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Processo n.º 77/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Chefe do Executivo da RAEM
Recorrido: Fong Soi Kun
Data da conferência: 3 de Março de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Processo disciplinar
- Aplicação da pena mais elevada
- Princípio do contraditório
- Princípio non bis in idem
- Inviabilidade da manutenção da relação funcional
- Pena de demissão

SUMÁRIO
1. No processo disciplinar, à alteração da qualificação jurídica dos factos e à aplicação de penalidade mais elevada do que a proposta pelo Instrutor deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1 do art.º 339.º do Código de Processo Penal, devendo a Administração comunicar a alteração ao arguido, observando assim o contraditório.
2. Se ao arguido foi imputada a violação do dever geral de zelo a que se refere o art.º 279.º n.º 2, al. b) e n.º 4 do ETAPM, por imposição do n.º 2 do art.º 1.º e do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 e do corpo do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009, é de dizer que o cargo exercido pelo arguido, enquanto director dos SMG, não faz parte do tipo de ilícito disciplinar em causa, pelo que não se vê violado o princípio non bis in idem, podendo a Administração considerar o cargo de responsabilidade exercido pelo arguido como uma circunstância agravante e sendo por isso legal a sua valoração.
3. Mesmo no caso previsto no n.º 2 do art.º 316.º do ETAPM, segundo o qual, ponderado o especial valor das circunstâncias agravantes que se provem no processo, se pode aplicar ao arguido uma pena de escalão superior do que ao caso caberia, aplicando a pena de demissão (no presente caso, substituída pela pena da suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos), não fica a Administração isenta de proceder ao juízo de prognose quanto à inviabilidade de manutenção da relação jurídico-funcional, que é pressuposto da aplicação da pena expulsiva, nos termos do n.º 1 do art.º 315.º do ETAPM.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Fong Soi Kun, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho punitivo proferido pelo Senhor Chefe do Executivo em 11 de Abril de 2018, que lhe aplicou a pena de demissão, determinando nos termos do n.º 3 do art.º 306.º do ETAPM a suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos, tendo em consideração que o recorrente já se encontrava aposentado.
Por Acórdão proferido em 4 de Abril de 2019, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso, anulando o acto administrativo impugnado.
Inconformado com a decisão, vem o Senhor Chefe do Executivo recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. O acto que foi objecto do recurso contencioso julgado procedente pela douta decisão recorrida não enferma da violação do princípio do contraditório, nem está ferido com a nulidade a que se refere o n.º 1 do artigo 298.º do ETAPM.
II. Com efeito, ficou expressamente referido na acusação deduzida no processo disciplinar, em estrita obediência ao comando legal contido na alínea b) do n.º 2 do artigo 332.º do ETAPM, que, contra o ali Arguido e ora Recorrido depunha, como circunstância agravante, a responsabilidade do cargo exercido.
III. Assim, o Arguido e ora Recorrido pôde exercer, de modo pleno, o seu direito de defesa em relação, entre outras, a essa parte da acusação e a todas as suas possíveis implicações, nomeadamente a de uma agravação especial da pena.
IV. A actuação do Recorrente, enquanto entidade decisora, tem suporte em norma legal expressa, mais concretamente a do n.º 3 do artigo 332.º do ETAPM, que a decisão recorrida indevidamente desconsiderou.
V. O agravamento da pena disciplinar efectuado pelo Recorrente na decisão punitiva não resultou de um diverso enquadramento dos factos, mas antes e apenas da consideração de uma das agravantes mencionadas expressamente na acusação: a responsabilidade do cargo exercido pelo ora Recorrido, o de Director dos SMG.
VI. Decorre do disposto no n.º 3 do artigo 332.º do ETAPM, que a entidade decisora, no despacho punitivo, está legitimada a poder considerar as circunstâncias agravantes que se provem no processo, desde que as mesmas constem da acusação.
VII. Em processo disciplinar, uma circunstância agravante pode ser validamente considerada pela entidade decisora no despacho punitivo, sendo condição necessária e suficiente para esse efeito que essa circunstância conste da acusação.
VIII. Daí que na parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 332.º do ETAPM se exija que da acusação constem quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes relevantes para determinar a pena aplicável.
IX. A “consideração das circunstâncias agravantes” abrange as situações a que se refere o n.º 2 desse mesmo artigo 316.º, ou seja, aquelas em que a circunstância funciona no sentido de agravar especialmente a pena, elevando-a para escalão superior.
X. Na sua defesa escrita, o ora Recorrido, relativamente à circunstância agravante que justificou a agravação especial da pena e constante da acusação, exerceu efectivamente o contraditório, da forma que entendeu pertinente.
XI. O douto Tribunal a quo ao considerar que o ora Recorrente, enquanto entidade decisora, estava legalmente impedido de, com base numa circunstância agravante constante da acusação, agravar especialmente a pena aplicável às infracções imputadas ao ora Recorrido, interpretou indevidamente a norma do n.º 1 do artigo 298.º e não aplicou, como devia, a norma do n.º 3 do artigo 332.º do ETAPM que era aplicável.
XII. As normas referidas na conclusão anterior devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de que, em processo disciplinar, a entidade decisora pode agravar especialmente a pena considerada aplicável pelo instrutor, desde que essa agravação resulte de circunstância constante da acusação.
XIII. O Recorrente, chamado a proferir decisão final no procedimento disciplinar em questão, considerou que a pena a aplicar ao ora Recorrido deveria ser especialmente agravada, tendo em conta a especial responsabilidade do cargo que o mesmo exercia (director dos SMG).
XIV. Ponderando a gravidade da infracção praticada pelo ora Recorrido, justificava-se, em concreto, a aplicação da pena de demissão, prevista no n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM.
XV. O ora Recorrente, na decisão final do procedimento disciplinar, não aplicou directamente a pena de suspensão de abono da pensão de aposentação pelo período de 4 anos.
XVI. O acto punitivo objecto do recurso contencioso e anulado pela douta decisão a quo não enferma de violação da norma do n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM, ao contrário do que foi alegado pelo ora Recorrido e decidido pelo Venerando TSI.
XVII. A pena disciplinar aplicada pelo Recorrente no despacho punitivo que foi objecto do recurso contencioso resultou de um agravamento especial que teve lugar ao abrigo do n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM.
XVIII. Em caso de agravação especial, será aplicável pena de escalão superior à que ao caso caberia, sendo pacífico o entendimento de que essa pena não tem de ser a do escalão imediatamente superior.
XIX. A pena de demissão foi aplicada com fundamento no especial desvalor da circunstância agravante que se provou no processo e na agravação, ao nível do escalão da pena aplicável, que daí resultou.
XX. Por ser assim, salvo melhor opinião, não era de exigir a demonstração do pressuposto da inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional a que se refere a norma do n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM.
XXI. Essa demonstração apenas seria necessária se a pena disciplinar de demissão fosse aplicada directamente, vamos dizer assim, e não como resultado da agravação especial da pena.
XXII. A previsão da agravação especial do n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM visa, justamente, aquelas situações às quais, em abstracto, não seria aplicável uma pena de escalão superior, nomeadamente por não se verificar o respectivo pressuposto material.
XXIII. Daí que, no caso em apreço, fosse irrelevante a verificação da inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional do ora Recorrido para que lhe pudesse ser aplicada, como foi, a pena de demissão.
XXIV. Por isso, ao decidir que o ora Recorrente só podia aplicar a pena de demissão, verificado que estivesse o condicionalismo a que se reporta o n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM («inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional») e ao anular o acto com esse fundamento, o douto TSI fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação desse normativo legal e, bem assim, da norma do n.º 2 do artigo 316.º do citado diploma legal.
XXV. Ao invés, interpretados em adequada articulação os normativos legais constantes do n.º 1 do artigo 315.º e do n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM, deles resulta ser legal a aplicação de uma pena de demissão em consequência de um agravamento especial da pena que ao caso caberia, ainda que falte a demonstração da inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional.
XXVI. De acordo com o princípio da proibição da dupla valoração, não devem ser utilizadas para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto.
XXVII. O princípio da proibição da dupla valoração, ou princípio do non bis in idem, não permite considerar a existência de circunstância agravante quando esta circunstância já faz parte do tipo de ilícito disciplinar em causa.
XXVIII. O ora Recorrido viu ser-lhe aplicada uma sanção disciplinar por ter incorrido na violação culposa do dever geral de zelo previsto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279.º do ETAPM.
XXIX. A responsabilidade do cargo exercido pelo ora Recorrido (Director dos SMG), que foi a circunstância agravante que determinou a agravação especial da pena, não faz parte do tipo de ilícito disciplinar em causa.
XXX. O referido tipo de ilícito disciplinar tem natureza genérica já que não se enquadra em nenhuma das diversas alíneas que constituem os artigos 313.º a 315.º do ETAPM, nem em nenhuma norma especial que preveja um dever funcional específico.
XXXI. A especial responsabilidade do cargo exercido não foi valorada pelo legislador «ao estabelecer a moldura disciplinar do facto».
XXXII. A pena abstractamente aplicável à infracção disciplinar aqui em causa não reflecte, em nenhuma medida, a responsabilidade do cargo que o ora Recorrido detinha à data em que praticou a infracção aqui em causa.
XXXIII. Nada impedia o Recorrente de valorar, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM, como circunstância agravante, a responsabilidade do cargo exercido pelo ora Recorrido.
XXXIV. O Venerando TSI procedeu, com todo o respeito o dizemos, a uma aplicação errónea do princípio da proibição da dupla valoração.
XXXV. Correctamente interpretado tal princípio deve entender-se que, não reflectindo a pena abstractamente aplicável à infracção disciplinar aqui em causa, em nenhuma medida, a responsabilidade do cargo exercido pelo infractor, é legal a valoração dessa circunstância pela entidade decisora como circunstância agravante, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM.
XXXVI. A essa luz, a sua concreta aplicação no caso vertente deve conduzir a que se conclua, ao contrário do que concluiu a douta decisão recorrida, que o acto contenciosamente recorrido não incorreu na sua violação.
XXXVII. Está jurisprudencialmente consolidado o entendimento segundo o qual, relativamente às penas disciplinares, a aplicação, a graduação e a escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração.
XXXVIII. Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei judicialmente sindicável (cfr. artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC).
XXXIX. A intervenção do juiz administrativo deve ficar reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo funcionário.
XL. Essa discricionariedade estende-se à própria operação de agravação ou de atenuação especial da pena e à escolha dos concretos termos da atenuação ou da agravação.
XLI. Na operação jurídica de agravação especial da pena, prevista no n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM, é possível distinguir dois momentos, ambos de natureza discricionária: (i) a ponderação do especial valor da(s) circunstância(s) agravante(s) que pode levar à agravação especial; (ii) a escolha do escalão ou da pena aplicáveis, e que será um escalão ou uma pena de entre as que sejam superiores àquela que ao caso caberia.
XLII. No primeiro momento, o legislador entrega à Administração a ponderação do especial valor das circunstâncias agravantes que se provem no processo e o poder (discricionário) de, feita essa ponderação, agravar a pena abstractamente aplicável.
XLIII. Depois, considerando o ente administrativo que é de agravar especialmente a pena, cabe-lhe escolher, discricionariamente, o escalão ou a pena aplicáveis, e que será um escalão ou uma pena de entre as que sejam superiores àquela que ao caso caberia.
XLIV. No exercício do poder discricionário de agravação especial da pena, o ora Recorrente não agiu com erro manifesto ou de forma totalmente desrazoável.
XLV. Podendo agravar especialmente a pena, o ora Recorrente estava legalmente habilitado a escolher uma pena de entre aquelas que se situam nos escalões superiores àquele que corresponde à pena proposta pelo instrutor e que são as seguintes:
(i) Pena de suspensão de 241 dias a 1 ano (a graduar concretamente nos termos gerais do artigo 316.º do ETAPM);
(ii) Pena de aposentação compulsiva;
(iii) Pena de demissão.
XLVI. O Recorrente escolheu a pena de demissão e, ao fazê-lo, teve em devida conta os princípios que regem a actividade administrativa, não tendo, ao contrário do que foi decidido pelo TSI, incorrido em violação do princípio da proporcionalidade.
XLVII. Aplicado à medida da pena disciplinar, o princípio da proporcionalidade tem a ver com a adequação da pena imposta à gravidade da infracção.
XLVIII. A invalidade, por desadequação ou desproporcionalidade, não abrange «as hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, embora possa ser discutível se a mais proporcionada é aquela que a Administração se serviu».
XLIX. É pacífico que «quando o legislador prevê duas penas disciplinares possíveis para sancionar o comportamento do arguido, deixando, desse modo, à Administração a escolha daquela que entender mais adequada às circunstâncias do caso, só é relevante para a invalidade dos actos os casos de “desproporcionalidade manifesta ou grosseira”», já que os tribunais não se podem substituir à Administração naquela escolha.
L. No caso, a infracção disciplinar praticada pelo Arguido é grave, seja na perspectiva da ilicitude seja na perspectiva da culpa e merece, por isso, forte censura.
LI. A escolha da pena concretamente efectuada pelo ora Recorrente adequa-se à necessidade dessa forte censura que o caso reclamava e daí que não tenha havido violação do princípio da proporcionalidade nem uso desrazoável de poderes discricionários.
LII. Ainda que se admitisse a existência de desproporção da pena, no que não se concede, isso seria insuficiente para justificar a anulação do acto através do qual foi aplicada porquanto a pena escolhida não é manifestamente ou grosseiramente desproporcionada face à gravidade da infracção.
LIII. A douta decisão recorrida, ao anular o acto com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade e no uso desrazoável de poderes discricionários, interpretou e aplicou incorrectamente as normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 316.º do ETAPM e da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC.

Contra-alegou Fong Soi Kun, pugnando pelo não provimento do recurso jurisdicional.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pronunciando-se pela procedência do recurso jurisdicional quanto ao julgamento dos vícios de violação da proibição da dupla valoração e do princípio da proporcionalidade, e pela sua improcedência quanto aos vícios de violação do princípio do contraditório e do art.º 315.º n.º 1 do ETAPM, o que conduz a que se mantenha o veredicto de anulação ditado pelo acórdão recorrido, com fundamento na verificação destes dois últimos vícios.

2. Factos
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos pertinentes com interesse para a decisão da causa:
1. Em 27 de Novembro de 2017, o Senhor Instrutor deduziu acusação contra o recorrente e Leong Ka Cheng, que tem o seguinte teor:
“…
A, assessor jurídico do Gabinete do Chefe do Executivo, designado instrutor do presente processo disciplinar n.º 2/PD/GCE/2017, por despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo, de 9 de Novembro de 2017, vem, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 356.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (doravante ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, deduzir acusação contra os Arguidos:
1. Fong Soi Kun, ex-director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos;
2. Leong Ka Cheng, subdirectora dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos;
nos termos e com os fundamentos seguintes:
I.

A Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) é um serviço de estudo, coordenação e apoio nas áreas da meteorologia, geofísica e ambiente atmosférico da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
2.º
Constitui atribuição dos SMG, entre outras, manter e desenvolver os sistemas de vigilância e de informação, cabendo-lhe, em exclusivo, a emissão de avisos de mau tempo de carácter meteorológico às entidades públicas e privadas.
