打印全文
Processo nº 122/2020
Data do Acórdão: 28JAN2021


Assuntos:

Imposto do selo
Incidência objectiva do imposto do selo
Contratos-promessa de compra e venda dos direitos imobiliários


SUMÁRIO

São sempre devidos o imposto do selo sobre os contratos-promessa de compra e venda, previsto no artº 51º/3-b) do «Regulamento do Imposto do Selo» e o imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação, criado pela Lei nº 2/2018, por mera celebração de contratos-promessa de compra e venda de bens imóveis, independentemente da celebração do contrato prometido e da efectiva transmissão da titularidade dos direitos imobiliários, objecto de contrato-promessa.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 122/2020

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente id. nos autos, vem recorrer contenciosamente do despacho do Secretário para a Economia e Finanças que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve o despacho do Director dos Serviços de Finanças que, em sede de reclamação, confirmou a liquidação oficiosa do imposto do selo sobre os contratos-promessa de compra e venda, previsto no artº 51º/3-b) do «Regulamento do Imposto do Selo» (adiante abreviadamente designado por RIS), e do imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação, criado pela Lei nº 2/2018, efectuada nos termos prescritos no artº 60º do RIS depois de detectada a falta do cumprimento, por parte de A, da obrigação de liquidar, no prazo legal, os impostos do selo, imposta pelo artº 58º do RIS, concluindo e pedindo:
I. O presente recurso tem por objecto a decisão tomada no despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 29/11/2019 que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pela Recorrente em 14/10/2019 do despacho de 29/04/2019,
II. que procedeu a liquidação oficiosa do imposto de selo de transmissão de bens e de fixação de 5% de imposto de aquisição sobre a fracção autónoma para habitação, sita na …, ... Fa Un, 4.º andar “D” prometida vender no contrato-promessa de compra e venda celebrado em 19/07/2018.
III. Sucede que o contrato-promessa de compra e venda em causa foi resolvido em 08/08/2018, antes do termo do prazo de 30 dias previsto no artigo 58.º, n.º 1 do Regulamento do Imposto do Selo (RIS) aprovado pela Lei n.º 17/88/M.
IV. Ora, por força da lei, máxime do disposto nos artigos 427.º e 428.º, n.º 1, do Código Civil, a resolução do contrato equipara-se à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art.s 282.º, n.º 1 do mesmo diploma) e produz efeito retroactivo, [1] assim, tudo se passar como se o contratopromessa de compra e venda nunca tivesse sido celebrado.
V. Com efeito, por via da resolução por mútuo acordo de 08/08/2018, (para onde remete o at.º 427.º do Código Civil), tudo se passa como se o negócio jurídico não tivesse existido (artigo 282.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que, normalmente, são destruídos ab initio, isto é, desde o momento da celebração, todos os efeitos que, porventura, se hajam entretanto produzido, [2] designadamente, a transferência do direito de propriedade (artigo 408º do Código Civil).
VI. É, pois, errado o argumento sufragado na decisão recorrida de que o facto tributário recortado no artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS é o próprio documento que titula o contrato-promessa de compra e venda e não o contrato-promessa propriamente dito, como resulta da lei.
VII. Significa isto que, segundo o disposto na norma de incidência do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2018, só se os documentos, papéis ou actos relativos à aquisição do segundo e posteriores bens imóveis (ou direitos sobre bens imóveis) estiverem sujeitos ao pagamento do imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis, nos termos dos artigos 29.º, 51.º e 56.º do RIS, é que é devido o imposto do selo sobre a aquisição.
VIII. Logo, para efeitos-do disposto na norma de incidência do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2018, o facto tributário sujeito ao pagamento do imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis é o próprio contrato-promessa de compra e venda (desde que não tenha sido resolvido, declarado nulo ou anulado) e não o documento que o titulou, conforme resulta do artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS aprovado pela Lei n.º 17/88/M.
IX. E foi este erro de interpretação do artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS aprovado pela Lei n.º 17/88/M que levou a entidade recorrida a subsumir no âmbito da norma de incidênciado artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2018 um facto tributário (o contrato-promessa resolvido em ) que nela não se inscreve.
X. É, pois, evidente que só se o contrato-promessa de 18/07/2018 existir no mundo do Direito é que poderá estar sujeito ao pagamento do imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis e, por conseguinte, ao imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação.
