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Processo nº 157/2020 Data: 27.11.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão por arredamento de terreno.
Caducidade.
Matéria de facto.
Princípios de Direito Administrativo.
Acto vinculado.



SUMÁRIO

1. A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.

2. Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem a conclusão do seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.

Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 157/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “BAÍA DO DRAGÃO INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, LIMITADA”, (“龍灣置業投資有限公司”), sociedade com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 15.12.2016 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 3.488 m², situado na Ilha de Coloane, (na zona industrial de Seac Pai Van), designado por lote SD, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 58 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 29.04.2020, (Proc. n.° 188/2017), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 330 a 362-v).

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Inconformada com o decidido, do mesmo, traz a recorrente o presente recurso, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:

“1.ª O TSI erra no julgamento sobre a matéria de facto porquanto não deu como provado ou não considerou factos alegados e provados, quer por prova plena, quer admitidos por acordo e não impugnados, e ainda outros de relevante importância para discussão da causa decorrentes daqueles.
2.ª Estão nessa circunstância os factos alegados nas peças processuais e coligidos nestas alegações no ponto 9 supra, todos constantes nos autos, designadamente no processo instrutor, em documentos legislativos e administrativos da RAEM, declarações públicas dos titulares de governo da RAEM e depoimentos de testemunha em audiência de julgamento.
3.ª O que resulta do disposto na nova Lei de Terras em matéria de caducidade e a obrigatoriedade de o Chefe do Executivo declarar a caducidade do direito do concessionário sempre que este, por facto que lhe seja imputável, com fundamento em negligência ou culpa, não conclua o aproveitamento dos terrenos concedidos nos prazos estipulados.
4.ª Na medida em que a respectiva declaração produz os efeitos "apropriativos" dos investimentos, previstos no artigo 168° da Lei n° 10/2013, não só a declaração de caducidade (caducidade-sanção) tem efeito constitutivo e não meramente declarativa, como ainda a respectiva validade fica dependente da proporcionalidade da medida, que afaste um eventual caracter confiscatório que justificam igualmente a impossibilidade de conhecimento oficioso deste tipo de caducidade.
5.ª Pelo que, é na articulação sistemática entre o disposto nos artigos 48.°, 104.°, n.° 5, e 166.° da Lei de Terras de 2013 que a questão da caducidade em concessões por arrendamento provisórias deve ser decidida.
6.ª Em suma, o artigo 166.° da Lei de Terras associa um regime de caducidade das concessões provisórias a não conclusão do aproveitamento nos prazos e termos contratuais, mas com ressalva do caso de essa inobservância ter sido determinada por motivo justificativo não imputável ao concessionário - ressalva que, no artigo 166.° da Lei de Terras de 1980, constava directamente do corpo do n.° 1 do artigo e, no caso do artigo 166.° da Lei de Terras de 2013, resulta, hoje, da conexão que esta lei estabelece entre o regime deste artigo e o do n.° 5 do artigo 104.° que, a montante, admite a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento (e, portanto, o não preenchimento, desde logo, do pressuposto da caducidade prevista na alínea 1) do n.° 1 do artigo 166.°) quando seja reconhecida pelo Chefe do Executivo a existência de motivo justificativo, não imputável ao concessionário, para a inobservância do prazo de aproveitamento.
7.ª Por fim, a natureza da caducidade prevista no artigo 166° da Lei de Terras é corroborada pela letra e espírito do artigo 37° n° 2 da Lei de Terras que remete directamente para alínea 4) do n.° 1 do artigo 55, da mesma lei;
8.ª Assim, esta sanção, estatuída no artigo 37.° da Lei de Terras (não poder ser concedido outra concessão), surge no caso de ocorrência de situações previstas na alínea 4) do n.° 1 do artigo 55, da Lei de Terras, ou seja, na concessão do terreno, cuja concessão anterior tenha caducado nos termos das alíneas 1) ou 2) do n.° 1 do artigo 166º a favor da instituição de crédito legalmente autorizada a exercer actividade na RAEM…
9.ª O que significa que a caducidade prevista do artigo 166° da Lei de Terras n° 10/2013 tem natureza de uma caducidade-sanção e não de caducidade preclusão.
10.ª Nesta perspectiva, na medida em que o incumprimento contratual constitui um pressuposto inafastável da declaração de caducidade da concessão, o Concedente, no momento em que declara a caducidade da concessão, está obrigado, sempre, proeder à verificação da imputabilidade do incumprimento.
11.ª Aqui chegados, e tendo em conta que o fundamento do acto de declaração de caducidade no caso concreto, é o decurso do tempo, não tendo sido apreciado a imputabilidade do incumprimento do contrato, o acto de declaração de caducidade é ilegal, porquanto:
12.ª A interpretação que acaba de se defender é, de resto, a única solução que, no entender dos recorrentes, que se apresenta conforme à Lei Básica e aos princípios fundamentais do Estado de Direito, sob pena de se admitir e promover o "confisco", uma vez que, em caso de caducidade do contrato de concessão, por motivo imputável à RAEM pelas razões supra expostas, a concessionária perderia para ele todos os seus direitos e bem assim o prémio pago na totalidade, sem direito a qualquer indemnização.
