打印全文
Processo nº 14/2021 Data: 10.03.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Propriedade industrial.
Marca.
Registo.
Princípio da territorialidade.
“Secondary Meaning”.



SUMÁRIO

1. A “Propriedade Industrial” é considerada a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.

2. A “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, constituindo, desta forma, “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”.

3. Em matéria de “direito das marcas” vigora o “princípio da territorialidade”, (cfr., art. 4° e 5° do R.J.P.I.), nos termos do qual a “protecção da marca é de âmbito territorial”.

Isto é, (em princípio), uma marca registada num determinado ordenamento jurídico só goza de protecção no espaço em que o mesmo é aplicável.

4. A doutrina do “sentido secundário ou encoberto” – mais conhecida pela sua denominação de língua inglesa “secondary or covert meaning”, tem permitido que marcas constituídas por sinais originariamente genéricos e comuns, desprovidos de dinstintividade, venham a adquirir esta qualidade em virtude do seu uso, regular e contínuo, com certa – um mínimo de – duração e intensidade, e, como tal, com o efeito de converter este “sinal” em marca identificadora de produtos ou serviços.

O mecanismo funciona, pois, através da permuta da “semântica originária” pela de “segundo grau”, proporcionando, assim, um “neologismo” com um significado novo e autónomo que já não se poderia referenciar como destituído de carácter diferenciador.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 14/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), sociedade comercial e industrial em nome individual, com sede em [Endereço], Hong Kong, recorreu para o Tribunal Judicial de Base do despacho do Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que – na parte que agora interessa – recusou o registo da marca nominativa que tomou o n.° N/XXXXXX, para assinalar serviços da classe 36ª, por si requerido; (cfr., fls. 2 a 33 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base sentença considerando que o dito recurso judicial não merecia provimento; (cfr., fls. 95 a 102).

*

Em sede do recurso que do assim decidido o recorrente interpôs para o Tribunal de Segunda Instância veio-se a proferir Acórdão de 22.10.2020, (Proc. n.° 749/2020), onde se decidiu confirmar a decisão recorrida; (cfr., fls. 139 a 145-v).

*

Ainda inconformado, traz o recorrente o presente recurso, insistindo no pedido de revogação do decidido com a consequente concessão do pretendido registo da sua requerida marca; (cfr., fls. 153 a 168).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância foram elencados como “provados” os factos seguintes:

“a) Em 12/11/2018 o recorrente requereu o registo do sinal “Own the Future” como marca para assinalar serviços da classe 36a;
b) Os serviços para que foi requerido o registo da marca são:
“serviços financeiros e de seguros; especialmente serviços actuariais, serviços de gerenciamento, serviços de consultoria, serviços de gerenciamento de activos, serviços de anuidades, serviços bancários e empréstimos, serviços de corretagem, serviços de corretagem de títulos, serviços de cartão de crédito, serviços de distribuição, serviços de consultoria económica, serviços de benefícios a trabalhadores, serviços de confiança, serviços de transferência financeira, serviços de consultoria para investimentos, serviços de gerenciamento de investimentos, serviços de gerenciamento de moeda, serviços de fundos mútuos, serviços de fundos de previdência, serviços de investimentos conjuntos, serviços de resseguro, serviços de aposentadoria, serviços de tributos, registo e venda de valores mobiliários ou serviços relacionados ao mercado, serviços relacionados à localização, utilização ou realização de transferências financeiras para contas de terceiros, serviços suplementares relacionados a ou além de actividades financeiras e outras actividades de empresas de serviços financeiros e seguradoras”;
c) Por despacho de 28/11/2019 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi recusado o registo.
d) Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 51, II Série, de 18/12/2019.
e) Em 14/12/2018 foi apresentado neste tribunal o presente recurso”; (cfr., fls. 96 e 140 a 140-v).

Do direito

3. Bate-se o ora recorrente pelo registo da sua requerida marca “Own the Future” para assinalar os serviços – da classe 36ª – descritos na “alínea b)” da matéria de facto atrás retratada, pedindo, em síntese, que se revogue a decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância, em relação à qual imputa “nulidades” várias, e que se proferira nova decisão onde se considere que o aludido “sinal” relativamente aos serviços a que se destina dispõe de capacidade distintiva para os assinalar, preenchidos estando todos os requisitos legais para o seu registo.

