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Processo nº 200/2020(I)
(Autos de recurso civil e laboral)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Nos presentes autos, e em sessão ordinária que teve lugar no passado dia 24.02.2021, proferiu esta Instância o seguinte acórdão:

“Relatório

1. Nos “autos de divórcio litigioso” – com a referência “FM1-17-0202-CDL” – do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, proferiu-se sentença onde se decidiu:
- declarar dissolvido o casamento entre a Autora A (甲), e o Réu B (乙), celebrado em Macau, declarando-se o Réu o único culpado;
- condenar o Réu no pagamento à Autora da quantia de MOP$300.000,00, (trezentas mil patacas), a título dos seus “danos não patrimoniais”;
- condenar o Réu no pagamento à Autora de uma quantia mensal de MOP$120.000,00, (cento e vinte mil patacas), a título de “alimentos”; e,
- absolver a Autora dos pedidos formulados pelo Réu”; (cfr., fls. 391 a 399-v do Apenso que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, o R. recorreu; (cfr., fls. 416 a 440-v).

*

Oportunamente, por Acórdão de 18.06.2020, (Proc. n.° 708/2019), o Tribunal de Segunda Instância concedeu parcial procedência ao dito recurso, revogando o segmento decisório com o qual se condenou o R. a pagar a referida indemnização a título dos “danos não patrimoniais” da A.; (cfr., fls. 470 a 485-v).

*

Mantendo-se inconformado, vem o mesmo R. recorrer para esta Instância; (cfr., fls. 499 a 523-v).

*

Após resposta da A., pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 532 a 536-v), e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância consideraram como adquirida a “matéria de facto” elencada e constante das suas decisões a fls. 392 a 392-v e 478-v e 479, respectivamente, cujo teor aqui se tem como integralmente reproduzido, e que, oportunamente, se fará adequada referência.

Do direito

3. O presente recurso tem como objecto o atrás referido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, datado de 18.06.2020.

Para uma boa (e cabal) compreensão do que com o presente recurso em causa (agora) está, tem-se desde já como útil e adequado consignar o que segue.

Ponderando na factualidade dada como provada, considerou, em síntese, a Mma Juiz do Tribunal Judicial de Base que – atento o estatuído no art. 1641° do C.C.M., (como serão os preceitos legais que adiante se fará referência sem expressa indicação de origem), e dado que os factos que integravam a comprovada violação pelo R. do seu “dever de respeito” constituíam uma conduta continuada e prolongada no tempo – em tempo estava o pela A. peticionado “divórcio”, (dando como não verificada a pelo R. invocada “caducidade do direito do divórcio”), e, considerando também que entre A. e R. se verificou uma “separação de facto” relevante em face do art. 1637°, al. a), decretou a requerida dissolução do casamento, declarando, nos termos do art. 1642°, o R. o seu único culpado, condenando-o, em conformidade com o art. 1647°, a pagar à A. a referida indemnização por “danos não patrimoniais” no valor de MOP$300.000,00, assim como na “pensão de alimentos” no valor de MOP$120.000,00, por ter como verificados os pressupostos legais do art. 1857°.

Por sua vez, em sede do recurso que do assim decidido interpôs o dito R., (confirmando-se toda a decisão da matéria de facto), e com excepção do segmento decisório referente à condenação na “indemnização dos danos não patrimoniais”, (que foi revogado), o Tribunal de Segunda Instância manteve toda a restante decisão (então) recorrida.

Verificando-se que o presente recurso é interposto pelo mesmo R., mostra-se de considerar como “definitivo” o segmento decisório relativamente aos aludidos “danos não patrimoniais” que, nesta parte, já transitou em julgado; (cfr., art. 574° e 582° do C.P.C.M.).

E passando-se então à apreciação das “questões” trazidas à apreciação desta Instância, vejamos.

Das suas – longas – alegações e conclusões de recurso que, como se sabe, delimitam o seu objecto, (e que, no caso, infelizmente, não se apresentam tão claras quanto seria desejável), colhe-se que o ora recorrente volta a colocar as mesmas questões antes já colocadas ao Tribunal de Segunda Instância, insistindo nos mesmos “vícios” que assaca à “decisão da matéria de facto” e de “direito”.