13.ª Uma solução que viola frontalmente a protecção da propriedade privada e dos investimentos reconhecida no artigo 103º da Lei Básica.
14.ª Ao declarar a caducidade do contrato de concessão a Administração viola manifestamente o princípio da boa fé e da tutela da confiança, sendo que o TSI tinha o dever de julgar essa violação, ainda que considerando., sem conceder, que estaríamos no âmbito da actividade vinculada.
15.ª Quer a doutrina, quer a jurisprudência admitem que o princípio da justiça e os seus corolários, designadamente a boa-fé, é aplicável no âmbito do exercício de poderes vinculados da Administração (conf. das alegações supra).
16.ª Apesar do princípio da justiça ter o seu campo de aplicação predominante no exercício de poderes discricionários, não é de descartar, ictu oculi, a sua aplicação no exercício de poderes vinculados, pois existem circunstâncias em que deve dar-se proeminência ao princípio da justiça, em desvalor do princípio da legalidade
17.ª Pelo que, deve entender-se que princípios como o da justiça e da boa-fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais.
18.ª Isto porque, a aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica.
19.ª A força constitucional do princípio da boa fé advém da tutela da confiança, que decorre do princípio do Estado de Direito tal qual a existem na RAEM, postulada a ideia de protecção da confiança dos cidadãos· e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza, previsibilidade e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.
20.ª Por isso, a normação que, por sua natureza, impeça de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza, previsibilidade e segurança que as pessoas e a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de Direito, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica de Macau, concretizando-se este imperativo no plano da aplicação da lei pelos poderes públicos, no âmbito das relações administrativas.
21.ª A conclusão anterior valerá também para situações geradas numa base de confiança, entendida como legítima ou justificável em que o princípio permite afastar soluções legais expressas que conduzam, em concreto, a uma violação da boa-fé.
22.ª Outro imperativo extraído do princípio da boa-fé é o da prioridade da substância sobre a forma ou da primazia da materialidade subjacente, que "exprime a ideia de que o direito procura a obtenção de resultados efectivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora formalmente correspondam a tais objectivos, falhem em atingi-los substancialmente.
23.ª Este princípio proíbe, por exemplo, o exercício de posições jurídicas de modo desequilibrado ou o aproveitamento de uma ilegalidade cometida, pelo próprio prevaricador, de modo a prejudicar outrem.
24.ª Estes corolários são particularmente aplicáveis à situação dos autos, em que se assume o entendimento de que o prazo máximo de 25 anos das concessões por arrendamento é um prazo de caducidade preclusiva, cujo decurso constituiria um obstáculo intransponível à subsistência da relação contratual, independentemente das vicissitudes pelas quais essa relação possa ter passado.
25.ª Admitindo-se na âmbito da aplicação de regimes da caducidade preclusiva, na falta de outra norma que permita assegurar a justiça, se faça apelo ao princípio da boa fé, designadamente para evitar que alguém retire vantagem do facto de impedir outrem de praticar acto a que lei ou convenção atribua efeito impeditivo da caducidade.
26.ª É assim, desde logo, que se tem por verificada a condição que tiver sido impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica (artigo 268.º do Código Civil), pela simples razão de que ninguém pode tirar uma vantagem de um comportamento ilícito (princípio do tu quoque).
27.ª Em suma, mesmo que, no nosso caso, se entenda que o prazo da concessão por arrendamento é um prazo de caducidade preclusiva, cujo decurso constitui, por isso, um obstáculo intransponível à subsistência da concessão, independentemente de quaisquer vicissitudes, nem por isso deverá deixar de reconhecer-se que a RAEM não se deve poder retirar vantagem do facto de ter impedido que o aproveitamento das terras concedidas se concretizasse e, portanto, que a concessão não se convertesse em definitiva dentro desse prazo.
28.ª Este argumento, fundado no princípio da boa fé, que directamente decorre da aplicação dos princípios gerais da actividade administrativa pelos quais, nos termos do Código do Procedimento Administrativo de Macau, a Administração deve pautar o seu relacionamento com os particulares, impunha, pois, o afastamento da declaração da caducidade da concessão, para o efeito de exigir que o Chefe do Executivo, com esse fundamento, autorizasse a revisão do contrato conforme reconhecimento expresso da Administração ao concessionário de este ter o direito ao aproveitamento do lote nas novas finalidades definidas.
29.ª E neste sentido ainda que se entendesse que estaríamos no âmbito dos poderes vinculados, o TSI erra ao não apreciar a questão a esta luz, designadamente ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do:
a. Princípio Da boa fé e da tutela da confiança, nas modalidades de venire contra factum proprium e tu quoque;
b. Princípio da imparcialidade;
c. Princípio da proporcionalidade;
d. Princípio da igualdade;
e. Princípio da participação do interessado na modalidade de audiência prévia”; (cfr., fls. 371 a 413-v).