Cremos, porém, que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente, (muito não se mostrando necessário consignar para o demonstrar).

–– Vejamos, começando-se, desde já, pelas assacadas “nulidades”.

Aqui, é o ora recorrente de opinião que o Acórdão recorrido é “nulo” por 3 motivos: “omissão de pronúncia”, (cfr., conclusão 3ª), “contradição na fundamentação da decisão”, (cfr., conclusão 4ª), e “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito”; (cfr., conclusão 5ª).

Ora, nos termos do art. 571° do C.P.C.M.:

“1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2. A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, declarando o juiz no processo a data em que apôs a assinatura; a nulidade pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença.
3. As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades”; (sub. nosso).

Em causa estando as “alíneas b), c) e d)” do n.° 1 do transcrito comando legal, vejamos.

Pronunciando-se sobre a matéria das “nulidades da sentença”, e sobre as agora concretamente invocadas considera Viriato Lima que:

“Importa esclarecer que a nulidade da alínea b) (quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão) só se verifica na ausência total de fundamentação.
Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais.
(…)
A nulidade da alínea c) (quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão) refere-se ao caso de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, ou seja, por exemplo, de a fundamentação apontar no sentido da condenação, mas terminar pela absolvição do réu.
Se a partir dos factos o juiz aplica ou interpreta mal a lei, não há nulidade da sentença, mas erro de julgamento.
As nulidades da sentença da alínea d) – omissão e excesso de pronúncia – relacionam-se com o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 563.°: o juiz tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só se pode ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
(…)”; (cfr., v.g., “Manual de Direito Processual Civil: Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., C.F.J.J., 2018, pág. 568 e 569).