–– Em relação à “decisão da matéria de facto”, ponderando no que – de relevante – vem alegado e concluído, e em síntese que se nos mostra adequada, constata-se que o R., ora recorrente, mantém o seu inconformismo em relação à resposta dada aos “quesitos 3°, 11° e 14°”, considerando que “devem ser apreciados de novo”; (cfr., v.g., conclusões 1ª a 18ª).

Sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento que se possa ter sobre esta questão, (o certo é que) labora o ora recorrente em – manifesto – equívoco.

A resposta pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base dada aos referidos quesitos não merece o mais pequeno reparo.

Com efeito, e como se consignou na respectiva “fundamentação” – que não obstante, sintética, se apresenta completa, lógica e (absolutamente) inteligível, (cfr., fls. 386-v a 387) – a decisão do dito Colectivo assentou na análise global e cruzada efectuada aos documentos juntos aos autos e ao teor dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, tendo-se esclarecido (expressamente) a razão da preferência dada ao teor dos depoimentos das testemunhas pela A. arroladas em termos perfeitamente razoáveis e aceitáveis, (invocando-se, nomeadamente, a sua qualidade de seus “filhos” e “amigos”, e assim, com conhecimento pessoal e directo dos factos sobre os quais depuseram), nenhuma razão assistindo ao R. ora recorrente na questão em apreciação, pois que os elementos probatórios em causa foram objecto da “livre apreciação” (e convicção) do Tribunal, sem o mínimo desrespeito a qualquer regra de direito probatório, (cfr., v.g., o art. 558° do C.P.C.M.), mostrando-se de consignar também que o pelo R. invocado “relatório” pelo Instituto de Acção Social elaborado e junto aos autos não constitui elemento probatório ao qual estivesse o Tribunal “vinculado” dado não se tratar de nenhum “documento autêntico”, com “força probatória plena”; (cfr., v.g., Viriato Lima in, “Manual de Direito Processual Civil”, 3ª edição especial, 2018, pág. 411 e segs.).

Continuando no seu esforço em rebater (e controverter) a factualidade dada como provada, diz também o recorrente que a mesma encerra “juízos conclusivos” e “conceitos de direito”, citando, como fundamento do seu entendimento, o comentário que o Exmo. Ex-Juiz deste Tribunal de Última Instância Viriato Lima faz sobre a matéria.

Ora, aqui, e embora se nos mostre inteiramente correcto e de sufragar o referido comentário, apenas em parte tem o recorrente razão.

Na verdade, como nota Viriato Lima:

“12.8.1.1. Distinção entre a matéria de facto e de direito
1) “A matéria de facto respeita à averiguação dos factos e o resultado dessa actividade exprime-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa (aconteceu o facto x; o facto y não se realizou); a matéria de direito refere-se à aplicação das normas jurídicas aos factos e o resultado dessa actividade pode ser avaliado segundo um critério de correcção ou de justificação (a norma x regula a situação y; a norma z é aplicável ao facto t)”.
2) Os factos são os acontecimentos da vida, não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, a intenção de uma pessoa na celebração de um negócio, as dores físicas, as angústias.
3) Factos são não só os eventos reais, como também os hipotéticos, como por exemplo, saber-se se o credor teria sofrido a perda da coisa mesmo que não tivesse havido violação do contrato por parte do devedor, ou se o proprietário poderia ter obtido determinados frutos com a coisa de cuja posse esteve privado.
4) A matéria de direito é toda a que se relaciona com a existência, validade ou interpretação-de normas jurídicas.
5) Há certos juízos que contêm subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que são de uso corrente na linguagem, como “pagar”, “emprestar”, “vender”, “arrendar”, “dar em penhor” e que são de equiparar a factos.
(…)
6) A divisória entre facto e direito, para efeitos de elaboração da selecção da matéria de facto, mas não só, não é doutrinal, é sobretudo de índole pragmática.
O que pode ser direito numa causa – para efeitos de constar da referida peça – pode não o ser noutra.
Como explica ANSELMO DE CASTRO, citando ROSENBERG, “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes”.
(…)”; (in ob. cit., pág. 432 a 434).

Aqui chegados, vejamos.