3.º
Os SMG são dirigidos por um director, coadjuvado por um subdirector e entre as suas subunidades orgânicas conta-se a Divisão de Meteorologia.
4.º
A Divisão de Meteorologia é a subunidade orgânica incumbida de planear, coordenar, e orientar todas as actividades nas áreas da meteorologia e ambiente atmosférico, nos domínios da análise e previsão do tempo, climatologia, composição e qualidade do ar, processamento e transmissão da informação.
5.º
Por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Setembro de 2016, foi renovada a comissão de serviço de Fong Soi Kun pelo período de um ano, a partir de 1 de Novembro de 2016, como director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, cargo que exerceu até 24 de Agosto de 2017.
6.º
Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 12 de Maio de 2017, foi renovada a comissão de serviço de Leong Ka Cheng, pelo período de um ano, a partir de 26 de Julho de 2017, como subdirectora da Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, cargo que ainda hoje exerce.
II.
7.º
No dia 20 de Agosto de 2017, durante o dia, uma depressão tropical formou-se no oeste do Oceano Pacífico, a leste das Filipinas e movimentou-se para o quadrante oeste. Às 2 horas do dia 21, a depressão tropical intensificou-se para ciclone tropical e foi denominado “Hato”.
8.º
Às 5 horas do dia 22 de Agosto de 2017, o “Hato” entrou na área de vigilância a menos de 800 km de Macau, e movimentou-se à velocidade de 25 km/h para oésnoroeste, encaminhando-se para a costa oeste do estuário do Rio das Pérolas.
9.º
Às 14 horas desse mesmo dia, o “Hato” intensificou-se para ciclone tropical severo e às 18 horas para tufão.
10.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 11 horas do dia 22 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 681 km lés-sudeste de Macau, previa-se que iria passar a 17 km norte de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 992 hectopascal.
11.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 3 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 283 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 55 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 973 hectopascal.
12.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 4 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 259 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 53 km a su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 973 hectopascal.
13.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 5 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava -se a 245 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 48 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 965 hectopascal.
14.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 6 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 218 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 54 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 965 hectopascal.
15.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 7 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 171 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 49 km sul de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 965 hectopascal.
16.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 8 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 145 km sudeste de Macau, previa-se que passasse a 56 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 956 hectopascal.
17.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 9 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 108 km sudeste de Macau, previa-se que passasse a 67 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 956 hectopascal.
18.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 10 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 69 km sudeste de Macau, previa-se que passasse a 43 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 956 hectopascal.
19.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 11 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 69 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 43 km sudeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 945 hectopascal.
20.º
De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 12 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 47 km su-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 36 km sul de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 945 hectopascal.
21.º
Às 6:28 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Central Térmica de Coloane começou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos, ou seja, uma velocidade dentro dos padrões do sinal n.º 3.
22.º
Às 7 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade sul começou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos.
23.º
Às 7:07 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Central Térmica de Coloane voltou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos.
24.º
Às 7:08 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade norte começou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos.
25.º
Às 8:59 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade sul começou a registar-se velocidade do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos, ou seja, uma velocidade dentro dos padrões do sinal n.º 8.
26.º
Às 9:05 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade norte começou a registar-se velocidade do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos.
27.º
Às 9:12 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Central Térmica de Coloane começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos.
28.º
Às 9:37 horas do dia 23 de Agosto de 2017, mais estações começaram a registar velocidades do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos.
29.º
Às 10:53 horas do dia 23 de Agosto de 2017, nas estações da Taipa Grande, da Ponte da Amizade norte e de Ká-Hó, começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos, uma velocidade dentro dos padrões do sinal n.º 10.
30.º
Às 10:57 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade sul começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos.
31.º
Às 11:34 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte Nobre de Carvalho começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos.
32.º
Às 11:41 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte Sai Van começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos.
33.º
No dia 23 de Agosto de 2017, às 10.58 horas a estação KV de Ká-Hó começou a registar a cada minuto velocidades de vento superiores a 180 km/hora e na estação KH de Ká-Hó isso sucedeu a partir das 10.59 horas, na estação da Taipa Grande TG, a partir das 11:02 horas, na estação TV da Taipa Grande, a partir das 11:06 horas; Ponte da Amizade sul, a partir das 11:09 horas, na estação da Ponte da Amizade norte, a partir das 11:15 horas e posteriormente mais estações começaram a registar velocidades superiores a 180 km/hora em cada minuto.
34.º
No dia 23 de Agosto de 2017, foram registadas as seguintes rajadas máximas de vento: na estação da Taipa Grande, às 11:06 horas, de 217.4 km/hora; na estação da Ponte da Amizade sul, às 12:15 horas, de 205.9 km/hora; na estação da Ponte da Amizade norte, às 12:15, de 215.3 km/hora; na estação da Ponte Governador Nobre de Carvalho, às 12:04 horas, de 191.5 km/hora; na estação do Museu Marítimo, às 11:19 horas, de 182.9 km/hora; na estação do Terminal Marítimo de Passageiros do Porto Exterior, 197.3 km/hora; na estação da Universidade de Macau, 201.2 km/hora; na estação de Ká Hó, 207.4 km/hora e na estação da Delegação de Coloane, 139.0 km/hora.
35.º
Relativamente ao “storm surge”, os resultados da respectiva previsão são obtidos mediante o tratamento dos dados relativos à tempestade tropical provenientes da Japan Meteorological Agency (JMA), do Hong Kong Observatory (HKO) e do Central Weather Bureau, de Beijing (CWB) através do sistema informático de geração de modelos de previsão de “storm surge” importado da Japan MeteorologicaL Agency (JMA) pelos SMG.
36.º
No dia 22 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 20 horas, a previsão para o dia 23 de Agosto de 2017, por volta das 13 horas, era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,9 metros; de acordo com os dados do HKO, às 20 horas, a previsão era de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4.5 metros e de acordo com os dados do CWB, às 17 horas, a previsão era de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,8 metros.
37.º
No dia 23 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 2 horas, a previsão para esse dia por volta das 13 horas era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,75 metros; de acordo com os dados do HKO, às 2 horas, a previsão era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 4,75 metros e de acordo com os do CWB, às 2 horas, a previsão era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 4,5 metros.
38.º
No dia 23 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 8 horas, a previsão para esse dia por volta das 13 horas era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse cerca de 5 metros; de acordo com os dados do HKO, às 8 horas, a previsão era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse cerca de 5 metros e de acordo com os dados do CWB, às 8 horas, a previsão era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 4,7 metros.
39.º
No dia 23 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 11 horas, a previsão para esse dia por volta das 13 horas era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse cerca de 5,25 metros; de acordo com os dados do HKO, às 11 horas, a previsão era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse cerca de 5,4 metros e de acordo com os dados do CWB, às 11 horas, a previsão era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 5 metros.
40.º
No dia 23 de Agosto de 2017, pelas 8:40 horas, a estação do Porto Interior começou a registar uma subida do nível da água.
41.º
Por volta das 10:35 horas do dia 23 de Agosto de 2017, a estação do Porto Interior e mais estações registaram um início de subida rápida do nível da água a partir de zero.
42.º
Por volta das 10:50 horas, do dia 23 de Agosto de 2017, nessas estações registou-se uma subida do nível da água de cerca de 0,5 metros; por volta das 11:25 horas, de aproximadamente um metro; por volta das 11:33 horas, subiu para um valor superior a 1,5 metros.
43.º
Entre as 11:33 e as 12 horas várias estações de monitorização registaram subidas do nível da água até por volta 1.60 metros e a partir daí deixaram de actualizar os registos.
44.º
Quando, finalmente, os SMG mediram o nível da água resultante da sobreposição da maré e do “storm surge”, o mesmo era de 5,6 metros.
45.º
No dia 23 de Agosto de 2017, até ao momento em que os registos foram actualizados, foram registados os seguintes níveis máximos de água nas estações de monitorização do nível de água: Estação da Rua da Praia do Manduco, 1.52 metros acima do pavimento, às 12:13 horas; Estação do Largo do Pagode do Bazar, 1.62 metros acima do pavimento, às 12:05 horas; Estação de Lam Mau, 1.55 metros acima do pavimento, às 12 horas, Estação do Largo Ponte e Horta, 1.54 metros acima do pavimento, às 11:50 horas.
46.º
Nas zonas baixas do Porto Interior, a inundação começa quando o nível da maré atinge 3,05 metros.
III.
47.º
Nas previsões da evolução do “Hato”, os SMG utilizaram o sistema DVORAK, a partir de dados obtidos das imagens de satélite e de outros dados.
48.º
No dia 22 de Agosto de 2017, às 10:47 horas, os SMG içaram o sinal 1 de tempestade tropical e emitiram aviso de que era provável que esse sinal se mantivesse durante o dia.
49.º
Às 16 horas do dia 22 de Agosto de 2017, os SMG emitiram informação de que se iria manter o sinal n.º 1 e que se previa que o mesmo se mantivesse durante a noite.
50.º
À mesma hora, a Arguida Leong Ka Cheng reuniu-se com o pessoal do Centro de Previsão Meteorológica (CPM) e disse-lhes que não era necessário abordar nessa reunião a matéria relativa à previsão do “Hato” porque o superior já tinha uma decisão e por isso, nessa reunião, apenas foi abordada a questão da previsão do tempo para os próximos 7 dias.
51.º
Às 22 horas do dia 22 de Agosto de 2017, os SMG emitiram aviso de que, entre a 1 e as 3 horas do dia 23 iria ponderar-se substituir o sinal n.º 1 pelo sinal n.º 3.
52.º
À 1:59 horas do dia 23 de Agosto de 2017, os SMG emitiram aviso de que iam substituir o sinal n.º 1 pelo sinal n.º 3 às 3 horas do dia 23.
53.º
Às 2:53 horas do dia 23 de Agosto de 2017, os SMG, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, emitiram um aviso sobre o içar do sinal n.º 3, referindo, também que iam ponderar a substituição desse sinal pelo sinal n.º 8 de acordo com as condições durante a manhã.
54.º
Antes das 6 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o Chefe da Divisão de Meteorologia contactou a Arguida Leong Ka Cheng dando-lhe conta de que o içar do sinal 8 não deveria ter lugar depois das 9 horas e esperava que às 6 horas já pudesse ser divulgado um aviso ao público.
55.º
Porém, dado que os Arguidos ainda não tinham decidido a hora de içar o sinal n.º 8, às 6:08 horas do dia 23, no aviso dos SMG referiu-se que seria ponderada a passagem para o sinal n.º 8 antes das 9 horas.
56.º
Às 6:30 horas do dia 23 de Agosto de 2017, a Arguida Leong Ka Cheng, olhando para as imagens de radar do “Hato”, afirmou: “這個大眼仔無風的”, e referiu que não havia necessidade de reforçar o pessoal no CPM, após o que saiu.
57.º
O Chefe da Divisão de Meteorologia discutiu com os colegas "da linha da frente" acerca do sinal de “storm surge” e todos entendiam que havia talvez houvesse a necessidade de emitir o grau preto do aviso de “storm surge”,
58.º
Por isso, o Chefe da Divisão de Meteorologia colocou, por telefone, essa questão à Arguida Leong Ka Cheng e obteve como resposta a de que, mais tarde se veria consoante a situação, assim ignorando a sugestão dos seus subordinados.
59.º
Às 7:02 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o Chefe da Divisão de Meteorologia recebeu instruções da Arguida Leong Ka Cheng de que às 9 horas iria ser içado o sinal 8 e às 7:08 foi emitido aviso pelos SMG dando conta disso mesmo.
60.º
Às 9 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, foi içado o sinal n.º 8 NE e no aviso emitido pelos SMG nessa altura foi referido que se previa a manutenção desse sinal durante a parte da manhã.
61.º
Às 9:55 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no - mesmo sentido do daquela decisão, os SMG emitiram aviso dando conta de que se mantinha içado o sinal n.º 8 NE, e se previa a manutenção desse sinal durante a parte da manhã.
62.º
Às 10:05 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG emitiram aviso dando conta de que se mantinha içado o sinal n.º 8 NE e de que, em curto prazo, seria içado o sinal n.º 9.
63.º
Às 10:35 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG içaram o sinal n.º 9.
64.º
Às 11:05 horas dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, foi emitido aviso pelos SMG dando conta de que se mantinha içado o sinal n.º 9 e de que, em breve, seria içado o sinal n.º 10.
65.º
Às 11:25 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG içaram o sinal n.º 10.
66.º
Às 11:55 horas do dia 23 de Agosto de 2017 foi emitido aviso de manutenção do sinal n.º 10.
67.º
Às 21 horas do dia 22 de Agosto de 2017 e às 2.53 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, foi emitido aviso pelos SMG de que entraria em vigor o sinal de “storm surge” de grau 2/vermelho, no dia 23 de Agosto de 2017, às 8 horas.
68.º
Às 8:30 horas do dia 23 de Agosto de 2017 entrou em vigor o aviso de “storm surge” de grau 2/vermelho.
69.º
Às 11:30 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, entrou em vigor o aviso de “storm surge” de grau 3/preto.
70.º
No dia 23 de Agosto de 2017, por volta das 12 horas, a Arguida Leong Ka Cheng referiu ao pessoal em serviço nos SMG que era indiferente ser aviso de “storm surge” de grau vermelho ou aviso de grau preto, bastando que o aviso fosse divulgado ao público.
71.º
Quando foi verificado que o nível de maré já chegava a um nível igual ao que se tinha verificado aquando da passagem do tufão “Hagupit” por Macau, e que a situação se iria agravar conforme indicado pela trajectória do tufão “Hato”, os Arguidos não deram essas informações ao Centro de Operações de Protecção Civil nem a outros elementos da protecção civil para que fossem tomadas as devidas medidas especiais.
72.º
De acordo com as “Instruções de Trabalho sobre o Aviso” de “storm surge” dos SMG, a hora da entrada em vigor do aviso de “storm surge” tem como referência a hora estimada em que o nível de água irá subir acima do nível do pavimento rodoviário da zona do Porto Interior, devendo, na medida do possível, ser emitido o aviso de alerta com uma antecedência de seis a doze horas da sua entrada em vigor.
73.º
Durante a aproximação e passagem do “Hato” a, e, por Macau, o Arguido Fong Soi Kun, na qualidade de director dos SMG, utilizou, como habitualmente fazia, para cálculo da velocidade dos ventos médios os valores obtidos em períodos de 1 hora e não em períodos de 10 minutos.
IV.
74.º
Os sinais n.º 8 e n.º 10 de tempestade tropical foram içados e o aviso de grau preto de “storm surge” entrou em vigor, demasiado tarde, e por isso não produziram os efeitos de alerta previstos na lei.
75.º
De acordo com os dados de que os SMG dispunham, na sequência da aproximação do “Hato” a Macau, justificava-se o içar do sinal n.º 8, entre as 6 e as 8 horas do dia 23 de Agosto de 2017.
