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Processo nº 129/2020 Data: 03.03.2021
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Associação dos Advogados de Macau.
Conselho Superior da Advocacia.
Processo disciplinar.
Recurso de decisão punitiva.
Isenção de custas.
Erro nos pressupostos de facto.
Princípio do aproveitamento do acto. (Pena disciplinar).


SUMÁRIO

1. Sendo a “Associação dos Advogados de Macau” uma “pessoa colectiva de direito público” com “competências” que lhe são (especialmente) reconhecidas no âmbito de uma dinâmica de descentralização administrativa, e em causa nos presentes autos estando o exercício da “jurisdição disciplinar” por parte do seu órgão de disciplina profissional, ou seja, o “Conselho Superior da Advocacia”, adequado é de se considerar que beneficia da “isenção subjectiva” a que se refere a alínea b), do n.° 1, do art. 2°, do “Regime das Custas nos Tribunais”, aprovado pelo D.L. n.° 63/99/M.

2. Constatando-se que a “decisão punitiva” assenta numa “situação” que não corresponde ao que efectivamente sucedeu, (e se apurou), reparo não merece o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância que poe este motivo a considerou inquinada com o vício de “erro nos pressupostos de facto”.

3. O “princípio do aproveitamento dos actos (administrativos) pelo Tribunal”, (não invalidando o acto recorrido apesar do “vício” de que padece), não se mostra aplicável em sede de “escolha (ou dosimetria) da pena disciplinar”.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 129/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), Advogado, recorreu da deliberação do “CONSELHO SUPERIOR DE ADVOCACIA”, (C.S.A.), que o puniu com a pena disciplinar de censura; (cfr., fls. 2 a 34 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 02.04.2020, (Proc. n.° 630/2018), decidiu-se conceder provimento ao recurso, anulando-se a referida deliberação; (cfr., fls. 190 a 210-v).

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Inconformado com o assim decidido, o referido “Conselho Superior de Advocacia” recorreu; (cfr., fls. 222 a 230).

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Após resposta no sentido da improcedência do recurso, (cfr., fls. 236 a 242), foram os autos remetidos a esta Instância, neles subindo um “recurso de um Acórdão interlocutório” antes admitido com subida diferida; (cfr., fls. 140 a 140-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando pela procedência de ambos os recursos; (cfr., fls. 255 a 259).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, dois são os recursos pelo ora recorrente trazidos a esta Instância.

Nada parecendo obstar o seu conhecimento, vejamos se merecem provimento.

2.1 Tendo presente as “questões” nos ditos dois recursos colocadas, e inexistindo neles qualquer “relação de prejudicialidade”, comecemos pelo “recurso do Acórdão interlocutório”.

Este recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 09.05.2019 que confirmou o despacho do Exmo. Relator no qual se determinou a emissão de guias para efeitos de “pagamento de preparos” pelo ora recorrente, (então recorrido); (cfr., fls. 112 a 112-v e 128 a 134).

Nas suas alegações, e em conclusões, diz o recorrente o que segue:

