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Processo nº 198/2020 Data: 10.02.2021
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Contrato de empreitada de obras públicas.
Prorrogação do prazo da obra.
”Indeferimento”.
Recurso contencioso.



SUMÁRIO

  A decisão de não prorrogação do prazo para a conclusão de uma obra pela Administração tomada no âmbito de um contrato de empreitada de obra pública não é susceptível de (impugnação, através de) recurso contencioso.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 198/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O “consórcio” formado pelas sociedades “A”, (“甲”), e “B”, (“乙”), ambas, sociedades comerciais por quotas com sede em Macau, apresentou, no Tribunal de Segunda Instância, “recurso contencioso de anulação” do despacho do SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS, datado de 29.06.2017, que lhe indeferiu o pedido de prorrogação do prazo de execução da obra “Empreitada de Construção do Complexo Municipal de Serviços Comunitários da Praia do Manduco, (1a Fase)”; (cfr., fls. 2 a 104 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 17.05.2018, (Proc. n.° 779/2017), julgando improcedente a pelo Ministério Público suscitada “excepção de irrecorribilidade”; (cfr., fls. 1321 a 1347).

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No seguimento da tramitação processual prescrita, em 23.07.2020, proferiu o mesmo Tribunal de Segunda Instância Acórdão final, concedendo provimento ao recurso interposto e anulando o “acto recorrido”; (cfr., fls. 1845 a 1885-v).

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Tendo o Ministério Público interposto recurso do (1°) Acórdão de 17.05.2018, e sendo que do (2°) Acórdão de 23.07.2020 recorreu a entidade administrativa, tem-se por adequado conhecer desde já do recurso daquela decisão que julgou improcedente a suscitada “excepção de irrecorribilidade”, pois que com a sua procedência prejudicado fica o conhecimento do recurso da entidade administrativa.

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Passa-se, assim, a conhecer do “recurso interposto do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 17.05.2018”.

