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Processo nº 142/2020 Data: 27.11.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão por arredamento de terreno.
Caducidade.
Fundamentação.
Princípios de Direito Administrativo.
Acto vinculado.



SUMÁRIO

1. A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.

Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.

Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado.

2. Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem a conclusão do seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.

Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 142/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PAK KENG VAN, S.A.”, (“柏景灣置業發展股份有限公司”), com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 03.05.2018 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 2.981 m², situado na península de Macau, designado por lote 9 da zona C, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 58 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 29.04.2020, (Proc. n.° 574/2018), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 280 a 317-v).

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Inconformada com o decidido, do mesmo, traz a recorrente o presente recurso, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:

“1. Para os efeitos do artigo 152.° do CPAC, entende a Recorrente que o Acórdão recorrido incorre em violação e numa errada aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 5.°, 8.°, 11.° e 12.° do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), que estipulam os princípios da igualdade e boa fé, da decisão e da eficiência da Administração; do artigo 21.°, n.° 1, al. d) do CPAC, relativo ao erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito; dos artigos 115.° do CPA e 21.°, do n.° 1, al. c) do CPAC, relativos ao vício de falta de fundamentação; dos artigos 323.° e 326.° do Código Civil, relativo à invocada existência de uma causa impeditiva da caducidade e ao abuso de direito; dos artigos 7.°, 25.° e 103.° da Lei Básica e do artigo 1427.° do Código Civil, por referência ao direito do uso de superfície, e do artigo 55.° da Lei do Planeamento Urbanístico;
2. O efeito extintivo do direito da concessionária não se produz automaticamente pela mera ocorrência de um facto objectivo, exigindo-se um juízo avaliativo da Administração para declarar a caducidade, avaliação essa que deve ponderar todos os interesses concretamente em causa, avaliação que não é feita quer no Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, quer no Parecer da Comissão de Terras, não existindo fundamentação sobre percurso traçado para chegar a essa conclusão, circunstância que consubstancia vício de falta de fundamentação, nos termos dos artigos 115.° do CPA e 21.°, n.° 1, al. c) do CPAC;
3. Recai sobre o órgão público competente o dever vinculado de verificar e avaliar as causas de caducidade, fazendo um juízo sobre a conduta do particular/sujeito privado, pois só assim poderá averiguar se há incumprimento e em que medida o incumprimento é imputável ao particular;
4. Saber se, no decurso do prazo fixado, foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas, tal como é exigido no artigo 44.° da Lei de Terras, implica, pressupõe e exige que a Administração avalie efectivamente o comportamento contratual do concessionário, para, de tal modo, poder concluir pelo cumprimento ou incumprimento daquelas cláusulas;
5. Pelo que, na falta de uma avaliação quanto ao cumprimento do contrato de concessão, não pode a Administração declarar a caducidade da concessão de terreno apenas com base no decurso do prazo fixado no contrato;
6. Não há fundamentação de direito quando não se invoca no acto administrativo a norma legal justificativa do sentido decisório do acto apresentando-se, deste modo, insuficiente a fundamentação do acto que equivale a falta de fundamentação e determina consequentemente a sua anulação;
7. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong, na sua declaração de voto vencido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.° 354/2017, entendeu que não pode ser declarada a caducidade da concessão quando a Administração pratica actos que reconhecem direitos às concessionárias e que impedem a caducidade;
8. Como foi referido nas alegações facultativas, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes ("DSSOPT"), publicou e mantém disponível para consulta, há vários anos, no seu website, um link (https://www.dssopt.gov.mo/pt/menu/publicInfo/id/171) com uma lista designada "65 processos dos terrenos que não foram classificados como terrenos não desenvolvidos dentro do prazo, por razões não imputáveis ao concessionário no ano 2011", em Chinês "65個於2011年基於不可歸責承批人之原因,不被納入為未按時發展之土地個案", onde está incluído, em 18.° lugar, o lote de terreno em causa nos presentes autos;
9. E a lista publicada pela DSSOPT vincula a RAEM, importa recordar que o Exmo. Chefe do Executivo, na sua qualidade de representante máximo da RAEM, reconheceu, em 18 de Novembro de 2015 e 22 Abril de 2016, na Assembleia Legislativa, durante as apresentações das Linhas de Acção Governativa, a responsabilidade da Administração na suspensão do desenvolvimentos dos projectos imobiliários nas zonas C e D da Nam Van;
10. Disse o Senhor Chefe do Executivo, na primeira intervenção, que os 14 terrenos localizados nas zonas C e D da Nam Van, pertencem aos 65 casos que não são da responsabilidade dos concessionários e que não foram incluídos nos casos de desenvolvimento inacabado após a análise realizada em 2011 e que não foram concluídos devido à falta de aprovação dos planos, à alteração dos contratos de concessão, ao planeamento urbanístico, ao andamento dos processos judiciais e a outros motivos;
11. Acrescentou o Chefe do Executivo, na segunda intervenção, que o Governo está a trabalhar e a reexaminar os casos em que os terrenos não puderam ser desenvolvidos por razões imputáveis ao Governo, para apurar as responsabilidades que deve assumir;
12. As afirmações do Chefe do Executivo proferidas, nessa qualidade e na Assembleia Legislativa vinculam, obviamente a RAEM, no claro reconhecimento de culpa da Administração pelo incumprimento dos compromissos assumidos das legítimas expectativas criadas nas Autoras, como resulta com abundância nos autos;