“1. A recorrente é uma entidade integrada na Associação dos Advogados de Macau (AAM), sendo, no entanto, autónoma e independente nas suas funções jurisdicionais.
2. O douto acórdão ora recorrido afirma que a AAM não se encontra abrangida pela norma do art.° 2.°, n.° 1, alínea b), do Regime das Custas nos Tribunais, por não ser uma entidade pertencente à administração indirecta do Governo da RAEM;
3. A Lei de Bases da Organização Judiciária atribui a devida importância aos advogados, pelo papel que desempenham no sistema judiciário, no qual exercem uma função de manifesto interesse público, na colaboração da administração da Justiça e no próprio sistema jurídico;
4. A importância do papel dos advogados na administração da Justiça determinou a necessidade de criar uma entidade, na forma de uma pessoa colectiva de Direito Público, a quem compete a regulação da profissão, que é a Associação dos Advogados de Macau;
5. E para a competência jurisdicional disciplinar, dentro desta profissão, foi criada uma outra entidade independente, integrada naquela, que é o Conselho Superior da Advocacia (CSA), ora recorrente;
6. Nos termos do Estatuto do Advogado, a Associação dos Advogados de Macau (AAM) é uma Associação Pública, ou seja, é uma Pessoa Colectiva Pública, entidade com personalidade jurídica, criada por iniciativa pública, para assegurar a necessária prossecução de interesses públicos que lhe são cometidos pela Lei, sendo um sujeito de Direito Público;
7. O art.° 92.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), dispõe que é ao Governo a quem incumbe o estabelecimento de regras sobre o exercício da profissão forense, com base no sistema anteriormente vigente em Macau;
8. O art.° 129.° da mesma Lei Básica, tem implícita uma delegação de tais poderes na AAM, através do seu reconhecimento como (a única) associação pública profissional da RAEM;
9. Como pessoa colectiva pública, sujeito de Direito Público, que exerce competências de administração pública que lhe são atribuídas pela Lei, a AAM é um organismo integrado na administração da RAEM, de carácter personalizado, pertencente à administração indirecta;
10. O douto Acórdão nega à AAM este estatuto, referindo que, para que assim fosse, a AAM teria que, de alguma forma, se encontrar debaixo da tutela do Governo, o que não acontece uma vez que "A AAM é inteiramente autónoma";
11. Tal não corresponde à realidade, uma vez que, em termos financeiros, a AAM depende de um subsídio anual atribuído pelo Governo para financiar a sua actividade;
12. Esta dependência financeira significa que a autonomia da AAM relativamente ao Governo, é apenas relativa, encontrando-se em pé de igualdade relativamente a outras entidades consideradas como integradas na administração pública;
13. Assim, por força do disposto no art.° 2.°, n.° 1, alínea b), do Regime das Custas nos Tribunais, a AAM e o CSA gozam de isenção do pagamento de custas e preparos;
14. Ainda que não se entenda que a AAM é uma entidade que pertence à administração indirecta da RAEM, dúvidas não haverá que então pertence à administração autónoma da mesma, gozando ainda assim da isenção pretendida, tal como o afirma o Digníssimo Magistrado do Ministério Público na sua pronúncia quanto a esta questão;
15. O tribunal a quo alterou a sua posição relativamente à tese por si anteriormente defendida, de que a AAM deveria requerer ao Chefe do Executivo a sua declaração como pessoa de utilidade pública administrativa, para poder gozar da referida isenção do pagamento de preparos e custas, tal como as pessoas colectivas de direito privado declaradas como de utilidade pública;
16. Do facto de a AAM ter originariamente, utilidade pública, por assegurar a prossecução de fins de interesse público, não pode decorrer uma menoridade de estatuto relativamente às associações privadas, ainda que de utilidade pública;
17. Nos termos da alínea c), do n.° 1, do artigo 36.°, do Decreto-Lei n.° 31/91/M, de 6 de Maio (Estatuto do Advogado), e do art.° 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 46/93/M, constituem receitas da AAM, uma participação nas custas judiciais e no imposto de justiça pagos na RAEM;
18. Esta participação nas custas judiciais é um dos comandos da lei que presidiu à criação da AAM e ilustra bem a importância do papel dos advogados na administração da Justiça e o entendimento da Lei de que a AAM se encontra integrada na Administração;