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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 418 a 425), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente pediu a revogação do Acórdão em questão, pelo qual o Venerando TSI julgou improcedentes todos os vícios reiteradamente assacados pela recorrente ao despacho impugnado no recurso contencioso.
Argumentando o pedido de revogação, a recorrente invocou, nas referidas alegações, o erro de julgamento sobre da matéria de facto, o erro de julgamento quanto à natureza da declaração de caducidade, ao impedimento ao aproveitamento do terreno, à violação da Lei Básica e à aplicação dos princípios gerais de direito administrativo mesmo no âmbito da actividade vinculada.
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Ora, convém recordar-se que na petição inicial e nas alegações facultativas do recurso contencioso, a recorrente requereu a anulação do despacho aí indicado, invocando, como causa de pedir, o erro quanto à verificação do decurso do prazo de caducidade, a violação dos princípios da boa fé e do abuso de direito, da imparcialidade com a não verificação da imputabilidade do incumprimento contratual, da proporcionalidade, da igualdade, bem como a violação da preterição da audiência prévia.
Repare-se que é pacífica e consolidada a jurisprudência, segundo a qual decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, nesse prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas, e o Chefe do Executivo não tem que apurar se o incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º28/2017, n.º43/2018 e n.º72/2019). Pois a jurisprudência de Macau vem sempre no sentido de encaixar a caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento na caducidade preclusiva (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º69/2017, n.º102/2018 e n.º26/2019).
A nossa leitura dos arestos dos Venerandos TUI e TSI convence-nos de ser constante e unânime a orientação jurisprudencial, no sentido de ser vinculado o poder administrativo para declarar a caducidade, quer de preclusão quer de sanção, das concessões de terrenos (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º62/2017 e 111/2018, do TSI nos n.º433/2015, n.º436/2015 e n.º743/2016).
Com todo o respeito pela opinião diferente, estamos ainda convictos de que a posição e explanações do Venerando TSI no aresto recorrido está em completa conformidade com a unânime jurisprudência fixada pelo TUI nos Acórdãos tirados nos Processos n.º79/2019 e n.º94/2020.
Na nossa óptica, não se descortina nenhuma razão ponderosa que justifique a alteração da consolidada jurisprudência supra aludida. O que nos assegura a extrair tranquilamente que são decerto inconsistentes os argumentos aduzidos nas supramencionadas alegações.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do presente recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 435 a 436).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Ao abrigo do disposto no art.º 44.º da Lei n.º 10/2013, Lei de Terras, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Ao abrigo do disposto no art.º 48.º da mesma Lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, por despacho do Chefe do Executivo, declarar a caducidade de concessão, por decurso do prazo, de acordo com o art.º 167.º da mesma Lei.
2. Ao abrigo do disposto no art.º 179.º da Lei de Terras e no art.º 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
3. Em face do exposto, a DSSOPT, através da Proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro de 2015, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovado esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
4. Pelo Despacho n.º 169/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3488m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote "SD", a favor da Sociedade de Importação e Exportação Ng Fok, Limitada (agora denominada por Baía do Dragão Investimento Imobiliário, Limitada), destinado à construção de um edifício industrial.
5. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
6. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno será aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 9 pisos, destinados às finalidades industrial e de estacionamento, ficando o 3.º piso afectado a indústrias, a explorar directamente pela concessionária.
7. Conforme o previsto na cláusula quinta do contrato da concessão, o aproveitamento do terreno deverá operar-se no prazo global de 30 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o contrato, ou seja, de 29 de Dezembro de 1989 até 28 de Junho de 1992.
8. Conforme a cláusula sexta do contrato de concessão, constituem encargos especiais a suportar exclusivamente pela concessionária a desocupação do terreno concedido e a remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes.