XI. A entidade recorrida faz uma interpretação correctiva do artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS aprovado pela Lei n.º 17/88/M ao ficcionar que o primeiro segmento do texto da norma, i.e., «Os contratos-promessa de compra e venda ou ...» não existe ou dela não faz parte.
XII. E fá-lo para poder sujeitar a tributação, não os contratos-promessa de compra e venda propriamente ditos conforme previsto no artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS aprovado pela Lei n.º 17/88/M, mas os documentos que os titulam sem ter que apreciar a existência (ou não) da validade dos negócios por eles titulados.
XIII. E foi este erro de interpretação do artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS aprovado pela Lei n.º 17/88/M que levou a entidade recorrida a subsumir no âmbito da norma de incidência do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2018 um facto tributário (contrato-promessa resolvido em 08/08/2018) que nela não se inscreve.
XIV. Daí que a decisão da sujeição da A ao pagamento do imposto do selo sobre a transmissão de bens imóveis nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 17/88/M, deva ser revogada por não ter sido tido em conta, na própria existência do facto tributário, do efeito de invalidação ex tunc equiparável à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico resultante da resolução pelo promitente-vendedor do contrato-promessa em 08/08/2018.
XV. Por outro lado, também nada nada obsta à revogação da decisão fundada no artigo 3.º, n.º 1, e artigo 4·º, n.º 1, al. 1) da Lei n.º 2/2018.
XVI. Isto por tal decisão ter subjacente uma errada interpretação errada da Lei n.º 2/2018, uma vez que a verificação do facto tributário fixado no artigo 5.º deste diploma pressupõe a aquisição do bem imóvel ou do direito sobre ele, sendo que nem um nem outro se confundem com o objecto imediato do contrato-promessa que é apenas o direito à celebração do negócio definitivo.
XVII. Logo, o contrato-promessa ora em causa, por se tratar de um negócio que, por ter sido resolvido em 08/08/2018 , não existe, desde o início, para o Direito por força do disposto nos artigos 427.º e 428.º do Código Civil, pelo que não se encontra sujeito ao pagamento do imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis, nos termos do artigo 51.º, n.º 3, al. b), do RIS, nem tampouco se inscreve em nenhum segmento da hipótese prevista no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2018, nem na finalidade e/ou razão de ser do próprio diploma.
XVIII. Neste sentido acresce, em mero reforço argumentativo, que no artigo 10.º da Lei n.º 2/2018 está consagrado um regime de restituição do imposto para favorecer “os adquirentes referidos na sublínea (1) da alínea 3) do artigo 2.º tenham pago o imposto do selo sobre a aquisição, nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 4. º, e no prazo de um ano a contar da data dos documentos, papeis ou actos referidos no n.º 1 do artigo 3.º efectuem a transmissão dos bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis de que eram titulares antes da referida data e registem a transmissão...”
XIX. Daqui resulta que o “Imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação” se destina a quem caia na definição do artígo 5.º (Sujeito Passivo) da Lei n.º 2/2018, ou seja, ao adquirente do bem imóvel (ou direito sobre bem imóvel), que já seja titular de outro(s) imóvel(s) e não a quem tenha sido titular de um direito obrigacional emergente de um contrato-promessa já resolvido, declarado nulo ou anulado.
XX. Logo, ainda que, por hipótese de raciocinio, se pudesse admitir a solução encontrada na decisão recorrida, sempre a ponderação pelo julgador das consequências da decisão através das regras da interpretação sinépica conduziria à não aceitação desse resultado.
XXI. Isto por não ser possível aceitar a injustiça de impôr o pagamento de um tributo a quem dele não é sujeito passivo e por causa de um facto tributário que, por força da lei, é como se não existiu no mundo do Direito!
XXII. Mostrar-se-ia, pois, sempre violado o disposto no n.º 3 do art. 8.º do CCivil., na medida em que a solução injusta no resultado nunca pode ser entendida como vontade da lei.
XXIII. Também não é aplicável o n.º 2 do artigo 52.º do RIS na situação “sub judice” por a finalidade desta norma ser a de impedir «a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição.», enquanto o que, desde o início, a Recorrente pretende é a revogação do acto da liquidação oficiosa.
XXIV. Acresce que se a restituição da colecta do imposto do selo resultante da resolução do contrato-promessa por circunstâncias imputáveis ao outro contraente dependesse sempre de sentença transitada em julgado que obstasse à cobrança do imposto do selo previsto no artigo 51.º e determinasse a respectiva restituição nos termos do artigo 52.º do RIS, o Governo da RAEM não teria podido devolver o valor da a colecta do imposto do selo aos promitentes-compradores do empreendimento do “X” e do “X”, sem que antes tivesse alterado a redacção do n.º 2 do artigo 52.º do RIS.