19. Constitui um contra-senso, entender que a AAM, e o CSA por via daquela, fossem financiados de forma directa pela administração da RAEM, e não fossem considerados serviços ou organismos personalizados da mesma, pertencentes à administração indirecta (ou mesmo autónoma, como entende o MP);
20. Maior contra-senso constitui o facto de tal financiamento se fazer, por comando da Lei, através da atribuição directa à AAM, e através desta ao CSA, de uma participação nas custas judiciais e no imposto de justiça pagos na RAEM, e se decida que estes devem também pagar custas e preparos, como se de uma devolução parcial se tratasse;
21. Quanto a esta parte, o tribunal a quo efectuou um estudo sobre a sucessão de regulamentos que dispõem sobre a origem do montante do encargo constituído pelo subsídio anual a atribuir à AAM e concluiu que, desde o Regulamento Administrativo n.° 10/2003 que a AAM não recebe qualquer verba proveniente de custas judiciais pagas nos Tribunais da RAEM;
22. Desde logo, tal estudo traz à luz o facto de existir uma óbvia contradição legal entre tal regulamento administrativo e os artigos 36.° do Decreto-Lei n.° 31/91/M, de 6 de Maio (Estatuto do Advogado), e 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 46/93/M;
23. É manifesto que aquele atenta contra o disposto nestas normas, pelo que, em termos de sucessão de leis, o disposto em tal regulamento, quanto a este assunto, deveria ser desconsiderado, pois que as normas citadas nunca foram revogadas nem alteradas;
24. Confrontados com tal estudo, não podemos deixar de nos questionar se o tribunal a quo pretende concluir com o mesmo que a AAM já foi em tempos isenta de preparos e custas, não o sendo desde a data em que a mesma deixou de receber uma participação directa das custas e impostos de justiça pagos;
25. Esta interrogação ilustra bem o nosso entendimento de que tal estudo não tem qualquer relevância para a questão em apreço, até porque a sua conclusão seria contrária aos mais elementares princípios do Direito Administrativo;
26. No acórdão ora em causa, faz-se ainda apelo a uma analogia da questão decidida relativamente a uma situação de carácter comercial;
27. Não se está aqui a tratar de uma situação de carácter comercial, mas antes de saber se a determinada pessoa colectiva pública de Direito Público não caberá o mesmo tratamento que se dá inclusivamente a pessoas colectivas de direito privado, mas que foram declaradas de utilidade pública;
28. Por outro lado, tal analogia não deixa de ser algo falaciosa, uma vez que descura a análise de muitos factores teriam que ser ponderados, para se chegar à conclusão sobre o direito a tal gratuitidade da parte de uma das partes.
29. Para se utilizar tal analogia na presente situação, então haveria que a aplicar à contribuição da douta decisão ora em causa para o diferente tratamento que a mesma pretende dar à AAM, enquanto pessoa colectiva pública de Direito Público, relativamente às pessoas colectivas de direito privado, declaradas como sendo de utilidade pública;
30. A atribuição de financiamento às entidades públicas administrativas não se rege por uma lógica comercial, mas antes por uma lógica de necessidade de cobertura económica dos encargos com as actividades que necessitam de desenvolver para prosseguir os interesses públicos que lhes estão cometidos;
31.Ao impor a tais entidades a necessidade do pagamento de encargos como as custas judiciais e preparos em quaisquer processos decorrentes da impugnação de decisões tomadas no âmbito das competências que lhes são atribuídas, está-se a retirar às mesmas uma margem de capacidade financeira para cobrir outros encargos necessários à prossecução dos fins de interesse público que lhes compete, ideia, aliás, que se encontra bem exposta no douto entendimento do Digníssimo Magistrado do MP, quanto à questão decidida;
32. Neste é referido que não deixa de ser ilógico que a AAM tivesse uma participação nas custas judiciais arrecadadas pela justiça e tivesse que pagar, ela própria, custas na justiça por causa do exercício das suas funções públicas de entidade administrativa;
33.As considerações acima tecidas sobre a AAM são aplicáveis ao CSA, ora recorrente, entidade independente integrada naquela;
34. Por todo o exposto, entendemos que o douto acórdão ora recorrido violou o preceituado no art.° 2.°, n.° 1, alínea b) do Regime das Custas nos Tribunais, pelo que se encontra ferido do vício de violação de lei, devendo ser revogado e reconhecida a devida isenção de custas e preparos à AAM e, por via desta, à entidade ora recorrente”; (cfr., fls. 148 a 164).

