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Processo n.º 145/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A.
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 4 de Dezembro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Declaração da caducidade do contrato de concessão
- Caducidade-preclusão
- Insuficiência da matéria de facto
- Produção de prova

SUMÁRIO
1. Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato), o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade da concessão provisória se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
2. O Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
3. A improcedência do recurso interposto da decisão de não produção da prova é imposta por entendermos que, no caso de declaração de caducidade por decurso do prazo, o Chefe do Executivo não tem que apurar se o não aproveitamento se deveu a motivo imputável ao concessionário ou não, sendo bastante que o terreno concedido não foi aproveitado pela concessionária no prazo de arrendamento, daí que não há de proceder à produção da prova.
4. A mesma conclusão se deve tirar sobre a insuficiência da matéria de facto invocada pela recorrente para justificar o incumprimento contratual por sua parte.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

1. Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A., melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3307 m2, designado por lote 5 da zona D do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22525, a fls. 177 do livro B49K.
Formulou o pedido de suspensão da instância até à prolação da decisão nos autos de marcação 355/2017, pendentes na altura junto do mesmo Tribunal.
Foi requerida a inquirição de testemunhas indicadas na petição do recurso, sobre a qual o Exmo. Juiz Relator do processo proferiu o despacho, considerando desnecessária a produção de prova dos factos que visam a demonstrar a culpa por parte da Administração e a falta da culpa por parte da concessionária, pelo que indeferiu as requeridas provas testemunhais (fls. 679 e verso dos autos).
Contra tal despacho reclamou a recorrente para a conferência.
Por acórdão proferido em 7 de Maio de 2020, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido de suspensão da instância e julgar improcedentes a reclamação para a conferência e o recurso contencioso.
Inconformada com o acórdão, recorre a Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. Verificada a pendência de causa prejudicial nos Autos de numeração 355/2017 (TSI), a não suspensão da instância só pode ser decidida com fundamento em qualquer das circunstâncias expressamente previstas e disciplinadas no n.º 2 do Artigo 223.º do Código de Processo Civil.
2. O facto de que o Ministério Público esteja convencido de que a decisão da causa prejudicial possa vir a ser desfavorável à ora Recorrente e o facto de que o acórdão recorrido tenda a concordar com o Ministério Público, não constituem fundamento legalmente atendível para justificar a não suspensão do processo.
3. A suspensão do processo com fundamento na pendência de causa prejudicial visa assegurar o respeito máximo pelo valor da harmonia de julgados, sem descurar o valor da celeridade processual; mas este, neste contexto, apenas releva nos limites do previsto precisamente nos limites do previsto na primeira parte do n.º 2 do supra mencionado Artigo 223.º do Código de Processo Civil.
4. Por tais razões deve a decisão da instância quanto a este tema ser revogada e substituída por outra que ordene a suspensão do processo na pendência da causa prejudicial apontada.
5. Requer-se que seja ordenada a ampliação do conhecimento da matéria de facto nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 650.º do Código de Processo Civil porquanto os factos-causa elencados pela Recorrente são factos relevantes em face das soluções plausíveis para a questão de direito.
6. Concretamente, requer-se que tal ampliação seja ordenada relativamente aos (i) factos de cuja prova resulta que o prazo de caducidade previsto no Artigo 47.º da Lei de Terras não havia decorrido na data em que tal é apontado como tendo acontecido na fundamentação do acto administrativo impugnado e, bem assim (ii) daqueles de cuja prova resulta que o prazo de aproveitamento haja de qualquer modo sido interrompido pela actuação soberana da concedente, procedendo-se à indicação exaustiva dos mesmos.
7. Atento o facto de que o sentido da decisão só possa ser finalmente determinado após e em razão da decisão quanto à matéria de facto nos termos em que a mesma possa vir a ser assente pela instância, deverá ser ordenado à mesma que reforme a decisão de mérito no sentido em que tal passe a ser justificado em face do juízo entretanto concluído quanto à matéria de facto.