76.º
Não obstante, em resultado de um erróneo entendimento das disposições legais relativas ao içar dos sinais de tempestade tropical, que conheciam, e a uma avaliação incorrecta dos dados científicos disponíveis nos SMG por parte dos Arguidos, foi decidido, nos termos anteriormente referidos no artigo 60.º desta acusação, que o sinal n.º 8 de tempestade tropical seria içado às 9 horas do dia 23 de Agosto de 2017, numa altura em que, pelo menos nas estações de medição da Ponta da Amizade sul (8:59 horas), da Ponte da Amizade norte (9:05 horas) e da Central Térmica de Coloane (9:12 horas), já se registavam ventos médios, em períodos de 10 minutos, com velocidade superior a 63 km/hora.
77.º
Do mesmo modo, em resultado de um erróneo entendimento das disposições legais relativas ao içar dos sinais de tempestade tropical, que conheciam, e de uma avaliação incorrecta dos dados cientificas disponíveis nos SMG por parte dos Arguidos, foi decidido, nos termos anteriormente referidos no artigo 65.º desta acusação, içar o sinal n.º 10, às 11:25 horas do dia 23 de Agosto de 2017, quando já se registavam em algumas estações de medição ventos médios, em períodos de 10 minutos, com velocidade superior a 117 km/hora.
78.º
Na noite do dia 22 de Agosto de 2017, os SMG já dispunham de dados suficientes para justificar a emissão do aviso de “storm surge” de grau preto e a evolução da situação do "Hato" apontava para a possibilidade de um “storm surge” mais grave do que aquele que se tinha verificado aquando da passagem do “Hagupit”.
79.º
Apesar disso, na sequência de decisão resultante de um erróneo entendimento por parte dos arguidos do regime legal do aviso de “storm surge”, que conheciam, e de uma avaliação incorrecta, pela sua parte, dos dados científicos disponíveis nos SMG, foi emitido e subsequentemente mantido o aviso de “storm surge” de grau vermelho a entrar em vigor às 8 horas do dia 23 de Agosto de 2017.
80.º
Os Arguidos actuaram de forma livre e consciente.
81.º
Os erróneos entendimentos e as avaliações incorrectas referidas nos anteriores artigos 76.º a 79.º desta acusação resultaram de os Arguidos não terem agido com o cuidado, a prudência e a diligência com que podiam e deviam ter agido.
82.º
Os Arguidos são profissionais experientes que ocupavam os lugares cimeiros da estrutura orgânica dos SMG e por isso era-lhes especialmente exigível que, nos dias 22 e 23 de Agosto de 2017, aquando da aproximação e da passagem por Macau do “Hato”, tivessem actuado de modo a que os sinais n.º 8 e n.º 10 de tempestade tropical tivessem sido içados e o aviso de “storm surge” n.º 3/preto emitido a horas que permitissem que tais sinais pudessem ter produzido os efeitos de alerta previstos na lei.
V.
83.º
O Arguido Fong Soi Kun é trabalhador da Administração Pública com vínculo de nomeação definitiva e tem a categoria de meteorologista operacional especialista principal, 3.º escalão.
84.º
Ingressou na Administração Pública em 1 de Julho de 1982.
85.º
Exerceu ininterruptamente o cargo de Director dos Serviços Meteorológicos entre 1 de Novembro de 1998 e 24 de Agosto de 2017.
86.º
Teve as seguintes classificações de serviço: 1984-1986 e 1989 (“Bom”); 1987-1988 e 1990-1996 (“Muito Bom”).
87.º
Nada consta do registo disciplinar do Arguido Fong Soi Kun em seu desfavor.
88.º
A Arguida Leong Ka Cheng exerce o cargo de subdirectora dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos em comissão de serviço, desde 26 de Julho de 2013.
89.º
Ingressou na Administração Pública em 1 de Março de 1994 e tem vínculo de nomeação definitiva.
90.º
Actualmente tem a categoria de meteorologista assessora principal, 1.º escalão, do quadro de pessoal da carreira de meteorologista dos SMG.
91.º
Teve as seguintes classificações de serviço: 1994-1998 (“Muito Bom”); 2005-2013 (“Satisfaz Muito”).
92.º
Nada consta do registo disciplinar da Arguida Leong Ka Cheng em seu desfavor.
VI.
93.º
As actuações dos Arguidos Fong Soi Kun e Leong Ka Cheng, nos termos descritos nos artigos 47.º a 79.º da presente acusação, consubstanciam violações culposas pela sua parte do dever geral de zelo a que se refere o artigo 279.º, n.º 2, alínea b), e n.º 4 do ETAPM e ao qual, enquanto director e subdirectora dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos se encontravam sujeitos, por imposição do n.º 2 do artigo 1.º e do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia) e do corpo do artigo 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009 (Disposições complementares do estatuto do pessoal de direcção e chefia).
94.º
As infracções disciplinares praticadas pelos Arguidos e antes descritas, porque reveladoras de culpa grave no incumprimento do dever de zelo, são puníveis com pena de suspensão nos termos previstos n.ºs 1 e 3, do artigo 314.º, do ETAPM, sendo que a pena abstractamente aplicável é a de suspensão de 121 a 240 dias.
95.º
Depõem a favor do Arguido Fong Soi Kun, como circunstâncias atenuantes, as seguintes:
i. A prestação de mais de 10 anos de serviços classificados de “Bom” e de “Muito Bom”;
ii. A falta de intenção dolosa.
96.º
Depõem contra o Arguido Fong Soi Kun, como circunstâncias agravantes, as seguintes:
i. A acumulação de infracções;
ii. A responsabilidade do cargo exercido.
97.º
Depõem a favor da Arguida Leong Ka Cheng, como circunstâncias atenuantes, as seguintes:
i. A prestação de mais de 10 anos de serviços classificados de “Excelente” e de “Satisfaz Muito”;
ii. A falta de intenção dolosa.
98.º
Depõem contra a Arguida Leong Ka Cheng, como circunstâncias agravantes, as seguintes:
i. A acumulação de infracções;
ii. A responsabilidade do cargo exercido.
Prova: a dos autos
No prazo de 48 horas extraia cópia da anterior acusação e entregue-a em mão aos Arguidos e também aos seus defensores, notificando-os para, no prazo de 10 dias, apresentarem, querendo, a sua defesa por escrito, podendo, nesse mesmo prazo, por si ou advogado, consultar o processo, apresentar rol de testemunhas, juntar documentos ou requerer quaisquer diligências em ordem à sua defesa.
Os arguidos deverão ser ainda advertidos de que a falta de resposta dentro daquele prazo vale como sua efectiva audiência para todos os efeitos legais (artigo 334.º, n.º 4 do ETAPM) …”.
2. Em 9 de Abril de 2018, o Senhor Instrutor elaborou o relatório do processo disciplinar, com o seguinte teor:
“…
1. O impulso e o desenvolvimento processuais: síntese
1.1. Por considerar haver indícios suficientes de que factos apurados em resultado do processo de inquérito levado a cabo pela “Comissão de Inquérito sobre a Catástrofe do Tufão de 23 de Agosto” (adiante, “Comissão de Inquérito”) eram susceptíveis de constituir infracção disciplinar, Sua Excelência o Chefe do Executivo, por seu despacho de 9 de Novembro de 2017, ordenou a instauração de processo disciplinar em que são Arguidos Fong Soi Kun e Leong Ka Cheng, à data dos factos, respectivamente, director e subdirectora dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (doravante, SMG).
Através do mesmo despacho, foi determinado que, nos termos do n.º 3 do artigo 356.º do ETAPM, o processo de inquérito, na parte relevante, constituísse a fase de instrução do processo disciplinar e o ora signatário foi nomeado instrutor.
1.2. Em observância do disposto no n.º 3 do artigo 356.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante, ETAPM), foi deduzida acusação contra os Arguidos, a qual, no original em língua portuguesa e na respectiva tradução para a língua chinesa, consta de fls. 41 a 81 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida.
1.3. Notificados da acusação, cada um dos arguidos apresentou a respectiva defesa escrita, nos termos previstos no artigo 334.º do ETAPM, cujos teores constam de fls. 111 a 189 (Arguido Fong Soi Kun) e de fls. 298 a 377 (Arguida Leong Ka Cheng) e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
1.4. Após a apresentação dos articulados de defesa, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelos Arguidos e estes foram novamente ouvidos, a seu pedido, tudo com observância das formalidades legais.
2. Da inexistência da arguida nulidade da acusação
Os Arguidos alegam que a acusação enferma de um vício decorrente da falta de indicação das disposições legais aplicáveis, o que, em seu entender, implicaria a violação do disposto no artigo 332.º, alínea d) do ETAPM.
Salvo o devido respeito, os Arguidos não têm razão. A acusação é muito clara e inequívoca quer na descrição dos factos que são imputados aos arguidos quer no respectivo enquadramento jurídico. O que a norma do artigo 332.º do ETAPM exige é que, além de enunciar a factologia que se imputa ao arguido, acusação proceda ao seu enquadramento jurídico, indicando o preceito legal que legitima a punição e as circunstâncias atenuantes e agravantes que eventualmente ocorram, terminando por enunciar a pena que se considera ser de aplicar (nestes termos, Paulo Veiga Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 241). Ora, como é evidente, a acusação que foi deduzida nestes autos respeita, por inteiro, estas exigências legais. Não enferma, portanto, do vício que lhe é assacado pelos Arguidos.
Deve improceder, pelo exposto e sem necessidade de maiores considerandos, a invocada nulidade.
3. Os factos provados
Em resultado da análise crítica da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, quer na fase da instrução quer no decurso da fase da defesa, dos que eram relevantes para a prolação de uma adequada decisão final no presente procedimento, consideram-se provados os seguintes:
1. A Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) é um serviço de estudo, coordenação e apoio nas áreas da meteorologia, geofísica e ambiente atmosférico da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
2. Constitui atribuição dos SMG, entre outras, manter e desenvolver os sistemas de vigilância de informação, cabendo-lhe, em exclusivo, a emissão de avisos de mau tempo de carácter meteorológico às entidades públicas e privadas.
3. Os SMG são dirigidos por um director, coadjuvado por um subdirector e entre as suas subunidades orgânicas conta-se a Divisão de Meteorologia.
4. A Divisão de Meteorologia é a subunidade orgânica incumbida de planear, coordenar, e orientar todas as actividades nas áreas da meteorologia e ambiente atmosférico, nos domínios da análise e previsão do tempo, climatologia, composição e qualidade do ar, processamento e transmissão da informação.
5. Por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Setembro de 2016, foi renovada a comissão de serviço de Fong Soi Kun pelo período de um ano, a partir de 1 de Novembro de 2016, como director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, cargo que exerceu até 24 de Agosto de 2017.
6. Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 12 de Maio de 2017, foi renovada a comissão de serviço de Leong Ka Cheng, pelo período de um ano, a partir de 26 de Julho de 2017, como subdirectora da Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, cargo que ainda hoje exerce.
7. No dia 20 de Agosto de 2017, durante o dia, uma depressão tropical formou-se no oeste do Oceano Pacífico, a leste das Filipinas e movimentou-se para o quadrante oeste. Às 2 horas do dia 21, a depressão tropical intensificou-se para ciclone tropical e foi denominado “Hato”.
8. Às 5 horas do dia 22 de Agosto de 2017, o “Hato” entrou na área de vigilância a menos de 800 km de Macau, e movimentou-se à velocidade de 25 km/h para oés-noroeste, encaminhando-se para a costa oeste do estuário do Rio das Pérolas.
9. Às 14 horas desse mesmo dia, o “Hato” intensificou-se para ciclone tropical severo e às 18 horas para tufão.
10. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 11 horas do dia 22 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 681 km lés-sudeste de Macau, previa-se que iria passar a 17 km norte de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 992 hectopascal.
11. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 3 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 283 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 55 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 973 hectopascal.
12. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 4 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 259 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 53 km a su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 973 hectopascal.
13. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 5 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 245km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 48 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 965 hectopascal.
14. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 6 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 218 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 54 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 965 hectopascal.
15. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 7 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato”situava-se a 171 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 49 km sul de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 965 hectopascal.
16. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 8 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato”situava-se a 145 km sudeste de Macau, previa-se que passasse a 56 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 956 hectopascal.
17. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 9 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 108 km sudeste de Macau, previa-se que passasse a 67 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 956 hectopascal.
18. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 10 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 69 km sudeste de Macau, previa-se que passasse a 43 km su-sudoeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 956 hectopascal.
19. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 11 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 69 km lés-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 43 km sudeste de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 945 hectopascal.
20. De acordo com o respectivo mapa de trajectória dos SMG, às 12 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o centro do “Hato” situava-se a 47 km su-sudeste de Macau, previa-se que passasse a 36 km sul de Macau e a pressão atmosférica no centro era de 945 hectopascal.
21. Às 6:28 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Central Térmica de Coloane começou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos, ou seja, uma velocidade dentro dos padrões do sinal n.º 3.
22. Às 7 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade sul começou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos.
23. Às 7:07 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Central Térmica de Coloane voltou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos.
24. Às 7:08 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade norte começou a registar-se velocidade do vento de mais de 41 km/hora em cada 10 minutos.
25. Às 8:59 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade sul começou a registar-se velocidade do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos, ou seja, uma velocidade dentro dos padrões do sinal n.º 8.
26. Às 9:05 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade norte começou a registar-se velocidade do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos.
27. Às 9:12 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Central Térmica de Coloane começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos.
28. Às 9:37 horas do dia 23 de Agosto de 2017, mais estações começaram a registar velocidades do vento de mais de 63 km/hora em cada 10 minutos.
29. Às 10:53 horas do dia 23 de Agosto de 2017, nas estações da Taipa Grande, da Ponte da Amizade norte e de Ká-Hó, começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos, uma velocidade dentro dos padrões do sinal n.º 10.
30. Às 10:57 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte da Amizade sul começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos.
31. Às 11:34 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte Nobre de Carvalho começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos.
32. Às 11:41 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na estação da Ponte Sai Van começou a registar-se uma velocidade do vento de mais de 117 km/hora em cada 10 minutos.
33. No dia 23 de Agosto de 2017, às 10.58 horas a estação KV de Ká-Hó começou a registar a cada minuto velocidades de vento superiores a 180 km/hora e na estação KH de Ká-Hó isso sucedeu a partir das 10.59 horas, na estação da Taipa Grande TG, a partir das 11:02 horas, na estação TV da Taipa Grande, a partir das 11:06 horas; Ponte da Amizade sul, a partir das 11:09 horas, na estação da Ponte da Amizade norte, a partir das 11:15 horas e posteriormente mais estações começaram a registar velocidades superiores a 180 km/hora em cada minuto.
34. No dia 23 de Agosto de 2017, foram registadas as seguintes rajadas máximas de vento: na estação da Taipa Grande, às 11:06 horas, de 217.4 km/hora; na estação da Ponte da Amizade sul, às 12:15 horas, de 205.9 km/hora; na estação da Ponte da Amizade norte, às 12:15, de 215.3 km/hora; na estação da Ponte Governador Nobre de Carvalho, às 12:04 horas, de 191.5 km/hora; na estação do Museu Marítimo, às 11:19 horas, de 182.9 km/hora; na estação do Terminal Marítimo de Passageiros do Porto Exterior, 197.3 km/hora; na estação da Universidade de Macau, 201.2 km/hora; na estação de Ká Hó, 207.4 km/hora e na estação da Delegação de Coloane, 139.0 km/hora.