9. Da leitura das informações da Folha de Acompanhamento Financeiro decorre que, só em 9 de Novembro de 2005 é que a concessionária pagou integralmente o prémio no valor de $5.540.415,00 patacas conforme previsto na cláusula décima do contrato.
10. O terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23187, e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 30837F.
11. Devido à falta de infra-estruturas na zona industrial de Seac Pai Van, a concessionária, através dos requerimentos apresentados respectivamente em 25 de Janeiro de 1990, 31 de Julho de 1991 e 27 de Agosto de 1991, solicitou a troca do lote concedido por um outro terreno situado na Península de Macau, junto à Estrada Marginal da Ilha Verde, com a área de 2140m2, juntando, para o efeito, um estudo de aproveitamento.
12. Por outro lado, de acordo com o despacho proferido em 30 de Agosto de 1993 pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas na Informação n.º 063/SOTSDB/93 de 6 de Agosto de 1993, devido à sua localização e ao elevado custo e dificuldade na execução das infra-estruturas de uma zona com as características de Seac Pai Van, foi decidido afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial. Porém, estava em curso na altura o supracitado processo de troca do terreno, pelo que o respectivo despacho não foi notificado à concessionária.
13. Em 4 de Junho de 2004, face ao falta de qualquer andamento do processo de troca do terreno, a concessionária veio requerer a desistência do correspondente pedido, requerendo também a emissão de nova planta de alinhamento oficial para o lote “SD”, para elaboração de um novo projecto.
14. Por despacho do subdirector da DSSOPT de 30 de Setembro de 2004, foi decidido proceder, primeiro, ao estudo relacionado com as infra-estruturas da zona habitacional de Seac Pai Van, antes da emissão de nova planta de alinhamento oficial.
15. Depois, respectivamente nos dias 30 de Janeiro e 19 de Novembro de 2014, a concessionaria requereu a revisão do respectivo contrato de concessão do lote “SD”, a alteração da finalidade do terreno para habitacional e a fixação dum novo prazo de aproveitamento.
16. Através da Comunicação de Serviço Interno nº 126/DPU/2015 de 29 de Janeiro de 2015, o Departamento de Planeamento Urbanístico referiu que não iria emitir a planta de condições urbanísticas de qualquer lote antes da obtenção da aprovação superior da revisão do Plano Urbanístico da zona de Seac Pai Van.
17. Em 24 de Abril de 2015, a concessionária requereu a confirmação de se ainda era válido o seu direito resultante da concessão do terreno, bem como a revisão do contrato de concessão ou a atribuição de uma nova concessão (do terreno) para solucionar a situação do decurso do prazo de arrendamento em 28 de Dezembro de 2014.
18. Por outro lado, face ao pagamento tardio do prémio por parte da concessionária, a Direcção dos Serviços de Finanças exigiu que a DSSOPT emitisse parecer sobre a cobrança ou não dos juros de mora. De acordo com o despacho de 30 de Abril de 2015 do STOP, proferido na Proposta n.º 23/DJUDEP/2015 da DSSOPT, foi autorizada a isenção do pagamento dos respectivos juros de mora, e ordenada a abertura do procedimento de declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento.
19. Conforme o previsto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, o prazo terminou em 28 de Dezembro de 2014. No entanto, uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 48.º da Lei de Terras, a mesma não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da Proposta n.º 045/DSODEP/2016 de 26 de Janeiro de 2016, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância do STOP por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
20. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 28 e Dezembro de 2014 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o art.º 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do art.º 48.º da Lei de Terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cfr. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do art.º 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do art.º 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no art.º 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
Reunida em sessão de 3 de Março de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes na Proposta n.º 045/DSODEP/2016, de 26 de Janeiro de 2016, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 28 de Dezembro de 2014, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Em 15/12/2016, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 13/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 9 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”»; (cfr., fls. 343 a 344-v e 4 a 10 do Apenso).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.

Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com duas breves “notas introdutórias”.

A primeira, para dizer que para melhor se compreender a situação que levou à decisão de caducidade da concessão do terreno dos autos se passar a transcrever o teor do citado Parecer do S.T.O.P., n.° 13/2016, datado de 09.03.2016, na sequência do qual foi declarada a dita caducidade.

Tem, pois, o teor seguinte:

“Proc. n.° 13/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 488m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote "SD", a favor da Sociedade de Importação e Exportação Ng Fok, Limitada (actualmente denominada por Baía do Dragão Investimento Imobiliário, Limitada), pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.° 169/GM/89.
1. Através do Despacho n.° 169/GM/89, publicado no 4.° suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.° 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 488m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote "SD", a favor da Sociedade de Importação e Exportação Ng Fok, Limitada (actualmente denominada por Baía do Dragão Investimento Imobiliário, Limitada).
2. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.° 1 do artigo 4.° da Lei n.° 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
3. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 9 pisos, destinados às finalidades industrial e de estacionamento, ficando o 3.° piso afectado a indústrias, a explorar directamente pela concessionária.
4. O prazo de arrendamento do lote "SD" terminou em 28 de Dezembro de 2014 e este não se mostrava aproveitado naquela data. Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 3 de Março de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento de 25 anos fixado na cláusula segunda do contrato terminou em 28 de Dezembro de 2014, e que, a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.° 1 do artigo 48.° da Lei n.° 10/2013, Lei de Terras, aplicável por força dos seus artigos 212.° e 215.°. Deste modo, a concessão do lote "SD" encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
(…)”; (cfr., fls. 154 a 155 do Apenso).

Isto dito, afigura-se de consignar também que o presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se mostra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 11.04.2018, Proc. n.° 38/2017; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.°35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020; de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020; de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020 e de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020).

Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar cabal resposta às questões colocadas.

Pois bem, percorrendo as alegações de recurso apresentadas e as conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, constata-se que – em síntese – pela mesma vem suscitada a questão do “erro no julgamento sobre a matéria de facto” e da “errada aplicação do direito” com violação dos princípios fundamentais do direito administrativo, (princípio da boa fé e da tutela da confiança, nas modalidades de venire contra factum proprium e tu quoque, princípio da imparcialidade, da proporcionalidade, da igualdade e da participação do interessado na modalidade de audiência prévia).

