 de Junho de 1992.
8. A concessionária pediu, respectivamente em 20 de Janeiro e 3 de Dezembro de 1993, a prorrogação do prazo de aproveitamento do tereno e a alteração da finalidade deste. Os pedidos foram autorizados por despacho de 7 de Junho de 1994 do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas.
9. Posteriormente, em 23 de Novembro de 1994, a concessionária apresentou o estudo prévio à DSSOPT pretendendo aproveitar o terreno com a construção de vivendas. Todavia, o director da DSSOPT entendeu que o referido plano só poderia ser apreciado após a conclusão da elaboração do Plano de Ordenamento de Coloane para o aglomerado de Ká-Hó. Em 26 de Julho de 2000, o plano proposto pela concessionária foi considerado inviável por a construção de vivendas estar incompatível com a Planta de Alinhamento Oficial emitida pela DSSOPT a 6 de Julho de 2000.
10. Em 11 de Abril de 2006, a concessionária novamente apresentou um estudo prévio para a construção de 52 vivendas, o qual, nos termos do despacho do director, substituto, da DSSOPT, datado de 3 de Agosto de 2006, devia ser alterado conforme os pareceres técnicos.
11. Com a emissão da nova Planta de Alinhamento Oficial do terreno em questão em 14 de Setembro de 2006, a concessionária apresentou, a 10 de Novembro do mesmo ano, um novo estudo em que se planeou construir 48 vivendas. Por despacho de 19 de Março de 2007 do director da DSSOPT, tal plano foi considerado susceptível de aprovação.
12. Pelo que a concessionária submeteu, em 29 de Maio de 2007, junto da DSSOPT, um requerimento pedindo a alteração do contrato de concessão e dando justificação para o incumprimento das cláusulas contratuais.
13. No período compreendido entre 2009 e 2011, a DSSOPT pediu parecer às entidades competentes sobre a alteração da finalidade do terreno, de industrial para habitacional, e sobre o relatório de avaliação do impacto ambiental elaborado pela concessionária, e exigiu que esta procedesse à alteração do seu projecto em conformidade com os pareceres técnicos. Por despacho de 3 de Fevereiro de 2012, o director da DSSOPT pediu às unidades subordinadas que avaliassem a necessidade de realização de audiência pública relativamente ao novo projecto da concessionária e ao seu relatório de avaliação do impacto ambiental.
14. Posteriormente, em 27 de Dezembro de 2012, a concessionária submeteu um novo projecto no qual se propôs a construção de 6 vivendas com 3 pisos e 1 clube. Após consultas com as entidades competentes, o director da DSSOPT ordenou, por despacho de 8 de Agosto de 2013, que a concessionária esclarecesse as questões técnicas indicadas pelas referidas autoridades e apresentasse solução.
15. Para satisfazer as atrás mencionadas exigências da DSSOPT, a concessionária submeteu, em 11 de Outubro de 2013, o projecto de construção e o relatório de avaliação do impacto ambiental, que foram posteriormente entregues, pela DSSOPT, às correspondentes autoridades competentes para a emissão de pareceres.
16. Apesar da concessionária ter sempre acompanhado o processo de alteração do contrato de concessão, o prazo de arrendamento do terreno em causa findou a 2 de Março de 2014. De acordo com o parecer da Proposta n.º 22/DJUDEP/2015, de 31 de Março de 2015, do Departamento Jurídico da DSSOPT, o incumprimento do contrato deve ser imputável à concessionária, e o direito resultante da concessão já se extinguiu pelo decurso do prazo de arrendamento; além disso, a rejeição da audiência não prejudica o procedimento de declaração da caducidade da concessão pelo decurso do prazo de arrendamento.
17. Ultimamente, o prazo de arrendamento previsto na cláusula segunda do contrato de concessão, ou seja, 25 anos a contar da data da outorga da respectiva escritura pública, já expirou em 2 de Março de 2014, sem que o terreno se mostrasse aproveitado. Pelo que a concessão permaneceu provisória. Nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras, as concessões provisórias não podem ser renovadas. Portanto, a DSSOPT procedeu à análise das situações do caso na proposta n.º 29/DSODEP/2016, de 22 de Janeiro, onde sugeriu a prossecução do processo de declaração da caducidade da concessão pelo decurso do prazo de arrendamento, bem como a entrega dos autos à Comissão de Terras para a emissão de parecer. Sobre a referida proposta recaiu, em 3 de Fevereiro de 2016, o despacho de “concordo” do Secretário para os Transportes e Obras públicas.
18. Tendo analisado o caso, a Comissão de Terras pronunciou-se pela caducidade (preclusiva), pelo decurso do prazo (em 2 de Março de 2014), da concessão provisória em questão.
Na verdade, ao abrigo do artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável ao presente caso por força do disposto nos artigos 212.º e 215.º da mesma Lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vd. artigos 130.º e 131.º).
Tendo decorrido os seus prazos, as concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras. De resto, ficou provado que o presente caso não satisfaz as condições previstas no n.º 2 do mesmo artigo, pelo que se verifica a caducidade da concessão em causa (pelo decurso do prazo).
Do mesmo modo, à luz do disposto na Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho (antiga Lei de Terras), é impossível a renovação por 10 anos se a concessão permanecer provisória e o terreno não tiver sido aproveitado (artigos 49.º, 132.º e 133.º), já que, ao abrigo do disposto no artigo 55.º, n.º 1, só as concessões definitivas são renováveis por períodos de 10 anos.
Não obstante a caducidade automática e directa da concessão em escrutínio, para tornar definitiva a respectiva situação jurídica e evitar qualquer controvérsia, assim como eliminar a incerteza jurídica sobre se o direito resultante da concessão foi ou não extinto, deve ser declarada a caducidade da concessão em questão nos termos do disposto no artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestes termos, a Comissão de Terras não se opõe à declaração da caducidade da concessão do terreno em causa pelo decurso do prazo de arrendamento. Nos termos do artigo 13.º do RA n.º 16/2004, fica perdida, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio já pagas e dos juros.
Em 24/06/2014, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 14/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 15 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”