In casu, após indicar a “matéria de facto” dada como provada, em sede de “fundamentação da decisão” que proferiu, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
Os sinais “Own the Future” e “未來就在我手” têm capacidade distintiva para assinalar serviços da classe 36ª da classificação de Nice?
É a questão que se coloca no presente recurso.
A DSE entende que não, por ser um sinal usual nos hábitos leais e constantes do comércio. A recorrente entende que sim, por não ser descritivo nem usual e, caso fosse, por ter adquirido, devido ao uso que dele foi feito, um secondary meaning distintivo.
Vejamos.
*
A, com outros elementos de identificação nos autos, requereu o registo dos referidos sinais como marca de comércio para assinalar serviços da classe 36ª da classificação de Nice.
A Direcção dos Serviços de Economia não acolheu a pretensão do requerente do registo e indeferiu o respectivo pedido de concessão por entender que os sinais em causa não podem ser protegidos como marca de comércio, uma vez que não têm capacidade distintiva por se tratar de sinais usuais, designadamente com funções publicitárias. Invocou o comando normativo inserto no art. 199º, nº 1, al. c) do RJPI (Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec.-Lei nº 97/99/M de 13 de Dezembro, a que pertencem todos os artigos a seguir referidos sem menção de origem).
O requerente do registo discorda do entendimento da DSE por entender que o sinal registando não é descritivo nem usual e tem capacidade distintiva e que já adquiriu caracter distintivo pelo uso que dele foi feito - o chamado “secondary meaning”.
A DSE não respondeu e, não tendo havido reclamação, não há parte contrária.
*
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
Além dos documentos constantes dos autos, nenhum outro meio de prova documental, testemunhal, ou outro, que tenha sido requerido ou que se vislumbre ex officio, há a produzir.
Dos elementos existentes nos autos apura-se a seguinte factualidade:
(...)
Dos elementos dos autos nenhum outro facto se prova. Designadamente não está demonstrado que devido ao uso que a recorrente tem feito do sinal registando este sinal é reconhecido pelos consumidores da RAEM como pertencendo ao recorrente ou a ele associado.
*
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
1. Em primeiro lugar, cabe dizer que a questão a decidir, tendo em conta que este é um recurso de plena jurisdição1 e não de mera anulação, consiste em saber se ocorre, ou não, motivo de recusa do registo e se deve, ou não, ser concedido o registo pretendido. Daqui decorre que logo que se conclua ocorrer um motivo de recusa do registo se torna desnecessário ponderar se outros ocorrem.
Tendo a decisão de recusa sido fundamentada na falta de carácter distintivo da marca registanda, é por esta questão que se deve começar.
2. Da capacidade distintiva dos sinais registandos.
A recorrente pretende um registo de marca.
A realidade que é susceptível de tal registo é um sinal (art. 197º). Um sinal é um significante, um símbolo, uma realidade que tem um significado2.
A marca tem uma função principal: distinguir umas das outras as fontes comerciais, as empresas ou origens comerciais dos bens onde é aposta. É uma função distintiva (art. 197º). A marca é um dos sinais distintivos do comércio. Assim como a firma se destina a distinguir comerciantes uns dos outros, a marca destina-se a distinguir bens de comércio uns dos outros por referência à respectiva origem empresarial. Só o sinal (significante) que tenha por significado uma origem de bens de comércio pode ser registado como marca. Um significado é retirado de um significante através de um processo intelectivo. Um poeta e um bêbado que se deparam com um sinal retiram dele significados extraordinários, por vezes fascinantes. Não são esses significados que relevam. Também não relevam os significados que um minucioso e um distraído retiram. Relevam os significados retirados por um consumidor médio dos bens a que a marca se destina a marcar, in casu os serviços financeiros, de seguros e de gestão de investimentos. A questão é pois de comunicação: releva a mensagem que o sinal veicula desde quem o usa no comércio até àqueles consumidores médios que com ele se deparam e por via intelectiva decifram e captam a mensagem, o significado.
A composição da marca é livre, nenhum elemento obrigatório sendo imposto ao seu “criador”. Falam os autores no princípio da liberdade de composição da marca3. Porém, a liberdade de composição tem limites. Se nenhum elemento positivo se impõe ao criador da marca, elementos negativos há que lhe estão vedados. Por exemplo, a marca nada tem que esclarecer sobre os bens que assinala, mas não pode enganar. É o princípio da verdade. A marca não tem que ser criativa, mas não pode confundir-se com outra anterior que não seja titulada pelo mesmo titular, salvo autorização. Falam os autores no princípio da novidade e da especialidade. A marca não tem que esclarecer a identidade de quem a usa para assinalar os seus bens de comércio, mas não pode confundir. É o princípio da eficácia distintiva: a marca nada pode conter que lhe exclua a capacidade distintiva. Estão proibidos os elementos que não tenham eficácia distintiva, salvo se combinados com outros que a tenham. Estão também proibidos os elementos que retirem eficácia distintiva a outros que a tenham e entrem na composição da mesma marca. A marca não tem que se reportar com evidência ou exclusividade a uma fonte ou origem comercial, sendo admissíveis como marcas os sinais que também têm outras capacidades. São as chamadas marcas fracas, designadamente as que, além de significado distintivo, têm algum significado publicitário4 ou algum significado descritivo dos bens que se destina a assinalar ou outro. A marca não tem que ter um significado único, o distintivo. Pode ter outros significados. Só os sinais sem qualquer significado distintivo não podem ser registados como marca, referindo-se as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 199º a “sinais constituídos exclusivamente por …” elementos sem eficácia distintiva.
