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Processo n.º 765/2020 Data do acórdão: 2020-11-26
Assuntos:
– agressão com faca na cabeça
– intenção de matar
– regras da experiência da vida humana
– faca da cozinha com lâmina superior a dez centímetros
– arma proibida
– art.o 1.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições
– Decreto-Lei n.o 77/99/M
S U M Á R I O

1. Como ditam as regras da experiência da vida humana quotidiana, quem esfaquear, por diversas vezes, a cabeça de outra pessoa, está a querer matar esta, pois a cabeça é parte muito importante do corpo humano, cujo ataque por faca, por diversas vezes, acarreta facilmente a morte da pessoa assim agredida.
2. No caso, a faca para cortar vegetais usada pelo arguido para esfaquear o ofendido já existia antes na cozinha da pensão em que viviam os dois, pelo que se tem por não injustificada a posse dessa faca pelo arguido, de maneira que essa faca não pode ser considerada como uma arma proibida nos termos do art.o 1.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, ainda que tenha lâmina superior a dez centímetros e seja susceptível de ser usada como instrumento de agressão física.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 765/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 261 a 271v do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR4-20-0072-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido desse processo chamado A, aí já melhor identificado, como autor material, de um crime tentado de homicídio, em três anos e seis meses de prisão, e de um crime consumado de arma proibida, p. e p. sobretudo pelo art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal, em dois anos e três meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de quatro anos de prisão, para além de ser condenado em pagar cinquenta mil patacas de indemnização a favor do ofendido, com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para rogar – conforme, em mais detalhes, a motivação de fls. 289 a 296 dos presentes autos correspondentes – que passasse a ser condenado pela prática de um crime consumado de ofensa à integridade física contra o ofendido dos autos (crime esse, no seu entender, a ser punido com um ano e seis meses de prisão), em vez do crime tentado de homicídio, pois não tinha agido ele com a intenção de matar o ofendido, ao contrário do entendido pelo Tribunal sentenciador, e, em novo cúmulo jurídico, a ser condenado em dois anos e seis meses de prisão única, a ser suspensa na sua execução, sob condição de pagamento da indemnização ao ofendido.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 298 a 302 dos presentes autos no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 317 a 320, no sentido de provimento do pedido de convolação do crime de homicídio tentado para o crime de ofensa consumada à integridade física, com nova medida da pena, sem prejuízo da aplicação a final da pena única de prisão efectiva.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 261 a 271v, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
Segundo a matéria de facto provada em primeira instância:
– o arguido esfaqueou a parte da cabeça do ofendido com uma faca para cortar vegetais tirada na cozinha de uma pensão ilegal (em que viviam os dois), tendo o ofendido agarrado nas duas mãos do arguido para impedir o ataque, e, apesar disso, acabado por sofrer, pelo menos, seis feridas na sua cabeça por causa da conduta do arguido (conforme sobretudo o facto provado 3);
– o ataque acima feito pelo arguido contra o ofendido foi na sequência de ele ter sido agredido na cabeça, por algumas vezes, pela mão do ofendido na rua (conforme o facto provado 2);
– o ataque acima referido causou ao ofendido feridas que lhe reclamaram oito dias para convalescença (conforme o facto provado 9);
– após feito o ataque, o arguido, de repente, deitou para rua, através da janela da pensão, a faca em causa, e sentou-se na cama sita na sala da pensão a fomar (conforme o facto provado 4).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido ora recorrente começou por defender que ele não tinha intenção de matar o ofendido.
Segundo a matéria de facto provada, o arguido esfaqueou a parte da cabeça do ofendido com uma faca para cortar vegetais tirada na cozinha de uma pensão ilegal (em que viviam os dois), tendo o ofendido agarrado nas duas mãos do arguido para impedir o ataque, e, apesar disso, acabado por sofrer, pelo menos, seis feridas na sua cabeça por causa da conduta do arguido; o ataque acima feito pelo arguido contra o ofendido foi na sequência de ele ter sido agredido na cabeça, por algumas vezes, pela mão do ofendido na rua; o ataque referido causou ao ofendido feridas que reclamaram oito dias para convalescença; após feito o ataque, o arguido, de repente, deitou para rua, através da janela da pensão, a faca em causa, e sentou-se na cama sita na sala da pensão a fomar (cfr. o facto provado 4).
Ante esses factos provados, é de considerar que se o ofendido não tivesse angarrado nas mãos do arguido, o modo de esfaqueamento feito por este, por várias vezes, na parte da cabeça do ofendido iria acarretar a morte deste.
Como ditam as regras da experiência da vida humana quotidiana, quem esfaquear, por diversas vezes, a cabeça de outra pessoa, está a querer matar esta, pois a cabeça é parte muito importante do corpo humano, cujo ataque por faca, por diversas vezes, acarretar facilmente a morte da pessoa assim agredida.
A tese da falta de intenção de matar do arguido só seria válida se o ofendido não tivesse agarrado nas duas mãos do arguido para impedir a conduta de ataque do arguido.
Assim sendo, é de manter o crime tentado de homicídio, já punido com três anos e seis meses de prisão no acórdão recorrido, pena de prisão esta não considerada pesada, tendo em conta todas as circunstâncias fácticas em causa e as exigências da prevenção geral, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal.
Quanto ao crime de arma proibida, já há que absolver oficiosamente o arguido, porquanto a faca para cortar vegetais usada por ele para esfaquear o ofendido já existia antes na cozinha da pensão em que viviam os dois, pelo que se tem por não injustificada a posse dessa faca pelo arguido, de maneira que a faca em causa não pode ser considerada como uma arma proibida nos termos do art.o 1.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, ainda que a faca tenha lâmina superior a dez centímetros e seja susceptível de ser usada como instrumento de agressão física.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso, mas absolver oficiosamente o arguido recorrente da prática de um crime de arma proibida, devendo ele cumprir apenas a pena de três anos e seis meses de prisão já aplicada no acórdão recorrido ao seu crime tentado de homicídio.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça, e duas mil e cem patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 26 de Novembro de 2020.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
 ___________________________ (Vencida por entender que devia manter a
Tam Hio Wa condenação do crime da arma proibida.)
(Primeira Juíza-Adjunta)
___________________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
  (本人認為:上訴人被判處的一項故意殺人罪未遂應改判普通傷害身體完整性罪。
  單從上訴人襲擊被害人的部位並不能必然判斷上訴人具有殺人的故意。根據已證事實所顯示的整個事情的經過,特別是,上訴人因憤怒用菜刀襲擊被害人,在二人住所狹窄空間下上訴人所使用的襲擊力度、上訴人在有條件致被害人死亡的情況下停止襲擊,將菜刀扔出窗外,留在現場沒有逃離。縱觀事情的整體經過,不能毫無疑問確切地得出上訴人存有殺死被害人之故意,包括直接故意、間接故意或或然故意。)



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