3. Direito
Alega a recorrente que o acórdão recorrido incorre nos seguintes vícios:
- Erro na qualificação jurídica do instituto da caducidade;
- Violação dos princípios da justiça, da igualdade e da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração; e
- Violação dos art.º 323.º do Código Civil, relativo à existência de uma causa impeditiva da caducidade.
Há de apreciar as questões suscitadas pela recorrente.

3.1. Da qualificação jurídica do instituto da caducidade
Desde logo, é de recordar que a questão sobre a natureza da caducidade das concessões provisórias dos terrenos foi já por muitas vezes abordada e apreciada tanto pelo Tribunal de Segunda Instância como por este Tribunal de Última Instância.
A jurisprudência predominante de Macau vai no sentido de considerar a caducidade como caducidade preclusiva, e não sancionária como alega a recorrente.
Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018, n.º 43/2018 e n.º 90/2018, respectivamente de 23 de Maio, 6 de Junho e 12 de Dezembro de 2018, para além de outros, este Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de caducidade-sanção ou caducidade-preclusão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
E dá-se por integralmente reproduzido o teor dos referidos acórdãos na parte respeitante à questão ora colocada pela recorrente.
É de frisar que não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento do terreno no prazo fixado para o efeito, já que com o decurso do prazo máximo das concessões provisórias sem a conclusão do aproveitamento dos terrenos, as mesmas concessões não podem ser renovadas, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (art.º 48.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 10/2013).
E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
Trata-se duma caducidade-preclusão, como já vimos em acórdãos anteriores proferidos pelo TUI, caso em que é irrelevante a discussão sobre a questão de culpa no não aproveitamento do terreno concedido.
O decurso do prazo de concessão do terreno e o não aproveitamento deste terreno implicam necessariamente a declaração da caducidade da concessão, independentemente da existência ou não de culpa do concessionário na falta de aproveitamento.
Nos termos dos art.ºs 44.º, 47.º e 48.º da Lei de Terras, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. O prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos. E as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art.º 48.º.
Assim, pode-se concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar o prazo de concessão, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação, dispondo expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.