Fundamentação

2. Nas suas alegações, assim conclui o Ministério Público:

“1ª - Interpretando os arts.218° do D.L. n.°74/99/M e 113° do CPAC em devida coerência com as disposições no n.°1 do art.28° e na alínea b) do n.°2 do art.46° também do CPAC, podemos extrair que os despachos ou deliberações respeitantes à execução dum contrato administrativo não podem ser objecto de recurso contencioso, a não ser que tenham a natureza de acto administrativo.
2ª - Quanto ao n.°1 do art.166° do velho CPA - disposição que corresponde ao art.174° do actual CPA, a brilhante doutrina assevera (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, pp.979 a 980): “Este artigo vem esclarecer que a acção é o meio próprio para se obter o cumprimento forçado das prestações contratuais. Significa isto que nesta matéria a Administração não beneficie do privilégio de execução prévia, a que se refere o n.°2 do artigo 128.°. As excepções a esta regra têm que resultar expressamente da lei, como é o caso do artigo 159.°, que admite a aplicação de sanções relativas à inexecução do contrato, e que podem revestir a natureza de actos administrativos definitivos e executórios.”
3ª - Os mesmos insignes autores alertam ainda que para os contratos administrativos com um regime legal mais minucioso (empreitadas de obras públicas e fornecimento de bens e serviços), em princípio, exclui a possibilidade de acto administrativos relativos à execução do contrato (ob. citada, p.935, sublinha nossa).
4ª - Importa ter presente a sensata tese que ensina: “Constituindo o contrato administrativo um acordo de vontade entre duas ou mais partes, os litígios que surjam entre elas devem ser resolvidas por meio de acção, não podendo, em regra, o contraente público praticar actos administrativos que se imponham à parte privada. A regra tem excepções.” (Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, 2015, p.324, sublinha nossa)
5ª - Em esteira da iluminativa doutrina supra citada, extraímos que os despachos ou deliberações da Administração para a execução de um contrato administrativo só são actos administrativos quando e se forem praticados no exercício dos poderes de autoridade consignados no art.167° do CPA, os restantes não podem ser qualificados actos administrativos em sentido próprio, por serem despedidos de poderes de autoridade.
6ª - Nos termos do disposto na alínea g) do n.°1 do art.107° do D.L. n.°74/99/M, qualquer contrato de empreitada de obra pública deve conter o prazo de execução da obra, e o seu art.174° consagra a multa por violação dos prazos contratuais.
7ª - Neste D.L. n.°74/99/M, não se descortina preceito que institua que o despacho de indeferimento de pedido de prorrogar o prazo de execução da obra pública constitui acto destacável ou acto de pressuposto para a aplicação da multa por violação dos prazos contratuais.
8ª - O que faz entender que tais despachos correspondem a declarações negociais e, no fundo, ao exercício do direito potestativo, por isso, não constituem actos definitivos e executórios para os devidos efeitos.
9ª - No caso sub judice, o despacho atacado no recurso contencioso limita-se a indeferir, de uma vez para sempre, os sucessivos pedidos de prorrogação do prazo por 152 dia em soma, sem aplicar (ao empreiteiro) a multa ou qualquer outra sanção, nem determinar a rescisão do contrato de empreitada da obra identificada no art.1° da petição.
10ª - Pois, o despacho contenciosamente impugnado não projecta nenhuma influência na esfera jurídica do consórcio e recorrente do dito recurso contencioso, que continuava a manter exactamente a qualidade de contraente privado e empreiteiro da referida obra, e nesta medida, este despacho não constitui definição autoritária da sua situação jurídica. E só haverá lugar à aludida definição autoritária quando a Administração com base na violação (pêlo empreiteiro) do prazo contratualmente estipulado, lhe aplicar a rescisão do mencionado contrato de empreitada ou a sanção contratual e/ou legal (art.174° do D.L. n.°74/99/M e Cláusula Nona do contrato empreitada da sobredita obra pública).
11ª - Tudo isto leva-nos a concluir que o despacho atacado nestes autos não constitui acto administrativo definitivo e executório e não pode ser objecto do recurso contencioso (art.28°, n.°1 do CPAC), parecendo-nos que a atribuição da recorribilidade contenciosa a despachos de indeferimento do pedido de prorrogar prazo de execução da obra pública é incompatível com o regime consagrado no art.174° acima citado e pode eventualmente comprometer a pronta execução da atingida obra.
12ª - Bem, por força do preceituado nos n.°1 do art.113° do CPAC e n.°1 do art.218° do D.L. n.°74/99/M, na hipótese de ser discutível o despacho em causa, o meio processual idóneo e próprio deve revestir a acção sobre contrato administrativo regulada nos arts.113° a 115° do CPAC.
13ª - Nesta linha de racionalização, e ressalvado muito elevado respeito pela opinião em sentido diferente, entendemos modestamente que o douto Acórdão em escrutínio infringe as disposições legais nos n.°1 do art.113° do CPAC e n.°1 do art.218° do D.L. n.°74/99/M”; (cfr., fls. 1354 a 1358).

Por sua vez, o (1°) Acórdão ora recorrido do Tribunal de Segunda Instância, (de 17.05.2018), tem, na parte que agora interessa, o seguinte teor:

“(…)
- Conforme Anúncio publicado no Boletim Oficial da RAEM – II Série, nº 30, de 24 de Julho de 2013, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau pôs a concurso público a “Empreitada de Construção do Complexo Municipal de Serviços Comunitários da Praia do Manduco (1ª Fase)”, através da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
- O Consórcio Recorrente apresentou a sua proposta a concurso, que saiu vencedora, tendo-lhe sido adjudicada a Obra em referência.
- Por despacho de 29/06/2017, exarado na Proposta nº 379/DEPDPO/2017, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas revogou o seu despacho de 12/05/2017 e indeferiu o pedido de prorrogação, por 152 dias, do prazo de execução da obra formulado pelo ora Recorrente.
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III – Fundamentação
O Mº Pº entende que o acto sindicado é irrecorrível na medida em que não foi praticado no exercício de qualquer dos poderes de autoridade consignados no art.167º do CPA e em si “não afecta a esfera jurídica do ora recorrente na qualidade de adjudicatário, contraente privado e empreiteiro da referida obra, e nesta medida, este despacho não constitui definição definitiva e autoritária da situação jurídica do recorrente”.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esta posição.
Estamos perante um acto relacionado com a execução do contrato de empreitada.
Como é sabido, nos termos do nº 2 do artº 113º do CPAC, “O conhecimento da acção sobre contratos administrativos não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato”.
Este TSI, por acórdão de 17/05/2012, proferido no Proc. nº 101/2011, tem entendido que o acto que decide o pedido da prorrogação do prazo da execução da obra “constitui um acto administrativo susceptível de impugnação autónoma”.
Por sua vez, por acórdão de 16/06/2016, proferido no processo nº 742/2015, o mesmo Tribunal fixou ainda a seguinte jurisprudência:
“I. Os actos administrativos que forem praticados no âmbito da execução de um contrato administrativo poderão ser sindicados pela via do recurso contencioso.
II. Se a empreiteira adjudicatária pedir ao dono da obra a prorrogação dos prazos da execução, fundamentando a sua pretensão com os elementos de facto que, em seu entender, a impediam de respeitar os prazos contratualmente estabelecidos, o acto administrativo praticado que venha a interferir com os direitos contratuais da adjudicatária, lesando-os, ou não os satisfazendo, projecta-se externamente na sua esfera jurídica.
III. O acto aludido em II, é um acto dotado de eficácia externa que impede a realização do seu invocado direito e interesse em cumprir o contrato a que se vinculou. Também nessa medida, recorrível contenciosamente.”
Por ora, não se vê qualquer razão plausível para alterar a posição já assumida, termos em que a excepção suscitada não deixará de se julgar improcedente.”; (cfr., fls. 1346 a 1347).