35. Relativamente ao “storm surge”, os resultados da respectiva previsão são obtidos mediante o tratamento dos dados relativos à tempestade tropical provenientes da Japan Meteoroiogical Agency (JMA), do Hong Kong Observetory (HKO) e do Central Weather Bureau, de Beijing (CWB) através do sistema informático de geração de modelos de prevlsêo de “storm surge” importado da Japan Meteorological Agency (JMA) pelos SMG,
36. No dia 22 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 20 horas, a previsão para o dia 23 de Agosto de 2017, por volta das 13 horas, era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,9 metros; de acordo com os dados do HKO, às 20 horas, a previsão era de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4.5 metros e de acordo com os dados do CWB, às 17 horas, a previsão era de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,8 metros.
37. No dia 23 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 2 horas, a previsão para esse dia por volta das 13 horas era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,75 metros; de acordo com os dados do HKO, às 2 horas, a previsão era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse 4,75 metros e de acordo com os do CWB, às 2 horas, a previsão era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 4,5 metros.
38. No dia 23 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 8 horas, a previsão para esse dia por volta das 13 horas era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse cerca de 5 metros; de acordo com os dados do HKO, às 8 horas, a previsão era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse cerca de 5 metros e de acordo com os dados do CWB, às 8 horas, a previsão era a de que por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 4,7 metros.
39. No dia 23 de Agosto de 2017, de acordo com os dados da JMA às 11 horas, a previsão para esse dia por volta das 13 horas era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge”, o nível da água subisse cerca de 5,25 metros; de acordo com os dados do HKO, às 11 horas, a previsão era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse cerca de 5,4 metros e de acordo com os dados do CWB, às 11 horas, a previsão era a de que, por sobreposição da maré e do “storm surge” o nível da água subisse 5 metros.
40. No dia 23 de Agosto de 2017, pelas 8:40 horas, a estação do Porto Interior começou a registar uma subida do nível da água.
41. Por volta das 10:35 horas do dia 23 de Agosto de 2017, a estação do Porto Interior e mais estações registaram um início de subida rápida do nível da água a partir de zero.
42. Por volta das 10:50 horas, do dia 23 de Agosto de 2017, nessas estações registou-se uma subida do nível da água de cerca de 0,5 metros; por volta das 11:25 horas, de aproximadamente um metro; por volta das 11:33 horas, subiu para um valor superior a 1,5 metros.
43. Entre as 11:33 e as 12 horas várias estações de monitorização registaram subidas do nível da água até por volta 1.60 metros e a partir daí deixaram de actualizar os registos.
44. Quando, finalmente, os SMG mediram o nível da água resultante da sobreposição da maré e do “storm surge”, o mesmo era de 5,6 metros.
45. No dia 23 de Agosto de 2017, até ao momento em que os registos foram actualizados, foram registados os seguintes níveis máximos de água nas estações de monitorização do nível de água: Estação da Rua da Praia do Manduco, 1.52 metros acima do pavimento, às 12:13 horas; Estação do Largo do Pagode do Bazar, 1.62 metros acima do pavimento, às 12:05 horas; Estação de Lam Mau, 1.55 metros acima do pavimento, às 12 horas, Estação do Largo Ponte e Horta, 1.54 metros acima do pavimento, às 11:50 horas.
46. Nas zonas baixas do Porto Interior, a inundação começa quando o nível da maré atinge 3,05 metros.
47. Nas previsões da evolução do “Hato”, os SMG utilizaram o sistema DVORAK, a partir de dados obtidos das imagens de satélite e de outros dados.
48. No dia 22 de Agosto de 2017, às 10:47 horas, os SMG içaram o sinal 1 de tempestade tropical e emitiram aviso de que era provável que esse sinal se mantivesse durante o dia.
49. Às 16 horas do dia 22 de Agosto de 2017, os SMG emitiram informação de que se iria manter o sinal n.º 1 e que se previa que o mesmo se mantivesse durante a noite.
50. À mesma hora, a Arguida Leong Ka Cheng reuniu-se com o pessoal do Centro de Previsão Meteorológica (CPM) e disse-lhes que não era necessário abordar nessa reunião a matéria relativa à previsão do “Hato” porque o superior já tinha uma decisão e por isso, nessa reunião; apenas foi abordada a questão da previsão do tempo para os próximos 7 dias.
51. Às 22 horas do dia 22 de Agosto de 2017, os SMG emitiram aviso de que, entre a 1 e as 3 horas do dia 23 iria ponderar-se substituir o sinal n.º 1 pelo sinal n.º 3.
52. À 1:59 horas do dia 23 de Agosto de 2017, os SMG emitiram aviso de que iam substituír o sinal n.º 1 pelo sinal n.º 3 às 3 horas do dia 23.
53. Às 2:53 horas do dia 23 de Agosto de 2017, os SMG, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, emitiram um aviso sobre o içar do sinal n.º 3, referindo, também que iam ponderar a substituição desse sinal pelo sinal n.º 8 de acordo com as condições durante a manhã.
54. Antes das 6 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o Chefe da Divisão de Meteorologia contactou a Arguida Leong Ka Cheng dando-lhe conta de que o içar do sinal 8 não deveria ter lugar depois das 9 horas e esperava que às 6 horas já pudesse ser divulgado um aviso ao público.
55. Porém, dado que os Arguidos ainda não tinham decidido a hora de içar o sinal n.º 8, às 6:08 horas do dia 23, no aviso dos SMG referiu-se que seria ponderada a passagem para o sinal n.º 8 antes das 9 horas.
56. Às 6:30 horas do dia 23 de Agosto de 2017, a Arguida Leong Ka Cheng, olhando para as imagens de radar do “Hato”, afirmou: “這個大眼仔無風的”, e referiu que não havia necessidade de reforçar o pessoal no CPM, após o que saiu.
57. O Chefe da Divisão de Meteorologia discutiu com os colegas "da linha da frente" acerca do sinal de “storm surge” e todos entendiam que talvez houvesse a necessidade de emitir o grau preto do aviso de “storm surge”.
58. Por isso, o Chefe da Divisão de Meteorologia colocou, por telefone, essa questão à Arguida Leong Ka Cheng e obteve como resposta a de que, mais tarde se veria consoante a situação, assim ignorando a sugestão dos seus subordinados.
59. Às 7:02 horas do dia 23 de Agosto de 2017, o Chefe da Divisão de Meteorologia recebeu instruções da Arguida Leong Ka Cheng de que às 9 horas iria ser içado o sinal 8 e às 7:08 foi emitido aviso pelos SMG dando conta disso mesmo.
60. Às 9 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, foi içado o sinal n.º 8 NE e no aviso emitido pelos SMG nessa altura foi referido que se previa a manutenção desse sinal durante a parte da manhã.
61. Às 9:55 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG emitiram aviso dando conta de que se mantinha içado o sinal n.º 8 NE, e se previa a manutenção desse sinal durante a parte da manhã.
62. Às 10:05 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG emitiram aviso dando conta de que se mantinha içado o sinal n.º 8 NE e de que, em curto prazo, seria içado o sinal n.º 9.
63. Às 10:35 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG içaram o sinal n.º 9.
64. Às 11:05 horas dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, foi emitido aviso pelos SMG dando conta de que se mantinha içado o sinal n.º 9 e de que, em breve, seria içado o sinal n.º 10.
65. Às 11:25 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, os SMG içaram o sinal n.º 10.
66. Às 11:55 horas do dia 23 de Agosto de 2017 foi emitido aviso de manutenção do sinal n.º 10.
67. Às 21 horas do dia 22 de Agosto de 2017 e às 2.53 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, foi emitido aviso pelos SMG de que entraria em vigor o sinal de “storm surge” de grau 2/vermelho, no dia 23 de Agosto de 2017, às 8 horas.
68. Às 8:00 horas do dia 23 de Agosto de 2017 entrou em vigor o aviso de “storm surge” de grau 2/vermelho.
69. Às 11:30 horas do dia 23 de Agosto de 2017, na sequência de decisão verbal do arguido Fong Soi Kun precedida de parecer verbal da Arguida Leong Ka Cheng no mesmo sentido do daquela decisão, entrou em vigor o aviso de “storm surge” de grau 3/preto.
70. Quando foi verificado que o nível de maré já chegava a um nível igual ao que se tinha verificado aquando da passagem do tufão “Hagupit” por Macau, e que a situação se iria agravar conforme indicado pela trajectória do tufão “Hato”, os Arguidos não deram essas informações ao Centro de Operações de Protecção Civil nem a outros elementos da protecção civil para que fossem tomadas as devidas medidas especiais.
71. De acordo com as "Instruções de Trabalho sobre o Aviso de “storm surge” dos SMG, a hora da entrada em vigor do aviso de “storm surge” tem como referência a hora estimada em que o nível de água irá subir acima do nível do pavimento rodoviário da zona do Porto Interior, devendo, na medida do possível, ser emitido o aviso de alerta com uma antecedência de seis a doze horas da sua entrada em vigor.
72. Durante a aproximação e passagem do “Hato” a, e, por Macau, o Arguido Fong Soi Kun, na qualidade de director dos SMG, utilizou, como habitualmente fazia, para cálculo da velocidade dos ventos médios os valores obtidos em períodos de 1 hora e não em períodos de 10 minutos.
73. Os sinais n.º 8 e n.º 10 de tempestade tropical foram içados e o aviso de grau preto de “storm surge” entrou em vigor demasiado tarde, e por isso não produziram os efeitos de alerta previstos na lei.
74. Na noite do dia 22 de Agosto de 2017, os SMG já dispunham de dados que apontavam para a possibilidade de o nível da água subir mais de um metro relativamente ao pavimento rodoviário na zona do Porto Interior.
75. Apesar disso, os Arguidos mantiveram o aviso de “storm surge”de grau vermelho a entrar em vigor às 8 horas do dia 23 de Agosto de 2017, como efectivamente entrou, e a vigorar até às 11.30 horas desse mesmo dia, nos termos anteriormente referidos, por não terem agido com o cuidado, a prudência e a diligência com que podiam e deviam ter agido.
76. Os Arguidos actuaram de forma livre e consciente.
77. Os Arguidos são profissionais experientes que ocupavam os lugares cimeiros da estrutura orgânica dos SMG e por isso era-lhes especialmente exigível que, nos dias 22 e 23 de Agosto de 2017, aquando da aproximação e passagem por Macau do Hato, tivessem actuado de modo a que o aviso de “storm surge” n.º 3/preto tivesse sido emitido a horas que permitissem que o mesmo pudesse ter produzido os efeitos de alerta previstos na lei.
78. O Arguido Fong Soi Kun foi trabalhador da Administração pública com vínculo de nomeação definitiva e a categoria de meteorologista operacional especialista principal, 3.º escalão. Actualmente encontra-se na situação de aposentado.
79. Ingressou na Administração Pública em 1 de Julho de 1982.
80. Exerceu ininterruptamente o cargo de Director dos Serviços Meteorológicos entre 1 de Novembro de 1998 e 24 de Agosto de 2017.
81. Teve as seguintes classificações de serviço: 1984-1986 e 1989 (“Bom”); 1987-1988 e 1990-1996 (“Muito Bom”).
82. Nada consta do registo disciplinar do Arguido Fong Soi Kun em seu desfavor.
83. A Arguida Leong Ka Cheng exerce o cargo de subdirectora dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos em comissão de serviço, desde 26 de Julho de 2013.
84. Ingressou na Administração Pública em 1 de Março de 1994 e tem vínculo de nomeação definitiva.
85. Actualmente tem a categoria de meteorologista assessora principal, 1.º escalão, do quadro de pessoal da carreira de meteorologista dos SMG.
86. Teve as seguintes classificações de serviço: 1994-1998 (“Muito Bom”); 2005-2013 (“Satisfaz Muito”).
87. Nada consta do registo disciplinar da Arguida Leong Ka Cheng em seu desfavor.
4. O enquadramento jurídico-disciplinar dos factos
4.1. Nos termos do disposto no artigo 281.º do ETAPM, considera-se infracção disciplinar o facto culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.
Os Arguidos estão acusados da prática de infracções disciplinares resultantes da violação do dever geral de zelo a que se refere o n.º 4 do artigo 279.º do ETAPM, em virtude de, no dia 23 de Agosto de 2017, quando da aproximação a e da passagem por Macau do tufão Hato, terem decidido hastear os sinais n.º 8 e n.º 10 de tempestade tropical e terem emitido o aviso de grau 3/preto de “storm surge”, demasiado tarde, sem que tenham dado informações ao Centro de Protecção Civil nem a outros elementos da protecção civil em face da subida da maré e do previsível agravamento da situação.
A ter-se por provada a factualidade constante da acusação, ficaria patenteado que os Arguidos, culposamente, não teriam exercido as suas funções com a eficiência e o empenhamento a que estavam legalmente obrigados, nisso se traduzindo a dita violação do dever de zelo.
Na acusação distinguem-se, (i) a infracções relativas ao tardio içamento dos sinais n.º 8 e n.º 10 de tempestade tropical, respectivamente, e (ii) a que respeita à emissão também tardia do aviso de grau 3/preto de “storm surge” por parte dos Arguidos, desacompanhada de qualquer aviso à protecção civil quanto à subida da maré e ao seu previsível agravamento.
Responder à questão de saber se a acusação é ou não subsistente é o que se fará de seguida, analisando separadamente a matéria relativa ao içamento dos sinais de tempestade tropical, por um lado, e a que concerne à emissão do aviso de “storm surge”, por outro lado.
4.2. Começaremos por fazer referência aos instrumentos normativos que regem em matéria de hasteamento de sinais de tempestade tropical e de emissão de avisos de “storm surge”.
Nos termos do estatuído pela Ordem Executiva n.º 16/2000, os sinais de tempestade tropical, numerados descontinuamente de 1 a 10, referem-se a condições de possível ocorrência e não a condições observáveis no instante em que são içados [ponto 2, alínea 3) da Ordem Executiva] e por isso, a Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos deve dar, com a antecedência possível, as informações meteorológicas necessárias para serem tomadas medidas especiais, susceptíveis de afectarem a vida normal da RAEM, não ficando directamente dependentes dos sinais de previsão [ponto 2, alínea 4) da Ordem Executiva].
Quanto ao significado dos sinais de tempestade tropical, estatui a alínea 3 do ponto 3, que “o símbolo 8 indica que a tempestade tropical continua a movimentar-se de forma a vir a provocar um agravamento no estado do tempo com ventos médios entre 63 km/h e 117 km/h com rajadas de cerca de 180 km/h” e a alínea 5) do mesmo ponto preceitua que o sinal n.º 10 “é içado quando se verifica a aproximação do centro da tempestade de forma a que a RAEM passa a ficar incluída na zona máxima de actividade, com ventos médios superiores a 118 km/h e rajadas de grande intensidade”.
