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Processo nº 212/2020 Data: 13.01.2021
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Cancelamento do B.I.R.M..
Pedido de suspensão de eficácia.
Pressupostos.
“Prejuízo de difícil reparação”.
(“Irreversibilidade”; “Intolerabilidade”).



SUMÁRIO

1. A interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem “efeito suspensivo”.

Todavia, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.

Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual da “suspensão de eficácia do acto”, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas irremediáveis ou dificilmente reparáveis.

O pedido de suspensão de eficácia apresenta-se assim como que ligado à necessidade de acautelar, ainda que provisoriamente, a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso.

Tem, assim, como meio processual acessório de natureza cautelar, o objectivo de evitar os inconvenientes do “periculum in mora” decorrentes do (normal) funcionamento do sistema judicial

2. Só os actos “positivos” ou “negativos com vertente positiva” são passíveis de suspensão da sua eficácia.

3. O cancelamento do B.I.R.M. de um (até aí) “residente permanente” da R.A.E.M. com cerca de 20 anos de idade e que aqui nasceu e residiu de forma regular e contínua, com a sua consequente “necessidade de ter de se deslocar para o exterior de Macau” sem que lhe seja conhecida a posse de qualquer outro documento de identificação ou de viagem e qualquer outra “relação familiar”, constitui “dano” merecedor de tutela jurídica que integra o conceito de “prejuízo de difícil reparação” para efeitos do art. 121°, n.° 1, al. a) do C.P.A.C..

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 212/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, (甲), com os restantes sinais dos autos, pediu – previamente à interposição do respectivo recurso contencioso – a suspensão de eficácia do despacho do SECRETÁRIO PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA, datado de 06.10.2020, que (em sede de recurso hierárquico) confirmou anterior decisão da Direcção dos Serviços de Identificação que decretou o cancelamento da emissão do seu Bilhete de Identidade de Residente da R.A.E.M.; (cfr., fls. 2 a 6 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, após adequada tramitação processual, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 12.11.2020, (Proc. n.° 995/2020), onde se decidiu indeferir o pedido deduzido; (cfr., fls. 162 a 164).

*

Inconformado com o assim decidido, do mesmo traz a requente o presente recurso, pedindo, a final, a revogação do dito Acórdão com as suas legais consequências; (cfr., fls. 168 a 178-v).

*

Tendo-se presente as considerações tecidas na resposta da entidade recorrida, (cfr., fls. 184 a 199), e posterior Parecer do Ministério Público, (cfr., fls. 207 a 209-v), onde se pugna pela improcedência do recurso, e atenta a natureza “urgente” dos presentes autos, sem mais demoras se passa a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância considerou “provados” os factos constantes e indicados a fls. 2 do seu Acórdão, que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais e que, oportunamente, se fará adequada referência.

Do direito

3. O Acórdão objecto do presente recurso indeferiu a pela ora recorrente peticionada suspensão de eficácia do “acto administrativo” praticado pela entidade administrativa ora recorrida, que confirmou a decisão de cancelamento do seu Bilhete de Identidade de Residente da R.A.E.M..

Outra sendo a opinião desta, vejamos.

O acto administrativo pode ser definido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”, e, como tal, “goza da presunção de legalidade, o que envolve a sua imediata obrigatoriedade e a executoriedade dos imperativos nele contidos”; (cfr., M. Caetano in, “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 463 e segs.).

De facto, como regra geral, a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade, não tem “efeito suspensivo”.

Tal ausência de efeito suspensivo – como afirma Santos Botelho, no seu “Contencioso Administrativo”, 3ª ed., pág. 446 – “prende-se e encontra a sua justificação na necessidade que, de uma maneira geral, a Administração tem de evitar que a celeridade, que com carácter normal deve presidir à actividade administrativa venha a ser entravada por um uso formalista e reprovável das garantias contenciosas. No fundo, a não atribuição de efeito suspensivo ao recurso contencioso radicaria não só na presunção da legalidade do acto administrativo, como também no apontado interesse do exercício contínuo, regular e eficaz da acção administrativa”.

Todavia, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.

Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual de “suspensão de eficácia do acto”, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas irremediáveis ou dificilmente reparáveis.