Como se vê, entende – em síntese – que o “acórdão ora recorrido violou o preceituado no art.° 2.°, n.° 1, alínea b) do Regime das Custas nos Tribunais, pelo que se encontra ferido do vício de violação de lei, devendo ser revogado e reconhecida a devida isenção de custas e preparos à AAM e, por via desta, à entidade ora recorrente”; (cfr., conclusão 34a).

Em questão está o assim invocado art. 2°, n.° 1, al. b) – aqui aplicável por força do 84° – do “Regime das Custas nos Tribunais”, aprovado pelo D.L. n.° 63/99/M, onde se estatui que:

“1. São isentos de custas:
a) O Estado responsável pelas relações externas do Território;
b) O Território, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados;
(…)”; (sub. nosso).

E, antes de mais, mostra-se oportuna a seguinte “nota prévia”.

O direito (fundamental) de “acesso ao direito e aos Tribunais” – cfr., art. 36° da L.B.R.A.E.M. – poderia levar à defesa do princípio da gratuitidade do funcionamento da máquina judiciária.

Sucede porém, (como também já notou A.S. Abrantes Geraldes), que como alguém teria de suportar os custos finais, estes iriam-se repercutir (necessariamente) na generalidade dos cidadãos, através do pagamento de impostos; (cfr., “Temas Judiciários”, Vol. I, pág. 173).

Abordando a questão de dever ou não ser a “justiça gratuita”, também há muito que concluiu Alberto dos Reis que sem prejuízo de se dever inscrever no Orçamento Geral as verbas necessárias ao funcionamento dos Tribunais, não deviam os litigantes ficar dispensados da obrigação de suportar, pelo menos, uma parte da despesa global com a administração da justiça; (cfr., “C.P.C. Anotado”, Vol. II, pág. 199).

Acresce também que a necessidade de pagamento de custas judiciais encontra a sua justificação (racional) num princípio de justiça distributiva, constituindo também um travão que não deixa de atenuar os efeitos negativos da excessiva litigiosidade, contribuindo, (eventualmente), para afastar dos Tribunais questões que – em termos jurídicos, económicos ou sociais – se mostrem irrelevantes; (neste sentido, cfr., v.g., S. Costa in, “C.C.J. Anotado”, pág. 30, e B. Sousa Santos in, “Os Tribunais nas sociedades contemporâneas”, pág. 158).

Com efeito, e como também ocorre com a generalidade dos serviços públicos – v.g., educação (propinas) e saúde (taxas) – o funcionamento dos mecanismos jurisdicionais está, em regra – excepto casos de isenção ou dispensa – sujeito a tributação, a fim de, por um lado diminuir a responsabilidade pública e de moderar o uso dos Tribunais.

Justificada que assim cremos ficar a “regra ou princípio geral do pagamento de custas judiciais”, (cfr., art. 1°, n.° 2 do R.C.T.), e não se olvidando que em causa está uma invocada “excepção” a tal regra com base numa “isenção (legal) de natureza subjectiva”, (relativa ao “sujeito processual”, cujo critério assenta na qualidade do sujeito responsável), vejamos.

Ora, da reflexão que sobre a “questão” nos foi possível efectuar, e tendo-se presente que uma boa interpretação da lei não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico-exegética determina correctamente o sentido textual da norma, sendo antes aquela que numa perspectiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto, cremos que o ora recorrente tem razão, pois que sem prejuízo do muito mérito do Acórdão agora recorrido, apresenta-se-nos de ter como mais adequado considerar a “Associação de Advogados de Macau”, (A.A.M.)., (da qual faz parte o ora recorrente), uma “associação pública” com a natureza de “pessoa colectiva pública” – “sui generis” – que, no âmbito do exercício de atribuições e competências (públicas) por Lei atribuídas, deve ser considerada como integrante da Administração da R.A.E.M.; (aliás, atente-se no “Portal do Governo da R.A.E.M.”, in “www.gov.mo”, onde a A.A.M. está referenciada como “Associação Pública”, integrante da “Administração indirecta”).