13. Ora, tendo a Administração reconhecido os direitos das concessionárias verem aprovado o projecto que apresentaram e as revisões dos seus contratos de concessão, não pode, agora, vir-se afirmar que a caducidade ocorreu ipsu iure, escudando-se nos supra referidos preceitos da Lei de Terras, em clara violação do artigo 8.° do Código Civil, que proíbe o intérprete de se cingir à letra da lei;
14. Ao afirmar que a caducidade das concessões opera por mero decurso do prazo, a Administração faz tábua rasa do reconhecimento da causa impeditiva e viola os princípios da igualdade e da boa fé, nomeadamente porque, nos Despachos do STOP n.° 20/2006, de 20 de Fevereiro de 2006, n.° 8/2009, de 3 de Fevereiro de 2009, e n.° 89/2007, de 23 de Outubro de 2007, publicado no BO n.° 44, II Série, de 31 de Outubro de 2007, foi verificada a falta de culpa dos concessionários no cumprimento dos prazos, sendo que as previsões relevantes da antiga Lei de Terras, citadas nos Pareceres da Comissão de Terras referidos naqueles três Despachos são iguais às da Lei de Terras em vigor;
15. Não se entende como pode o Tribunal recorrido limitar-se a acolher o Parecer do Magistrado do MP e não tomar em consideração que aqueles Despachos são obviamente legais e enobrecem quem os praticou, porque denotam o respeito pela tutela da confiança contratual, pelos princípios da boa fé e da justiça, pelo cumprimento dos compromissos assumidos e pela segurança do comércio jurídico - que são pilares de um Estado de Direito;
16. A adopção de critérios diferentes para situações idênticas, dando por verificada a falta de culpa das concessionárias noutras concessões face à declaração de caducidade por parte da entidade recorrida no caso em análise nos autos, quando da sua conduta resultou sempre que não o iria fazer e sendo ela quem impediu a revisão do contrato de concessão, resulta na violação dos princípios da igualdade e da boa fé, e consubstancia um abuso de direito, vg. artigos 25.° da Lei Básica, 5.° e 8.°, n.° 2, al. a) do CPA e 326.° do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, princípio que se mostra violado;
17. Por outro lado, como contrapartida pelas desistências das concessões dos lotes lotes B/b, B/f, B/g e B/1 da Zona B, o Governo garantiu, contratualmente, à Nam Van e às suas subsidiárias, incluindo a Recorrente, que iria rever os planos de pormenor das Zonas C e D, para nelas incluir as áreas dos quatro lotes que reverteram para a RAEM, tal como consta dos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras públicas n.os 33/2004, 34/2004, 35/2004 e 36/2004 de 1 de Abril, publicados no B.O. n.° 14, II Série, de 14 de Abril de 2004;
18. O prometido aumento da área de construção e capacidade aedificandi das Zonas C e D não se verificou e constituiu, como é evidente, mais um factor de constrangimento criado pelo Governo no desenvolvimento dos projectos imobiliários das várias concessionárias, incluindo o da Recorrente;
19. O Meritíssimo Juiz Fong Man Chong tem defendido, e julga-se que bem, que o princípio da boa fé não se aplica só aos casos de exercício de poder discricionário por parte da Administração mas também nos casos de exercício de poderes vinculados;
20. Entendimento partilhado pelos Tribunais Portugueses, conforme consta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 25/06/2008, no Processo n.° 0291/08, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 00101/2002.TFPRT.21 de 10/03/2016 e do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 01312/07.8BEPRT, de 02/11/2010;
21. Também os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mário Aroso da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Fernando Alves Correia e Licínio Lopes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra seguem o mesmo raciocínio jurídico, ou seja: princípios como o da justiça e da boa fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais;
22. O princípio da tutela da confiança e do investimento de confiança assume especial relevância, dado que visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem;
23. Veja-se a este propósito e em linha com o argumento que o titular do direito não pode alegar uma causa extintiva quando é ele a provocá-la, o entendimento pacífico e conjunto do Tribunal de Segunda Instância e do Tribunal de Última Instância manifestado, respectivamente nos Acórdãos n.° 577/2006, de 18 de Janeiro de 2007, e n.° 26/2007, de 27 de Junho de 2008.
24. O entendimento expresso no Acórdão recorrido que dispensa a Administração de obedecer aos princípios da igualdade e boa fé, no exercício de poderes vinculados, conduz, necessariamente, à conclusão de que a Administração da RAEM pode agir de má fé e em abuso de direito;
25. Não se entende que a Administração se escude nos artigos 44.°, 47.°, n.° 1, 48.°, n.° 1 e 215.° da Lei n.° 10/2013, para apelar à caducidade das concessão do lote C9, quando é manifesto que esses preceitos só fazem sentido se não existir um comportamento culposo por parte da Administração;
26. Não existindo culpa da Recorrente, facto que a própria Entidade Recorrida reconheceu, o artigo 166.° da Lei de Terras não pode ser aplicado às concessões pretéritas, é este o resultado da ressalva da alínea 3) do artigo 215.° da Lei da Terras;
27. A Administração reconheceu direitos à Recorrente, desguarnecendo, em clara violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.° 2 do artigo 5.° do CPA, o cuidado e as precauções que devem ser tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos;
28. A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança; esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé;
29. O artigo 41.° da Lei ele Terras estabelece, quanto ao regime jurídico aplicável à concessão por arrendamento, que a "concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano rege-se pelas disposições da presente lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável", e o artigo 220.°, preceitua que, em tudo quanto não estiver, expressamente, previsto na presente lei, são aplicáveis subsidiariamente, consoante a natureza das matérias, o Código do Procedimento Administrativo, o Decreto-Lei n.° 52/99/M, de 4 de Outubro, o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código do Registo Predial;