O significado de um sinal não é sempre o mesmo. Varia designadamente no tempo e no espaço. A relação significante/significado é dinâmica e mutável. Por vezes um sinal com significado distintivo perde-o com o uso. É o chamado fenómeno de vulgarização da marca. E por vezes um sinal sem significado distintivo adquire-o com o uso. É o que se designa habitualmente por “secondary meaning”.
Como se disse, só os sinais sem qualquer significado distintivo não podem ser registados como marca, sendo admissíveis os sinais fracos ou com fraca capacidade distintiva.
Não têm capacidade distintiva e, por isso, não podem ser registados como mara os chamados sinais usuais que são aqueles que se tornaram usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (art. 199º, nº 1, al. c). Um sinal que originariamente tinha capacidade distintiva mas que passou a ser utilizado no comércio com determinada função, perde a capacidade distintiva que tinha.
A norma legal parece evidente: se um sinal passou a ter uma determinada utilização no comércio, passou a ter um significado próprio na comunicação comercial (linguagem e hábitos) e perdeu o seu significado distintivo de distinguir de outras uma determinada origem comercial de bens.
Por exemplo, o sinal “” é utilizado na actividade comercial para significar que a embalagem onde é aposto deve ser manuseada em determinada posição. O sinal “” é utilizado na actividade comercial para significar que a embalagem onde é aposto deve ser manuseada com cuidado por conter no seu interior objectos frágeis. O sinal “LIGHT” é utilizado na actividade comercial para significar que o produto alimentar a que se reporta tem baixo nível calórico. Quem estiver perante um bem a que foi aposto um de tais sinais irá concluir que esse bem tem certas características ou que se pretende que seja manuseado de determinada forma. E se voltar a estar perante outro bem com o mesmo sinal, irá concluir o mesmo em relação a este segundo. Mas não irá concluir que os dois bens provêm de um mesmo núcleo empresarial. A comunicação humana é assim. Descodifica mensagens ou significados que se encontram em sinais ou significantes. A comunicação comercial também faz parte da comunicação humana e obedece ao mesmo devir. Marcar um bem (produto ou serviço) é apor-lhe um sinal, uma marca que o distinga quanto à sua origem comercial quando vier a ser interpretado por quem com ela se confrontar. A marca é pois um sinal com um significado próprio. E convém que o sinal não engane nem confunda aqueles que o vierem a interpretar. O ideal era que o seu significado fosse inequívoco para todo e qualquer consumidor. Mas basta que o seja para o consumidor médio ou padrão.
A função inicial da marca terá sido a de melhor permitir provar a propriedade do objecto marcado, provar a quem pertencia5, nomeadamente os animais, que eram marcados na própria pele com uma cicatriz feita por um ferro em brasa com determinada forma. Assim, quando um cavalo ou um boi se tresmalhava era fácil saber onde o entregar. Se o animal tivesse uma cicatriz em círculo com um R pertencia ao Rodrigo, mas se na cicatriz constasse um T seria do Tomé. Hoje, porém, a função principal da marca é permitir distinguir a origem comercial dos bens com ela assinalados6. E só são adequados a ser protegidos através da concessão do registo de um título de marca os sinais adequados a distinguir origens comerciais. Se o sinal serve para comunicar ou transmitir determinada mensagem comercial usual ou corrente, não será entendido como distintivo de origem comercial, pelo que também não serve como marcador.
Do que acaba de referir-se, poderemos concluir que, perante o público relevante, os sinais registandos “Own the Future” e “未來就在我手” são entendidos como distintivos, ao ponto de, quando apostos7 em dois bens diferentes, serem entendidos como significando que tais bens têm a mesma origem comercial e não como se se tratasse de um slogan visando atrair a atenção dos consumidores? E se tais sinais forem colocados em painéis publicitários em local visível pelo público serão entendidos como reportados a uma fonte empresarial de bens?
O público relevante é no caso em apreço o familiarizado com a indústria de seguros e de investimentos financeiros. O significado primário dos sinais registandos reporta-se a ter um qualquer controle sobre o futuro.
Tal como consta dos factos considerados provados, crê-se que é consideravelmente forte a probabilidade de ser apreendido como uma frase ou expressão que visa atrair a atenção dos consumidores. E, por outro lado, crê-se que só muito dificilmente será entendido como marca identificadora de uma origem comercial de serviços assinalados.
3. Da aquisição de carácter distintivo (secondary meaning).
Dos elementos dos autos não pode concluir-se estar demonstrado que o sinal registando já se afastou do carácter publicitário antes apontado como seu significado primário não distintivo e que já adquiriu perante o público consumidor uma conotação distintiva ou significado distintivo.