Por sua vez, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 166/2002, estabelece que em situações de tempestade tropical, os serviços e entidades públicas que constituem a estrutura de protecção civil providenciam e garantem a activação da mesma, a fim de permitir a sua entrada em funcionamento logo que é içado o sinal n.º 8 ou de grau superior içados [ponto 3, sub-ponto 1) do Despacho].
Quando é hasteado o sinal de tempestade tropical n.º 8 ou de grau superior, as autoridades responsáveis pela utilização de vias rodoviária e marítima providenciam pelo encerramento das pontes que ligam a península de Macau à ilha da Taipa, o encerramento do posto fronteiriço do Cotai à ilha Vang Kam e o cancelamento dos transportes públicos terrestres e marítimos colectivos, sendo que tais medidas devem ser efectivadas dentro do período de uma hora e trinta minutos após o içar do sinal n.º 8 ou de grau superior içados [ponto 4, sub-pontos 1 e 2 do Despacho].
Relativamente ao Aviso de “storm surge”, o mesmo foi aprovado pela Ordem Executiva n.º 15/2009, em cujo Anexo estão previstos três graus de aviso: (i) grau 1/Amarelo, quando se prevê que o nível da água atinja valores inferiores a 0,5 metro acima do pavimento; (ii) grau 2/vermelho, quando se prevê que o nível da água exceda 1 metro acima do nível do pavimento; (iii) grau 3/preto, quando se prevê que o nível de água exceda 1 metro acima do nível do pavimento. Tais valores referem-se ao nível do pavimento rodoviário da zona do Porto Interior.
Ainda de acordo com a referida Ordem Executiva n.º 15/2009, os graus de aviso são emitidos para que a população possa adoptar, atempada mente, as medidas de prevenção adequadas, sendo que, no momento de emissão do aviso de “storm surge”, as entidades públicas e privadas devem adoptar as medidas de prevenção adequadas.
4.3. Tendo isto presente, importará agora proceder, em face da factualidade que se ficou provada, ao respectivo enquadramento jurídico-disciplinar na perspectiva da aferição da subsistência da acusação, começando pela parte relativa ao içamento dos sinais de tempestade tropical n.º 8 e n.º 10.
Decorre dos factos provados que, o sinal n.º 8 de tempestade tropical foi içado tardiamente. Com efeito, não é controvertido que, entre o içar do sinal n.º 8 e a verificação das condições de velocidade dos ventos médios que se fazem sentir na RAEM correspondentes a esse sinal (entre 63 km/h e 117 km/h) terá de decorrer um lapso de tempo suficiente em ordem a permitir a tomada das medidas preventivas que se mostrem necessárias, sendo que, como vimos, do Despacho do Chefe do Executivo n.º 166/2002 decorre que as medidas previstas no respectivo ponto 4 devem ser efectuadas dentro do período de uma hora e trinta minutos após o içar do sinal n.º 8. E também não é controvertido que, no dia 23 de Agosto de 2017, começaram a sentir-se ventos médios superiores a 62 km/h antes das 10 horas, seja qual for a unidade de tempo que se utilize no cálculo dos ventos médios (10 minutos ou 1 hora), ou seja menos de uma hora depois do içar do sinal (9.00 horas).
Todavia, a demonstração de que, objectivamente, se verificou o referido atraso no içamento do sinal n.º 8, sendo necessária, não é suficiente para que, neste particular, se dê por demonstrada a responsabilidade disciplinar dos Arguidos.
Uma vez que as decisões de hasteamento de sinais de tempestade tropical se baseiam em previsões meteorológicas e que estas, por definição, são falíveis e marcadas por um inevitável grau de incerteza, não é possível censurar disciplinarmente os arguidos apenas com base na demonstrada circunstância de as suas previsões sobre a intensidade da tempestade tropical se terem mostrado desconformes com aquilo que, lamentavelmente, veio a verificar-se. Para que tal censura disciplinar seja possível é necessário que, para além disso, também se prove (i) que os arguidos dispuseram da informação necessária a fazer outras previsões que não aquelas que fizeram e que tivessem antecipado adequadamente o que efectivamente veio a acontecer (ii) que não o fizeram porque, em violação culposa do dever de zelo, avaliaram mal esses dados e/ou porque tiveram um erróneo entendimento das disposições legais relativas ao içar dos sinais de tempestade tropical. Que se prove, em síntese, que os Arguidos estavam em condições de fazer outras previsões e de, em consequência, decidir emitir mais cedo os sinais de tempestade tropical e que o não fizeram por não terem actuado com o cuidado, o empenhamento, a perícia que lhes eram exigíveis.
Deste modo, a primeira questão que importa afrontar é a de saber se dos autos resultou provado que os Arguidos dispuseram de informação, de dados científicos que, à luz das regras da experiência, lhes teriam permitido ter hasteado os sinais n.º 8 e n.º 10 de tempestade tropical mais cedo do que o fizeram e de modo a que o efeito de alerta relativamente aos acontecimentos que se vieram a verificar se tivesse produzido ou se, pelo contrário, a desadequação das previsões que sustentaram as decisões do Arguido Fong Soi Kun relativamente ao hasteamento dos sinais de tempestade tropical se deveu a uma circunstância anormal, rara e por isso mesmo imprevisível.
Vejamos.
Quando se elaborou a acusação, os elementos disponíveis no processo, em especial os depoimentos das testemunhas inquiridas durante o inquérito e os diversos documentos fornecidos pelos SMG, nomeadamente os referentes aos registos de velocidade do vento, de trajectória da tempestade tropical eram de molde a sustentar que os arguidos incorreram na prática das infracções disciplinares que ali se indicaram. Por isso foi deduzido o libelo acusatório com a extensão que os autos documentam.
Porém, há que o reconhecer, as diligências probatórias que na fase procedimental da defesa se realizaram, vieram, na parte respeitante às decisões de hasteamento dos sinais de tempestade tropical, abalar o acerto de tal juízo.
Em relação ao içar do sinal n.º 8 de tempestade tropical, os Arguidos alegaram nos articulados de defesa que apresentaram, que todas as informações e dados colhidos pelos SMG e obtidos junto de outros observatórios meteorológicos, na madrugada do dia 23 de Agosto, apontavam para que a RAEM fosse afectada pelo tufão entre as 11.00 e as 14.00 horas do dia 23 de Agosto e que foi com base nestas previsões e análises foi tomada a decisão de içar o sinal n.º 8 às 9.00 horas da manhã. No entanto, de forma imprevisível, dizem os Arguidos, o tufão Hato intensificou-se rapidamente depois das 8.00 horas da manhã e acabou por atingir Macau de forma muito mais severa do que se conseguiu prever inicialmente.
A este propósito, não pode haver dúvidas de que o tufão Hato, para além de ter sido extremamente severo e de ter tido as consequências que todos conhecemos e lamentamos, assumiu, enquanto fenómeno meteorológico, características anormais. Isto mesmo foi salientado pelo Grupo de Especialistas da Comissão Nacional para a Redução de Desastres da República Popular da China no Relatório que elaborou sobre o tufão Hato (cfr. pág. 4 desse Relatório).
Em especial e para o que agora interessa, resulta do documento n.º 3 junto com os articulados de defesa escrita, proveniente da página electrónica do Observatório de Hong Kong, que o tufão Hato teve uma intensificação da velocidade máxima do vento muito acentuada e rápida, fora do padrão evolutivo observável anteriormente, entre as 6.30-7.00 horas e as 11 horas da manhã do dia 23 de Agosto de 2017. Esta intensificação do tufão Hato, da forma e no espaço temporal em que ocorreu, era imprevisível, dado tratar-se de um fenómeno raramente observável, de um fenómeno que não é habitual. Na verdade, o que é normal é que as tempestades tropicais diminuam de intensidade à medida que se aproximam da terra, o que se explica pelo efeito de atrito que aquela provoca e que a intensificação se processe gradualmente e não em períodos curtos de tempo (bastará olhar para o gráfico junto com o referido documento n.º 3 para perceber a anormalidade do fenómeno que vimos de afirmar). Nesta conclusão convergiram, para além do próprio Arguido Fong Soi Kun e da Arguida Leong Ka Cheng, as testemunhas, B, Chefe da Divisão de Meteorologia dos SMG, C, D e E.
A atestar esta anormalidade e imprevisibilidade do fenómeno está ainda o facto de o Observatório de Hong Kong, apenas no exame “post-mortem” do tufão Hato ter concluído pela necessidade de o reclassificar como “super typhoon” por ter atingido uma velocidade máxima de vento estimada de 185 km/hora, quando anteriormente havia previsto uma velocidade máxima de 130 km/h.
A razão de ser da ocorrência de uma tal intensificação ainda está por determinar. Seja como for, em face dos dados de previsão de que os SMG dispunham na madrugada do dia 23 de Agosto de 2017 e que foram tidos em conta aquando da decisão de hasteamento dos sinais, não era previsível que ocorresse. E foi essa inesperada intensificação acentuada e rápida do tufão que fez com que os ventos tivessem começado a soprar em Macau com velocidade superior a 62 km/hora mais cedo do que os Arguidos previram.
Ora, se o factor que fez com que a velocidade dos ventos médios sentidos na RAEM tivesse atingido o valor mínimo do intervalo correspondente ao sinal n.º 8 (entre 63 km/hora e 117 km/hora) por volta das 9 horas da manhã, hora a que a foi hasteado o dito sinal, foi dita intensificação rápida e acentuada do tufão Hato e se esta era imprevisível, então terá de concluir-se que na elaboração das previsões que estiveram na base da decisão de hastear o sinal n.º 8 de tempestade tropical, os Arguidos não infringiram o dever de zelo que sobre si impendia. Isto porque não se pode exigir, com razoabilidade, que se preveja o que é imprevisível e muito menos se pode fundar nessa exigência a efectivação de uma responsabilização de natureza disciplinar (sempre se diga, em todo o caso, que embora o sinal n.º 8 tenha sido hasteado às 9.00 horas do dia 23 de Agosto, a comunicação de isso iria ocorrer, quer para os serviços da protecção civil quer para o público em geral, teve lugar por volta das 7.00 horas do dia 23 de Agosto de 2017. Ou seja, cerca de duas horas de os ventos médios com velocidade superior a 62 km/hora se terem começado a sentir em Macau, em observância do segundo parágrafo do ponto 2., alínea 3) da Ordem Executiva n.º 16/2000 e de acordo com o qual os SMG darão, “com a antecedência possível, as informações meteorológicas necessárias para serem tomadas medidas especiais, susceptíveis de afectarem a vida normal da RAEM, não ficando directamente dependente dos sinais de previsão”).
O que antecede vale, até por maioria de razão, em relação à decisão de hastear o sinal n.º 10, acaso se considere que também essa decisão pecou por tardia. Sendo certo, aliás, que a Ordem Executiva n.º 16/2000 não prevê antecedência temporal mínima quanto ao hastear do referido sinal e que, tal como salientou o Senhor ex-Director do Observatório de Hong Kong, D, ouvido como testemunha, os sinais n.º 9 e n.º 10 têm função essencialmente informativa, pois todas as medidas de precaução devem ser tomadas com a comunicação do hastear do sinal n.º 8.
Conclui-se, portanto, que a prova recolhida na fase da defesa foi suficiente para abalar a acusação na parte relativa ao hasteamento dos sinais de tempestade tropical. Por isso, a factualidade que consubstanciava as infracções disciplinares atinentes a essa matéria não foi dada como provada e também por isso, nessa parte, se justifica a presente proposta de arquivamento do processo.
4.4. Abordemos, agora, a questão relativa à emissão do aviso de “storm surge” por ocasião da passagem do Hato por Macau.
A este propósito cumpre começar por referir ter ficado provado que o Arguido Fong Soi Kun, ainda no dia 22 de Agosto de 2017, decidiu, após parecer informal no mesmo sentido da Arguida Leong Ka Cheng, emitir o aviso de “storm surge” grau 2/vermelho para entrar em vigor às 8 da manhã do dia 23 de Agosto. Esta decisão foi objecto de comunicação às 21 horas do dia 22 de Agosto de 2017 e às 2.53 horas do dia 23 de Agosto de 2017. Também ficou provado que o dito aviso de grau 2/vermelho, que entrou em vigor às 8 horas do dia 23 de Agosto, foi mantido e que só às 11.30 horas desse mesmo dia entrou em vigor o aviso de grau 3/preto.
Dos factos provados resulta, portanto, que, de acordo com a previsão inicialmente efectuada e posteriormente mantida pelos Arguidos, a subida do nível da água a contar do pavimento rodoviário na zona do Porto Interior não ultrapassaria um metro. Porém, na realidade, a partir das 11.30 horas do dia 23 de Agosto de 2017, em resultado do “storm surge” e da sobreposição do seu efeito com o da subida da maré astronómica, o nível da água acima do pavimento rodoviário na zona do Porto Interior já ultrapassava um metro, ou seja, o nível correspondente ao aviso de grau 3/preto (veja-se o facto provado constante do ponto 42) e continuou a aumentar a partir daí.
Por outro lado, também se provou que, quando foi verificado que o nível de maré já chegava a um nível igual ao que se tinha verificado aquando da passagem do tufão “Hagupit” por Macau, e que a situação se iria agravar conforme indicado pela trajectória do tufão “Hato”, os Arguidos não deram essas informações ao Centro de Operações de Protecção Civil nem a outros elementos da protecção civil para que fossem tomadas as devidas medidas especiais.
Que dizer?
Em geral, sabe-se que a chamado “storm surge” é uma elevação da superfície do mar com carácter extraordinário induzida por condições de perturbações atmosférica ao nível do vento e da pressão atmosférica, que pode ser fonte de desastres naturais de dimensões devastadoras, seja no que respeita a danos pessoais (perdas de vidas humanas) seja no que concerne a prejuízos de natureza patrimonial. Por isso tem havido um esforço científico persistente no desenvolvimento de modelos que permitam de alcançar previsões que sejam cada vez mais fiáveis e que permitam às autoridades públicas e aos cidadãos das áreas afectadas tomarem, atempadamente, as medidas de prevenção tendentes a evitar ou minimizar os prejuízos. Pode dizer-se, assim, que os modelos de previsão de “storm surge”, independentemente das suas imperfeições e limitações, são instrumentos fundamentais de informação, tendo em vista uma adequada gestão do risco associado ao fenómeno por parte das autoridades meteorológicas de cada país ou região.
Como resulta da matéria de facto provada, os SMG dispõem de um modelo de previsão de “storm surge” fornecido pela Agência Meteorológica do Japão, com base no qual, nos dias 22 e 23 de Agosto de 2017, foram geradas previsões de “storm surge”, a partir de dados recolhidos em diversas agências meteorológicas (Interior da China, Hong Kong e Japão), que apontaram, de forma consistente, para uma subida do nível da água acima do pavimento rodoviário na zona do Porto Interior, provocada pelo “storm surge”, sempre superior a um metro.
Esta factualidade, de crucial importância, deve ser devidamente considerada, tendo em vista o seu adequado enquadramento jurídico-disciplinar.