Cremos porém, como – bem – nota o Ministério Público no seu Parecer, que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Vejamos.

Acompanhando a posição pelo Ministério Público assumida em sede do anterior recurso contencioso, assim se ponderou no Acórdão recorrido, (na parte que agora releva):

“…
Objecto do presente recurso contencioso é o acto de 15 de Dezembro de 2016, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 3.488 m2, designado por lote “SD”, situado na Ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, concessionado em 1989 à recorrente “A Baía do Dragão Investimento Imobiliário, Limitada”.
Na sua petição de recurso, a recorrente imputa ao acto os diversos vícios explicitados nesse articulado, concretamente erro quanto à verificação do decurso do prazo de caducidade, violação do princípio da boa fé, abuso de direito, violação do princípio da imparcialidade, violação do princípio da proporcionalidade, violação do princípio da igualdade e preterição da formalidade de audiência prévia, vícios que manteve nas alegações facultativas.
Por seu turno, a autoridade recorrida afirma a legalidade do acto e preconiza a improcedência do recurso.
Vejamos, começando pela questão do alegado impedimento da caducidade.
Diz a recorrente que o acto não tomou em conta o efeito impeditivo da caducidade, nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, resultante do reconhecimento, pela Administração, dos direitos que assistem à concessionária.
Esta tese do impedimento da caducidade apoia-se na circunstância de o então Secretário Adjunto para os Transportes e Obras Públicas haver aprovado, em 30 de Agosto de 1993, a alteração da finalidade do terreno, de industrial para habitacional, com reconhecimento da falta de infraestruturação do loteamento, o que implicava uma revisão contratual que nunca chegou a ser feita. Esta situação teria, segundo a recorrente, a virtualidade de impedir o decurso do prazo de caducidade à luz do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
Não divisamos, nem em bom rigor a recorrente explica, de que modo as referidas incidências têm esse efeito impeditivo da caducidade pelo decurso do prazo de 25 anos. Aliás, o Tribunal de Última Instância, no seu recente acórdão de 23 de Maio de 2018, exarado no processo n.º 7/2018, considerou que …nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo e que …relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Improcede, pois, esta suscitada violação de lei.
A recorrente afirma também que o acto incorreu na violação de vários princípios que regem a actividade administrativa tais como, o da boa fé, o da imparcialidade, o da proporcionalidade e o da igualdade.
Trata-se de princípios cuja acuidade releva no exercício de poderes discricionários, funcionando como limite da actividade administrativa discricionária – cf., v.g., acórdão de 19 de Outubro de 2017, do Tribunal de Segunda Instância, exarado no âmbito do recurso contencioso n.º 179/2016.
Ora, como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, verificados os pressupostos “falta de aproveitamento” e “decurso do prazo da concessão provisória”, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão. Foi o que sucedeu no presente caso. Estando em causa, como estava, o exercício de poder vinculado, aqueles princípios mostram-se inoperantes em termos de poderem influir na validade do acto. Acresce que, especificamente no tocante ao princípio da imparcialidade, o acto não lidou, nem tinha que lidar, com a questão da culpa no incumprimento contratual, conforme entendimento pacífico da jurisprudência da Região Administrativa Especial de Macau, bem patenteado no acórdão do Tribunal de Última Instância, de 11 de Outubro de 2017, exarado no processo n.º 28/2017.
Improcede também a invocada violação de tais princípios.
Vem ainda afirmado que o acto de declaração de caducidade, nas circunstâncias em que foi adoptado e culminando um comportamento da Administração que se pautou pela obstaculização do aproveitamento do terreno, traduz um abuso do direito.
A este propósito, cabe lembrar o acórdão supra referido, de 19 de Outubro de 2017, do Tribunal de Segunda Instância, onde se ponderou que o abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de que o titular de um direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, situação que não resulta preenchida quando a actuação administrativa vai dirigida ao cumprimento das cláusulas do contrato e ao acatamento das normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões. Também o Tribunal de Última Instância, no seu acórdão de 23 de Maio de 2018, acima citado, alvitrou que a declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem o aproveitamento do terreno constitui um poder-dever, prescrito por normas imperativas, pelo que não pode traduzir qualquer abuso de direito ou violação do princípio da boa-fé.
No caso em análise, verificados que estavam os pressupostos da caducidade, a Administração não podia deixar de a declarar, pois está obrigada a agir sob vinculação legal, pelo não pode falar-se de actuação em abuso do direito.
Improcede igualmente este vício.
Finalmente, a recorrente acha que o acto padece da preterição da formalidade de audiência.
Nesta matéria, o princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, proclamado no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo, encontra expressão prática no exercício do direito de audiência previsto nos artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. Finda a instrução, os interessados são convocados ou notificados para exercitarem tal direito. Só assim não será nos casos de inexistência e de dispensa de audição, incluindo-se nos primeiros as hipóteses em que a decisão se revele urgente ou possa ver comprometida a sua execução ou utilidade pela própria audiência, bem como os procedimentos em massa, e pontuando entre os segundos as situações em que os interessados já se hajam pronunciado no procedimento sobre as provas produzidas e sobre as questões pertinentes para a decisão, bem como quando o procedimento aponte para uma decisão favorável aos interessados. Nenhuma destas hipóteses estava em causa, pelo que, tendo havido instrução, havia lugar ao exercício do direito de audição, sendo seguro que não foi facultada à recorrente a possibilidade de exercitar esse direito.
Posto isto, importa ponderar que o acto administrativo em crise é proferido no exercício de poderes estritamente vinculados, como já se frisou supra. Entendemos, tal como defende a entidade recorrida, que, preenchidos que se mostrem os pressupostos da declaração da caducidade preclusiva, tem a Administração a obrigação vinculada de produzir essa declaração. Então, a preterição daquela formalidade, que, como referido, temos por verificada, mostra-se indiferente para o resultado a que tem que chegar a decisão final do procedimento. Qualquer desvio que conduza a um resultado diverso daquele que vinculadamente se impõe há-de relevar noutra sede que não a da falta de audição do interessado. O que significa que, em casos tais, e quando, como no presente, não esteja em causa um direito fundamental de audição, visto que o procedimento não pode considerar-se sancionatório, a formalidade degrada-se em não essencial, sendo de dar prevalência ao interesse inerente ao princípio do aproveitamento do acto.
(…)”; (cfr., fls. 344-v a 346).