Conclui-se, pois, que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
*
V – DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso.
Custas a cargo do recorrente.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.
Macau, 23/04/2020
Quid Juris?
Toda a problemática discutida nos autos reconduz-se à questão nuclear de saber se a expressão “Own the Future” e “未來就在我手” tem ou não capacidade distintiva para efeito de registo como marca de serviços da classe 36.
Tal como a Recorrente confessou e admitiu que a sentença recorrida está muito bem fundamentada, só que ela continua a manter a sua posição, defendendo que a expressão em causa goza de toda a capacidade distintiva e como tal o seu pedido deverá ser atendido.
Será?
Ora, para além dos doutos fundamentos tecidos na sentença recorrida, com os quais concordamos basicamente, limitamo-nos nesta sede acrescentar o seguinte:
1) – Uma coisa é os comerciantes utilizar determinado sinal como identificador dos serviços e/ou produtos comercializados por ele, isso podemos designar por “marca de facto”. Outra coisa é aquele sinal merecer tutela jurídica por reunir todos os requisitos legalmente exigidos para tutela jurídica. O que é certificado pela concessão do respectivo registo para todos os efeitos legais.
2) – No caso, o que a Recorrente faz esforços para tentar convencer o Tribunal é que o sinal registando tem sido utilizado por ela na realidade e obter tutela jurídica em determinadas jurisdições. Mas isso não dispensa, de modo algum, a abordagem da questão nuclear, consistente em saber tal expressão “Own the Future” e “未來就在我手” tem ou não capacidade distintiva?
3) – Não é supérfluo recapitular-se, entre outros, os seguintes aspectos realçados pelo Exmo. Julgador do Tribunal recorrido:
Do que acaba de referir-se, poderemos concluir que, perante o público relevante, os sinais registandos “Own the Future” e “未來就在我手” são entendidos como distintivos, ao ponto de, quando apostos8 em dois bens diferentes, serem entendidos como significando que tais bens têm a mesma origem comercial e não como se se tratasse de um slogan visando atrair a atenção dos consumidores? E se tais sinais forem colocados em painéis publicitários em local visível pelo público serão entendidos como reportados a uma fonte empresarial de bens?
O público relevante é no caso em apreço o familiarizado com a indústria de seguros e de investimentos financeiros. O significado primário dos sinais registandos reporta-se a ter um qualquer controle sobre o futuro.
Tal como consta dos factos considerados provados, crê-se que é consideravelmente forte a probabilidade de ser apreendido como uma frase ou expressão que visa atrair a atenção dos consumidores. E, por outro lado, crê-se que só muito dificilmente será entendido como marca identificadora de uma origem comercial de serviços assinalados.
3. Da aquisição de carácter distintivo (secondary meaning).
Dos elementos dos autos não pode concluir-se estar demonstrado que o sinal registando já se afastou do carácter publicitário antes apontado como seu significado primário não distintivo e que já adquiriu perante o público consumidor uma conotação distintiva ou significado distintivo.
Conclui-se, pois, que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
4-) Nestes termos, cabe sublinhar ainda:
O artigo 197º do RJPI consagra:
Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. (sublinhado nosso)
Ao ver para a expressão em causa, a primeira ideia que surge na nossa cabeça é dar-nos a ideia de que se propõe “uma garantia para o futuro”, tanto pode ser produtos ou serviços. Mas quê? Não sabemos! Porque a Recorrente pretende utilizar esta expressão para um gama muito vasto de serviços!!
A expressão “Own the Future” e “未來就在我手”, de carácter descritivo, sem elemento figurativo, tanto pode servir para assinar serviços de variadíssima natureza como para diversos produtos, carece, assim, de uma nota caracterizadora do tipo de serviços/produtos a que se pretende aplicar com tal “expressão/marca”. Nesta óptica, falta-lhe efectivamente a capacidade distintiva. Ou seja, tal expressão é vaga de mais, faltando-lhe o elemento descritivo do objecto que a mesma pretende referir-se.
Quanto ao demais, louva-se na douta fundamentação da sentença recorrida, que se reproduz aqui para todos os efeitos.
Pelo expendido, é de verificar que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MM. Juiz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova.
Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, embora com argumentos ligeiramente diferentes por nós produzidos, é de manter a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - A expressão “Own the Future” e “未來就在我手”, de carácter descritivo, sem elemento figurativo, tanto pode servir para indicar serviços de variadíssima natureza como para diversos produtos, carece, assim, de uma nota caracterizadora do tipo de serviços/produtos que se pretende assinalar com tal “expressão/marca”. Nesta óptica, falta-lhe efectivamente a capacidade distintiva.
II – Uma vez que o sinal registando não tem capacidade distintiva, originária ou adquirida, para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar, nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido pela via do registo como marca, é de recusar o pedido de registo tal como decidiu a entidade administrativa competente, razão por que não merece qualquer censura a decisão recorrida, a qual deve ser mantida.
(…)”; (cfr., fls. 140-v a 145-v).