Pois bem, relativamente à questão de se saber se o enunciado de determinado juízo probatório – formulado em sede de prova legal ou no domínio da prova livre – constitui “matéria de facto” ou “matéria de direito”, cabe desde já dizer que a mesma se reconduz a uma “questão de direito”, distinta de qualquer valoração probatória.

Como é sabido, (e bem notam os citados autores), é bem conhecida a problemática relativa à distinção entre “matéria de facto” e “matéria de direito”.

Porém, saber se determinado enunciado exprime uma realidade factual juridicamente relevante, ou apenas uma qualificação ou valoração jurídica sobre essa realidade, é questão que não pode ser equacionada em termos (puramente) abstractos (ou teóricos), dependendo, também, (ou sobretudo), do contexto alegatório de cada caso e do seu alcance semântico, em função da questão em causa e do quadro normativo aplicável; (cfr., v.g., Anselmo de Castro in, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 270).

Dúvidas não há que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam susceptíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.

É o que sucede, v.g., quando estamos perante enunciados que contenham em si mesmo uma resposta antecipada (ou final) a uma questão de direito.

Nesta linha, os enunciados que reproduzam conceitos, cláusulas e classificações constantes das previsões normativas aplicáveis ou qualificações e valorações a estas inerentes não devem ser considerados como enunciados de facto.

No entanto, cabe realçar que se tem admitido que as expressões descritivas constantes de previsões normativas colhidas da linguagem comum, possam ser empregues como enunciados de facto com o sentido corrente, a menos que se mostrem controvertidas.

Por sua vez, os enunciados que, muito embora contribuam para a categorização ou compreensão intelectiva de determinada realidade de facto, mas que sejam desprovidos da objectividade necessária à identificação dos elementos individualizadores dessa realidade como espécie de facto singular, não deverão, também, (em princípio), ser tidos como matéria susceptível de um juízo probatório factual, sendo, todavia de admitir, ou ter como aceitável, que as ilações extraídas de determinados resultados probatórios ou de factos instrumentais no sentido da comprovação de factos essenciais, ainda que por via de uma inferência conclusiva, integrem o próprio juízo de facto.

In casu, (atento o que se deixou consignado, e independentemente do demais, nomeadamente, do que mais adiante se dirá), as “expressões” pelo recorrente invocadas e contidas nas respostas aos quesitos 4° e 9° – “經常” – devem, ou podem, (em língua portuguesa), ser entendidas como “frequentemente”, ou “com frequência”, com elas se pretendendo esclarecer que as “condutas” a que dizem respeito eram “habituais”.

E, nesta conformidade, temos para nós que, nesta parte, tem o recorrente razão.

Com efeito, a “qualificação” de uma conduta como “frequente” ou “habitual” implica que se saiba, (e se tenha previamente como assente), o número de vezes e o período de tempo no qual a mesma se repetiu, e, assim, a sua (imediata) qualificação como “frequente”, ou “habitual”, sem tal esclarecimento, encerra, efectivamente, um “juízo conclusivo”.

Mais correcto ou adequado (cremos que) seria identificar – o mais concretamente possível – as “datas” em que as condutas ocorreram, ou, pelo menos, referir-se, ainda que por aproximação, quantas vezes tiveram lugar (em determinado período de tempo) para, depois, aquando da sua apreciação e enquadramento se (poder ou não) “concluir” pela sua (eventual) “frequência”.

Porém, (como já se referiu), o que se consignou apresenta-se sem relevo para a pretensão do ora recorrente, (que, em bom rigor, se prende com a questão da “caducidade da acção de divórcio”, e que, mais adiante se apreciará).

Continuando, cabe dizer que em relação as “expressões” contidas na resposta ao quesito 10° – “共同居住…”, “分居” e “不願與被告繼續共同生活” – devem, (ou podem), em face do seu contexto, ser entendidas como “viver juntos numa mesma casa”, “separar” ou “deixar de viver numa mesma casa” e “sem intenção de voltar a viver juntos”, e que, as contidas nas respostas aos quesitos 12° e 12°-A – “一直扶持被告” e “一直接受被告撫養” – devem (ou podem) igualmente ser entendidas como significando “apoiou” ou “ajudou o R.” e “desde sempre que viveu a expensas do R.”, não se nos apresentando de as considerar “juízos conclusivos” ou “matéria de direito”.