PEDIDO
Pelo exposto, e nos demais termos de direito que V. Ex.ª doutamente suprirão deve ser julgado procedente o presente recurso, anulando-se o despacho de 29/04/2019, exarado na proposta n.º 2127/NIS/DOI/RFM/20l9, que procedeu a liquidação oficiosa do imposto de selo de transmissão de bens e de fixação de 5% de imposto de aquisição sobre o bem imóvel melhor identificado no artigo l.º do presente recurso contencioso.
Deverá ainda. em vez do acto anulado, ser determinada a prática do acto de restituição do valor do imposto do selo indevidamente pago, sob reserva, pela Recorrente em 26/12/2019 (Doc. 12). por o contrato-promessa em causa já ter sido resolvido em 08/08/2018.
NESTES TERMOS e nos mais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acto recorrido, com as legais consequências.

Citado, veio o Secretário para a Economia e Finanças contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Não houve lugar à produção de provas por ter sido oportunamente indeferido o requerimento para a inquirição da testemunha, formulada pela recorrente – cf. fls. 113 dos p. autos.

Notificadas nos termos e para o efeito do artº 68º do CPAC, a recorrente e a entidade recorrida não apresentaram alegações facultativas.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu, em sede de vista final, o seu parecer pugnando pela improcedência do recurso.
II
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso

É tida por assente a seguinte matéria de facto, descrita no acto ora recorrido e narrada pela Administração na primeira pessoa do plural:
1. No dia 23 de Julho de 2018, A, casada no regime de separação de bens com B e, detentora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º … submeteu um pedido de isenção do Imposto do Selo até ao valor de MOP 3.000.000,00 (três milhões de patacas) ao abrigo da Lei do Orçamento n.º 16/2017, (Doc.1) para o que apresentou um contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 19 de Julho de 2018 (Doc.2).
2. Do contrato-promessa verificámos que a contribuinte A prometeu comprar pelo valor de HKD 5.500.000,00 a fracção autónoma "D-4" do 4.º andar "D", do edifício … Garden sito na…, inscrito na Matriz Predial sob o artigo n.º … e, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….
3. O pedido de isenção foi indeferido por despacho do Director dos serviços de 31/07/2018 exarado na Proposta n.º 5268/NIS/DOI/RFM/18, (Doc.3) em virtude de ser comproprietária com o marido B da fracção com referência matricial ….
4. Por ofício n.º 5480/NIS/DOI/RFM/2018 emitido no dia 31/07/2018 (Doc.4) foi a contribuinte notificada do indeferimento da isenção requerida e, dos prazos em que, nos termos das leis fiscais, poderia exercer o direito de reclamação do acto.
5. Ao ignorar o cumprimento das suas obrigações fiscais e, uma vez que a Administração Fiscal estava na posse dos documentos que lhe permitiam proceder à liquidação oficiosa do imposto devido, foi preparada a Proposta n.º 2127/NIS/DOI/RFM/2019, de 16/04/2019, (Doc.5), através da qual se levou ao conhecimento do Director dos serviços toda a situação, propondo-se de seguida a liquidação oficiosa do imposto previsto no artigo 51.º do RIS, e a liquidação oficiosa do Imposto do selo sobre a aquisição destinados a habitação constante da Lei n.º 2/2018.
6. Por despacho de 29/04/2019 exarado na Proposta supra citada obtivemos a autorização do senhor Director e, nos termos do n.º 1 do artigo 60.º do RIS, conjugado com o n.º 2 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 2/2018 procedemos à liquidação oficiosa do imposto do selo no montante de MOP 123.220,00, acrescido de 5% sobre o valor declarado respeitante ao Imposto do selo sobre a aquisição no montante de MOP 302.317,00, para o que procedemos à emissão das respectivas guias de pagamento.
7. Através do ofício n.º 4638/NIS/DOI/RFM/2019 emitido no dia 19/07/2019 (Doc. 6) notificámos a contribuinte A sobre os montantes a pagar bem como dos prazos em que, nos termos das leis fiscais, poderia exercer o direito de reclamação do acto.
8. A 12 de Agosto de 2019, por requerimento registado nesta Direcção de Serviços com o n.º 36145/DSF/19 (Doc.7) e dirigido ao senhor Director dos Serviços deu entrada RECLAMAÇÃO requerendo a revogação do despacho proferido no dia 19/07/2019.
9. No seguimento da reclamação apresentada foi preparada a Proposta n.º 5676/NIS/DOI/RFM/2019 de 21/08/2019, (Doc.8) através da qual, e após confirmação aos dados existentes no processo, se constatou que o contrato-promessa de compra e venda que titulou a transmissão da fracção autónoma "D-4" do 4.º andar "D" do edifício ... Fa Un do prédio n.º … sito na…, que a ora Reclamante prometeu adquirir estava, nos termos do n.º 1 do n.º 2 e da alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS, sujeito a imposto do selo.
10. E, uma vez que a reclamante A, era proprietária em compropriedade com o marido B, da fracção autónoma "A16" do 16.º andar "A" do edifício "…" sito na…, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º o contrato-promessa ficaria igualmente sujeito ao Imposto do Selo sobre Aquisição a liquidar nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 4.º.
11. Assim sendo, e, tendo a Directora dos serviços substituta concordado com o proposto, a reclamação foi indeferida por despacho de 28/08/2019 e, notificada do mesmo no dia 05/09/2019 através do ofício n.º 5766/NIS/DOI/RFM/2019 (Doc.9).
12. Informámos igualmente que "a apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere o direito à sua restituição", como prevê o n.º 2 do artigo 52.º do RIS.
13. Mais informámos que, do mencionado acto administrativo, cabia Recurso Hierárquico Necessário para o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, a interpor no prazo de 30 (trinta) dias, após a recepção da notificação que se presume feita no quinto dia posterior ao do registo postal ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, como previsto no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 16/84/M, de 24 de Março, n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, conjugados com a alínea a) do artigo 6.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
14. No dia 14 de Outubro de 2019 deu entrada nesta Direcção de serviços o Recurso Hierárquico Necessário (Doc. 10) posteriormente enviado à Repartição de Finanças de Macau para accionamento.

Inteirados do que se passou, estamos em condições de apreciar o recurso.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Todos os argumentos invocados pela recorrente devem reconduzir-se à questão de saber qual é o objecto de incidência do imposto do selo sobre os contratos-promessa de compra e venda, previsto no artº 51º/3-b) do RIS e do imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação, criado pela Lei nº 2/2018.