8. Subsidiariamente, e na medida em que, da consideração do elenco de factos a que faz referência a conclusão anterior e, bem assim, da consideração dos elementos de prova pré-constituídos, dever resultar que os mesmos não devam ainda ser dados como integralmente provados, deverá outrossim, seja ordenada a admissão e o processamento pelo Tribunal de Segunda Instância do requerimento de produção de prova originariamente deduzido, relativamente à matéria dos Artigos 46.º a 50.º, 58.º, 64.º a 71.º, 74.º, 77.º, 78.º, 81.º a 85.º, 99.º a 109.º, 112.º a 116.º, 147.º, 148.º e 175.º a 190.º, todos do Requerimento Inicial.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, propendendo pelo não provimento do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos considera-se assente a seguinte factualidade com relevância à boa decisão do recurso:
1. Na sequência do Despacho n.º 203/GM/89, de 29/12/1989, por escritura pública de 30/07/1991, com as alterações introduzidas pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93, 56/SATOP/94 e 71/SATOP/99, respectivamente publicados no Boletim Oficial de 06 de Julho de 1992, 26 de Abril de 1993, 01 de Junho de 1994 e 18 de Agosto de 1999, o terreno com a área de 3307 m2, designado por lote D5 do Plano da Baía Grande, foi concedido por arrendamento simultaneamente com outros lotes previstos no mesmo plano à Sociedade de Empreendimentos Nam Van.
2. Pelo Despacho do SOPT n.º 92/2001, foi autorizada a transmissão à Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. das situações decorrentes da concessão por arrendamento, do terreno respeitante ao lote D5 da zona D da Baía da Praia Grande.
3. Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arrendamento dos lotes da Zona C e da Zona D é válido até 30 de Julho de 2016.
4. De acordo com as cláusulas quarta e sexta do contrato de concessão, o lote D5 será aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade de habitação e de estacionamento, o seu prazo de aproveitamento deve operar-se no prazo global de 96 meses, contados a partir de 06JUL1992, ou seja, até 5JUL2000.
5. Pelo requerimento n.º 65 880/2016 de 06 de Maio de 2016, a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. solicitou a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno em apreço.
6. Pelo requerimento que se anexa ao ofício n.º 05249/GCE/2016 de 01 de Julho de 2016, a Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. e a sociedade mãe Shun Tak Holding Limited, tem apresentado vários requerimentos ao Gabinete do Chefe do Executivo, a solicitar a concretização do plano de desenvolvimento das zonas C e D do empreendimento e a autorização para a suspensão e prorrogação de prazo de aproveitamento por mais de 10 anos, ou após a declaração de caducidade da concessão do referido lote, a sua concessão de novo à requerente, com dispensa de concurso público ou proceder à troca do terreno em apreço, por direito de outro terreno adjacente, com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalentes.
7. Não foi concluído o aproveitamento do terreno.
8. O terreno encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 22 525 a fls. 177 do livro B49K e inscrito a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. sob o n.º 26 679F, e não se encontra onerado com qualquer hipoteca na inscrição da CRP.
9. No procedimento com vista à declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, foi elaborado e aprovado o seguinte parecer pela Comissão de Terras:
Proc. n.º 72/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 3 307 m2, situado na península de Macau, designado por lote 5 da zona D do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
I
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. De acordo com o estabelecido no artigo segundo do contrato de revisão de concessão titulado pelo Despacho n.º 56/SATOP/94, através do qual foram concedidos onze lotes da zona C e dois lotes da zona D, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
4. Segundo o estipulado na cláusula quarta do mesmo contrato, o aproveitamento de cada lote das zonas C e D deve ser realizado em conformidade com o Plano de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande e respectivos regulamentos, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991. Entre esses lotes, o lote 5 da zona D, com uma área de 3 307 m2, será aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade de habitação e de estacionamento, cuja altura máxima permitida é de 90,9 m NMM..
5. O prazo de aproveitamento dos lotes das zonas C e D é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, conforme previsto na cláusula sexta do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho n.º 73/SATOP/92, na redacção introduzida pelo artigo terceiro do contrato titulado pelo referido Despacho n.º 56/SATOP/94.
6. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram numa nova revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
7. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes da zona B, reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
8. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados nas zonas C e D prorrogado por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
9. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 92/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 5 da zona D do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
10. O terreno em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22525 a fls. 177 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.º 26679F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
11. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
II
12. As licenças de obras de sondagem e de vedação foram emitidas em 15 de Agosto de 2006, com o prazo de validade até 29 de Dezembro do mesmo ano.
13. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M.
14. Em 23 de Outubro de 2007, Shun Tak Nam Van Investment Limited, na qualidade de procuradora da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., apresentou um requerimento à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), a solicitar a aprovação do estudo prévio alterado da zona D, no qual se projectava a construção de um edifício com a altura máxima de 195m NMM no lote D5.
15. Em 15 de Julho de 2005, o “Centro Histórico de Macau” foi inscrito na lista do património mundial. Segundo o parecer emitido pelo Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da CSI n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril, sobre a situação dos lotes das zonas C e D, dado que estas zonas se situam a sul deste Centro Histórico, bem como a importância da sua localização, os diversos sectores sociais e os especialistas em património mundial acompanham sempre com atenção o respectivo planeamento. Em articulação com a monitorização por parte do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande e apenas em Novembro de 2014 é que o referido departamento concluiu o estudo do plano urbanístico das mesmas, aguardando ainda pela aprovação superior, a fim de poder emitir as respectivas plantas de condições urbanísticas (PCU).
16. Todavia, devido ao facto do plano das zonas C e D da Baía da Praia Grande ainda não ter sido aprovado, o procedimento de revisão do contrato de concessão do lote D5 não foi concretizado.
17. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., através do requerimento de 6 de Maio de 2016, solicitou que fosse autorizada a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno.
18. De 2010 até 2016, a concessionária e a sociedade-mãe, Shun Tak Holdings Limited, têm apresentado vários requerimentos ao Gabinete do Chefe do Executivo, a solicitar a concretização, com a maior brevidade, do plano de desenvolvimento das zonas C e D do empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande” e a autorização para a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno, a prorrogação do prazo de aproveitamento por mais 10 anos, a renovação do prazo de concessão provisória por mais 10 anos ou, após a declaração de caducidade da concessão do referido lote, a sua concessão de novo à requerente, com dispensa de concurso público, ou a sua troca pelo direito de concessão de outro terreno adjacente, com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalentes.
III
19. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
20. Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 378/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167.º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
21. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
22. Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
23. Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
24. De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
25. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
26. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 17 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes da proposta n.º 378/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 19 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
10. Na sequência da elaboração e aprovação do parecer supra pela Comissão de Terras, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
Proc. n.º 72/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 3 307 m2, situado na península de Macau, designado por lote 5 da zona D do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016.
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 92/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 5 da zona D do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade de habitação e de estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 90,9 mNMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 17 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212,º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
11. Submetido o parecer à decisão pelo Senhor Chefe do Executivo, o mesmo exarou sobre ele o seguinte despacho:
Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 72/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 18 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 3 de Maio de 2018.
 
3. Direito
Com a interposição do presente recurso, pretende a recorrente a suspensão da instância na pendência da causa prejudicial no Processo n.º 355/2017 do TSI, a ampliação do conhecimento da matéria de facto nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 650.º do CPC e, subsidiariamente, a admissão e o processamento pelo TSI do requerimento de produção de prova originariamente deduzido.
Vejamos.

3.1. Da suspensão da instância
Para fundamentar a pretensão de suspensão da instância, invoca a recorrente a pendência em juízo de questões prejudiciais no Processo n.º 355/2017 e a inexistência de jurisprudência consolidada do TSI e/ou do TUI sobre a questão suscitada na causa prejudicial.
Constata-se nos autos que, na petição do recurso contencioso, alega a recorrente que se acham pendentes os Autos de numeração 355/2017, em que foi impugnado contenciosamente o acto do Senhor Chefe do Executivo em que este havia indeferido os pedidos de (i) suspensão do prazo de aproveitamento do terreno de cuja concessão a recorrente era titular e a prorrogação/renovação do mesmo por 10 anos e (ii) a prorrogação ou a renovação da concessão provisória ou, no caso em que o pedido de prorrogação ou de renovação da concessão provisória não merecesse acolhimento, (iii) a atribuição de nova concessão, com dispensa de concurso público, a favor da recorrente, ou (iv) a troca do terreno objecto de concessão por outro(s) terreno(s) a conceder.