Aqui chegados, e atento do que se deixou exposto, mostra-se pois de dizer que, em nossa opinião, evidente é que nenhuma “nulidade” a que se refere a alínea b) ou c), do n.° 1, do art. 571° do C.P.C.M. – ou seja, por “falta de especificação de fundamentos” ou “contradição” – existe.

Na verdade, no dito Acórdão recorrido (do Tribunal de Segunda Instância), explicitam-se, adequada e suficientemente, os “fundamentos de facto e de direito” da decisão de improcedência do anterior recurso do ora recorrente, o mesmo sendo de dizer a respeito da alegada “contradição”, que não se vislumbra, e, a existir, é apenas aparente.

Com efeito, apresenta-se-nos claro – e assim resulta do que se deixou transcrito do Acórdão recorrido – que a “razão” da decisão recorrida consiste, (em síntese), na “não verificação dos pressupostos de facto e de direito” da requerida “marca” para efeitos do seu pretendido registo, (aliás, como entendido foi pela Direcção dos Serviços de Economia assim como na sentença do Tribunal Judicial de Base).

E, nesta conformidade, (e ainda que não se esteja de acordo com o decidido, sobre o qual nos ocuparemos mais adiante), não vemos como considerar que se incorreu nas aludidas nulidades.

Quanto à imputada “omissão de pronúncia”, cabe consignar o que segue.

A mesma prende-se com o pedido (então) dirigido ao Tribunal de Segunda Instância a fim de o mesmo emitir pronúncia acerca de “factos” pela recorrente alegados no seu recurso (judicial) para Tribunal Judicial de Base, e, em relação aos quais, nada foi dito, daí extraindo, consequentemente, as suas conclusões em termos da sua relevância jurídica; (cfr., conclusões 3ª e 6ª das alegações de recurso para o Tribunal de Segunda Instância, a fls. 111 a 125).

E assim postas as coisas, cremos que, nesta parte, admite-se que outra poderia ter sido a posição pelo Tribunal de Segunda Instância adoptada em relação ao pelo recorrente alegado, no sentido de que «a marca “Own the Future” já se encontrava registada na República Popular da China e em Hong Kong»; (cfr., doc. n°s 5 e 6 juntos com o recurso judicial para o Tribunal Judicial de Base, a fls. 72 a 78).

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por outra opinião, (não sendo de esquecer aqui a “natureza” dos ditos documentos), o certo é que, mesmo considerando-se tal “factualidade”, (como efectivamente “provada”), idêntica se nos apresenta que deve ser a solução quanto ao pretendido registo da dita marca, pelo que, sem mais delongas (ou formalidades) processuais, passa-se assim para a “decisão de direito” sobre o pretendido “registo da marca”.

–– Em recente acórdão desta Instância, onde se tratou de idêntica questão, teve-se oportunidade de consignar o que segue:

“Em causa no presente recurso está uma “questão” de “Direito da Propriedade Industrial” – em parte – regulada pelo D.L. n.° 97/99/M que aprovou o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), e em cujo preâmbulo se consignou:
“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
(…)
Quanto às marcas e outros sinais distintivos, a sua importância também não pode ser contestada: elas tendem a garantir a identificação do produto com o produtor, significando essa identificação uma determinada garantia de qualidade ou de origem e, consequentemente, criam a segurança na manutenção das qualidades e características do produto. Estes sinais distintivos contêm em si, portanto, um factor muito relevante de estímulo à diferenciação das empresas pela qualidade e uma fonte de segurança dos consumidores.
(…)”.
Estatui-se, por sua vez, no art. 1° deste referido R.J.P.I. que:
“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.
Daí que se diga que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.
Cabendo apreciar de um reclamado direito de “registo de uma marca”, vejamos que solução adoptar.
(…)
Nos termos do art. 197° do aludido R.J.P.I.: “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
E, assim, não obstante de um ponto de visto “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, (cfr., Luís M. Couto Gonçalves in, “Direitos de Marcas”, pág. 15), atento ao preceituado no referido art. 197° é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”; (cfr., v.g., O. Ascensão in, “Direito Comercial”, Vol. II, “Direito Industrial”, pág. 139)”; (cfr., o Ac. de 18.11.2020, Proc. n.° 174/2020).