Passa-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

Consigna-se, desde já, que o tema em questão – que se relaciona com a “natureza jurídica das associações públicas profissionais” (e seus efeitos em matéria fiscal) – tem sido objecto de abordagens várias e até de alguma controvérsia; (cfr., v.g., e entre outros, R. Ehrhardt Soares in, “A Ordem dos Advogados – Uma Corporação Pública”, R.L.J., Ano 124°, pág. 164 e 165; Jorge Bacelar Gouveia in, “As Associações Públicas Profissionais no Direito Português”; podendo-se também ver o Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Federal do Brasil, no julgamento “ADIn n.° 3.026”, Rel. Min, Eros Grau, relativamente à “Ordem de Advogados Brasileira”).

Isto dito, vejamos.

Pois bem, como – cremos – ser sabido, a “Administração Pública” é uma realidade vasta, complexa, em constante mutação, e tradicionalmente entendida num duplo sentido: o “orgânico” e o “material”.

No sentido “orgânico”, a administração pública é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado e de outras entidades públicas que visam a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas.

No sentido “material”, a administração pública é a própria actividade desenvolvida por aqueles órgãos, serviços e agentes.

De facto, a fim de levar a cabo as suas “atribuições” – “prosseguir o interesse público”, (cfr., art. 4° do Código do Procedimento Administrativo), a Administração Pública reparte-se por variados organismos e entidades, na base de (variados) critérios de diferenciação e estruturação, dividindo-se, (também tradicionalmente), em três (grandes) ramos: a “administração directa”, a “indirecta”, e a “autónoma”.

A administração directa, integra todos os órgãos, serviços e agentes integrados na pessoa colectiva “Estado” que, de modo directo e imediato, e sob dependência hierárquica do Governo, desenvolvem uma actividade tendente à satisfação das necessidades colectivas.

A administração indirecta, integra as entidades públicas, distintas da pessoa colectiva “Estado”, dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira que desenvolvem uma actividade administrativa que prossegue fins próprios do Estado; (trata-se de administração “do Estado” porque se prosseguem fins próprios deste, e de “administração indirecta” porque estes fins são prosseguidos por pessoas colectivas distintas do Estado).

Por fim, em relação à “administração autónoma”, tem-se, essencialmente, considerado que dela fazem parte de entidades que prosseguem interesses próprios das pessoas que as constituem e que definem autonomamente e com independência a sua orientação e actividade, (aqui figurando, habitualmente, as “associações públicas”, das quais constituem exemplos clássicos, as “ordens profissionais”); (sobre a matéria, cfr., v.g., D. Freitas do Amaral in, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, 2ª ed., Coimbra, pág. 393 e segs.; no mesmo sentido, Sérvulo Correia in, “Noções de Direito Administrativo”, Vol. I, Lisboa, pág. 144 e segs.; João Caupers in, “Direito Administrativo I – Guia de Estudo”, 4ª ed., Lisboa, pág. 266 e segs. e pág. 292 e segs.; Vital Moreira in, “Administração Autónoma e Associações Públicas”, Coimbra, pág. 104 e segs.; M. Rebelo de Sousa in, “Lições de Direito Administrativo”, Vol. I, Lisboa, pág. 157 e segs. e pág. 239 e segs.; António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas in, “Constituição da República Portuguesa – Texto e Comentários à Lei Constitucional 1”, Lisboa, pág. 240 e 241; J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., Coimbra, pág. 781 e 782; e M. Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino in, “Constituição da República Portuguesa Comentada”, Lisboa, pág. 324 e 325).