Reconhece-se, como foi alegado em sede de defesa, que o “storm surge” é, em geral, fenómeno particularmente difícil de prever (confluíram nesse sentido os depoimentos das testemunhas C, D e E).
Por outro lado, como resulta do documento n.º 9 junto com os articulados de defesa (Outline of the Storm Surge Prediction Model at the Japan Meteorological Agency, da autoria de Masakazu Higaki, Hironori Hayashibara e Futoshi Nozaki, do Office of Marine Prediction, da Agência Meteorológica do Japão), as previsões de “storm surge” geradas pelo modelo de tempestade tropical paramétrico, que é o usado pelos SMG, podem ter uma certa tendência para sobrestimar o fenómeno, acontecendo, por vezes, que as previsões geradas excedem, por em mais ou menos 1 metro, aquilo que na realidade se vem a verificar, embora não se prove o alegado pelos Arguidos de que o nível da água observado nos ensaios tenha, sempre, que se reduzir pelo menos um metro de altura.
Acresce que, também em relação ao “storm surge”, a imprevisível intensificação acentuada e rápida do Hato dificultou a produção da previsão de que o nível da água poderia subir mais de um metro acima do pavimento rodoviário na zona do Porto Interior.
Contudo, o reconhecimento disto que vimos de dizer não conduz ao afastamento da responsabilidade disciplinar dos Arguidos.
Na verdade, como dissemos, as previsões geradas pelo modelo da Agência Meteorológica do Japão quando da passagem do tufão Hato apontaram sempre no mesmo sentido de que o nível da água iria sofrer uma subida significativa em resultado do “storm surge”, previsão essa que, repete-se, acabou por se concretizar. Tais previsões, independentemente das suas limitações e imperfeições, foram feitas, existiram e, como tal, algum valor teria de se lhes reconhecer. No mínimo, teriam de constituir um factor suplementar de ponderação a título cautelar por parte dos Arguidos na análise do fenómeno.
Além disso, sabia-se que a passagem do Hato poderia coincidir com a fase mais alta da maré astronómica, tal como resulta do gráfico do artigo 184.º do articulado de defesa do Arguido Fong Soi Kun e do artigo 195.º do articulado de defesa da Arguida Leong Ka Cheng e que isso levaria a um inevitável agravamento da situação. Este risco de haver uma coincidência entre o “storm surge” e o ponto mais alto da maré astronómica, que veio a concretizar-se, não podia deixar de ser levado em linha de consideração por parte dos Arguidos, com efectivos reflexos na sua concreta actuação (risco agravado pelo facto de, na altura, ser fase de lua nova, o que, consabidamente, provoca um aumento das marés, dando origem às chamadas “marés vivas”, em que a amplitude das marés relativamente ao nível médio do mar é maior do que nas chamadas “marés mortas”, associadas aos quartos crescente e minguante da lua).
Ademais, dos factos provados (vejam-se os respectivos pontos 57 e 58) decorre que os trabalhadores dos SMG da chamada linha da frente, no dia 23 de Agosto de 2017, deram nota ao Chefe da Divisão de Meteorologia de que talvez houvesse a necessidade de emitir o aviso de grau n.º 3/preto de “storm surge” e que, perante isso, a Arguida Leong, a quem aquele Chefe de Divisão colocou, por telefone, essa questão, limitou-se a dizer que mais tarde se veria consoante a situação, assim ignorando a sugestão dos seus subordinados. Houve, portanto, no seio dos próprios SMG, a colocação da questão, no mínimo em termos de possibilidade ou dubitativos, de uma eventual subida da maré justificativa da emissão do aviso de grau 3/preto. Ora, também a esse factor deveria ter sido dada uma outra relevância por parte dos Arguidos. Tanto mais que, na manhã do dia 23 de Agosto de 2017, já era patente que o Hato tinha intensidade superior à prevista, tal como resulta dos valores de velocidade do vento efectivamente registados por volta das 9.00 horas da manhã, hora a que foi içado o sinal n.º 8.
Por último, importará também salientar que, ainda que se aceite que o modelo de previsão de “storm surge” da Agência Meteorológica do Japão usado pelos SMG tem uma tendência para sobrestimar as previsões, o facto é que, por um lado, não se provou que o excesso de estimativa seja sempre de um metro ou próximo de um metro, nem, como já dissemos, que o nível da água observado no ensaio tenha de ser reduzido pelo menos um metro e, por outro lado, provou-se que, em relação ao tufão Hato, as previsões geradas pelo dito modelo apontaram, de forma consistente, para valores que ultrapassavam sempre o nível do pavimento rodoviário na zona do Porto Interior em, pelo menos, 1,45 metro, sendo que, no pior dos cenários, os valores seriam da ordem de 2 metros. Significa isto que, ainda que sobrestimassem, as previsões apontavam para um valor que poderia situar-se perigosamente perto do valor limite de um metro acima do pavimento rodoviário na zona do Porto Interior, que justifica a emissão do aviso de grau n.º 3/preto de “storm surge”.
Face às apontadas circunstâncias, crê-se que, de dirigentes zelosos colocados nas concretas circunstâncias dos Arguidos, durante a passagem do tufão Hata por Macau, se esperava que tivessem admitido a possibilidade da ocorrência de um cenário pior do que aquele que eles na realidade previram e que tivessem actuado em conformidade, seja através da emissão formal do correspondente aviso mais cedo do que o fizeram, seja alertando a protecção civil, o que não ocorreu. Diga-se que, contra este último aspecto não se pode opor, como fazem os Arguidos, nos artigos 204.º da defesa do Arguido Fong Soi Kun e no artigo 214.º da defesa da Arguida Leong Ka Cheng, que a comunicação com o exterior não era da sua competência, uma vez que, o que aqui estava em causa e se lhes exigia, como responsáveis máximos do serviço, perante uma situação de evidente crise, era que tivessem actuado do modo mais eficaz possível e independentemente de quaisquer constrangimentos procedimentais-burocráticos.
No mínimo, era legítimo expectar que os Arguidos tivessem desenvolvido uma actuação mais eficiente do que aquela que efectivamente tiveram, e da qual, eventualmente, pudesse ter resultado uma previsão também ela mais eficaz do que aquela que foi feita.
A ponderação feita pelos Arguidos da necessidade de emitir o aviso de grau 3/preto, a que os mesmos se referem no artigo 200.º da defesa do Arguido Fong Soi Kun e no artigo 210.º da defesa da Arguida Leong Ka Cheng, podia e devia ter sido feita anteriormente, num momento em que ainda pudesse ter resultado na emissão de um aviso com alguma utilidade preventiva.
Por isso se pode dizer que aquele aviso que emitiram para entrar em vigor às 11.30 horas do dia 23 de Agosto de 2017, já não foi a útil expressão de uma adequada previsão; foi, antes, a inevitável constatação de uma gravíssima situação.
Portanto, os factos provados permitem concluir que os Arguidos, no dia 23 de Agosto 2017, actuaram de forma normal e rotineira perante um fenómeno anormal e inusitado e que terão confiado excessivamente em si próprios e nas respectivas experiências pessoais/profissionais. Contudo, num contexto excepcional, difícil e muito exigente, perante um fenómeno de difícil previsão e que pode ter consequências tão devastadoras - como este, infelizmente, teve - o que se lhes exigia era uma atitude de maior humildade intelectual, sobretudo, em face dos alertas dos trabalhadores dos SMG da chamada da linha da frente, das previsões geradas pelo modelo de previsão da Agência Meteorológica do Japão e daquilo que a evolução do Hato, na manhã do dia 23 de Agosto, já permitia observar. Ainda que na dúvida, deveriam os Arguidos ter contado com a possibilidade da ocorrência do pior cenário em matéria de inundações e actuado em conformidade. É que, convém não perder de vista, em situações de risco/perigo iminente pode não haver uma segunda oportunidade para fazer uma adequada previsão.
Ao terem-se limitado a um modo reactivo de actuação, a reboque dos acontecimentos, num contexto muito crítico e que demandava uma atitude acentuadamente proactiva e antecipatória, com a mobilização de todas competências disponíveis nos SMG, os Arguidos tiveram um comportamento funcionalmente desajustado e passível de censura disciplinar, na certeza de que a subida do nível da água bem acima de um metro acabou por se verificar.
Deste modo se pode afirmar que, enquanto director e subdirectora dos SMG, aquando da passagem do tufão Hato por Macau e no que à previsão da subida do nível da água em resultado do “storm surge” diz respeito, os Arguidos não exerceram as suas funções com a eficiência que era devida e esperada, em resultado de não terem actuado com o cuidado, com a prudência e com a diligência com que o podiam e deviam ter feito.
Conclui-se, face ao exposto, que os Arguidos incorreram numa violação culposa do dever geral de zelo a que se refere o artigo 279.º, n.º 2, alínea b), e n.º 4 do ETAPM e ao qual, enquanto director e subdirectora dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos se encontravam sujeitos, por imposição do n.º 2 do artigo 1.º e do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia) e do corpo do artigo 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009 (Disposições complementares do estatuto do pessoal de direcção e chefia) e, desse modo, incorreram em responsabilidade disciplinar.
5. Medida da pena disciplinar
Demonstrado que ficou que os Arguidos praticaram a infracção disciplinar assinalada, resta determinar a pena disciplinar concretamente aplicável.
Disse-se na acusação que a as infracções praticadas pelos Arguidos eram puníveis com a pena de suspensão entre 120 e 240 dias.
Vejamos.
Preceitua-se no n.º 1 do artigo 314.º do ETAPM que a pena de suspensão será aplicável aos casos que revelem culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.
Por outro lado, de acordo com o artigo 313.º, n.º 1 do ETAPM, a pena de multa será aplicável a casos de negligência e de má compreensão dos deveres funcionais.
Temos, portanto, que, embora de forma tecnicamente pouco perfeita, o legislador aponta para uma distinção entre situações de culpa leve, às quais será aplicável a pena de multa, e situações de culpa grave, sancionáveis com a pena de suspensão.
De acordo com a boa doutrina, a distinção entre culpa leve e culpa grave deve fazer-se do seguinte modo: se à luz dos critérios de um "bom pai de família", o desvalor da conduta se revelar dificilmente tolerável para um empregador normal, a culpa deve qualificar-se de grave, irrelevando o carácter consciente ou inconsciente da negligência. Sempre que, à luz dos mesmos critérios, aquele desvalor for tolerável em termos das exigências que impendem sobre o trabalhador, está legitimada a possibilidade de haver lugar à aplicação da pena de multa (neste sentido, Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, 2.ª edição, p. 145).
No caso, parece evidente que a actuação dos Arguidos relativamente ao fenómeno do “storm surge” e antes descrita é reveladora de culpa grave e não de mera negligência. Na verdade, perante e apesar dos dados e informações de que dispunham, os Arguidos mantiveram o aviso de tempestade tropical de grau 2/vermelho, deixando a situação arrastar-se até ao momento em que o nível da água realmente verificado já atingia o nível justificativo do aviso de grau 3/preto, impedindo assim um eficaz efeito de alerta em matéria de inundações. Considerando todos os factores que antes referimos, esta atitude passiva e ineficiente dos Arguidos não pode merecer tolerância. E por isso se pode dizer que actuaram com culpa grave.
De acordo com o disposto no artigo 314.º, n.º 1 do ETAPM, a pena de suspensão será aplicável aos casos que revelem culpa grave, sendo que, não cabendo a situação nas alíneas a) a f), como sucede in casu, a pena disciplinar aplicável é a de suspensão de 121 a 240 dias, tal como decorre do n.º 3 do artigo 314.º do ETAPM.
Contudo, relativamente à Arguida Leong Ka Cheng, entendo que nada obsta à atenuação especial da pena face à especial relevância das circunstâncias atenuantes que se provam no processo: a prestação de mais de 10 anos de serviços classificados de "Bom" e de "Muito Bom" e a falta de intenção dolosa (artigo 282.º, alíneas a) e g) e 316.º, n.º 2 do ETAPM). Por isso, considero que a pena a aplicar se deve situar em escalão inferior, ou seja, de 10 a 120 dias de suspensão.
A pena qraduar-se-é de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram, atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade, tal como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 316.º do ETAPM.
No caso, há que ponderar o grau de culpa dos Arguidos e bem assim a circunstância de os mesmos nunca terem sofrido quaisquer sanções disciplinares; as respectivas personalidades; as diferentes responsabilidades dos cargos em que cada um estava investido; as suas classificações de serviço e avaliações de desempenho.
Tudo visto, considera-se adequada, proporcional e justa a aplicação ao Arguido Fong Soi Kun de uma pena disciplinar de 180 dias de suspensão e a aplicação à Arguida Leong Ka Cheng de uma pena disciplinar de 60 de suspensão, sendo que, no caso arguido Fong Soi Kun, uma vez que se encontra aposentado, a pena de suspensão deverá ser substituída pela perda de pensão por igual tempo, face ao disposto no artigo 306.º, n.º 1 do ETAPM.
6. Conclusão
Pelo exposto, nos termos e com os fundamentos que antecedem, formulam-se as seguintes propostas:
a) A aplicação ao Arguido Fong Soi Kun da pena disciplinar de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão, substituída pela perda de pensão por igual período de tempo)
b) A aplicação à Arguido Leong Ka Chang da pena disciplinar de 60 (sessenta) dias de suspensão.
Com o presente relatório, remetam-se os autos a Sua Excelência o Chefe do Executivo...”.
3. Em 11 de Abril de 2018, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“…
Por despacho de 9 de Novembro de 2017, ordenei instaurar processo disciplinar do então Director Fong Soi Kun e da então Subdirectora Leong Ka Cheng dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (adiante designado por “SMG”).
Nos termos do art.º 337.º n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (adiante designado por “Estatuto”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, o instrutor nomeado por mim elaborou a informação final e propôs aplicar ao arguido Fong Soi Kun a pena de suspensão pelo período de 180 dias e à arguida Leong Ka Cheng a pena de suspensão pelo período de 60 dias.
A referida informação já foi entregue a mim nos termos da lei, agora cumpre decidir nos termos do art.º 338.º do Estatuto.
Concordo com o teor e os fundamentos fácticos e jurídicos constantes da informação elaborada pelo instrutor, mas não concordo com a sanção disciplinar proposta, por motivos seguintes:
Sobre o arguido Fong Soi Kun: nos termos do art.º 316.º n.º 2 do Estatuto, ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo, poderá ser especialmente atenuada ou agravada a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia.
No caso, há a circunstância agravante prevista pelo art.º 283.º n.º 1 alínea j) do Estatuto – a responsabilidade do cargo exercido – uma vez que o arguido Fong Soi Kun era o Director dos SMG.
No caso, a referida circunstância agravante tem valor especial para o arguido Fong Soi Kun, pelo que a pena deve ser especialmente agravada. De facto, se todos os funcionários dos SGM tivessem a responsabilidade de avaliar correctamente a evolução do tufão Hato e todos os dados sobre esse fenómeno, em 23 de Agosto de 2017, quando o tufão causava vítimas e perda dos bens, o arguido Fong Soi Kun, como o director supremo dos SMG, devia cumprir as funções mais diligente, eficiente e dedicadamente, mas obviamente ele não fez assim. Tendo em conta o cargo do arguido e as responsabilidades que devia assumir, a censura disciplinar deve ser mais severa do que as gerais.