Identificada que assim cremos estar a “questão” a decidir, (e nada obstando o seu conhecimento), que dizer?

Vejamos.

Como se viu, em causa no “recurso contencioso” apresentado no Tribunal de Segunda Instância estava a decisão do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.06.2017, que – no âmbito de um “contrato de empreitada”, e na qualidade de “dono da obra” – indeferiu um pedido pelo recorrente “Consórcio” (identificado nos autos) apresentado para a prorrogação do prazo de execução da obra denominada “Empreitada de Construção do Complexo Municipal de Serviços Comunitários da Praia do Manduco”, 1a Fase, (que, neste momento, felizmente, e como é público, já está concluída).

E, em face do sentido – “negativo” – da dita “decisão de indeferimento”, não se nega que (bastante) tentador se nos mostra ser o entendimento pelo Tribunal de Segunda Instância assumido, sendo (obviamente) de se admitir como defensável a consideração no sentido de que a mesma “interfere”, (ou, até mesmo, “colide”), com as (legítimas) expectativas do dito adjudicatário da obra, ou seja, o identificado “consórcio”, e, assim, (e pelo menos em tese geral), que o Acórdão recorrido se apresenta em sintonia com a “ratio” do aí citado “art. 113°, n.° 2 do C.P.A.C.”, o mesmo sucedendo com o (no art. 2° do mesmo código) consagrado “princípio da tutela jurisdicional efectiva”.

Todavia, em nossa opinião (e tendo presente a “natureza” e “efeitos” da “decisão administrativa” aí recorrida, assim como o “contexto” da sua prolação), cremos que tal não implica – ou deve implicar – que se tenha como (necessariamente) adequada a susceptibilidade da sua impugnação pela “via do recurso contencioso”, (sendo de se salientar ser apenas esta a questão aqui em causa).

Não se olvida, (nem se nega), que, em (idêntica) sintonia com o referido “art. 113°, n.° 2 do C.P.A.C.”, prescreve também o art. 218° do D.L. n.° 74/99/M de 08.11 – diploma legal que, nos termos do n.° 1 do art. 1°, “aplica-se às empreitadas de obras públicas promovidas e financiadas, total ou parcialmente, pela Administração, incluindo os Municípios e demais pessoas colectivas de direito público” – que:

“1. Revestem a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais competentes sobre interpretação, validade ou execução do contrato, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
2. O disposto no número anterior não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato”.

E, assim, (atento o estatuído no transcrito n.° 2, e numa primeira vista), tudo parece indicar que acertada (e razoável) é a solução a que chegou o Acórdão recorrido.

Porém, (e importa salientar), a “possibilidade” (ou reconhecida faculdade) de (se poder optar pela via do) “recurso contencioso” consentida pelo (dito) n.° 2 do transcrito normativo, não torna desnecessárias determinadas “qualidades” que a “decisão” (assim) impugnada deve revestir para tal efeito.