Como – no seu “Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau”, 2ª ed., C.F.J.J., 2020, pág. 76 e segs. – nota J. E. Figueiredo Dias:

“No direito administrativo comparado é costume distinguir-se, no seio da administração estadual, a administração directa da administração indirecta: a administração estadual directa abrange os órgãos e serviços que levam a cabo fins do Estado (como tal referidos a toda a comunidade nacional) sob o comando do Governo, comportando todos os órgãos sujeitos à hierarquia (ao poder de direcção) do Governo; a administração estadual indirecta, pelo seu lado, compreende os serviços que, visando ainda a prossecução de finalidades estaduais (de toda a comunidade nacional), constituem pessoas colectivas públicas diferentes do Estado e que exercem a sua actividade não já sob a hierarquia do Governo mas sim sob a sua superintendência, a qual comporta poderes de tutela e de orientação, mas não de dar ordens (hierarquia).
(…)
Na administração directa vamos encontrar todos os órgãos e serviços da Região, ou seja, o Chefe do Executivo, os Secretários do Governo e todos os órgãos e serviços que desempenham a sua actividade sob a sua direcção, isto é, todos os que deles dependem directa ou hierarquicamente: ainda que haja diferenças de forma jurídica e de grau de autonomia, a nota comum é a da dependência hierárquica perante o Chefe do Executivo ou um dos Secretários do Governo.
(…)
No âmbito da administração indirecta devem ser incluídos os serviços personalizados que constituem pessoas colectivas autónomas em relação à RAEM: está em causa a satisfação dos interesses dos residentes no seu conjunto (cuja prossecução, em rigor, sempre caberia à própria Região) a qual, no entanto, vai ser levada a cabo por entidades administrativas diferentes da Região.
Relevam aqui as entidades públicas com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, que desenvolvem uma actividade administrativa destinada à realização dos fins da RAEM.
(…)
Idêntica situação ocorreu na RAEM, com a criação de várias entidades deste tipo, em relação às quais o Chefe do Executivo ou os Secretários não dispõem de poder hierárquico, mas sim poderes de orientação e de tutela”.

De facto, e como se viu, em direito administrativo, utiliza-se o conceito de “administração indirecta”, para descrever o “conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à realização de fins do Estado”; (cfr., v.g., Freitas do Amaral, com a colaboração de Luís Fábrica, Jorge Pereira da Silva e Tiago Macieirinha in, “Curso de Direito Administrativo”, 4ª ed., Vol. I, 2015, pág. 299, devendo-se aqui, como é óbvio, adaptar-se a expressão “R.A.E.M.” no lugar de “Estado” de modo a adaptar-se a definição conceptual à realidade).

Assim, (e continuando-se a citar os referidos autores), tem-se entendido que “é natural que, em contrapartida, o Estado tenha sobre essas entidades e organismos consideráveis podres de intervenção, (…)”, dispondo, em regra, “do poder de nomear e demitir os dirigentes desses organismos ou entidades”, assim como o de “dar instruções e directivas acerca do modo de exercer a sua actividade” e de “fiscalizar e controlar a forma como tal actividade é desempenhada”, (…) sendo, também, “característica essencial da administração estadual indirecta a sua sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo (…)”; (cfr., v.g., ob. cit., pág. 303 a 304).

In casu, (e nesta linha de raciocínio), o Tribunal de Segunda Instância considerou, (essencialmente), no Acórdão agora recorrido que, a Associação de Advogados de Macau, sendo embora uma associação profissional, é, no entanto, uma “pessoa colectiva pública”.

Porém, enquanto dotada de total “autonomia”, não se integra na Administração directa, nem indirecta.

E, nesta medida, não se inclui no âmbito da previsão do art. 2º, nº1, al. b), do Regime das Custas dos Tribunais para efeito de isenção subjectiva de custas; (sobre a “questão”, pode-se também ver o Ac. de 04.07.2013, Proc. n.° 328/2013, o voto de vencido lavrado no Ac. de 06.07.2017, Proc. n.° 183/2016 e o de 13.06.2019, Proc. n.° 690/2016, todos do T.S.I.).

E, como se deixou adiantado, cremos que em face da “questão” agora em causa, (e fruto também das “especificidades locais”), possível se nos apresenta outro “enquadramento jurídico” (da questão).