30. A menção ao Decreto-Lei n.° 52/99/M (Regime Geral das Infracções Administrativas) é indiciador de que o incumprimento da Lei de Terras implica a aplicação de sanções e, como tal, que a caducidade prevista nesta Lei é a caducidade-sanção e não a caducidade preclusiva;
31. O artigo 99.° da Lei de Terras estipula a sujeição do concessionário às vinculações prescritivas do plano urbanístico que vigore na zona onde o terreno concedido se encontre situado e a cumprir as condições que lhe sejam impostas para a racional utilização dos recursos naturais do terreno concedido;
32. O artigo 55.° da Lei do Planeamento Urbanístico determina que, quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento de um terreno concedido, o concessionário tem direito, nos termos da Lei de Terras, a requerer a revisão do contrato de concessão ou, tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão, sem prejuízo de ser indemnizado pelos danos que tenha sofrido, preceito que se considera violado, que foi objecto do recurso interposto do acto de declaração de caducidade;
33. Defende o Meritíssimo Juiz Fong Man Chong que enquanto não se verificar a condição (a aprovação do Plano Urbanístico) a Administração está inibida de declarar a caducidade da concessão de terrenos e de contar o decurso do prazo de aproveitamento, porque a Administração admitiu expressamente o direito das concessionárias sobre os terrenos e foi ela quem impôs uma condição ao acto praticado anteriormente, na verdade essa condição ainda não se verificou, estando ainda a Administração e as concessionárias a ela sujeitas;
34. Ou seja, o acto da Administração que ordenou a suspensão das obras constitui uma condição suspensiva prevista no artigo 111.° do CPA, só depois da aprovação do plano urbanístico é que era permitido o concessionário a continuar a construção e rever a concessão;
35. Atendendo a toda a factualidade devidamente alegada pela Recorrente em sede do recurso contencioso, a Administração comprometeu-se a prorrogar os prazos de aproveitamento e a proceder às revisões dos contratos de concessão;
36. Com o reconhecimento expresso dos direitos que assistem à Recorrente, a Administração provocou o efeito jurídico impeditivo da caducidade, previsto no artigo 323.°, n.° 2 do Código Civil;
37. O artigo 323.°, n.° 2 do Código Civil determina que quando se trate de prazo fixado por contrato, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido impede a caducidade;
38. Sendo o direito disponível, se for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição), o reconhecimento impede, sim, a caducidade tal como impediria a prática do acto sujeito a caducidade;
39. O prazo de caducidade não se suspende nem interrompe, a não ser nos casos em que a lei o determine (artigo 320.° do nosso Código Civil), podendo, porém, ser impedido (artigo 323.° do nosso Código Civil), o que corresponderá à efectivação do direito, sem gerar novo prazo, ficando o mesmo sujeito às disposições que regem a prescrição;
40. Se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade, esse reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, uma vez feito, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade.
41. Ensina Adriano Vaz Serra, como é registado pelo Meritíssimo Juiz Fong Man Chong na sua Declaração de Voto Vencido proferida nestes autos, que se a caducidade for arguida por quem lhe deu causa, essa invocação é paralisada por abuso de direito;
42. Entende-se que quem com a sua actuação obsta ao exercício tempestivo do direito do titular, e vem depois invocar a caducidade desse direito, procede contra a boa fé, podendo o titular opor-lhe a referida objecção, com o efeito de ao titular ser concedido o tempo adequado segundo as circunstâncias para o exercício do direito:
43. O direito de superfície reveste um carácter autónomo, em relação ao direito de propriedade do dono do terreno, sendo o seu objecto integrado pela faculdade de ocupação do espaço aéreo e do subsolo correspondentes à porção delimitada de terreno. Embora o solo continue pertença daquele, pode o superficiário ocupar com a construção ou com a plantação que tenha direito a fazer ou manter esse solo;
44. A Administração usa o instituto jurídico da caducidade como uma punição sem culpa, desembocando num efeito jurídico próximo do da expropriação sem compensação, em clara violação do espírito do artigo 103.° da Lei Básica;
45. Nem se diga que não é o direito de propriedade que está em causa, pois o que a Recorrente adquiriu foi o direito do uso da propriedade, também consagrado e protegido naquele preceito fundamental da lei de Macau;
46. Neste sentido, o Prof. Doutor Fernando Alves Correia e o Juiz Fong Man Chong defendem que a concessão por arrendamento de terrenos do Estado dá lugar à aplicação subsidiária do regime jurídico do direito de superfície de duração previsto no artigo 1427.° do Código Civil;
47. Os concessionários por arrendamento viram-se impedidos de exercer o seu direito a fazer a obra, nos termos contratualmente acordados, por factos da Administração, aos quais são completamente alheios, e que não podiam de todo em todo ultrapassar;
48. Por conseguinte, em tais casos verifica-se, para os concessionários, uma situação de absoluta invencibilidade do obstáculo criado pela Administração à realização do aproveitamento, pelo que se verificam "motivos de força maior" que impediram os concessionários de exercerem o seu direito, para os efeitos do n.° 1 do artigo 313.° do Código Civil de Macau;
49. Mesmo que se considerasse que a noção de motivo de força maior não abrange estas situações, o que, como acabámos de ver, não pode merecer dúvidas, ainda assim sempre seria aplicável o n.° 2 do artigo 313.° do Código Civil de Macau;
50. Na verdade, e a despeito deste n.° 2 mencionar o dolo da contraparte, entende-se que o mesmo é aplicável para o caso de, podendo embora não ter existido dolo da contraparte, ainda assim lhe ser imputável a não observância pelo devedor do prazo fixado, se a alegação da prescrição/caducidade pelo credor ofender a boa fé; e
51. Neste cenário, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não ocorreu a caducidade da concessão e o respectivo prazo está suspenso, nos termos do artigo 313.° do Código Civil de Macau, aplicável por força do n.° 3.° do artigo 1427.° do mesmo código, ambos por sua vez convocados ex vi artigo 41.° da Lei de Terras”; (cfr., fls. 325 a 365).