Na óptica da recorrente, da procedência dos pedidos por si formulados no recurso contencioso pendente sob o n.º 355/2017 do TSI poderá resultar, inter alia, o judicial conhecimento da não ocorrência da extinção da concessão do terreno.
No acórdão ora recorrido, entende o TSI que, conforme o sentido uniforme das jurisprudências que têm vindo a ser confirmadas no TUI, sendo da natureza de acto praticado no exercício da actividade vinculada, a declaração da caducidade da concessão do terreno se deve ao facto objectivo do decurso do tempo e não admite qualquer outra alternativa que não seja a da declaração da caducidade e que a caducidade não é susceptível da suspensão nem da interrupção com fundamento em situações e acontecimentos que excluem a possibilidade de a falta de exercício do direito ser atribuída a inércia do titular da concessão, não é conveniente e razoável suspender a instância para aguardar que seja decidido o recurso n.º 355/2017.
Ora, é do nosso conhecimento que em tal recurso n.º 355/2017 foi proferida a decisão, em 28 de Maio de 2020, da qual foi interposto o recurso jurisdicional, que subiu ao TUI e foi distribuído em 21 de Outubro de 2020 com o n.º 175/2020.
E nesse recurso jurisdicional n.º 175/2020 o TUI toma decisão hoje (data em que é também assinado o presente acórdão), no sentido de negar provimento ao recurso, por entender que nenhuma censura ou reparo se mostra de tecer ao acórdão recorrido do TSI que confirmou o despacho administrativo impugnado.
Daí que se torna inútil e desnecessário o conhecimento da pretensão da recorrente em ver suspensa a instância dos presentes autos.

3.2. Da ampliação da matéria de facto
Dispõe o art.º 650.º do CPC o seguinte:
“Artigo 650.º
(Insuficiência da matéria de facto e contradição na decisão de facto)
1. Se entender que a matéria de facto pode e deve ser ampliada para fundamentar a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão de facto que inviabilizam a decisão de direito, o Tribunal de Última Instância manda julgar novamente a causa no Tribunal de Segunda Instância.
2. O Tribunal de Última Instância fixa logo o regime jurídico aplicável ao caso; se, por insuficiência da matéria de facto, ou contradição na decisão de facto, o não puder fazer, fica a nova decisão que o Tribunal de Segunda Instância proferir sujeita a recurso para o Tribunal de Última Instância, nos mesmos termos que a primeira.”
Na tese da recorrente, a ampliação requerida deve ser ordenada relativamente aos (i) factos de cuja prova resulta que o prazo de caducidade previsto no art.º 47.º da Lei de Terras não havia decorrido na data em que tal é apontado como tendo acontecido na fundamentação do acto administrativo impugnado e, bem assim (ii) daqueles de cuja prova resulta que o prazo de aproveitamento haja de qualquer modo sido interrompido pela actuação soberana da concedente, procedendo-se à indicação exaustiva dos mesmos.
Nas suas alegações, enumerou a recorrente os factos que alegadamente deviam ter sido considerados provados, já constantes da petição do recurso contencioso, por serem relevantes (fls. 12v a 35 das alegações).
Ora, decorre expressamente do disposto no art.º 650.º do CPC que a ampliação da matéria de facto tem como pressuposto a insuficiência da matéria de facto ou a contradição na decisão de facto.
No presente recurso, não foi alegada a contradição na decisão de facto que inviabiliza a decisão de direito, resta ver se se verifica a insuficiência da matéria de facto que torna necessária a sua ampliação para fundamentar a decisão de direito.
Simplificando, resulta da factualidade assente o seguinte:
- O terreno em causa foi inicialmente concedido por arrendamento à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, simultaneamente com outros lotes previstos no mesmo plano, e pelo Despacho do SOPT n.º 92/2001 foi autorizada a transmissão à Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. (ora recorrente) das situações decorrentes da concessão por arrendamento do terreno.
- Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 30 de Julho de 2016.
- O prazo de aproveitamento dos lotes das zonas C e D é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, prorrogado depois por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
- Até ao referido termo do prazo de arrendamento não foi concluído o aproveitamento do terreno em causa.
Por outro lado, constata-se nos autos que está expressamente prescrito na cláusula segunda do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho do SOPT n.º 92/2001 que o arrendamento é válido até 30 de Julho de 2016.
No seguimento das jurisprudências uniformes do TUI sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento do terreno, não se afigura que a factualidade dada como assente se mostre insuficiente para a decisão de direito.
É de recordar que, no que concerne à matéria em causa, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), como decorre dos art.ºs 212.º a 223.º da Lei n.º 10/2013, que contêm disposições finais e transitórias.1
Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018 e n.º 43/2018, de 23 de Maio de 2018 e 6 de Junho de 2018, respectivamente, este Tribunal de Última Instância chegou a pronunciar-se sobre a questão de caducidade-sanção ou caducidade-preclusão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
《Quanto ao regime jurídico aplicável temos que a concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano regem-se pelas disposições da Lei de Terras e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável (artigo 41.º).
O artigo 42.º dispõe sobre o conteúdo do direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano: este abrange poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas ou mantidas permanecem na propriedade do concessionário ou subconcessionário até à extinção da concessão por qualquer das causas previstas na lei ou no contrato. A propriedade das construções referidas no período anterior pode ser transmitida, designadamente no regime da propriedade horizontal, observados os condicionalismos da presente lei sobre a transmissão de situações resultantes da concessão ou subconcessão.
O artigo 44.º da Lei de Terras estabelece que “A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente”.
Por outro lado, estatui o artigo 47.º que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos. O prazo das renovações sucessivas não pode exceder, para cada uma, dez anos.
No caso dos autos o prazo de concessão por arrendamento fixado no contrato de concessão é de 25 anos (cláusula 2.ª).
A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º), sendo que a demarcação definitiva2 só é realizada após a prova do aproveitamento do terreno e precede a conversão da concessão provisória em definitiva (artigo 97.º).
Quanto à renovação da concessão, a lei estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (n.º 2 do artigo 48.º).
No caso dos autos não estamos perante a situação prevista na excepção, pelo que a concessão provisória não podia ser renovada.

Nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
A lei exige expressamente um acto administrativo que declare a caducidade das concessões. Na verdade, dispõe o artigo 167.º:
“Artigo 167.º
Declaração de caducidade
A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.

6. Caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e o caso dos autos
Estamos, agora, em condições de extrair algumas conclusões do regime de caducidade das concessões provisórias e definitivas.
Já vimos que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. E que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos.
A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Assim, podemos concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação. Dispõe-se expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.
Por outro lado, como vimos, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo3.
Que o Chefe do Executivo, quando declara a caducidade pelo decurso do prazo por incumprimento das cláusulas de aproveitamento, não tem que apurar se este incumprimento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário, resulta da circunstância de o n.º 5 do artigo 104.º dispor que “A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Quer dizer, a propósito do prazo de aproveitamento do terreno (no caso, o prazo de 96 meses), a lei permite que, a requerimento do concessionário, o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Mas relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
É exacto que a Lei de Terras não estatui expressamente que as prorrogações do prazo de aproveitamento só podem ser concedidas desde que, desse modo, não seja ultrapassado o prazo da concessão, sem prejuízo deste poder ser alterado até perfazer 25 anos. Mas isso resulta com toda a clareza da interpretação conjunta das normas já citadas. Afigura-se-nos que a razão pela qual a lei não teve necessidade de o dizer expressamente se deveu à circunstância de, sendo o prazo da concessão provisória de 25 anos (é o prazo máximo, mas é o prazo normalmente utilizado), não passou pela mente do legislador que, durante tal prazo, o terreno não tivesse, ainda, sido aproveitado (recorde-se que, normalmente, os prazos de aproveitamento rondam os 18 a 48 meses4. E, por isso, não se pode dizer que as Leis de Terras não sejam claras. Elas são claras, não podem é contar com o não cumprimento dos prazos e das condições contratuais, seja pela Administração, seja pelos concessionários ou com a menor eficiência na apreciação e na aprovação dos projectos, por parte da Administração Urbanística.