–– Resolvidas que assim se nos apresentam as questões pelo recorrente colocadas em relação à “decisão da matéria de facto”, passemos agora para o seu “enquadramento jurídico”, começando-se, para já, pelas “razões” do decretado divórcio.

Pois bem, da factualidade dada como “provada” está assente que A. e R. casaram-se em Macau em 16.09.1994, e que deste casamento tiveram um filho, nascido em 30.06.1997, e uma filha, nascida em 20.11.2003; (cfr., “alíneas A e B” dos factos provados).

Por sua vez, (e com relevo para a decisão a proferir, e procedendo-se aqui a uma “rearrumação” da factualidade atenta a sua cronologia), mostra-se de salientar que resulta igualmente da mesma matéria de facto dada como adquirida que:
- em 2008, quando o filho tinha 11 anos, o R. atirou-lhe uma cadeira;
- em 2011, estando a família toda em férias num quarto de hotel, e na frente dos filhos, o R. atirou um cobertor à A.;
- desde 2012 que, por vezes, o R. não volta para casa à noite;
- em finais de 2014, a A. veio a saber que o R. tinha uma amante com quem matinha uma relação estável e que o próprio (R.) reconheceu;
- em relação à A. (e filhos), o R. tem vindo a apresentar uma “cara severa”, envolvendo-se em discussões em que grita para a A., dizendo-lhe em alta voz, “sai!”, “sai daqui!”, ou “foda-se!”; (e que),
- em Janeiro de 2015, e em resultado da referida conduta do R., a A. desistiu de viver com o R. e saiu de casa, não mais regressando e não pretendendo voltar a viver com o R.; (cfr., teor da respostas aos quesitos da base instrutória).

Aqui chegados, atento o que se deixou consignado, (e antes de mais), mostra-se de dizer que a pelo ora recorrente (re-)colocada questão da “caducidade” constitui uma (verdadeira) “falsa questão”.

Vejamos.

Nos termos do art. 1641° do C.C.M.:

“1. O direito ao divórcio caduca no prazo de 3 anos, a contar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu representante legal teve conhecimento do facto susceptível de fundamentar o pedido.
2. O prazo de caducidade corre separadamente em relação a cada um dos factos; tratando-se de facto continuado, só corre a partir da data em que o facto tiver cessado”.

E, como já se deixou relatado, considerou-se que os factos provados que constituíam a “violação do dever de respeito” pelo R. integravam uma “conduta continuada”, e que, assim, por aplicação do n.° 2 do transcrito art. 1641°, decorrido ainda não estava o aí referido prazo de “3 anos” para se dar por verificada a (pelo mesmo R.) invocada “caducidade da acção de divórcio”; (sobre a questão, e em especial sobre a “contagem” do dito prazo, vd., v.g., José António de França Pitão in, “Sobre o divórcio”, Almedina, pág. 135 e segs., e, F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in, “Curso de Direito da Família”, Coimbra Editora, pág. 641 e segs.).

Porém – notando-se que os “factos relevantes” para tal consideração não se encontram “concretamente datados”, tornando, no mínimo, algo “complexa” a contagem do dito prazo, (e atento a que a referida “situação” se terá necessariamente alterado com a “saída de casa por parte da A.”) – importa ter em conta que, in casu, (claramente) provado está também que esta saída ocorreu em Janeiro de 2015, que a A. não mais regressou, não pretendendo voltar a ter uma “vida de casal” com o R.”, encontrando-se, assim, perfeitamente verificado o “fundamento do divórcio” previsto no art. 1637°, al. a) e art. 1638°, n.° 1 do C.C.M., ou seja, a “separação de facto por 2 anos consecutivos sem o propósito de restabelecer a comunhão de vida”, (ou, como se verá, a “ruptura da vida em comum”).

Nesta conformidade, e ainda que por razões não totalmente coincidentes, imperativo é pois concluir – não só – que inverificada está pelo recorrente reclamada “caducidade”, sendo, igualmente, de se consignar, que inteiramente correcta se apresenta a “declaração de dissolução do casamento” com o decretado “divórcio”.

