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Processo nº 1107/2020
Data do Acórdão: 04FEV2021


Assuntos:

Divórcio por mútuo consentimento
Dissolução do casamento não registado
Casamentos segundo os usos e costumes chineses
Obrigatoriedade da inscrição dos casamentos
Validade dos casamentos não registados
Efeitos civis dos casamentos perante terceiros
Formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem


SUMÁRIO

1. Nos termos do disposto tanto no artº 2º da Lei nº 11/82/M, como no artº 179º do Código de 1983, os casamentos celebrados em Macau entre contraentes de nacionalidade exclusivamente chinesa, segundo os respectivos usos e costumes, são válidos, mas só produzem efeitos em relação a terceiros após a sua inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil.

2. O que quer dizer que a lei então vigente, não sancionava a inobservância da regra que impõe a obrigatoriedade da inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil com a invalidade do casamento, mas sim se limita a fazer subordinar ao suprimento no futuro da omissão da inscrição obrigatória a produção dos seus efeitos perante terceiros.

3. Os casamentos celebrados segundo os usos e costumes chineses, já celebrados antes da entrada do Código do Registo Civil, aprovado pela Lei nº 14/87/M, enquanto não tiverem sido tardiamente registados através da inscrição nos livros da conservatória do registo civil competente, nos termos prescritos pelo disposto, sucessivamente, no artº 2º da Lei nº 11/82/M, no artº 202º e s.s. do Código do Registo Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 61/83/M, no artº 6º da Lei nº 14/87/M, e no artº 5º do Decreto-Lei nº 59/99/M, podem ser judicialmente invocados em acção de divórcio entre os contraentes e provados por qualquer meio de prova sujeito à livre apreciação.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 1107/2020