Esta questão efectivamente colocada e delimitada nas conclusões de recurso foi analisada e debatida no Douto parecer do Ministério Público nos termos seguintes:
  Na petição, a recorrente solicitou a anulação do despacho em crise e, a título de cumulação de pedidos prevista na a) do n.º1 do art.24.º do CPAC, a determinação da prática de acto de restituição do valor do im-posto de selo indevidamente pago, sob reserva, por ela em 26/12/2019.
*
  No caso sub judice, importa pôr em ênfase, antes de mais, que a re-corrente não negou a existência do contrato-promessa de compra e venda outurgado entre ela e C, na qualidade respectivamente de promitente-compradora e promitente-vendedor, contrato-promessa que incide indirectamente no prédio especificado no art.1º da petição.
  Com efeito, o fundamento nuclear que a recorrente arrogou para abonar o pedido de anulação consiste tão-só na resolução operada pelo C em 08/08/2018, como promitente-vendedor, do sobredito contrato-promessa, afirmando ele propositadamente a desistência da re-corrente (現聲明因預約買受人A個人理由放棄履行合約義務) (doc. de fls.46 dos autos). O que torna indiscutível a existência do referido contrato-promessa e, por outro lado, a apontada resolução do mesmo pelo promitente-vendedor foi provocada pela desistência da recorrente como promitente-compradora.
  De acordo com a alínea a) do n.º1 do art.51º do Regulamento do Imposto de Selo na redacção dada sucessivamente pelas Leis n.º8/2001 e n.º4/2011, é devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva, a título oneroso ou gratuito de imóveis. O n.º2 do mesmo art.51º dispõe: São consideradas fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem.
  Ora bem, a alínea b) do n.º3 deste art.51º prevê, de molde imperati-vo, peremptório e categórico, que são sujeitos ao imposto de selo os con-tratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo.
  Dispõe n.º1 do art.52º do citado Regulamento que o imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito, sem que o pagamento sane a invalidade, a ineficácia ou a ilicitude. Determina o respectivo n.º2 que a apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição.
  
  Bem, inclinamos a entender que ao vertente caso se aplica mutatis mutandis a jurisprudência mais autorizada que preconiza (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º13/2015): A revogação ou distrate, por acordo das partes, de compra e venda de imóvel, não conduz à restituição do imposto de selo pago, ainda que a motivação para o distrate tenha sido a nulidade do acto translativo.
  Em esteira desta douta orientação jurisprudencial, e com elevado respeito pelo entendimento diferente, não podemos deixar de opinar que são decerto inconsistentes todos os argumentos invocados pela recorrente na petição inicial e inatacável o despacho em escrutínio.
***
  Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

Para nós, esta única questão efectivamente colocada já foi correcta e exaustivamente apreciada no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação.

Não obstante, achamos conveniente tecer algumas considerações.

Ao contrário do que sucede com muitos outros impostos tradicionais, o imposto do selo é um imposto sui generis, dada a grande variabilidade das finalidades que pode visar e a grande pluralidade de objectos que pode incidir.

Em face do disposto no nosso RIS e nas leis avulsas, verificamos que a incidência objectiva do imposto do selo pode ser um documento, um anúncio, um acto ou um facto revelador da riqueza ou da capacidade contributiva, etc..

Quanto às finalidades, ele pode ter em vista tão só a simples angariação de fundos para o erário público ou ao mesmo tempo estar ao serviço da política de intervenção em determinadas operações económicas no mercado de bens ou serviços que a Administração pretende regular (é aliás o que sucede com o adicional imposto do selo criado pela Lei nº 2/2018).

Assim, é a própria lei que o cria que nos diz qual é o objecto de incidência, pois é o próprio legislador quem sabe melhor qual a incidência objectiva que deve ser mais adequada às finalidades subjacentes à sua criação.

In casu, estão em causa o imposto do selo sobre os contratos-promessa de compra e venda, previsto no artº 51º/3-b) do RIS e o imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação, criado pela Lei nº 2/2018.

Diz o artº 51º/1 do RIS que é devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva.

E o seu artº 51/3-b), na nova redacção dada pela Lei nº 4/2011, dispõe que são sujeitos a imposto do selo os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo.

Por sua vez o artº 3º da Lei nº 2/2018, que cria o imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação, reza que no caso de os documentos, papéis ou actos relativos à aquisição do segundo e posteriores bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis estarem sujeitos ao pagamento do imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis, nos termos dos artigos 29.º, 51.º e 56.º do Regulamento do Imposto do Selo, é devido o imposto do selo sobre a aquisição.