In casu, e, tendo-se presente as “características” da requerida marca aqui em questão – “Own the Future” – cremos pois que, pela sua (em nossa opinião, patente) falta de “capacidade distintiva”, impõe-se concluir que a decisão de recusa do seu registo não merece censura.

Na verdade, e como pelas instâncias recorridas foi ponderado aquando da sua pronúncia em relação a tal “requisito”, (e, no fundamental, sufragando o entendimento dos Serviços de Economia), “é consideravelmente forte a probabilidade de ser apreendido como uma frase ou expressão que visa atrair a atenção dos consumidores”, (…) “muito dificilmente sendo entendida como marca identificadora de uma origem comercial de serviços assinalados”.

Com efeito, a expressão em questão, de caracter meramente “genérico”, (“comum”), e despida de qualquer “elemento figurativo”, não se nos apresenta com as necessárias “propriedades” para servir como “sinal distintivo” para efeitos do atrás transcrito art. 197° do R.J.P.I.

Porém, para a solução que se deixou adiantada importa ainda considerar o que segue.

–– Nas “conclusões” do seu recurso, alega também o ora recorrente que o dito (já efectuado) registo da marca na República Popular da China e em Hong Kong deve ser ponderado, invocando também o “princípio (denominado) «secondary meaning»”; (cfr., conclusões 5ª a 9ª).

Porém, e como já se deixou adiantado, não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.

Vejamos.

Considerando que a marca em questão está registada na República Popular da China e em Hong Kong, e invocando o teor do art. 6° quinquies A) da “Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial”, (cfr., Aviso n.° 94/99 in B.O. n.° 33, de 16.08.1999), é o recorrente de opinião que motivos não existem para o mesmo não suceder em Macau.

Pois bem, como é sabido, em matéria de “direito das marcas” vigora o “princípio da territorialidade”, (cfr., art. 4° e 5° do R.J.P.I.), nos termos do qual a “protecção da marca é de âmbito territorial”.

Isto é, (em princípio), uma marca registada num determinado ordenamento jurídico só goza de protecção no espaço em que o mesmo é aplicável.

Em suma, (e como cremos que resulta do art. 4° do R.J.P.I.), importa aqui ter em (especial) conta que os direitos de propriedade industrial são de base territorial, (“direitos territoriais”), o que quer dizer que a protecção inerente aos direitos privativos da propriedade industrial, (nomeadamente, quanto aos respectivos conteúdos e efeitos), é feita por referência a um determinado sistema jurídico, que é aquele à luz do qual são constituídos.

Nos termos do pelo recorrente invocado art. 6° quinquies da “Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial”:

“A) — 1) Qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registada no país de origem será admitida para registo e como tal protegida nos outros países da União, com as restrições a seguir indicadas. Estes países poderão, antes de procederem ao registo definitivo, exigir a junção de um certificado de registo no país de origem, passado pela autoridade competente. Não será exigida qualquer legislação deste certificado
2) Será considerado país de origem o país da União em que o requerente tem um estabelecimento industrial ou comercial efectivo e não fictício, e, se não tiver esse estabelecimento na União, o país da União em que ele tem o seu domicílio, e, se não tiver domicílio na União, o país da sua nacionalidade, no caso de ser nacional de um país da União”.

Porém, e independentemente do demais, há que ter igualmente presente o estatuído na “alínea B”, n.° 2 deste normativo, onde se prescreve que:

“B) Só poderá ser recusado ou anulado o registo das marcas de fábrica ou de comércio mencionadas no presente artigo nos casos seguintes:
1.º Quando forem susceptíveis de implicar lesão de direitos adquiridos por terceiros no país em que a protecção é requerida;
2.º Quando forem desprovidas de qualquer carácter distintivo ou então exclusivamente compostas por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a protecção é requerida;
(…)”.

E, como se viu, tendo-se concluído que a “marca” em questão não tinha “carácter distintivo”, (cfr., alínea B), n.° 2), visto cremos estar que censura não merece o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.

Por sua vez, e em relação ao invocado “secondary meaning”, cabe dizer o que segue.