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de acção de processo especial de divórcio por mútuo consentimento, registada sob o nº FM1-20-0371-CPE, que correm os seus termos no Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, requerida por A e B, foi proferido pelo Juiz titular do processo o seguinte despacho de indeferimento liminar:
  本案中,兩名聲請人向法庭提交兩願離婚之聲請。
  為此,法庭通知兩名聲請人於10天期間內,向本法庭提交證明雙方已按照《民事登記法典》序言法第5條之規定,於民事登記局辦理按中國風俗習慣所締結之婚姻登記之婚姻證明。
  兩名聲請人指出其沒有按照《民事登記法典》序言法第5條之規定,於民事登記局辦理按中國風俗習慣所締結之婚姻登記,其認為即使其沒有辦理相關登記,相關婚姻亦屬有效,只是不對第三人產生效力,故其認為可透過本兩願離婚程序以解銷二人之婚姻關係。
  然而,法庭認為,著離婚之效力,相關登記屬強制性,以及通知兩名聲請人於10日期間內,聲明其會否辦理上述所指之登記手續,否則,法庭將駁回相關聲請(見卷宗第28頁和第29頁)。
  兩名聲請人沒有在期間內發表任何意見。
*
  根據《民事登記法典》第1條之規定:
「一、在本地區發生之下列事實應列作澳門之民事登記範圍:
a) 出生;
b) 親子關係;
c) 收養;
d) 婚姻;
e) 婚姻協定;
f) 有關親權行使之規範,以及其變更及終止;
g) 親權行使之禁止或中止,以及對此權力之限制性措施;
h) 確定禁治產及確定準禁治產、對未成年人或禁治產人之監護、對未成年人或禁治產人之財產之管理,以及對準禁治產人之保佐;
i) 對失蹤人之保佐及失蹤人推定死亡,以及《民法典》第八十九條第一款b項所規定之保佐;
j) 死亡。
二、在本地區發生並引致上款所指任一事實有所變更或消滅之事實,亦屬強制登記之範圍。」
  按照《民事登記法典》第3條之規定:
「一、對於須強制登記之事實及符合民事登記所載之婚姻狀況,以民事登記作為依據之證據,不得以其他證據推翻之,但在涉及婚姻狀況或登記之訴訟中則除外。
二、對已登記之事實,如不請求註銷或更正有關登記,則不得在法院提起爭議。」
  根據《民事登記法典》第4條之規定:
「一、證明須登記之事實,僅得以本法典所規定之方法為之。
二、對於一九八四年二月一日前發生但仍未登記之事實,如並非為民事登記行為之作出或身分證明之用途而主張,則得以在該日以前容許之方法證明之。」
  按照《民法典》第1530條之規定:
「須登記之結婚,在未作出登記前,夫妻、其繼承人或第三人均不得主張之,但不影響本法典所規定之例外情況。」
  根據《民法典》第1531條之規定:
「一、結婚一經登記,其民事效力即追溯至結婚當日,即使日後失去登記亦然。
二、然而,第三人之權利,如與夫妻雙方或其子女之人身性質之權利及義務無抵觸,則不受上述追溯效力影響。」
*
  按照《民事登記法典》第4條第l款之規定,對於一九八四年二月一日前發生但仍未登記之事實,如並非為民事登記行為之作出或身分證明之用途而主張,得以在該日以前容許之方法證明之。
  須指出的是,按照《民事登記法典》第1條d)項之規定,在本澳締結之婚姻和在本澳離婚之事實均屬強制性登記之範圍。
  根據《民事登記法典》第58條之規定,為著相關登記效力,法庭必須將兩願離婚之判決通知民事登記局。
  兩願離婚程序中,法庭在作出離婚判決前,必須查明相關結婚事實,本法庭認為兩名聲請人之結婚事實應屬為民事登記行為之作出或身分證明之用途而主張。
*
  正如尊敬的 中級法院第957/2019號合議庭裁判所教導:
「- 自1984年開始,以中國風俗習慣方式締結婚姻必須作出登記後才可在本澳對第三人產生效力。
- 結婚一經登記,其民事效力即追溯至結婚當日,即使日後失去登記亦然(《民法典》第1531條第1款)。」
*
  尊敬的 中級法院第33/2003號合議庭裁判更指出以下精闢之見解:
  「眾所周知,在1983年《民事登記法典》被核准後,在澳門的婚姻登記屬強制性登記。根據中國傳統儀式締結的婚姻亦須強制登記,並透過一項特別程序進行。
  換言之,在法典生效前按照中國的風俗習慣締結的婚姻仍然有效,但其相關效力取決於登記方面的登錄。因此,按照法律規定並對所有的人而言,在未作出相關記載前,未作登記的結婚絕對無效力,不得在法庭內外主張之,也不得被用於對抗第三人。
  高等法院1999年2月3日第956號案件合議庭裁判同樣在此意義上作出了裁判。
  但這僅僅是針對按照中國風俗習慣在澳門發生的結婚而言。因為立法者無意對本地區以外締結的婚姻加以約束。立法者在“序言性報告書中”指出,“很明顯,在此僅涉及中國居民之間在澳門締結的結婚,因為對於中國居民在本地區以外締結的婚姻,有效的是《民法典》第50條規定的國際私法原則,其相關的締結方式由婚姻締結地國家的法律所規範”。
  《民事登記法典》第1條第1款d項及第2款、第4條第1款及第5條也作出了同樣的規定,即:凡在澳門發生的結婚,均轉而屬於強制性登記,因此只能透過法典規定的方法予以證明。針對其提出的爭執,須在提出婚姻狀況或登記之訴訟後方為有效。」
*
  正如尊敬的中級法院合議庭裁判所教導,針對《民事登記法典》生效前按照中國的風俗習慣締結的婚姻仍然有效,但其相關效力取決於登記方面的登錄;按照法律規定並對所有的人而言,在未作出相關記載前,未作登記的結婚絕對無效力,不得在法庭內外主張之,也不得被用於對抗第三人。
  此外,按照中國的風俗習慣締結的婚姻一經登記,其民事效力即追溯至結婚當日。
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  在尊重不同意見的前提下,本法庭認為兩名聲請人之結婚事實必須按照《民事登記法典》序言法第5條之規定,於民事登記局辦理按中國風俗習慣所締結之婚姻登記後,方可透過相關登記予以證實,以及進行餘下訴訟程序。
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  考慮到於兩願離婚程序中,結婚事實屬為民事登記行為之作出或身分證明之用途而主張,結合兩名聲請人於一九八四年二月一日前締結之婚姻至今仍未辦理相關登記之情況,本法庭認為本案未能證實二人之結婚事實,並決定駁回兩名聲請人A和B提出之兩願離婚聲請。
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  訴訟費用由兩名聲請人承擔。
*
  作出通知及採取必要措施。