Deste modo, a pena a aplicar ao arguido Fong Soi Kun deve ser especialmente agravada nos termos do art.º 316.º n.º 2 do Estatuto, deve ser mais severa em comparação com a pena de suspensão de 121 a 240 dias, proposta pelo instrutor. Tendo em conta a gravidade da infracção do arguido Fong Soi Kun, se ainda estivesse em exercício, provavelmente se consideraria inviabilizada a manutenção da sua situação jurídico-funcional e se aplicaria a pena de demissão nos termos do art.º 315.º n.º 1 do Estatuto; porém, já está aposentado, é-lhe aplicada a pena de suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos.
Sobre a arguida Leong Ka Cheng: mostra-se infundamentada a circunstância atenuante na informação, uma vez que tal circunstância não exerce função especial para atenuar a pena no caso efectivo. Deve-se aplicar a pena de suspensão pelo período de 121 a 240 dias. Tendo em conta ao grau de negligência e a personalidade da arguida, a inexistência do registo de infracção e a classificação dos seus serviços, é de aplicar a pena de suspensão de 130 dias.
Pelo exposto, de acordo com o teor e os fundamentos fácticos e jurídicos constantes da informação final do instrutor e conforme os motivos acima descritos, decido:
Aplicar ao arguido Fong Soi Kun a pena de demissão, ponderando que ele já está aposentado, é-lhe aplicada a pena de suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos.
Aplicar à arguida Leong Ka Cheng a pena de suspensão pelo período de 130 dias.
Notifique.
Notifique o Secretário para os Transportes e Obras Públicas e o Fundo de Pensões…”.
4. O aviso de “storm surge” - Grau 2/vermelho foi emitido às 21 horas do dia 22 de Agosto e repetido às 3 horas do dia 23 de Agosto, e entrou em vigor às 8:00h do dia 23 de Agosto de 2017.
5. Às 8:00h do dia 23 de Agosto ainda não se registava qualquer inundação.
6. Quando foi emitido o primeiro aviso de “storm surge”, e bem assim os avisos subsequentes, todos foram devidamente comunicados ao Centro de Operações de Protecção Civil e às demais entidades públicas e privadas, através das vias de comunicações existentes, incluindo o responsável de contacto dos SMG com o responsável de contacto do Centro de Operações de Protecção Civil.
7. A decisão de alterar o aviso de “storm surge” para grau 3/preto foi tomada logo após as 11:00 horas, depois de ter analisado os dados recolhidos entre as 10:00 e as 11 horas do dia 23 de Agosto.
8. Esta decisão foi comunicada, de imediato, ao Centro de Operações de Protecção Civil e às demais entidades públicas e privadas através das vias de comunicações existentes, incluindo o responsável de contacto dos SMG com o responsável de contacto do Centro de Operações de Protecção Civil.
9. Em todos os avisos se mencionou que se previa que o nível da água continuasse a subir.
10. Os SMG, então dirigidos pelo Recorrente, emitiram 9 boletins de alerta de “storm surge”.

3. Direito
O Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar procedente o recurso contencioso apresentado por Fong Soi Kun (ora recorrido), por entender que o acto administrativo proferido pelo Sr. Chefe do Executivo da RAEM (recorrente) que lhe havia aplicado a pena de demissão, substituída pela suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos, enfermava dos vícios de violação do princípio do contraditório, do art.º 315.º n.º 1 do ETAPM, do princípio “non bis in idem” e do princípio da proporcionalidade.
Não se conformando com a decisão, vem o recorrente apresentar recurso jurisdicional para o TUI, alegando em síntese que:
- O acto punitivo não violou o princípio do contraditório e o Tribunal a quo interpretou indevidamente a norma contida no n.º 1 do art.º 298.º do ETAPM e não aplicou, como devia, a norma do n.º 3 do art.º 332.º do ETAPM;
- O Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos art.ºs 315.º n.º 1 e 316.º n.º 2 do ETAPM;
- O Tribunal a quo procedeu a uma aplicação errónea do princípio “non bis in idem” porque o tipo de ilícito disciplinar em causa não reflectia a responsabilidade do cargo exercido, sendo por isso legal a sua valoração enquanto circunstância agravante; e
- Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei judicialmente sindicável, o que não se verifica no presente caso, sendo assim violadas as normas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 316.º do ETAPM e da al. d) do n.º 1 do art.º 21.º do CPAC.
O recorrido pugnou pela manutenção do decidido.

3.1. Do princípio do contraditório
Na tese do ora recorrente, a aplicação na decisão final do processo disciplinar da pena mais elevada do que a proposta pelo instrutor, sem a audiência prévia do recorrido, não implica a nulidade a que se refere o n.º 1 do art.º 298.º do ETAPM, tendo na sua base o disposto no n.º 3 do art.º 332.º do mesmo diploma, e o recorrido teve a possibilidade de exercer o seu direito de defesa em relação a todos os factos, circunstâncias e qualificações jurídicas constantes da acusação, incluindo a circunstância agravante mencionada expressamente na acusação que justificou a agravação especial da pena, sendo efectivamente exercido o contraditório.
Alega ainda o recorrente que o TSI não observou que o agravamento não resultou de um diverso enquadramento dos factos, mas antes e apenas da consideração de uma das agravantes mencionadas expressamente na acusação: a da responsabilidade do cargo exercido pelo ora recorrido – o de Director dos SMG.
No fundo, para o recorrente, a aplicação de pena de escalão superior àquela que constava da acusação resultou, não de diversa qualificação jurídica dos factos efectuada pela entidade decisora, mas sim da agravação especial operada nos termos do art.º 316.º, n.º 2 do ETAPM, circunstância agravante já constante da acusação sobre a qual o recorrido teve oportunidade de se pronunciar, que podia ser considerada pela entidade decisora a coberto do art.º 332.º, n.º 3 do ETAPM.
Vejamos.
Ora, é verdade que, ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo disciplinar, a entidade decisora tem a faculdade de atenuar ou agravar especialmente a pena disciplinar (n.º 2 do art.º 316.º), podendo considerar circunstâncias agravantes que tenham sido incluídas na acusação (n.º 3 do art.º 332.º, a contrario).
No entanto, sem intenção de olvidar as disposições legais invocadas pelo recorrente, afigura-se-nos que é a outra questão a violação ou não do princípio do contraditório, discutida nos presentes autos.
Constata-se na acusação deduzida contra o ora recorrido a circunstância agravante indicada pela entidade decisora para justificar a agravação especial da pena disciplinar, podendo o recorrido pronunciar-se sobre tal circunstância.
Será que se pode dizer o mesmo em relação à agravação da pena disciplinar? Ou seja, pergunte-se se o recorrido teve possibilidade de se pronunciar sobra a aplicação da pena mais grave e, se for caso negativa, se é essencial o cumprimento do princípio do contraditório?
Nos termos do art.º 332.º n.º 2, al.s b), d) e e) do ETAPM, na acusação deduzida pelo instrutor deve conter a descrição dos actos cuja prática é imputada ao arguido e que integram a violação dos deveres infringidos, indicando o lugar, o tempo, a motivação para a respectiva prática, o grau de participação que o arguido teve e “quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes relevantes para determinar a pena aplicável”, a indicação da disposição ou das disposições legais infringidas pela prática de cada um dos actos articulados bem como “a indicação da pena ou penas aplicáveis a cada uma das infracções imputadas ao arguido”, para além dos outros elementos necessários.
Daí que a lei exige não só a inclusão na acusação de circunstâncias agravantes ou atenuantes relevantes mas também a indicação da pena ou penas aplicáveis, precisamente para que o arguido possa exercer o contraditório, reagindo contra a imputação disciplinar que lhe foi feita bem como a pena aplicável, pois a lei manda a notificação dessa acusação ao arguido, que normalmente tem um prazo de 10 a 20 dias para apresentar a sua defesa escrita, podendo juntar documentos, indicar o rol de testemunhas e requerer as diligências de prova, conforme o estipulado nos art.ºs 333.º e 334.º do ETAPM.
Conforme refere Manuel Leal-Henriques, “para se poder defender tem o arguido de saber do que é que vem acusado”, sendo certo que a acusação deve conter várias indicações, entre as quais a “medida aplicável” aos factos, porque “(…) é ela que vai formatar o expediente, estabelecendo-lhe as balizas para o futuro, na medida em que será dentro do conteúdo dessa mesma acusação que a defesa se irá pronunciar e que a decisão final se há-de conter”.1
E “A acusação terá de conter a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infracção, considerando as circunstâncias atenuantes e agravantes, acrescentando a referência aos preceitos legais respectivos e às sanções disciplinares aplicáveis. Em síntese, a acusação tem de proceder a uma apresentação individualizada e circunstanciada da factualidade, com a sua respectiva subsunção normativa (apontando aos preceitos violados e a sua consequência sancionatória).”2 (o sublinhado é nosso)
No mesmo sentido, Paulo Veiga e Moura defende que “Para além de enunciar a factologia que se imputa ao arguido, a acusação terá que proceder ao seu enquadramento jurídico, indicando o preceito legal que legitima a punição e as circunstâncias atenuantes e agravantes que eventualmente ocorram, terminando por enunciar a pena que se considera ser de aplicar. Não obstante a omissão de qualquer um dos elementos descritos no n.º 3 envolver uma nulidade da acusação, consideramos que só a ausência ou obscuridade da imputação factual e da pena em que incorre o arguido constituirá nulidade insuprível, integrando a falta de enunciação dos preceitos legais punitivos e das circunstâncias agravantes uma nulidade que se considerará suprida se não for objecto de reclamação até ao final do procedimento (a falta de indicação das agravantes na acusação pode ser suprida na decisão final – v. n.º 5 do art. 55.º).”3 (o sublinhado é nosso)
No presente caso, não está em causa a falta de indicação da pena aplicável na acusação, mas sim a aplicação duma pena mais grave, ou seja, agravação da pena disciplinar devidamente indicada na acusação.
Não se encontra no ETAPM qualquer regulamentação própria para resolver a questão ora em causa, daí que se deve procurar a resposta nas normas penais, pois o art.º 277.º do ETAPM manda aplicar-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor, com as devidas adaptações.
Sobre a questão semelhante, a da alteração da qualificação jurídica operada na acusação do processo disciplinar, particularmente no que diz respeito à alteração da pena aplicável, este Tribunal de Última Instância teve já a oportunidade de emitir pronúncia, tendo considerado que “não é sustentável que dada a omissão o tribunal seja livre na alteração da qualificação jurídica, mormente para infracção mais grave. (…) Nem se diga que o arguido se defende fundamentalmente de factos e não de qualificações jurídicas.”, e como tal, “À alteração da qualificação jurídica aplicar-se-á, portanto, por analogia, o disposto no n.º 1, do art. 339.º do Código de Processo Penal.”.
Notou ainda o TUI que “de acordo com o disposto no art. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Esta norma deve considerar-se aplicável em processo disciplinar, por via da dupla subsidiariedade do processo civil relativamente ao processo penal (art. 4.º do Código de Processo Penal) e deste relativamente ao processo disciplinar, nos termos já atrás descritos e a que também nos referimos no acórdão de 16.2.2000.”
Vindo assim a concluir, no sumário, que:
“I – A questão da alteração da qualificação jurídica da acusação para a sentença, em processo penal, não está regulada expressamente no Código de Processo Penal.
II – À alteração da qualificação jurídica deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1, do art.º 339.º do Código de Processo Penal, devendo o juiz comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
III – Quando a alteração implicar a aplicação de penalidade mais elevada o juiz tem sempre de observar o contraditório.
IV – Nas hipóteses de a alteração implicar a aplicação de penalidade igual ou inferior à que constava da acusação, em regra, será necessário proceder à comunicação da alteração ao arguido, visto que a estratégia de defesa estruturada para determinada configuração jurídica, não valerá para outra, mesmo que para infracção menos grave.
V – Não será de proceder à comunicação quando a alteração da qualificação jurídica é para uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação, ou seja, de um modo geral, sempre que entre o crime da acusação ou da pronúncia e o da condenação há uma relação de especialidade ou de consunção e a convolação é efectuada para o crime menos gravoso.
(…)
VIII – A doutrina mencionada em I, II, III, IV e V aplica-se, com as necessárias adaptações, em processo disciplinar.
IX – A não audição do arguido, em processo disciplinar, antes da decisão final, sobre diversa qualificação jurídica de dever infringido, da que constava na acusação, inquina o processo de nulidade insuprível da falta de audiência do arguido, a que se refere o art.º 298.º, n.º 1, do ETAPM.”4 (o sublinhado é nosso)
Foi no mesmo sentido o acórdão do TUI de 23 de Abril de 2003, proferido no Processo n.º 6/2003, considerando-se que à alteração da qualificação jurídica deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 1 do art.º 339.º do CPP, devendo o juiz comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa e, quando a alteração implicar a aplicação de penalidade mais elevada, o juiz tem sempre de observar o contraditório, doutrina esta que se aplica, com as necessárias adaptações, em processo disciplinar.
E em conclusão, entende-se que à alteração da qualificação jurídica na pena aplicável, da acusação para a decisão, em processo disciplinar, aplica-se, por analogia, o disposto no n.º 1, do art.º 339.º do CPP.
Voltando ao caso ora em apreciação, afigura-se-nos que se deve manter a mesma posição.
Salienta a entidade recorrente que o recorrido já teve a possibilidade de exercer o seu direito de defesa em relação a todos os factos, circunstâncias e qualificações jurídicas constantes da acusação, incluindo a circunstância agravante mencionada expressamente na acusação, que justificou a agravação especial da pena.
Note-se, no entanto, que a questão da violação do princípio do contraditório não se coloca no presente processo por conta da inclusão ou exclusão de circunstâncias agravantes da acusação nem por conta da indicação da pena aplicável na acusação (al.s b) e e) do n.º 2 do art.º 332.º do ETAPM), mas antes por conta da aplicação na decisão final do processo disciplinar de uma pena mais gravosa que não constava do despacho acusatório (nem tão-pouco do relatório do instrutor proferido nos termos do art.º 337.º do ETAPM), sem que tal alteração tenha sido notificada ao ora recorrido para poder pronunciar-se sobre a aplicação da nova pena.
Assim sendo, é de considerar irrelevante a invocação do disposto no n.º 3 do art.º 332.º do ETAPM que é, segundo a entidade recorrente, a base legal para aplicar a pena mais elevada.
Ora, constata-se na acusação deduzida que “a pena abstractamente aplicável é a de suspensão de 121 a 240 dias” (artigo 94.º), enquanto no relatório foi proposta a aplicação de uma pena disciplinar de 180 dias de suspensão, substituída pela perda de pensão por igual período de tempo.
Na decisão final foi aplicada ao ora recorrido uma pena de demissão, substituída por suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos, nos termos do art.º 306.º, n.º 3 do ETAPM, porque o recorrido já se encontrava aposentado.