O pedido de suspensão de eficácia apresenta-se assim como que ligado à necessidade de acautelar, ainda que provisoriamente, a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso. Tem, assim, como meio processual acessório de natureza cautelar, o objectivo de evitar os inconvenientes do “periculum in mora” decorrentes do (normal) funcionamento do sistema judicial; (neste sentido, vd., Vieira de Andrade in, “A Justiça Administrativa”, 2ª ed. pág. 167 e F. do Amaral, “Dtº Administrativo”, Vol. IV, pág. 302).

É assim a “suspensão da eficácia de actos administrativos” – matéria regulada nos art°s 120 e segs. do C.P.A.C. – uma “providência cautelar” que visa impedir que, durante a pendência de um recurso contencioso (ou acção), ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a decisão que se vier a proferir, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão puramente platónica.

Assim, apresentando-se-nos de considerar que à ora recorrente assiste “legitimidade” para o pedido que deduziu, (pois que tem “interesse pessoal e directo” na pretensão apresentada; cfr., art. 121°, n.° 1 do C.P.A.C.), e salientando-se que na presente lide recursória em causa não está a “legalidade” do acto administrativo praticado, (cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 17.12.2009, Proc. n.° 37/2009), importa apreciar se verificados estão os requisitos para a concessão da requerida “suspensão de eficácia”, e, assim, se correcta foi a decisão do Acórdão ora recorrido.

Nos termos do art. 120° do C.P.A.C.:

“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.

E, nesta conformidade, claro é que só os actos “positivos” ou “negativos com vertente positiva” são passíveis de suspensão da sua eficácia.

Como – bem – observa José Cândido de Pinho:

«“Acto administrativo de conteúdo positivo” é todo aquele que altera a ordem jurídica existente no momento em que é praticado. Introduz modificações na ordem jurídica e nas posições jurídicas substantivas dos interessados em relação ao que antes dele (acto objecto do pedido) acontecia. São exemplos disso, os actos de nomeação de um funcionário, os actos de demissão, ou os actos de autorização.
Portanto, e ao contrário do que sugere o adjectivo “positivos”, para este efeito não se refere o legislador apenas aos actos favoráveis, àqueles que se reflectem positivamente na esfera de direitos e interesses dos interessados.
O vocábulo “positivos” tem aqui um sentido mais vasto, de modo a cobrir qualquer invasão daquela esfera, tanto favorável, como negativamente. Quer dizer, também os actos desfavoráveis ao requerente são considerados actos positivos na acepção que aqui está em causa, na medida em que alteram um “status” anterior. Portanto, desde que haja um corte total ou parcial com o passado, alterando-o, desde que o acto seja total ou parcialmente ablativo relativamente a uma situação anteriormente existente, desde que haja uma perda ou diminuição da posição jurídica substantiva do interessado requerente, estaremos também perante um acto positivo como condição de acesso ao uso do meio de suspensão de eficácia. Exemplo disso é o acto que determina a cassação de uma licença ou impõe a cessação de uma actividade»; (in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, pág. 190 e segs.).

Dest’arte, e tendo em conta os “efeitos” da “decisão” da entidade ora recorrida, evidente se apresenta que se está perante um “acto positivo”, (o que, aliás, ninguém parece contestar), passível de suspensão da sua eficácia.

Continuando, importa agora ter presente que nos termos do art. 121° do C.P.A.C.:

“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.

Atenta a redacção do preceito em causa, tem-se vindo a entender que os requisitos enumerados nas transcritas “alíneas a), b) e c)” são de verificação “cumulativa”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 26.09.2012, Proc. n.° 58/2012, de 16.05.2018, Procs. n°s 21/2018 e 38/2018, de 04.10.2019, Proc. n.° 90/2019 e de 26.02.2020, Proc. n.° 136/2019).

Na situação “sub judice”, (e em síntese que se nos mostra adequada), entendeu o Acórdão recorrido que verificado não estava o pressuposto da “alínea a”, o que levou à decisão de improcedência do pedido deduzido.