Note-se, aliás, (e para já), que o referido n.° 2 do art. 218°, faz expressa referência ao “recurso contencioso de «actos administrativos»”, não se podendo aqui deixar de ter (bem) presente o sentido e alcance do “conceito (legal) de acto administrativo” fornecido pelo art. 110° do C.P.A., onde se prescreve que “Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”; (cabendo referir que só assim faz sentido o estatuído no art. 46°, n.° 2, al. b) do C.P.A.C. que inclui a “irrecorribilidade do acto recorrido” como uma das circunstâncias de rejeição liminar do recurso contencioso).

E aqui chegados, cremos nós que (essencialmente) vista está a “razão” da adiantada decisão que se nos mostra como a mais adequada para a (concreta) situação dos autos.

Com efeito, não obstante em causa estar um “contrato administrativo” – cfr., art. 2° do D.L. n.° 74/99/M, onde se prescreve que “Entende-se por empreitada de obras públicas o contrato administrativo destinado, mediante o pagamento de um preço, à realização de trabalhos de construção, reconstrução, restauro, reparação, conservação ou adaptação de bens imóveis, visando a satisfação de uma necessidade colectiva” – tal não converte toda e qualquer “conduta pela administração” aí desenvolvida em “actos de autoridade”, praticados “ao abrigo de normas de direito público”; (cfr., o citado art. 110° do C.P.A., valendo pois a pena aqui recordar que o dito conceito de “acto administrativo” corresponde, essencialmente, ao então avançado pelo Professor Marcello Caetano, um dos primeiros teorizadores do acto administrativo, e que, ao longo de décadas, com avanços e recuos, encontrou a seguinte definição: “conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”, e que, como tal, “goza da presunção de legalidade, o que envolve a sua imediata obrigatoriedade e a executoriedade dos imperativos nele contidos”, in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 463 e segs., e o recente Ac. deste T.U.I. de 13.01.2021, Proc. n.° 212/2020).

Como em comentário ao “conceito de acto administrativo” – do referido art. 110° do C.P.A. – afirmam L. Ribeiro e C. Pinho:

“(…)
Outro elemento essencial do acto administrativo é que ele seja praticado no exercício do poder administrativo. Só é materialmente administrativo o acto que for praticado no exercício de um poder público para o desempenho duma actividade de gestão pública. Mesmo quando praticado por instituições particulares de interesse público, órgãos legislativos ou judiciais, para terem a natureza de actos administrativos, têm que ser praticados no exercício de um poder administrativo (…).
Por gestão pública entende-se a actividade que a Administração Pública desempenha nos termos do direito público. A competência para a prática do acto está sempre definida na lei. E os poderes conferidos por lei a um sujeito de Direito Administrativo presumem-se públicos, salvo se outro carácter não resulte da sua natureza (cfr. art. 29.°)”, (hoje, art. 31°), “O exercício de poder de autoridade não significa necessariamente constrangimento da esfera jurídica do particular, mas poder preceptivo, isto é, um poder de criar novas situações concretas e de modificar a sua própria esfera jurídica e a de outros.
Daqui resulta que se a Administração utilizar instrumentos de outros ramos de direito, o acto assim produzido não é administrativo. Desde logo, e apesar se serem actos da Administração, não são actos administrativos aqueles que são praticados no desempenho duma actividade de gestão privada, isto é, uma actividade regulada por normas de direito civil, comercial, ou de trabalho. Nesta forma de actuação, a Administração age no exercício da sua capacidade de direito privada, tal como o faz qualquer sujeito de direito. Por isso, a lei exclui da jurisdição administrativa as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja uma pessoa de direito público, tais como a qualificação de bens como pertencentes ao domínio público e os actos de delimitação destes com bens de outra natureza (…)”; (in “C.P.A. de Macau Anotado e Comentado”, pág. 562).