*

Em contra-alegações, diz – essencialmente – a entidade recorrida que:

“(…)
3.°
A questão central e decisiva aqui em apreço é a de saber se o acto administrativo que declarou a caducidade da concessão do terreno acima identificado enferma de qualquer ilegalidade.
4.°
E sobre essa questão não podem existir dúvidas quanto ao acerto da douta decisão recorrida quando concluiu que nenhuma ilegalidade afecta aquele acto.
5.°
Com efeito, o que aqui está em causa é, no essencial, o seguinte: a Administração considerou, e continua considerar, que no final do prazo da concessão esta mantinha natureza provisória, dado não estar concluído o aproveitamento do terreno.
6.°
Nos termos do n.° 1 do artigo 47.° da Lei n.° 10/2013 (Lei de terras), a concessão por arrendamento de terrenos integrantes do domínio privado do Estado é temporária, sendo o prazo fixado no respectivo contrato, e sem que possa exceder, inicialmente, 25 anos.
7.°
A consequência da fixação de uma data até à qual, ou de um lapso de tempo durante o qual, o contrato de concessão por arrendamento vigorará ou produzirá os seus efeitos é a de que, atingida essa data ou findo o dito lapso de tempo (termo resolutivo certo), o contrato se extinguirá em razão da respectiva caducidade.
8.°
Extrai-se do estatuído no artigo 52.° da Lei de terras que o decurso do tempo - o tempo correspondente ao prazo do contrato - tem, em princípio, um efeito extintivo sobre o contrato de concessão por arrendamento, gerando a sua caducidade.
9.°
O que sucede é que, à luz da Lei de terras, esse efeito extintivo é neutralizado através do mecanismo da renovação do contrato, seja renovação automática, seja renovação dependente de autorização (cfr. artigo 49.° do referido diploma legal).
10.°
Fora dessas situações em que a concessão se renova, os efeitos extintivos decorrentes da respectiva caducidade não podem deixar de se produzir de forma plena.
11.°
Deste modo pode dizer-se que, face ao regime resultante da Lei de terras, a relação jurídica emergente da concessão por arrendamento de terrenos, quando não se renova, extingue-se por caducidade uma vez atingido o fim do respectivo prazo.
12.°
Ora, do n.° 1 do artigo 48.° da Lei de terras resulta, de forma expressa, que as concessões provisórias são insusceptíveis de renovação, excepção feita às situações previstas no n.° 2 do mesmo artigo, em que o terreno se encontra anexado a um outro que se encontre concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto.
13.°
Daqui que, atingido o fim do prazo de uma concessão, e sendo esta provisória, se produza a respectiva caducidade com os efeitos extintivos que lhe estão associados.
14.°
Sendo que uma concessão é provisória enquanto não se converter em definitiva, ou seja enquanto, no decurso do prazo fixado, não forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno não estiver demarcado definitivamente, tal como decorre do disposto no artigo 44.° da Lei de terras.
15.°
E que a conversão da concessão provisória em concessão definitiva depende da prova do aproveitamento do terreno, a qual se faz mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (cfr. n.° 1 do artigo 130.° e n.° 1 do artigo 131.°, ambos da Lei de terras).
16.°
Assim, verificando-se que o aproveitamento de um terreno não foi concluído e que, portanto, a concessão por arrendamento desse terreno é provisória, a renovação desta concessão, atingido que seja o termo aposto no contrato, será legalmente impossível.
17.°
Nesta perspectiva, ao contrário do que sustenta a Recorrente, é irrelevante a questão da imputabilidade da falta de conclusão do aproveitamento do terreno.
18.°
Na verdade, não sendo concluído o aproveitamento, a concessão manterá o carácter provisório independentemente das razões pelas quais essa falta de conclusão do aproveitamento aconteceu.
19.°
E sendo uma concessão provisória, repete-se, a sua renovação é legalmente inviável.
20.°
Pelo que, no fim do respectivo prazo se produzirá a sua extinção por caducidade.
21.°
Nessa circunstância, caberá à Administração declarar essa caducidade, nos termos resultantes do disposto no artigo 167.° da Lei de terras.
22.°
Constituindo a declaração de caducidade um acto de carácter legalmente vinculado, não pode a Administração, na presença daqueles pressupostos - decurso do prazo da concessão e manutenção do respectivo carácter provisório -, praticar qualquer outro acto em alternativa.
No caso em apreço,
23.°
Resulta claramente da fundamentação do acto recorrido que através dele se declarou a caducidade da concessão do lote de terreno aqui em causa por se ter verificado que, no dia 30 de Julho de 2016, expirou o prazo da concessão por arrendamento fixado no respectivo contrato, sem que o aproveitamento do terreno definido no contrato se mostrasse realizado.
24.°
Perante esses pressupostos de facto, tendo em conta o disposto nos artigos 44.° e 48.°, n.° 1, ambos da Lei de terras, aplicáveis por força do disposto no artigo 215.° da mesma Lei, estava a Administração legalmente vinculada a declarar, como declarou, a caducidade da concessão do terreno aqui em causa, a qual, como é evidente, tem natureza de caducidade preclusiva.
25.°
Demonstra-se, assim, que o acto praticado pelo ora Recorrido está em absoluta conformidade com a Lei de terras, e daí que deva manter-se intocado na ordem jurídica, tal como doutamente decidiu o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão recorrido.
(…)”; (cfr., fls. 370 a 376).