Ora, vale a pena recordar o seguinte excerto do comentário por Cândido de Pinho efectuado ao referido “pressuposto”:

“8 – (…)
Com o advérbio- previsivelmente, está o legislador a alertar que o interessado invoque e prove uma situação de facto de onde se extraia com muita probabilidade a ocorrência dos danos. Quer isto dizer, que o requisito em apreço não se basta com uma alegação vaga, superficial, mais ou menos conclusiva dos danos. Também não é suficiente invocar ou reproduzir as palavras da lei. É preciso expor e especificar muito bem a situação factual concreta, de modo a que fique bem claro que, sem a suspensão, a esfera jurídica do interessado ou dos que ele defende, ficará muito provavelmente lesada. É que, neste capítulo, a alínea demonstra perfeitamente que não estamos perante um quadro de presunção “iuris tantum” acerca da existência do prejuízo.
Depois, é preciso ainda que os efeitos danosos sejam de tal modo severos que se tomem de difícil reparação. É evidente que este é um conceito indeterminado. Mas até por assim ser, mais cuidado deve o requerente elaborar e expor um quadro fáctico bem fundamentado, capaz de convencer o tribunal de que o recurso contencioso bem sucedido seguido da execução do julgado dificilmente será apto a reparar os prejuízos sofridos, a ponto de repor integralmente a situação actual hipotética. Portanto, deverá ser neste requisito que o recorrente deve depositar a sua máxima atenção.
E claro que a prova aqui não tem que ser cabal, perfeita e exaustiva, como aquela que se faz geralmente numa acção; em vez disso, é perfunctória, característica e própria de uma providência cautelar, de processado urgente. Isso, contudo, não desobriga o interessado de narrar circunstanciadamente os factos, expor muito bem a sua situação jurídico/material pretérita e actual, bem como os danos advenientes e futuros que sejam causa do acto suspendendo. O referido conceito indeterminado deve ser, portanto, densificado o máximo que puder ser através de factos que sejam verosímeis e demonstráveis, sem prejuízo daqueles que, por muito evidentes, tenham a natureza de notórios (art. 250°, n°2 do CC e 434°, do CPC).
(…)
12 – Deve ter-se em conta que os danos a invocar e provar são os danos que devem resultar do acto através de um juízo assente na lógica e na consequência pura. Quer dizer, segundo um padrão objectivo, os prejuízos hão-de decorrer da execução do acto, de tal modo que é pressuposta a verificação de uma relação de causa-efeito entre o acto e a sua execução. Desta feita, entende-se que ficam fora da previsão da alínea os prejuízos hipotéticos, eventuais e conjecturais.
13 – E os danos morais serão de considerar na figura?
Qualquer decisão ablativa, qualquer acto decorrente de uma Administração dita “agressiva”, até mesmo qualquer indeferimento pode provocar aborrecimentos, dores de cabeça, arrelias, mal-estar; é natural, é próprio da reacção do ser humano perante uma adversidade. E pode ser ainda uma “perda de face”, uma indignidade perante a sociedade em geral ou perante um grupo (profissional, social, lúdico, desportivo, etc.) no qual o interessado se encontre incluído, uma humilhação, a vergonha profunda, um forte desgosto, etc.
Também não repugna admitir que a demolição da casa, que sempre serviu de moradia do requerente e da sua família mais próxima e directa e que, portanto, neles criou uma ligação afectiva, ou a separação de uma mãe do seu filho menor de terna idade, que dos seus cuidados e amparo precisa, haverá de gerar danos desse tipo.
Todavia, independentemente da verificação de danos morais, o que releva para a caracterização do requisito será intensidade deles. E isso, só casuisticamente pode ser analisado. Portanto, o que podemos dizer é que os danos morais não estão necessariamente afastados da previsão da norma em apreço; devemos, por outro lado, entender que só devem ser atendidos aqueles que, pela sua gravidade, intensidade e objectividade, mereçam a tutela do direito. Assim o proclama o art. 489° do Código Civil”; (cfr., v.g., ob. cit., Vol. II, pág. 214 e segs., e, no mesmo sentido, V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, pág. 347 e segs.).

In casu, e como no Acórdão recorrido se deu como “provado”, a ora recorrente nasceu em Macau, em 05.03.2001, e aqui tem vivido de forma regular e contínua – ou seja, “permanente” – com o seu tio materno até à presente data, (aqui concluindo o ensino primário e secundário).