Com efeito, a “Associação dos Advogados de Macau”, (que tanto quanto se julga saber constitui a única “associação pública” da R.A.E.M.), foi criada com a aprovação do “Estatuto do Advogado” pelo D.L. n.° 31/91/M, diploma que revogou as disposições até então aplicáveis e que regulavam, (limitadamente), a profissão de Advogado em Macau, (como o Decreto n.° 14453, de 20.10.1927, e o art. 4° da Portaria n.° 23 090, de 26.12.1967).

E logo no art. 3° do dito “Estatuto” é dito, expressamente, que: “A Associação dos Advogados de Macau é uma associação pública representativa dos licenciados em Direito que, de acordo com este Estatuto e demais disposições legais, exercem a advocacia em Macau”; (sub. nosso).

Do transcrito normativo resulta que a Associação dos Advogados de Macau é, como o diz o Acórdão recorrido, uma “associação pública”; (o que resulta tanto da própria qualificação conferida pela lei como também do seu regime legal, designadamente, das suas atribuições).

E, voltando aqui às considerações de J. E. Figueiredo Dias sobre a Administração da R.A.E.M., cabe aqui salientar o seguinte excerto onde nota que: “A máquina administrativa da RAEM exibe – como dificilmente poderia ser de outra maneira, devido aos seus apertados limites geográficos – uma musculada estrutura hierárquica em pirâmide e com a generalidade dos poderes executivos concentrados nas mãos do Chefe do Executivo. Este, para além de ser “o dirigente máximo da RAEM”, conforme o artigo 45.° da Lei Básica, é igualmente o “dirigente máximo” do Governo (artigo 63.°), com a competência de dirigir o Governo, como dispõe a al. 1) do artigo 50.°.
Deste modo, em especial após a extinção dos municípios provisórios e dos seus órgãos, pela Lei n.° 17/2001, que criou o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), quase toda a estrutura da organização administrativa da RAEM se reconduz a sectores directa ou indirectamente dependentes do Governo, não existindo administração autónoma territorial e sendo muito reduzida a administração autónoma associativa. Conclusão que não é desmentida, como veremos, pela recente criação do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), que sucedeu ao IACM”; (cfr., ob. cit., pág. 73).

E, mais adiante, pronunciando-se (expressamente) sobre a “administração autónoma” e em relação à Associação dos Advogados de Macau, considera também que: “Na RAEM esta forma de administração não existe: a criação do IACM implicou a extinção dos Municípios provisórios e dos seus órgãos, o que determinou o desaparecimento de qualquer forma de administração de interesses de circunscrições geográficas específicas no contexto especial da RAEM.
Em todo o caso, em termos associativos, identifica-se um caso isolado de uma associação pública que defende os interesses de uma classe determinada de pessoas que desempenham uma profissão liberal: reportamo-nos à Associação dos Advogados de Macau, associação pública destinada a representar os “licenciados em Direito que (…) exercem a advocacia em Macau” (artigo 1.° dos seus Estatutos) e que, deste modo, visa a prossecução dos interesses próprios dos profissionais liberais que representa, regendo-se com autonomia mas em obediência a princípios de ordem pública.
Apesar da existência de outras associações que poderiam suscitar dúvidas, consideramos ser esta Associação um exemplo isolado, pois constitui o único caso de uma associação de carácter público, Por conseguinte, a excepção que ela constitui não chega para invalidar a afirmação de que não existe administração autónoma na RAEM”; (cfr., pág. 84).

Todavia, e seja como for, (e tendo-se também em conta que em causa nos presentes autos está – recorde-se – uma questão de “custas”), afigura-se-nos que a “tónica” não deve estar em saber se a Associação dos Advogados de Macau integra, ou não, a “Administração indirecta”, mas antes se, no âmbito das suas “atribuições” e “competências”, desenvolve uma actividade (administrativa) destinada à “realização dos fins da R.A.E.M.”, e assim, se de forma mais ampla, integra, ou não, a “Administração da Região”.