E dos autos não decorre que ao recorrido foi dado conhecimento de alteração da pena potencialmente aplicável, a fim de o recorrido ter oportunidade para se pronunciar sobre a aplicação da pena mais gravosa, daí que se pode dizer que o recorrido acabou por ser punido com uma pena com que não estava a contar nem muito menos teve oportunidade de defender-se.
Nestes termos, e no seguimento das considerações tecidas e da posição tomada pelo TUI nos acórdãos acima citados, afigura-se-nos que a falta de notificação em causa implica a nulidade insuprível da falta de audiência do arguido, a que se refere o art.º 298.º, n.º 1 do ETAPM.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.2. Do Princípio do “non bis in idem”
O Tribunal ora recorrido entendeu que o cargo de direcção não poderia ser tido como circunstância agravante uma vez que o mesmo já havia sido considerado no âmbito da infracção, sendo elemento componente desta, enquanto violação do dever de zelo previsto na Lei n.º 15/2009 (“Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia”).
Na tese da entidade recorrente, o Tribunal a quo procedeu a uma aplicação errónea do princípio “non bis in idem” porque o tipo de ilícito disciplinar em causa não reflectia a responsabilidade do cargo exercido pelo recorrido, que foi apenas considerada como circunstância agravante, não fazendo parte do tipo de ilícito disciplinar em causa, até porque o mesmo tem natureza genérica e não se enquadra em nenhuma das diversas alíneas que constituem os artigos 313.º a 315.º do ETAPM nem em nenhuma norma especial que estipule um dever funcional específico.
Afigura-se-nos assistir razão à entidade recorrente.
Ora, ao recorrido foi imputada a violação culposa do dever geral de zelo a que se refere o art.º 279.º n.º 2, al. b), e n.º 4 do ETAPM, por imposição do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia) e do corpo do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009 (Disposições complementares do estatuto do pessoal de direcção e chefia).
Ao comando do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 15/2009, “o pessoal de direcção e chefia está sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública da RAEM, bem como aos deveres específicos inerentes às respectivas funções, sem prejuízo das derrogações e especialidades decorrentes do seu estatuto próprio”.
E para além dos deveres específicos aí expressamente previstos, o corpo do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009 estabelece também que “o pessoal de direcção e chefia está sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública”.
Por outro lado, dispõe o art.º 279.º do ETAPM que “Os funcionários e agentes, no exercício da função pública, estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo exercer a sua actividade sob forma digna, contribuindo assim para o prestígio da Administração Pública”, sendo um dos seus deveres gerais o dever de zelo, que “consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho” (art.º 279.º n.º 1, n.º 2, al. b) e n.º 4 do ETAPM).
É este o tipo de ilícito disciplinar em causa.
E no que concerne à circunstância agravante tomada em consideração, a mesma encontra-se prevista na al. j) do n.º 1 do art.º 283.º do ETAPM, que se refere à “responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor”, sendo que segundo Manuel Leal-Henriques5, tal agravação encontra justificação no facto de “quanto mais categorizado for o agente ou mais elevado o seu nível de apetrechamento cultural e técnico, maiores obrigações lhe cabem no desempenho do seu cargo e consequentemente maiores exigências lhe deverão ser feitas na avaliação da sua responsabilidade disciplinar.”
Sobre a questão do princípio “non bis in idem” e precisamente tocante à circunstância agravante ora em questão, o TUI chegou a emitir pronúncia, tendo consignado no seu acórdão proferido no Processo n.º 22/2006, de 13 de Setembro de 2006, o seguinte6:
«No acto administrativo foi considerada como circunstância agravante a prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM (“A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor”), tendo-se dado como provado que o arguido tem formação superior em Direito e é advogado.
Ora, acontece que só se pode ser notário privado sendo licenciado em Direito e sendo advogado (artigo 1.º do Estatuto dos Notários Privados aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/99/M, de 1.11).
Assim, nos tipos disciplinares aplicáveis aos notários privados e nas respectivas sanções disciplinares, o legislador já levou em conta aquela formação académica e o facto de os notários terem de ser advogados.
Deste modo, o acto punitivo não podia ter considerado a mencionada circunstância agravante, por ela já ter sido considerada nas penalidades previstas na lei, por a isso se opor o princípio da proibição da dupla valoração, ou princípio do non bis in idem, constante do n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal7 - aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 277.º do ETAPM - nos termos do qual, na determinação da medida da pena o tribunal só pode atender às circunstâncias que não fizerem parte do tipo de crime.
Como explica J. FIGUEIREDO DIAS8 “o princípio tem uma justificação quase evidente: não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo-de-ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena”.»
E no seu acórdão proferido no Processo n.º 23/2011, de 10 de Junho de 2011, diz o TUI o seguinte:
“O princípio da proibição da dupla valoração, ou princípio do non bis in idem não permite considerar a existência de circunstância agravante (produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço publico) quando esta circunstância já faz parte do tipo de ilícito disciplinar em causa.
Ora, atendendo a que a arguida foi punida pela prática de duas infracções disciplinares previstas e puníveis pelo artigo 315.º, n.º 2, alínea n) do ETAPM, por, com intenção de obter para si e para terceiro benefício ilícito, faltar aos deveres do seu cargo, lesando os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhe cumpria administrar, fiscalizar, defender ou realizar, temos que a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço publico já faz parte do tipo de ilícito disciplinar.
Logo, verificou-se dupla valoração da mesma circunstância, o que, por si só, constitui fundamento para anulação do acto administrativo.”
Voltando ao nosso caso concreto, o que se releva é saber se a circunstância agravante em causa já faz parte do tipo de ilícito disciplinar imputado ao infractor.
É de salientar que no relatório final elaborado pelo Instrutor se conclui que o recorrido incorreu na violação culposa do dever geral de zelo a que se refere o art.º 279.º n.º 2, al. b) e n.º 4 do ETAPM e ao qual, enquanto director dos SMG se encontrava sujeito, por imposição do n.º 2 do art.º 1.º e do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 e do corpo do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009, imputação esta que merece a concordância do Chefe do Executivo.
Fica assim muito clara a imputação da violação do dever geral de zelo previsto no ETAPM.
É de dizer que decorre da disposição no art.º 11.º n.º 1 da Lei n.º 15/2009 e no art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009 que, para além dos deveres específicos, o pessoal de direcção e chefia está também sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública da RAEM, sendo certo que os Director dos Serviços não deixam de estarem obrigados ao cumprimento daqueles deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública.
Como se sabe, os deveres gerais (incluindo o de zelo) impendem sobre todos os funcionários públicos, independentemente de ser ou não chefias, daí que não se vislumbra como e em que medida é que o cargo exercido pelo recorrido, enquanto director dos SMG, faz parte do tipo de ilícito disciplinar9 constante da al. b) do n.º 2 do art.º 279.º do ETAPM.
Assim sendo, não se vê qualquer violação da proibição de dupla valoração, podendo a Administração considerar o cargo de responsabilidade exercido pelo recorrido como uma circunstância agravante e sendo por isso legal a sua valoração.

3.3. Da violação do art.º 315.º n.º 1 do ETAPM e do princípio da proporcionalidade
O Chefe do Executivo decidiu aplicar ao ora recorrido “a pena de demissão, ponderando que ele já está aposentado, é-lhe aplicada a pena de suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos”.
Na tese do acórdão recorrido, a pena de suspensão de abono pelo período de 4 anos é apenas uma pena substitutiva da pena de demissão, não podendo ser aplicada directamente, pois a sua aplicação pressupõe a punição do infractor pela pena de demissão. Daí que se torna necessária, tal como se fala no n.º 1 do art.º 315.º do ETAPM, a averiguação e a ponderação sobre a inviabilização ou não da situação jurídica-funcional, o que não foi feito, pelo que a decisão punitiva viola a norma em causa e deve ser anulada, posição esta que também foi sustentada pelo recorrido.
Por sua vez, vem a entidade recorrente defender que a sua decisão está validada pelo disposto no art.º 316.º n.º 2 do ETAPM.
Discutindo ainda a violação, ou não, do princípio da proporcionalidade, alega o recorrente que o acto administrativo contenciosamente impugnado não enferma de qualquer violação desse princípio e, em qualquer caso, só o erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário permitiriam ao Tribunal censurar a decisão tomada pela Administração quanto à pena disciplinar concretamente aplicada, enquanto o recorrido defende a desproporcionalidade da pena agravada.
Vejamos.
Desde logo, é de salientar que não foi posta em causa a natureza substitutiva da pena de suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos relativamente à pena de demissão, sendo que conforme a disposição no n.º 3 do art.º 306.º do ETAPM, que prevê “Penas aplicáveis a aposentados”, a pena de demissão determina a suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos.
Por outras palavras, a pena de suspensão do abono da pensão é aplicada a aposentados que devem ser punidos com a pena de demissão.
Assim sendo, está em causa o preenchimento, ou não, dos pressupostos da aplicação da pena de demissão.
Nos termos do n.º 1 do art.º 315.º do ETAPM, “as penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional”.
E dispõe o n.º 2 do art.º 316.º que, “ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo, poderá ser especialmente atenuada ou agravada a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia”.
Como se sabe, a inviabilização da manutenção da relação funcional, como um conceito indeterminado, é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova.
Tem-se entendido que o preenchimento dessa cláusula constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose assentes na factualidade apurada, a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão, sem deixar de se vincular aos princípios fundamentais do Direito Administrativo, nomeadamente os da justiça e da proporcionalidade.10
E “a conclusão da inviabilização da manutenção da relação funcional deve ser tirada pela Administração em todos os casos em que enquadre a conduta do arguido numa daquelas punidas com as penas de demissão ou aposentação compulsiva, a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão”.
No presente caso, constata-se na decisão final que “a pena a aplicar ao arguido Fong Soi Kun deve ser especialmente agravada nos termos do art.º 316.º n.º 2 do Estatuto, deve ser mais severa em comparação com a pena de suspensão de 121 a 240 dias, proposta pelo instrutor. Tendo em conta a gravidade da infracção do arguido Fong Soi Kun, se ainda estivesse em exercício, provavelmente se consideraria inviabilizada a manutenção da sua situação jurídico-funcional e se aplicaria a pena de demissão nos termos do art.º 315.º 1 do Estatuto”. (o sublinhado é nosso)
Não se pode deixar de notar que, não obstante a menção sobre a cláusula geral em causa, certo é que a inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional foi referida apenas com probabilidade, em simples passagem que, tendo em conta a gravidade da infracção do recorrido, “provavelmente se consideraria” inviabilizada a manutenção da relação funcional.
Daí que se permite dizer que a entidade recorrente não chegou efectivamente a efectuar e concluir o juízo de prognose exigido por lei para efeito de preenchimento da cláusula geral relativa à inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional.
Por outro lado, da leitura das alegações por si apresentadas decorre que a entidade recorrente defendeu a desnecessidade de fazer a respectiva averiguação, face ao disposto no art.º 316.º n.º 2 do ETAPM (artigos 69.º a 72.º das alegações de recurso), sustentando que a pena aplicada seria antes uma consequência do agravamento legalmente imposto.
Salvo o muito respeito por opinião diversa, entendemos que, mesmo no caso previsto no n.º 2 do art.º 316.º, segundo o qual se pode aplicar uma pena de escalão superior, aplicando a pena de demissão (no presente caso, substituída pela pena da suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos), não fica a Administração isenta de proceder ao juízo de prognose quanto à inviabilidade de manutenção da relação jurídico-funcional, pois só assim se tem “sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico” conforme decorre do artigo 8.º, n.º 1, do Código Civil.
É que se é necessário efectuar o referido juízo de prognose quanto à “inviabilidade da manutenção da situação jurídico-funcional” para a aplicação “directa” da pena de demissão, tanto mais deverá valer para o caso de se pretender aplicar tal pena de demissão por conta do “especial valor” de uma circunstância agravante que determine a aplicação de uma pena “especialmente agravada”.
Convém citar aqui o entendimento exposto pelo TUI no Processo n.º 69/2012, em que ao infractor foi aplicada a pena de demissão, a título de pena única, resultante do cúmulo jurídico das 8 penas de suspensão e 1 pena de multa, tendo o Tribunal considerado que “Não se afigura nem injusta, nem desproporcionada a pena de demissão, designadamente, atendendo ao número de infracções e às penas aplicadas a estas, nem é de censurar a conclusão de que a conduta da recorrente inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional estabelecida entre a Administração e a recorrente, já que o preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão”.
Da respectiva fundamentação desse acórdão resulta que, não obstante a aplicação da pena de demissão ao abrigo do n.º 2 do art.º 316.º, foi ainda efectuado e apreciado o juízo quanto à inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional, que funciona, como se refere, como cláusula geral para a aplicação da pena de demissão.
Por outro lado, dispõe n.º 5 do art.º 316.º que “a decisão punitiva deve referir expressamente os fundamentos de facto e de direito da pena aplicada”, o que impõe também à Administração a obrigação de fundamentar a sua decisão (de demissão), formulando o juízo de prognose sobre o preenchimento da referida cláusula geral em causa.
Pelo exposto, verifica-se o vício de violação de lei, pois não foi cumprido o disposto no art.º 315.º n.º 1 do ETAPM.
Improcede o recurso, nesta parte.

Finalmente e no que respeita à violação do princípio da proporcionalidade, invocada pelo recorrente, afigura-se-nos que carece de utilidade a sua apreciação, uma vez que não foi cumprido o disposto no art.º 315.º n.º 1 do ETAPM.
Fica assim prejudicado o conhecimento da questão suscitada.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.

Macau, 3 de Março de 2021
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Ma Iek

1 Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, pág. 238 e 239.
2 Vasco Cavaleiro, o Poder Disciplinar e as Garantias de Defesa do Trabalhador em Funções Públicas, 2018, págs. 128 e 129.
3 Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2.ª Edição, pág. 241.
4 Cfr. Ac. do TUI, de 18 de Julho de 2001, Proc. n.º 8/2001.
5 Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, pág. 148.
6 Cfr. também o acórdão do TUI, proferido no Proc. n.º 24/2006, de 25 de Setembro de 2007.
7 Sobre o princípio, cfr. J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 234 e segs. e GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1999, p. 135 e 136.
8 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito..., p. 234.
9 Até porque, em grande medida, “A infracção disciplinar ‘assume-se (…) como uma infracção atípica’” (Vasco Cavaleiro, O Poder Disciplinar e as Garantias de Defesa do Trabalhador em Funções Públicas, pág. 40, citando Paulo Veiga Moura e Cátia Arrimar em Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pág. 541). No mesmo sentido, embora sem o afirmar expressamente, Manuel Leal-Henriques (Manual de Direito Disciplinar, págs. 112 a 116).
10 Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 15 de Outubro de 2003, Proc. nº 26/2003 e de 29 de Junho de 2005, Proc. nº 15/2005, de 28 de Julho de 2004, Proc. n.° 22/2004 e de 15 de Dezembro de 2010, Proc. n.° 28/2010, entre outros.
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12
Processo n.º 77/2019