Por sua vez, está igualmente assente que no âmbito de uma acção ordinária de impugnação de paternidade pelo Ministério Público proposta e que correu termos no Tribunal Judicial de Base, em 08.03.2016, proferiu a Mma Juiz Presidente sentença, declarando que a ora recorrente não era filha biológica de B, (seu declarado pai), ordenando-se o cancelamento do registo de nascimento da mesma em conformidade, o que sucedeu, dando, posteriormente, lugar ao (referido) cancelamento por parte da Direcção dos Serviços de Identificação do seu Bilhete de Identidade de Residente da R.A.E.M. que lhe tinha sido emitido, (a primeira vez em 13.03.2001, e que lhe foi sucessivamente renovado).

E, perante o que se consignou, e sem necessidade de uma muito elaborada ou desenvolvida fundamentação, cremos que mais adequado seria considerar-se que verificado se apresenta o pressuposto processual previsto na alínea a) do n.° 1 do art. 121° do C.P.A.C., isto é, quanto ao aludido “prejuízo de difícil reparação”.

Com efeito, e antes de mais, não se pode olvidar que em causa está o estatuto de “residente permanente da R.A.E.M.” da ora recorrente que, para além de outros “direitos – e deveres – fundamentais”, (cfr., v.g., art. 24° e segs. da L.B.R.A.E.M.), lhe atribui, (nomeadamente), o direito (de continuar a) residir (legalmente) em Macau, (onde, note-se, tem vivido desde que nasceu), e que, perante a decisão de cancelamento do seu Bilhete de Identidade de Residente da R.A.E.M., a coloca, como a própria alegou, numa situação de “permanência ilegal” que irá culminar com a sua “expulsão da R.A.E.M.”.

E, nesta conformidade, esta sua “necessidade de ter de se deslocar para o exterior de Macau” (após aqui ter mantido o seu “centro de vida” desde a sua nascença), nomeadamente, para a R.P. da China ou qualquer outra parte do mundo, sem que lhe seja conhecida a posse de qualquer outro documento de identificação ou de viagem e desconhecida sendo igualmente qualquer outra “relação familiar”, não deixa de representar um (evidente) “dano de difícil reparação”.

Admite-se, independentemente do demais, que tal “dano” se apresenta como um “dano – essencialmente – não patrimonial”.

Porém, não obstante tal natureza, importa atentar que o mesmo não deixa de integrar o conceito de “prejuízo” da alínea a) do n.° 1 do art. 121° atrás transcrito, e que, (como se nos mostra também evidente), não deixa de ser merecedor de tutela jurídica; (cfr., art. 489°, n.° 1 do C.C.M.).

De facto, como expulsar-se de Macau uma jovem com quase 20 anos de idade que aqui tem vivido de forma “permanente” com a sua – única – “família”, forçando-a a se mudar e a ir viver para um “local” que desconhece, sem qualquer tipo apoio?

Não constituirá tal situação um “prejuízo de difícil reparação”?

Mostra-se-nos pois que a resposta só pode ser de sentido positivo, (nomeadamente, nos tempos que correm, em que ultrapassada se deve considerar a concepção tradicional de “prejuízo irreparável”, mais adequada sendo uma ponderação com base em critérios como o da “irreversibilidade” ou da “intolerabilidade”; cfr., v.g., Vieira de Andrade in, “A justiça Administrativa”, pág. 168).

Admite-se (até) que a solução poderia (eventualmente) ser outra se os presentes autos dissessem respeito a um residente vindo do exterior, a quem se tenha concedido uma “autorização da residência” ou “permanência” (temporária ou não), que aqui tenha assim vivido alguns ou vários anos, e que por motivos para aqui não relevantes, se tenha decidido pela sua não renovação ou cancelamento.

Todavia, e como cremos que se deixou assinalado, a “situação” em apreciação tem outros contornos e especificidades, e nenhum motivo existindo para não se dar igualmente por verificados os pressupostos enunciados nas alíneas b) e c) do n.° 1 do art. 121° do C.P.A.C., impõe-se a revogação do Acórdão recorrido com o consequente decretamento da peticionada providência de suspensão de eficácia do acto administrativo identificado nos autos.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido nos exactos termos consignados.

Sem tributação.

Registe e notifique.

Macau, aos 13 de Janeiro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

Proc. 212/2020 Pág. 18

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