Não se conformando com o indeferimento liminar, ambos os requerentes vieram do mesmo concluindo e pedindo que:
l. 對於初級法院作出的、駁回兩名上訴人的兩願離婚聲請的決定,上訴人認為,有關決定存在錯誤解釋和適用法律的瑕疵。
2. 根據現行《民法典》第1530條、第59/99/M號法令第5條第1款、《民事登記法典》第l條第1款d項、第3條及第4條第2款之規定,法律所持的立場為:
- 按中國傳統風俗習慣締結的婚姻(只可於1987年5月1日前有效締結這種婚姻),在登記前亦為有效且產生效力。
- 有中國人血統及文化的雙方結婚人在1984年2月1日前按中國傳統風俗習慣締結的婚姻,在登記前亦對第三人產生效力
- 中國籍的雙方結婚人在1984年2月1日至1987年4月30日前按中國傳統風俗習慣締結的婚姻,為有效且產生效力的婚姻,但僅在登記後方對第三人產生效力。
3. 因此,按中國傳統風俗習慣締結的婚姻可被登記,在1984年1月31日(包括當日)前或由1984年2月l日至1987年4月30日(不包括1987年5月1日)期間,按中國傳統風俗習慣締結的婚姻,既有已登記的婚姻,也有未登記的婚姻。
4. 另一方面,婚姻的有效成立,並不取決於登記。因此,登記不是婚姻有效成立的創設性要件,而只是作為產生對外效力的要件。
5. 所以,兩名上訴人在1981年2月10日按中國傳統風俗習慣締結的婚姻,無疑是一段有效的婚姻,即使並未按第14/87/M號法令第7條至第11條之規定補辦結婚登記。
6. 此外,兩名上訴人在法庭上主張已按中國傳統風俗習慣締結婚姻的事實,係為了透過兩願離婚程序去解銷他們之間的婚姻關係,非屬為民事登記行為之作出或身分證明之用途而主張,故根據《民事登記法典》第4條第2款第1部分規定,可透過任何方法證明。
7. 事實上,在兩願離婚聲請書中,兩名上訴人已同時附呈了書證 ─ 即按中國傳統風俗習慣結婚的“龍鳳紙”。因此,案中已有足夠的證據證明兩名上訴人之間係存在婚姻關係或結婚事實。
8. 所以,本案正正符合《民法典》第1530條及《民事登記法典》第3條第1款,兩條條文但書部分所指的例外情況,以及《民事登記法典》第4條第2款第1部分的情況。
9. 在兩名上訴人婚姻有效,且已透過適當的方法證明該婚姻存在的情況下,案中的“中式婚姻”可以在法庭上主張,法院亦應接納兩名上訴人的兩願離婚聲請,並展開隨後的法定程序。
10. 然而,被上訴的法院卻作出了相反決定,這樣,便屬錯誤解釋和適用《民法典》第1530條、第59/99/M號法令第5條第1款、《民事登記法典》第1條第l款d項、第3條及第4條第2款之規定。
  綜上所述,敬請法官 閣下裁定上訴理由成立,廢止原審法院的駁回兩願離婚聲請的決定,並以接納有關聲請之決定取代。
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, não houve questões que nos cumpre conhecer ex oficio.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação consiste em saber se o casamento, não registado, celebrado em Macau, entre os requerentes, ambos da nacionalidade chinesa, segundo os usos e costumes chineses, antes da entrada em vigor da Lei n.º 11/82/M, que impõe o registo civil obrigatório ao casamento celebrado segundo os usos e costumes chineses, é ou não válido e invocável perante Tribunal como fundamento da acção de divórcio.

Para a boa compreensão da matéria e a boa solução dessa questão, convém fazer um breve enquadramento histórico nas últimas décadas das sucessivas legislações reguladoras dos casamentos celebrados segundo os usos e costumes chineses.

A primeira referência expressa legislativa quanto à existência jurídica e aos efeitos civis do casamento segundo os usos e costumes chineses deve remontar à Lei nº 11/82/M, que, ao impor a obrigatoriedade do registo civil nos termos do Decreto-Lei nº 51/78 de Portugal, estatui especialmente no seu artº 2º que os casamentos celebrados entre contraentes de nacionalidade exclusivamente chinesa, segundo os respectivos usos e costumes, são válidos, mas só produzem efeitos em relação a terceiros após a sua inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil.