*

Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 386 a 386-v).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura pública de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, sitiadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento era válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. De acordo com o estabelecido no artigo segundo do contrato de revisão de concessão titulado pelo Despacho n.º 56/SATOP/94, através do qual foram concedidos onze lotes de terreno da zona C e dois lotes de terreno da zona D, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
4. Segundo o estipulado na cláusula quarta do mesmo contrato, o aproveitamento de cada lote de terreno das zonas C e D deveria ser realizado em conformidade com os Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande e respectivos regulamentos, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. Entre esses lotes, o lote 9 da zona C, com uma área de 2981m2, seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado às finalidades habitacional, comercial e de estacionamento, cuja altura máxima permitida foi fixada em 34,5m NMM.
5. O prazo de aproveitamento dos lotes de terreno das zonas C e D foi fixado em de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, conforme previsto na cláusula sexta do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho n.º 73/SATOP/92, na redacção introduzida pelo artigo terceiro do contrato titulado pelo referido Despacho n.º 56/SATOP/94.
6. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram numa nova revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
7. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes de terreno da zona B, reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
8. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de terreno de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados nas zonas C e D prorrogado por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
9. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 86/2001, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno, designado por lote 9 da zona C do referido empreendimento a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
10. O terreno em causa está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22519 a fls. 171 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.º 26672F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
11. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
12. Em 15 de Março de 2006, as concessionárias dos lotes 8, 9 10 e 11 da zona C apresentaram em conjunto um requerimento acompanhado de um plano de estudo prévio de arquitectura à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, pedindo o aproveitamento conjunto dos quatro lotes em apreço, a fim de formar um terreno, com a área total de 14105m2, no qual, os lotes C8 e C9 seriam destinados a construir um edifício com uma altura de 150m NMM, enquanto os lotes C10 e C11 seriam destinados a construir um auto-silo público subterrâneo e um jardim.
13. Conforme a Planta de Alinhamento Oficial emitida em 18 de Maio de 2006, a cota altimétrica máxima do lote C9 é de 150m NMM.
14. Por ofício de 2 de Junho de 2006 do Departamento de Urbanização da DSSOPT foram notificadas as requerentes de que o director da DSSOPT proferiu despacho em 19 de Maio do mesmo ano, referindo que seria possível a aprovação do plano em apreço, só que seria necessária a observação dos pareceres técnicos emitidos por várias entidades.
15. Os Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M foram revogados pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006.
16. Em 18 de Dezembro de 2006, a concessionária entregou o anteprojecto de obra de construção do lote C9 à DSSOPT, referindo que o edifício a construir teria uma altura de 175m NMM. O director da DSSOPT proferiu despacho em 14 de Fevereiro de 2007, o anteprojecto em causa foi considerado possível de aprovação, só que seria necessária a observação dos pareceres técnicos emitidos por várias entidades.
17. A seguir, pela comunicação interna de 18 de Maio de 2007, foi enviado pelo Departamento de Urbanização ao Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT o anteprojecto em apreço, para acompanhamento dos processos de revisão dos contratos de concessão do terreno.
18. Em 20 de Novembro de 2007, a DSSOPT emitiu a licença de obra de fundação do lote C9, com validade até 31 de Março de 2008, sob condição de: “a obra só teria lugar após a conclusão do plano de intervenção urbanística global das zonas C e D do Lago Nam Van…”.
19. Em 14 de Março de 2008, a concessionária apresentou o requerimento de renovação da licença de obra.
20. Em resposta ao pedido formulado pelo Departamento de Urbanização, em 21 de Maio e 18 de Novembro de 2008, pelas comunicações internas, o Departamento de Gestão de Solos emitiu pareceres respeitantes ao requerimento supra mencionado, indicando que os processos de revisão dos contratos de concessão de todos os lotes das zonas C e D do “Fecho da Baía da Praia Grande” apenas teriam lugar após a aprovação do novo plano de intervenção urbanística, bem como não deveriam ser emitidas quaisquer licenças de obra até à publicação da revisão dos contratos no Boletim Oficial da RAEM. Por conseguinte, a licença em causa não foi renovada.
21. Todavia, nunca foi aprovado o plano das zonas C e D do Lago Nam Van, pelo que não foi implementado o processo de revisão do contrato de concessão do lote C9.
22. Em 15 de Julho de 2005, o “Centro Histórico de Macau” foi inscrito na lista do património mundial. Segundo o parecer emitido pelo Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT na comunicação interna n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril de 2015, sobre as zonas C e D, tais zonas situam-se a Sul do aludido centro histórico, tendo a sua relevância geográfica, portanto, o plano de intervenção urbanística dessas zonas tem capturado a atenção da sociedade da RAEM e dos especialistas e académicos da UNESCO, bem como tem sido discutido pelos mesmos. Em colaboração com a monitorização efectuada pelo Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de apreciação e autorização de todos os projectos de desenvolvimento das zonas C e D do Lago Nam Van. O Departamento de Planeamento Urbanístico apenas concluiu o estudo do plano da aludidas zonas em Novembro de 2014, estando, porém, a aguardar a aprovação do plano pelo superior hierárquico, para poder emitir a planta de condições urbanísticas.
23. Por requerimento de 6 de Maio de 2016, a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pediu a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno.
24. Entre 2010 e 2016, a concessionária apresentou vários requerimentos ao Gabinete do Chefe do Executivo, pedindo que implementasse, com maior brevidade, o plano de desenvolvimento das zonas C e D do Lago Nam Van, autorizasse a suspensão do prazo de aproveitamento do terreno, prorrogasse o prazo por mais 10 anos e renovasse a concessão provisória por um período de 10 anos; ou, após a declaração da caducidade da concessão dos lotes em epígrafe, concedesse novamente, com dispensa de concurso público, os mesmos à requerente, ou substituísse os referidos lotes por direito de concessão dum outro terreno adjacente com a mesma área e capacidade de construção.
25. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
26. Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 372/DSODEP/2016, de 12 de Setembro de 2016, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
27. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
28. Com efeito, de acordo com o artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212º e 215º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130º e 131º).
29. Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
30. De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49º, 132º e 133º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55º era aplicável apenas às concessões definitivas.
31. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tomar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167º da Lei nº 10/2013.
32. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
Reunida em sessão de 10 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes da proposta nº 372/DSODEP/2016, de 12 de Setembro de 2016, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras públicas, de 19 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Em 03/05/2018, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 66/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 14 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”.
Depois foi proferido o seguinte despacho:
Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 26/2018
Por escritura pública de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, celebrada em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, e com as alterações introduzidas pelos Despacho n.º 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, Despacho n.º 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993, Despacho n.º 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, e Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999, foi titulada a concessão, por arrendamento, de vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situados na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício FIT Center, 21.º andar B, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 4 144 (SO) a fls. 166 do livro C10.
Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 86/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa dos direitos resultantes da concessão do terreno com a área de 2 981m2, designado por lote 9 da zona C do referido empreendimento a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A., com sede na Avenida Doutor Mário Soares, Edifício FIT Center of Macau, 15.º andar A-K, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 8 967 (SO) a fls. 14 do livro C23.
O mencionado lote está descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º 22 519 a fls. 171 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor daquela sociedade sob o n.º 26 672F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão de transmissão titulado pelo sobredito Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 86/2001, o arrendamento do terreno é válido até 30 de Julho de 2016.
Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato de transmissão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, comércio e estacionamento, em conformidade com o plano de pormenor e respectivo regulamento, relativo à zona C, aprovado pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991.
O prazo de arrendamento do aludido terreno expirou em 30 de Julho de 2016, e este não se mostrava aproveitado.
De acordo com o disposto no artigo 44.º e no n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força do preceituado no artigo 215.º desta lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Neste contexto, dado que a concessão em causa não se tornou definitiva, é verificada a sua caducidade pelo decurso do prazo.
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 2 981 m2, designado por lote 9 da zona C do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na CRP sob o n.º 22 519 a fls. 171 do livro B49K, a que se refere o Processo n.º 66/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e com os fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 14 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A., destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados a partir da sua notificação, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada integralmente pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A referida sociedade pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da mencionada sociedade na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 18.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
9 de Maio de 2018.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário”; (cfr., fls. 292 a 296-v e 4 a 18 do Apenso).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.

Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com uma breve “nota introdutória”.

O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, desde já se mantém; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 11.04.2018, Proc. n.° 38/2017; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.°38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020; de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020; de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020 e de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020).

Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar cabal resposta às questões colocadas.

Pois bem, apreciando o anterior recurso contencioso da ora recorrente, e subscrevendo o opiado pelo Ministério Público, consignou o Tribunal de Segunda Instância o que segue:

“…
Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 3 de Maio de 2018, da autoria do Exm. ° Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 2.981 m2, situado na península de Macau, designado por lote 9 da zona C do “Fecho da Baía da Praia Grande”.
Na sua petição de recurso e nas alegações facultativas, a recorrente, “Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A.”, atribui ao acto diversos vícios, nomeadamente o de falta de fundamentação, erro nos pressupostos de facto, devido a errada interpretação da natureza legal do instituto da caducidade na Lei de Terras, erro nos pressupostos de direito, com violação dos artigos 323.°, n.º 2, do Código Civil, violação dos princípios da igualdade e da boa-fé, violação do artigo 55.° da Lei do Planeamento Urbanístico, violação dos princípios da decisão e eficiência, abuso de direito e violação da Lei Básica.
A autoridade recorrida, por sua vez, recusa que o acto padeça dos assacados vícios, asseverando a sua legalidade.
Vejamos quanto à alegada falta de fundamentação.
A recorrente diz que o despacho recorrido assenta nos artigos 44.º, 47.°, n.º 1, 48.° e 215.°, da Lei de Terras. Como, em seu entender, tais normativos nada têm a ver com caducidade e a Administração não explicou o percurso que trilhou para, a partir desses normativos, concluir pela caducidade, assevera que o acto padece de falta de fundamentação.
É claro que isto não integra o alegado vício de falta de fundamentação. Uma coisa é não fundamentar, ou fundamentar deficientemente, podendo nesta hipótese falar-se de vício de forma; outra coisa é fundamentar mal ou erradamente, mediante invocação de normas não pertinentes para o caso, situação que, podendo relevar em matéria de vícios substanciais, já não cauciona a invocação de vício de forma.
Pois bem, o que está em causa é a eventualidade de existência de erro nas normas seleccionadas para justificar a caducidade, o que, como se disse, não integra o alegado vício de forma. De resto, analisando o acto, que apropria os fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o qual, por sua vez, também remete para o parecer da Comissão de Terras, apura-se que está profusamente fundamentado, não tendo cabimento a invocação de falta de fundamentação.
Improcede, por isso, este fundamento do recurso.
Vem também invocado erro nos pressupostos de facto, por errada visão da natureza legal da caducidade na Lei de Terras.
A recorrente sustenta, na esteira de parecer dos Profs. Fernando Alves Correia e Licínio Lopes, que o acto adopta uma errada interpretação da natureza legal da caducidade nas relações contratuais, afirmando que nas relações entre a Administração e os particulares a caducidade tem sempre natureza sancionatória e apenas será declarada quando houver culpa dos particulares. No caso, por não ter havido culpa sua, mas sim da Administração, a recorrente acha que o acto padece de erro sobre os pressupostos de facto.
Não cremos que assim seja, continuando a entender, na esteira da jurisprudência do Tribunal de Última Instância e da jurisprudência maioritária do Tribunal de Segunda Instância, que tanto a caducidade sanção como a caducidade preclusiva podem ocorrer no âmbito das relações contratuais criadas ao abrigo da Lei de Terras. Casos há em que o legislador não abstrai da culpa para que possa ser declarada a caducidade, como sucede nas hipóteses abrangidas pelo artigo 166.° da Lei de Terras. Mas quando esteja em causa o decurso do prazo inicial da concessão, sem que esta se tenha convertido em definitiva por via do aproveitamento, crê-se que opera a caducidade preclusão, independentemente dos motivos que estiveram na base do não aproveitamento, estando o Chefe do Executivo vinculado a proferir o inerente despacho a declará-la. Esta última hipótese é a que se nos depara no caso em apreço, pelo que, de acordo com o supra-referido entendimento jurisprudencial, ao acto não interessa a culpa, cujo não apuramento não releva, pois, como erro nos pressupostos.
Improcede também este fundamento do recurso.
Em sede de erro nos pressupostos de direito, a recorrente joga com o artigo 323.°, n.º 2, do Código Civil, cuja violação ou errada interpretação teria levado a Administração a concluir, indevidamente, pelo decurso do prazo da caducidade.
A recorrente argumenta que a Administração teria reconhecido o direito da concessionária ao desenvolvimento do terreno, o que, nos termos daquele inciso, constitui impedimento à verificação da caducidade.