Por outro lado, ao contrário do que se defende nos autos, a renovação do prazo do arrendamento mencionada na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato, que refere a possibilidade de o mesmo ser renovado até 19 de Dezembro de 2049, não é o da concessão provisória, que é a que está em causa nos autos, mas sim o das renovações definitivas, estabelecendo a Administração portuguesa (1990/91) o mencionado prazo, por ser o limite até ao qual o Governo da República Popular da China se obrigou a respeitar os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes do Estabelecimento da RAEM e a propriedade privada, de acordo com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, de 1987.》
Trata-se da posição uniforme deste Tribunal de Última Instância, que tem sido mantida e reiterada em todos os acórdãos posteriores proferidos em que se discute a questão de declaração da caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento do terreno.
No caso vertente, dado que o prazo de arrendamento fixado no respectivo contrato de concessão é de 25 anos, que é o prazo máximo legal, cujo início está claramente previsto no contrato de concessão, e a recorrente não concluiu o aproveitamento do terreno a si concedido nesse prazo, é de concluir que o acórdão ora recorrido não merece censura.
Não se vislumbra a insuficiência da matéria de facto nem a contradição na decisão de facto, não há lugar à ampliação da matéria de facto pretendida pela recorrente.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.3. Da produção de prova testemunhal
Relativamente à necessidade de produção de prova requerida pela recorrente, nos mesmos acórdãos, já citados, proferido nos processos n.º 7/2018 e n.º 43/2018, dissemos o seguinte:
《No recurso contencioso, a produção de prova só tem lugar se os factos forem relevantes para a decisão de mérito (n.º 1 do artigo 63.º e n.º 3 do artigo 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (proémio do n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A produção de prova visava estabelecer a culpa da Administração e a falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno.
Ora, como desenvolveremos adiante, entendemos que tal questão não é relevante para a decisão sobre a legalidade da caducidade da concessão por decurso do prazo.
Assim, independentemente de a relevância da culpa poder integrar uma das soluções plausíveis da questão de direito, certo é que “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa…” (1.ª parte do n.º 3 do artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), o que, como veremos melhor, não é manifestamente o caso.
Donde, ter de improceder, sem mais, o recurso.》
Também é o entendimento uniforme e reiteradamente seguido em todos os acórdãos posteriores, pelo que deve ser mantido.
Ora, a improcedência da pretensão da recorrente é imposta por entendermos que, no caso de declaração de caducidade por decurso do prazo, o Chefe do Executivo não tem que apurar se o não aproveitamento se deveu a motivo imputável ao concessionário ou não, sendo bastante que o terreno concedido não foi aproveitado pela concessionária no prazo de arrendamento, daí que não há de proceder à produção da prova.
Afigura-se-nos evidente que a declaração da caducidade da concessão provisória pressupõe a constatação objectiva de duas realidades, respeitantes respectivamente ao decurso do prazo de arrendamento e ao não aproveitamento do terreno no prazo estipulado.
Assim, tendo em consideração a finalidade visada pela produção da prova apresentada pela recorrente, de apurar se a Administração teve, ou não, culpa no não aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, é de concluir, forçadamente, que não há necessidade de proceder à produção da prova, sendo irrelevante a questão de culpa.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 10 UC.

Macau, 4 de Dezembro de 2020
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Neste sentido, cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018.
2 A demarcação definitiva, que se baseia na demarcação provisória e nas subsequentes correcções resultantes do processo de concessão, consiste na marcação dos pontos de fronteira do terreno e na execução das operações relativas à demarcação que permitem a perfeita identificação e localização do terreno concedido no registo predial (artigos 95.º e 96.º).
3 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
4 42 meses, no caso do Processo n.º 1/2018, 36 meses no caso do Processo n.º 28/2017, 18 meses no caso do Processo n.º 81/2016, para referir prazo de concessões em recursos jurisdicionais que correram neste TUI.
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32
Processo n.º 145/2020