A doutrina do “sentido secundário ou encoberto” – mais conhecida pela sua denominação de língua inglesa “secondary or covert meaning”, tem permitido que marcas constituídas por sinais originariamente genéricos e comuns, desprovidos de dinstintividade, venham a adquirir esta qualidade em virtude do seu uso, regular e contínuo, com certa – um mínimo de – duração e intensidade, e, como tal, com o efeito de converter este “sinal” em marca identificadora de produtos ou serviços; (como são, v.g., exemplos clássicos, a “National”, “Volkswagen” e “American Airlines”; cfr., entre outros, Joana A. M. Barros Fernandes in, “O princípio do Secondary Meaning no direito de marcas”, e A. Ferro Ricci in, “O sentido secundário da marca. Interpretação do art. 6°, quinquies, C1 da Convenção da União de Paris e os reflexos do uso prolongado e das demais circunstâncias de fato na protecção das marcas”).

O sentido que o sinal adquira diz-se também “secundário” porque se afirma mais tarde no tempo.

Como nota Joana Fernandes, (in ob. cit.): “sucede aqui o surgimento de um segundo significado da palavra em adição ao seu sentido originário, o que é fruto de uma mudança na forma como os consumidores percepcionam o sinal. É a esta percepção, aos resultados psicológicos que o uso do sinal propicia e a um diferente valor semântico por este alcançado, que o princípio do secondary meaning vem conceder protecção legal, permitindo a ascensão do sinal, inicialmente indistintivo, à condição de marca”.

O mecanismo funciona, pois, através da permuta da “semântica originária” pela de “segundo grau”, (ou seja, pela “associação do consumidor”, tradução da feliz referência doutrinal “buyer association”, utilizada por Willajeanne F. Mclean in, “The Birth, Death, And Renaissance Of The Doctrine Of Secondary Meaning In The Making”, 1993, pág. 748), proporcionando, assim, um “neologismo” com um significado novo e autónomo que já não se poderia referenciar como destituído de carácter diferenciador.

Porém, (o certo é que), no caso dos autos, “provado” não está o aludido “uso”, (com as referidas “qualidades”), para se poder considerar que, (em Macau), o sinal em questão está, (devidamente) assimilado, e, como tal, passível de ser considerado como “sinal (distintivo)” em “serviços da classe 36ª” do ora recorrente para que accionado seja o invocado princípio.

Dest’arte, há que se decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Março de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Cfr. Ac. do TSI de 26 de Julho de 2007, processo nº 516/2006, relator: Dr. Chan Kuong Seng, in www.court.gov.mo, Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, pgs. 42/43 e Cândido de Pinho, Notas e Comentários do Código do Processo Administrativo Contencioso, Vol. I, pgs. 85 a 89.
2 Só os sinais susceptíveis de representação gráfica, como palavras, números, letras, desenhos, sons. Um gesto é um sinal que tem significado, mas não é susceptível de representação gráfica, pelo que não pode ser registado como marca.
3 Cfr. Pinto Coelho, Marcas Comerciais e Industriais, p. 72; Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume I, 1973, p. 17 e Oliveira Ascensão, Direito Comercial – Direito Industrial – Volume II, p. 142.
4 Há legislações que expressamente estabelecem que não é registável como marca o sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda (art. 124º, VII, da Lei da Propriedade Industrial Brasileira).
5 Cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, 1973, p. 313, nota (2).
6 Em face da admissibilidade actual de transmissão autónoma da marca (independente da transmissão da empresa, estabelecimento comercial, etc.); em face da admissibilidade actual da licença de exploração da marca por terceiros e em face da admissibilidade da marca colectiva, o conceito de função distintiva dos bens em função das respectivas empresas ganhou diferentes contornos. Daí preferirmos a expressão “origem comercial” à expressão “origem empresarial”. Quanto à questão da redefinição do significado da função distintiva, Couto Gonçalves, Direito Industrial, Vol. II (obra colectiva – Associação Portuguesa de Direito Intelectual), p. 99 e segs. e Função Distintiva da Marca, Almedina, Colecção Teses.
7 Nos termos do art. 219º, a utilização da marca abrange a sua aposição em bens (produtos e serviços), a sua aposição em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos relativos à actividade empresarial do titular.
8 Nos termos do art. 219º, a utilização da marca abrange a sua aposição em bens (produtos e serviços), a sua aposição em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos relativos à actividade empresarial do titular.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Proc. 14/2021 Pág. 32

Proc. 14/2021 Pág. 31