Ora, se a tributação do imposto do selo previsto no artº 51º/3-b) do RIS, que tem por objecto os documentos, papéis ou actos reveladores de capacidade contributiva que titulam operações imobiliárias, visa principal, senão exclusivamente, à angariação dos fundos para o erário público, o imposto do selo criado pela Lei nº 2/2018 que não é mais do que um imposto adicional ao já existente imposto do selo previsto naquele citado artº 51º/3-b) do RIS, é certamente um imposto incumbido de desempenhar a função de esfriar e combater as actividades especulativas demasiadamente “quentes” entretanto vividas no mercado imobiliário.

De acordo com o preceituado nas normas citadas, ambos os impostos do selo, o fundamental previsto no artº 51º/3-b) do RIS e o imposto, dito adicional por nós, criado pela Lei nº 2/2018, têm exactamente o mesmo objecto de incidência que é justamente o contrato-promessa de compra e venda de bens imobiliários, e de cuja simples celebração nascem o direito de cobrar por parte da Administração fiscal e a correspectiva obrigação de liquidar e pagar por parte do promitente adquirente.

Tal como dissemos supra, é a própria lei que nos identifica qual é a incidência objectiva do determinado imposto do selo, pois o legislador sabe qual é o objecto de incidência que se mostra mais adequado a alcançar as finalidades que preside à criação do imposto.

Cremos nós, ao decidir fazer incidir o imposto do selo, criado pela Lei nº 2/2018, sobre os meros papéis versando sobre contratos-promessa de compra e venda, tal como fez em relação ao imposto do selo já existente e previsto no artº 51º/3-b) do RIS, e não sobre o facto jurídico de transmissão efectiva dos direitos reais dos bens imobiliários, o que o nosso legislador pretende é evidentemente tributar também as aquisições intermediárias da posição contratual e até as simples tentativas (o exercício do dito direito a arrependimento mediante a perda do sinal) da aquisição de tal posição contratual, a fim de alcançar a finalidade de esfriar e combater as actividades especulativas no mercado imobiliário.

Na verdade, o meio mais eficaz e adequado para a prossecução dessa finalidade será tributar também os simples papéis que titulam todas as transacções, as tentadas, as ditas intercalares e as efectivas, no mercado imobiliário.

Portanto, ao contrário do que defende a recorrente, a resolução do contrato-promessa não a dispensa de cumprir a obrigação de liquidar e pagar os impostos do selo uma vez que à tributação de ambos os impostos do selo só interessa a celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel e não a efectiva transmissão da propriedade do imóvel em causa.

Em conclusão:

São sempre devidos o imposto do selo sobre os contratos-promessa de compra e venda, previsto no artº 51º/3-b) do «Regulamento do Imposto do Selo» e o imposto do selo sobre a aquisição do segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação, criado pela Lei nº 2/2018, por mera celebração de contratos-promessa de compra e venda de bens imóveis, independentemente da celebração do contrato prometido e da efectiva transmissão da titularidade dos direitos imobiliários, objecto de contrato-promessa.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente pela improcedência do recurso, com a taxa de justiça fixada em 6UC.

Notifique.

RAEM, 28JAN2021
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
1 Por outras palavras, declarada nula ou anulada certa figura jurídica, tudo se passa, para o Direito, como se ela mesma nunca tivesse existido. Como bem assinala OLNElRA AsCENSÃO na Segunda Versão do Projecto de Código da Propriedade Industrial, sep. da Revista da Faculdade de Direito, Lisboa, 1992, págs. 77= «por natureza, a declaração de nulidade ou a anulação desaproveitam o acto desde o início». Não faz, assim, sentido falar em extinção, por esta ser incompatível com a retroacção dos efeitos da invalidação operada pela resolução.

2 CARVALHO FERNANDES, "Teoria Geral do Direito Civil", volume II, págs. 475/476.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

122/2020-1