Com efeito, importa aqui ponderar no que segue.

Como é sabido, o (actual) C.C.M. – não obstante constituir um grande esforço em matéria de “localização das leis”, (no caso, o anterior C.C. de 1966) – não deixa de estar (profundamente) influenciado pela doutrina civilista portuguesa.

Relativamente ao seu Livro IV, que o regula o “Direito da Família” – e sem prejuízo de, nesta matéria, se ter expressamente assumido como um “produto atento às especificidades locais”, (cfr., a “Nota de Abertura” da autoria de M. Urbano, junta à edição do C.C.M. da Imprensa Oficial de Macau, pág. XXXIII, e Manuel Trigo in, “Lições de Direito da Família e das Sucessões”, Vol. II, pág. 321 e segs.) – e em especial, no que diz respeito ao Capítulo do “Divórcio”, acompanha-se, (essencialmente), o “sistema tradicional” com três tipos de “divórcio”: o “divórcio por mútuo consentimento”, o “divórcio litigioso por causas subjectivas (culposas)” e o “divórcio litigioso por causas objectivas”.

Como nota M. Trigo, (in ob. cit., pág. 359), o “divórcio litigioso” – que no caso dos autos, é o que interessa – pode fundar-se em “violação culposa dos deveres conjugais”, (cfr., art°s 1635° e 1636°), e em “ruptura da vida em comum”; (cfr., art°s 1637° a 1639°).

E, nesta conformidade – certo sendo que a causa de pedir numa “acção de divórcio” não deixa de ser (também) constituída por “todos os factos”, (materiais e concretos), que se invocam como fundamento para a obtenção do efeito jurídico pretendido, ou seja, a “dissolução do casamento” – e tendo a A. invocado na sua petição inicial uma “causa de pedir” – que se pode apelidar de “complexa”, (cfr., fls. 2 a 6, podendo-se sobre a questão ver, v.g., M. Andrade in, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, pág. 111), que integrava ambos os supra referidos “fundamentos do divórcio”, visto cremos que está que adequada é a solução que se deixou consignada.

Por sua vez, provado estando que a A. “saiu de casa em virtude da conduta pelo ora recorrente desenvolvida”, dúvidas não existem que, atento o estatuído no art. 1638°, n.° 2 do referido código – onde se preceitua que “Na acção de divórcio com fundamento em separação de facto, o juiz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja, nos termos do artigo 1642.º” – igualmente acertada foi a decisão no sentido de se declarar o mesmo o “único culpado pelo divórcio”; (cfr., também, Manuel Trigo, in ob. cit., pág. 335).

Finalmente, resta ver se adequado foi também o decidido no que diz respeito aos “alimentos” à A. fixados no montante de MOP$120.000,00 por mês.

Vejamos.

Nos termos do art. 1857° do C.C.M.:

“1. Têm direito a alimentos, em caso de divórcio:
a) O cônjuge não considerado culpado ou, quando haja culpa de ambos, não considerado principal culpado na sentença de divórcio, se este tiver sido decretado com fundamento no artigo 1635.º ou nas alíneas a) ou b) do artigo 1637.º;
b) O cônjuge réu, se o divórcio tiver sido decretado com fundamento na alínea c) do artigo 1637.º;
c) Qualquer dos cônjuges, se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divórcio litigioso, ambos foram considerados igualmente culpados.
2. Excepcionalmente, pode o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito, nos termos do número anterior, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal.
3. Na fixação dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que têm de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e sobre as possibilidades do que os presta”.

Ora, provado estando que “desde 2015 que o ora recorrente vinha assumindo os gastos da A., entregando-lhe, mensalmente, o dito montante de MOP$120.000,00, pagando-lhe também as despesas do seu cartão de crédito”, e verificada não estando, por sua vez, nenhuma “alteração da situação económica ou financeira” de qualquer um deles, evidente é que, também aqui, se deve confirmar o decidido, pois que presentes estão os pressupostos do transcrito art. 1857°, n.° 1, al. a) e art. 1637°, al. b).