Perante o assim exposto, e mostrando-se que o consignado no Acórdão recorrido coincide com o por esta Instância considerado para as (mesmas) questões aí apreciadas, e que, como se vê, são as mesmas agora (novamente) suscitadas, muito não se mostra necessário dizer para se demonstrar da falta de razão da ora recorrente.

–– Quanto à “matéria de facto”.

De facto, sobre esta questão, firme tem sido o entendimento desta Instância no sentido de que:

A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020, de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020 e de 14.10.2020, Procs. n°s 124/2020 e 125/2020).

–– Por sua vez, relativamente ao assacado “erro na aplicação do direito”, (e violação dos princípios de direito administrativo), a mesma se apresenta dever ser a solução.

Na verdade, igualmente firme e repetido tem sido o entendimento deste Tribunal no sentido de que:

“Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem a conclusão do seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.
Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica”; (cfr., os Acs. atrás referidos).

In casu, tal como resulta da factualidade dada como provada a “concessão por arrendamento” do terreno em questão era para durar “25 anos”, e, como é bom de ver, expirado estando tal prazo, (o que sucedeu em 28.12.2014), sem que concluído estivesse o seu aproveitamento, outra solução não (parece que) havia.

Com efeito, e como temos vindo a considerar:

“No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça, da adequação, da proporcionalidade, da colaboração entre a Administração e os particulares e da igualdade”, pois que “Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 104/2020, de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020 e de 30.10.2020, Proc. n.° 131/2020).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 27 de Novembro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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