Ora bem, o direito ao desenvolvimento ou aproveitamento do terreno é um direito resultante do contrato e que, naturalmente, está presente no normal relacionamento que as partes contratuais vão mantendo ao longo da duração do contrato. Isso não significa que a circunstância de a Administração actuar tomando por base aquele direito do particular ao aproveitamento e tentando proporcionar-lhe a possibilidade de aproveitar o terreno, respondendo aos requerimentos deste e prevendo a conjugação futura de condições para aprovação dos projectos, isso não significa, dizíamos, que a Administração reconheça o direito ao aproveitamento para além do normal prazo de caducidade. É este o reconhecimento que o artigo em causa pressupõe, e que, como é óbvio, não ocorreu nem resulta da matéria alegada pela recorrente. Duvida-se, aliás, que um hipotético reconhecimento nesse sentido pudesse ser validamente outorgado pela Administração, dado o regime e a finalidade das concessões.
Claudica, pois, o alegado erro nos pressupostos de direito.
Suscita também a recorrente a violação dos princípios da boa-fé e da igualdade.
Estão em causa princípios cuja acuidade releva no exercício de poderes discricionários. Ora, como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, verificados os pressupostos falta de aproveitamento e decurso do prazo da concessão provisória, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão. Foi o que sucedeu no presente caso. Estando em causa, como estava, o exercício de poder vinculado, aqueles princípios mostram-se inoperantes em termos de poderem influir na validade do acto.
Também este fundamento do recurso improcede.
Vem ainda suscitada a violação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico e dos princípios da decisão e eficiência.
Constata-se, todavia, que, em bom rigor, tais vícios não são assacados ao acto aqui impugnado, nem a etapas do procedimento de declaração de caducidade, antes se reportam à falta de aprovação dos planos de pormenor que deviam substituir os planos criados pelas Portarias 68/91/M e 69/91/M revogadas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006.
Trata-se, como é bom de ver, de vicissitudes relativas a uma actividade regulamentar, diversa da actividade de decisão administrativa casuística que ora está em causa, e que não revelam apetência para interferir directamente nesta, não podendo evidentemente falar-se de falta de razoabilidade da decisão de caducidade devido à falta de oportuna aprovação de um plano de pormenor.
Improcedem estes vícios.
Também vem alegado que o acto incorreu em abuso de direito.
Como se ponderou no acórdão de 19 de Outubro de 2017, do Tribunal de Segunda Instância, no âmbito do recurso contencioso n.º 179/2016, o abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de que o titular de um direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, situação que não resulta preenchida quando a actuação administrativa vai dirigida ao cumprimento das cláusulas do contrato e ao acatamento das normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões. Também o Tribunal de Última Instância, no seu acórdão de 23 de Maio de 2018, tirado no processo n.º 7/2018, alvitrou que a declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem o aproveitamento do terreno constitui um poder-dever, prescrito por normas imperativas, pelo que não pode traduzir qualquer abuso de direito.
Soçobra também este fundamento do recurso.
Vem ainda invocada a violação dos artigos 7.° 25.° e 103.° da Lei Básica.
Com excepção do artigo 25.°, que proclama o princípio da igualdade, aliás já atrás aflorado como inoperante para a invalidação do acto, trata-se de normas respeitantes aos solos e sua gestão e ao direito de propriedade e compensação em caso de expropriação legal, não se divisando como podem sair violadas através do recorrido acto de declaração de caducidade.
A Lei Básica manda proteger o direito à propriedade privada, impõe o reconhecimento e protecção dos contratos de concessão de terras celebrados antes do estabelecimento da RAEM e que se prolonguem para além da data de transferência de soberania e garante a compensação em caso de expropriação. Mas relega, para a lei, a forma e as condições que moldam essa protecção e garantia, como melhor se vê das normas pertinentes (artigos 6.°, 7.°, 103.° e 120.°). Pois bem, no que respeita aos terrenos pertença do antigo Território de Macau e da actual RAEM - terrenos do Estado -, não há concessões por tempo indeterminado. Há prazos de concessão e há regras para o aproveitamento dos terrenos. Esses prazos e regras estão disciplinados por lei e, na maioria dos casos, até são vertidos para os contratos de concessão. Portanto, a protecção conferida pela Lei Básica é uma protecção subordinada aos prazos e regras legalmente instituídos, os quais têm como pano de fundo a finalidade social dos direitos associados ao uso da terra, o que demanda o seu efectivo aproveitamento nos prazos que o legislador teve por razoáveis, adentro do seu poder de conformação. Daí que a impossibilidade de renovação das concessões provisórias, que resulta da nova Lei de Terras, como já resultava da antiga Lei de Terras, em nada afronte os princípios vertidos naqueles artigos da Lei Básica, que não resulta violada pela circunstância da existência da modalidade de caducidade preclusiva.
(…)”; (cfr., fls. 296-v a 299).