3.2. Da violação dos princípios da justiça, da igualdade, da boa fé, da decisão e da eficiência da Administração
A questão também já foi objecto de apreciação em vários acórdãos proferidos pelo TUI, tais como nos processos n.ºs 7/2018, 43/2018 e 79/2019, para além de outros, tendo este Tribunal considerado que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA (princípios da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da decisão e da eficiência, etc.).
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento do terreno por parte da recorrente no prazo de concessão de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios gerais de Direito Administrativo.
É de manter aqui a posição deste TUI, já anunciada em vários acórdãos em que se discute a questão sobre a natureza discricionária ou vinculativa do acto de declaração de caducidade.1
No que respeita ao invocado abuso de direito, prevê o art.º 326.º do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
No presente caso, ao declarar a caducidade da concessão do terreno, está a Administração a exercer um poder-dever, prescrito por normas imperativas de direito público sobre o regime jurídico das concessões.
E na realidade, limita-se a Administração a cumprir a lei, que é imperativa ao impor à Administração uma obrigação, de praticar um acto vinculativo, como já vimos.
Daí que não se vê verificado o abuso de direito.
Improcede o argumento da recorrente.

3.3. Da violação do art.º 323.º do Código Civil
Na óptica da recorrente, de acordo com o art.º 323.º do Código Civil, quando a Administração reconhece, de qualquer forma, que o concessionário tem o direito de utilizar o terreno, é impedida de declarar a caducidade do direito de utilização de terreno. E com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem à recorrente, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil.
Dispõe o art.º 323.º do Código Civil o seguinte:
“Artigo 323.º
(Causas impeditivas da caducidade)
1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”
Ora, não se nos afigura que os actos praticados pela Administração, de autorizar a alteração da finalidade da concessão, de iniciar um procedimento administrativo para esse propósito, de aprovar o estudo prévio de 10 de Novembro de 2006 e ainda de comprometer-se à revisão do contrato de concessão, tal como alega a recorrente, configurem, de algum modo, o reconhecimento dos direitos da recorrente que possam ser exercidos depois de ter decorrido o prazo de arrendamento nem obstem à declaração da caducidade pelo decurso de tal prazo.
Por outro lado, coloca-se ainda a questão de saber se os direitos da RAEM em causa são ou não disponíveis, pois só há lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil quando estão em jogo direitos disponíveis.2
Seja como for, e mesmo aceitando a hipótese de se poder eventualmente aproveitar o terreno após o prazo fixado para tal, nunca se poderia admitir o exercício do direito resultante do contrato de concessão depois de ter decorrido o prazo de arrendamento de 25 anos.
Não se descortina o vício imputado pela recorrente.
Alega ainda a recorrente que o prazo de caducidade da concessão está suspenso, nos termos do art.º 313.º do Código Civil, invocando que a Administração não permite que o aproveitamento do terreno se realize dentro do prazo acordado, sem que tenha esclarecido como ela ficou impedida de exercer o seu direito.
Repare-se que a norma em causa não foi invocada no recurso contencioso, não como questão nem como argumento do recurso, razão porque não foi objecto da apreciação do Tribunal recorrido. Trata-se assim duma questão nova.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não para apreciar questão que nunca foi alegada, a não ser de conhecimento oficioso.
Daí que não se conhece do argumento ora deduzido.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.

               Macau, 27 de Novembro de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 Cfr. Ac.s do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 13 de Março de 2019 e de 4 de Abril de 2019, Proc. n.º 16/2019 e n.º 2/2019.
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Processo n.º 143/2020