Posteriormente, no Código do Registo Civil de 1983 que entrou em vigor em 01FEV1984, o mesmo estatuído foi mais ou menos reproduzido no seu artº 179º, que reza:
(Casamento celebrado entre nubentes chineses)
1. O casamento celebrado em Macau entre nubentes de nacionalidade exclusivamente chinesa pode ser efectuado segundo os respectivos usos e costumes.
2. O casamento efectuado nos termos do n.º 1 só produz efeitos em relação a terceiros após a sua inscrição, conforme previsto nos artigos 202.º a 207.º
Por sua vez, o artº 202º/1 desse Código de 1983 estabelece que a inscrição do casamento celebrado em Macau entre contraentes de nacionalidade exclusivamente chinesa, segundo os usos e costumes chineses, pode ser requerida a todo o tempo por ambos os cônjuges, na conservatória do registo civil da área em que residam.

E quanto ao terminus a quo da produção dos efeitos civis do casamento tardiamente registado, o legislador de 1983 teve o cuidado de estabelecer uma regra geral, em relação a todos os tipos de casamento nele reconhecidos, incluindo os casamentos segundo os usos e costumes chineses celebrados em Macau, no seu artº 207º que dispõe:

1. Efectuado o registo, ainda que este venha a perder-se, os efeitos civis do casamento retrotraem-se à data da celebração.

2. Ficam, porém, ressalvados os direitos de terceiros que sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza pessoal dos cônjuges e dos filhos, a não ser que, tratando-se de casamento católico celebrado em Macau, a transcrição tenha sido efectuada dentro dos sete dias subsequentes à celebração.

O Código do Registo Civil de 1983 veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 14/87/M, que aprovou o Código do Registo Civil, que passou a reger a matéria no seu artº 6º nos termos seguintes:

1. Após a entrada em vigor deste Código, os casamentos celebrados no território de Macau só são válidos quando efectuados pelas formas e nos termos nele previstos.

2. Os casamentos segundo os usos e costumes chineses celebrados em Macau antes da entrada em vigor deste Código e nos termos permitidos pela lei anterior, podem ser inscritos no registo civil mediante autorização do competente conservador.

E este Código de 1987 veio a ser revogado em 1999 pelo Decreto-Lei nº 59/99/M, que aprovou o Código do Registo Civil actualmente vigente, que mantém a obrigatoriedade da inscrição nos livros da conservatória competente como requisito da validade do casamento.

Em relação aos casamentos segundo os usos e costumes chineses celebrados em Macau até a 01MAIO1987, ainda não registados, o artº 5º do decreto preambular do Código de 1999 diz que:
1. Os casamentos segundo os usos e costumes chineses celebrados em Macau até 1 de Maio de 1987, nos termos permitidos pela lei então vigente, podem ser inscritos no registo civil mediante autorização do competente conservador, durante o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma, aplicando-se as regras previstas nos artigos 7.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 14/87/M, de 16 de Março.
2. O prazo previsto no número anterior pode ser prorrogado por despacho do director dos Serviços de Justiça, ouvido o Conselho dos Registos e do Notariado.
Tendo em conta a evolução legislativa na matéria dos casamentos segundo os usos e costumes chineses celebrados em Macau, e globalmente interpretadas as normas acima citadas, é de concluir que, até à entrada em vigor do Código de 1987 em 01MAIO1987, os casamentos simplesmente celebrados segundo os usos e costumes chineses celebrados em Macau, mas não registados, são tidos como válidos e juridicamente existentes, e só não produzem efeitos em relação a terceiros enquanto não tiverem sido registados nos termos prescritos nas várias leis sucessivas.

Não obstante a imposição da obrigatoriedade do registo do casamento, cremos que a exigência do registo no código de 1983 que vigorava até a 01MAIO1987 não é uma formalidade ad substantiam, mas sim uma mera formalidade ad probationem.

Na matéria das consequências da inobservância da forma, a doutrina faz a distinção entre formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem: as primeiras são insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio, enquanto a falta das segundas pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir (confissão e, no nosso antigo direito, o juramento)
……

A nulidade deixará de ser a sanção para a inobservância da forma legal, sempre que, em casos particulares, a lei determine outra consequência (artº 220º)…… – Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, pág. 435 e 436.

Na esteira desse ensinamento doutrinário autorizado, a finalidade das exigências quanto às formalidades para a conclusão de um negócio jurídico deve resultar da lei.