Aqui chegados, vejamos.

Atento o que pela ora recorrente vem alegado em sede das conclusões do seu recurso, cremos que coloca – essencialmente – duas questões: a primeira respeitante a uma alegada “falta de fundamentação”, e uma segunda, onde afirma existir “erro na aplicação do direito”, pois que considera que violado foi o “princípio da igualdade, da boa fé e da tutela de confiança”, tendo-se também incorrido em abuso de direito.

Tendo-se presente o teor do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, e verificando-se que as “mesmas questões” foram aí apreciadas de forma que se nos apresenta clara e válida, (e em sintonia com o que por esta Instância tem sido entendido), pouco se mostra necessário consignar para se concluir que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Vejamos.

–– Quanto à alegada “falta de fundamentação”.

Ora, como (cremos que) sem esforço se constata, manifesta é a falta de razão da recorrente.

Com efeito, e como se evidencia pelo que atrás se deixou relatado, a “decisão administrativa” em questão, (cabendo notar que o presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não aquela), é um “despacho concordante” do Chefe do Executivo, e – como tem constituído entendimento pacífico, firme e repetido – faz seus os argumentos e fundamentos de facto e de direito enunciados nos expedientes que lhe antecedem, e que, por sua vez, são claros quanto às razões de facto e de direito do decidido.

Como recentemente, (acompanhando-se igualmente entendimento firme), se decidiu:

“A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.
Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.
Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado”; (cfr., v.g., o citados Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020 e de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020).

Por sua vez, cabe dizer que a colocada questão, não deixa de constituir uma “falsa questão” pois que a mesma já foi objecto de expressa e adequada apreciação e decisão pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância – e embora seja esta a “decisão” que (agora) constitui o objecto do presente recurso (jurisdicional) para esta Instância – verifica-se que se limita a recorrente a repetir o antes já alegado no seu anterior recurso contencioso que tinha como objecto o “acto administrativo” a que se refere, mais não se mostrando de dizer, porque, ocioso.

–– Quanto à errada “aplicação do direito por violação dos princípios fundamentais de direito administrativo”, vejamos.

Pois bem, firme e repetido tem sido o entendimento deste Tribunal no sentido de que:

“Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem a conclusão do seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.
Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica”; (cfr., os Acs. atrás referidos).

In casu, tal como resulta da factualidade dada como provada, a “concessão por arrendamento” do terreno em questão era para durar “25 anos”, contados a partir da outorga da respectiva escritura pública, (30.07.1991), e, como é bom de ver, expirado estando tal prazo, (o que sucedeu em 30.07.2016), sem que concluído estivesse o seu aproveitamento, outra solução não parece que havia.

Com efeito, e como temos vindo a considerar:

“No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça, da adequação, da proporcionalidade, da colaboração entre a Administração e os particulares e da igualdade”, pois que “Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 104/2020, de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020 e de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 27 de Novembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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