Dest’arte, em face do que se deixou expendido, e outra questão não havendo a decidir, vista está a solução a adoptar em relação ao presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com a taxa que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 553 a 573 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Notificado, e tempestivamente, veio o recorrente, (B), requerer o esclarecimento do decidido no que toca aos seguintes pontos:

“a) se os factos que na opinião deste Tribunal não serviriam para sustentar uma violação dos deveres conjugais (nomeadamente porque enfermam juízos conclusivos), servem, no entanto, para determinar a culpabilidade pela ruptura da vida conjugal;
b) em que termos minimamente cognoscíveis é que a medida fixada a título de alimentos devidos pelo Recorrente à Recorrida (i.e. MOP$120,000) se enquadra nas necessidades específicas desta e da sua incapacidade de prover pelos mesmos”; (cfr., fls. 578 a 581-v).

*

Observada que foi a devida tramitação do suscitado incidente, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem requerido o esclarecimento do acórdão por esta Instância prolatado relativamente aos (2) “pontos” a que atrás já se fez referência.

Como cremos que é pacífico e adquirido, o esclarecimento – ou a “aclaração” – de uma decisão, apenas se justifica quando a mesma se apresente ou contenha alguma “obscuridade” ou “ambiguidade”; (cfr., art. 572° do C.P.C.M.).

No caso, admitindo-se – obviamente – outro entendimento, cremos que o decidido não padece das assinaladas “deficiências”, nada havendo a esclarecer, (pois que “in claris non fit interpretatio”).

O que, (em nossa opinião), cremos suceder, é manter-se o recorrente inconformado com a solução a que se chegou no processo de divórcio do qual foi parte, pretendendo, por isso, insistir na valia dos seus argumentos.

E, desta forma, como se mostra evidente, adequado, (“próprio”), não é o meio processual empregue – o presente “pedido de esclarecimento” – pois que o efectivamente pretendido, extravasa, claramente, a finalidade do incidente apresentado, bastando para tal ver que em parte alguma do aresto em questão (e que se deixou transcrito na íntegra) se referiu – como agora se afirma – que os “factos” – agora, pelo requerente indicados – “não serviam para sustentar uma violação dos deveres conjugais”, afigurando-se-nos, aliás, que sem esforço se colhe que a invocada “questão” (da relevância dos aludidos “factos”) foi apenas tratada a propósito da pelo recorrente assacada “caducidade da acção de divórcio”, (cfr., pág. 14, § 2° do acórdão), constituindo, desta forma, uma exagerada extrapolação a conclusão a que chega o ora requerente, até mesmo porque, em nossa opinião, óbvio se apresenta que, (globalmente ponderados), os “factos dados como provados” com relevo para a decisão, (e que foram elencados a fls. 15 a 16 do aresto prolatado) não deixam de ser (claros e suficientemente) “justificativos” da saída da casa de morada da família por parte da recorrida, e, assim, a determinar, a atribuição ao ora requerente da “culpabilidade pela ruptura da vida conjugal”.

Por fim, e quanto à “questão dos alimentos”, cremos nós que com a mesma evidência se apresenta que nenhuma razão assiste ao ora requerente.

Na verdade, temos para nós que o que no acórdão requerido se consignou se mostra (perfeitamente) adequado e bastante para a decisão aí proferida.

Porém, desde já, e sem nenhuma dúvida o admitimos, (muito) mais se poderia argumentar e expender sobre o tema…

Contudo, em face do que “provado” está – e não se mostrando de olvidar que, em processos como os de “divórcio”, os alimentos não devem limitar-se a constituir o “indispensável à sobrevivência” de quem deles beneficia, devendo, antes, proporcionar, na medida do possível, a (mesma) “situação material”, ou seja, o mesmo “trem de vida económico e social” que teria se a vida em comum se mantivesse – (cfr., v.g., Vaz Serra in, “Obrigação de alimentos”, B.M.J. 108°-75; A. Delgado in, “Do Divórcio”, pág. 203 e A. Varela in, “Direito da Família”, pág. 287) – mais não se mostra de consignar para se decidir como segue.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expendidos, em conferência, acordam indeferir o requerido esclarecimento.

Custas pelo requerente com taxa de justiça de 5 UCs.

Notifique.

Macau, aos 21 de Abril de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 200/2020-I Pág. 2

Proc. 200/2020-I Pág. 1