In casu, a (concreta) “decisão de indeferir” – ou melhor, não consentir ou permitir – a pretendida prorrogação do prazo da obra, não reveste a natureza de “actividade administrativa” própria do exercício de qualquer poder (ou dever) ao abrigo de nenhuma “norma de direito público”, constituindo, antes, uma decisão (absolutamente normal e) idêntica à que poderia ser tomada no âmbito de qualquer outro “contrato de empreitada”, (entre particulares, cfr., o art. 1133° do C.C.M. e seguintes), em que o prazo para a sua execução se encontra contratualmente determinado, e em que ao dono da obra assiste assim a (natural e evidente) faculdade (ou direito) de não estar de acordo com um idêntico pedido – “não acordado” – do empreiteiro; (daí, aliás, a “dificuldade” implicitamente reconhecida pelo recorrente na identificação, nas peças processuais apresentadas, da “norma jurídica” supostamente violada com o referido “indeferimento”, podendo-se, sobre a questão, cfr., o douto Parecer pelo Ministério Público junto aos autos nos termos do art. 69° do C.P.A.C., a fls. 1832 a 1839, onde, em perfeita sintonia com o ora consignado, se salienta também, expressivamente, que “(…) a lei, no quadro de um contrato administrativo de empreitada de uma obra pública, não habilita o dono da obra a, de forma unilateral, autoritária, através, portanto, de um acto administrativo e no exercício de poderes discricionários, prorrogar o prazo de execução da obra, nem se compreenderia que o fizesse, se tivermos em conta, por um lado, que, em princípio, o interesse público se satisfaz com a conclusão da obra no tempo devido e que, por outro lado, as intervenções unilaterais e autoritárias da Administração no âmbito de um contrato administrativo visam sempre a prossecução do interesse público, naquilo que se designa como a «lógica da função» no contrato administrativo coexistente com a chamada «lógica do pacto» (…)”).

Diferente seria a situação se, em causa estivesse uma decisão em que, a Administração, (como dono da obra), decidisse aplicar ao empreiteiro uma “multa pelo atraso na conclusão da obra”.

Aí, inegável era a “característica” (que agora não existe) de se tratar de uma “imposição” – autoritária – ao “abrigo de uma norma de direito público”, no caso, o art. 174° do referido D.L. n.° 74/99/M, (e onde, em sede do aqui já possível recurso contencioso, se poderia apreciar da sua legalidade, com incidência relativamente a uma eventual anterior decisão de não prorrogação do prazo).

Porém, no caso, outra é a situação: em causa está – tão só – uma (mera) não aceitação de um pedido de prorrogação do prazo da obra que, porventura, e por diversos e variados motivos, até pode não se reflectir na sua execução, ou acabar por não implicar um efectivo “atraso” na sua conclusão.

E então, (cabe reflectir), qual a sua (relevante) repercussão ou efeito na esfera jurídica do empreiteiro?

E da mesma forma, qual também a justificação para se lhe atribuir imediata – antecipada – possibilidade de impugnação através de um “recurso contencioso”, (meio processual próprio para “atacar”, como se referiu, “actos administrativos”)?

Sem embargo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não descortinamos…

Pelo contrário, e se bem ajuizamos, a referida “susceptibilidade de (imediato) recurso contencioso”, poderia até constituir um “elemento de (gratuita e abundante) controvérsia” no âmbito da execução de idênticos “contratos de empreitada”, bastando, para tal, pensar-se em situações – mau grado, não muito raras – com “sucessivos pedidos de prorrogação do seu prazo” – que, no caso, também existiram, e que pelo dono da obra até foram (sucessivamente) “aceites” com a consequente extensão do prazo inicialmente previsto de 480 dias por mais 184 dias; cfr., “matéria de facto” dada como provada, a fls. 1876-v – e que, em virtude do seu “indeferimento”, poderiam dar origem a numerosos e contínuos “recursos contenciosos” sobre uma “questão” que, (como se pensa ter explicitado), na prática, pode até em nada influir na execução da obra e no seu prazo de conclusão, não se nos apresentando assim ser esta, (atento o estatuído no art. 8° do C.C.M.), a mais adequada interpretação da intenção legislativa que presidiu à aprovação dos normativos legais sobre a matéria.

Nesta conformidade, e afigurando-se-nos bastantes e claras as razões pelas quais se mostra de reconhecer razão ao Exmo. Magistrado recorrente, há que decidir pela procedência do seu recurso.

3. Em face do supra decidido, impõe-se ter por prejudicado o conhecimento do recurso interposto do Acórdão a final proferido.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso pelo Ministério Público interposto do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância datado de 17.05.2018, prejudicado ficando, consequentemente, o conhecimento do recurso pela entidade administrativa interposto do Acórdão de 23.07.2020.

Custas pelo recorrido com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 10 de Fevereiro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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