Como vimos supra, que, tanto nos termos do disposto no artº 2º da Lei nº 11/82/M, como no artº 179º do Código de 1983, os casamentos celebrados entre contraentes de nacionalidade exclusivamente chinesa, segundo os respectivos usos e costumes, são tidos como validamente celebrados, mas só produzem efeitos em relação a terceiros após a sua inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil.

O que quer dizer que a lei então vigente apenas se limitou a fazer subordinar à prática no futuro de um acto jurídico de inscrição a produção dos seus efeitos perante terceiros, pois não só não sancionava a inobservância da regra que impõe a obrigatoriedade da inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil com a invalidade do casamento, como também teve o cuidado de prover os meios do suprimento da sua omissão.

Eis a finalidade da obrigatoriedade do registo.

A mesma consequência jurídica deverá naturalmente ser cominada em relação aos casamentos segundo os usos e costumes chineses, já celebrados antes da entrada da citada Lei nº 11/82/M, ou seja, enquanto não tiverem sido “regularizados” através da inscrição tardia nos livros da conservatória do registo civil competente, estes casamentos não produzem efeitos perante terceiros.

Inteirados dos sucessivos regimes legais sobre a matéria dos casamentos segundo os usos e costumes chineses, voltemos a caso sub judice.

Conforme o alegado na petição da acção, os requerentes configuraram o casamento como celebrado entre eles em Macau em 1981 segundo os usos e costumes chineses, mas nunca registado nos livros da conservatória competente.

Assim, de acordo com as normas que citámos supra quer da Lei nº 11/82/M quer do Código de 1983, se vierem a ser provados factos materiais demonstrativos da sua celebração segundo os usos e costumes chineses, o invocado casamento não deixará de ser válido e invocável entre os contraentes, embora, o casamento não tenha já a potência de produzir os seus efeitos retroactivos perante terceiros através da sua inscrição tardia, pois em face do disposto no acima citado artº 5º do Decreto-Lei nº 59/99/M, decorrido o prazo de um ano ai fixado após a entrada em vigor do Código de 1999, actualmente vigente, deixou definitivamente de ser suprível a omissão na inscrição de todos os casamentos segundo os usos e costumes chineses celebrados até a 01MAIO1987.

Portanto, em vez de indeferir liminarmente a presente acção, o Tribunal a quo deveria admitir liminarmente a acção, investigar a causa de pedir mediante a livre valoração das provas apresentadas, a fim de decidir, a título de questão prejudicial, quanto à existência jurídica ou não do casamento, e só após o que se decidirá quanto ao deferimento ou não do requerido divórcio.

Assim sendo, há que revogar o despacho ora recorrido e determinar a remessa dos presentes autos ao Tribunal a quo para a prossecução da acção.

Em conclusão:

4. Nos termos do disposto tanto no artº 2º da Lei nº 11/82/M, como no artº 179º do Código de 1983, os casamentos celebrados em Macau entre contraentes de nacionalidade exclusivamente chinesa, segundo os respectivos usos e costumes, são válidos, mas só produzem efeitos em relação a terceiros após a sua inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil.

5. O que quer dizer que a lei então vigente, não sancionava a inobservância da regra que impõe a obrigatoriedade da inscrição nos livros da Conservatória do Registo Civil com a invalidade do casamento, mas sim se limita a fazer subordinar ao suprimento no futuro da omissão da inscrição obrigatória a produção dos seus efeitos perante terceiros.

6. Os casamentos celebrados segundo os usos e costumes chineses, já celebrados antes da entrada do Código do Registo Civil, aprovado pela Lei nº 14/87/M, enquanto não tiverem sido tardiamente registados através da inscrição nos livros da conservatória do registo civil competente, nos termos prescritos pelo disposto, sucessivamente, no artº 2º da Lei nº 11/82/M, no artº 202º e s.s. do Código do Registo Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 61/83/M, no artº 6º da Lei nº 14/87/M, e no artº 5º do Decreto-Lei nº 59/99/M, podem ser judicialmente invocados em acção de divórcio entre os contraentes e provados por qualquer meio de prova sujeito à livre apreciação.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando a remessa dos presentes autos ao Tribunal a quo para a prossecução da acção nos termos acima consignados.

Sem Custas.

Notifique.

RAEM, 04FEV2021

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Ac. 1107/2020-17