E, aí, (sem prejuízo do respeito devido a outro entendimento), à vista cremos que está a resposta.

De facto, constituindo os Advogados profissionais (especialmente qualificados) essenciais ao (normal) funcionamento do “Sistema Judiciário” e à (desejada) boa “administração da justiça” – atente-se, v.g., e em especial, na “obrigatoriedade de assistência do defensor” no processo penal, (cfr., art°s 53° e segs. do C.P.P.M.), na “constituição obrigatória de advogado” em processo civil e no processo contencioso, (cfr., art. 74° do C.P.C.M. e art. 4° do C.P.A.C.) – e tendo-se confiado, (delegado), à Associação dos Advogados de Macau a sua “formação”, “credenciação”, e, através do ora recorrente, o “exercício da jurisdição disciplinar” exclusiva sobre os advogados e advogados estagiários por acto autoritário do poder público, (cfr., art. 2° e 4° do citado “Estatuto”, sendo de notar, também, que o próprio “Conselho Superior de Advocacia” inclui na sua composição um Magistrado Judicial e um Magistrado do Ministério Público eleitos pelos seus pares), mais adequado nos parece de considerar como um “organismo personalizado” que desenvolve uma actividade de concretização de “fins públicos e colectivos”, igualmente por tal “realidade” se justificando, em nossa opinião, que da sua deliberação punitiva caiba “recurso contencioso”, como o anterior, e que deu origem aos presentes autos; (sobre o conceito de pessoa colectiva de direito público por oposição à de direito privado, cfr., v.g., P. Cardinal in, “A Pessoa Colectiva de Direito Público”, texto publicado na edição de “O Direito” de Maio de 1991).

Nesta medida, sendo de se considerar uma pessoa colectiva de direito público com “competências” que lhe são reconhecidas no âmbito de uma dinâmica de descentralização administrativa, e em causa nos presentes autos estando, exactamente, o exercício da dita “jurisdição disciplinar”, motivos não parecem existir para se não ter como abrangida pela “isenção subjectiva” a que se refere a alínea b) do n.° 1 do art. 2° do R.C.T..

De facto, e como – bem – observa o Ministério Público no seu Parecer, “(…) quem contende nos Tribunais na defesa de actuações materialmente administrativas que visaram a prossecução de interesses públicos não deve suportar o pagamento de custas”; (cfr., fls. 256).

2.2 Do recurso do “Acórdão de 02.04.2020”.

Em sede deste recurso vem produzidas as seguintes conclusões:

“1 - Entende o CSA, ora recorrente, que um advogado que invoca ardilosa e astuciosamente factos falsos ou prejuízos falsos, com vista à obtenção de uma indemnização, que de outro modo não lhe será devida, pratica uma infracção disciplinar, devendo ser-lhe aplicada uma pena de censura;
2 - A decisão ora recorrida omite o facto mais importante que constituiu fundamento para a decisão proferida pelo CSA, em sede de processo disciplinar: a de que o ali arguido e aqui recorrido invocou factos falsos, de forma ardilosa e com intenção astuciosa de exigir à queixosa uma indemnização que não lhe era devida;
3 - Ao analisar-se os factos dados como provados na decisão do CSA, acima transcritos em sede de alegações e que ora se dão aqui como reproduzidos, parece-nos manifesto que esta conduta “mentirosa” de falsificar factos para fundamentar o pedido de um benefício – que entendemos ilegítimo, seja a que título for – é o fundamento basilar para a aplicação da pena que se impôs ao recorrido;
4 - Ao invés, o douto acórdão recorrido focou-se só e apenas em destrinçar se o ali arguido estava a cobrar honorários indevidos à queixosa B, ou lhe estava a exigir uma indemnização, como se tal questão fosse sequer de igual importância à daquela acima exposta;
5 - É aquela conduta ardilosa, “mentirosa” do recorrido, que aponta directamente para a violação dos artigos 1.°, 12.° n.° 2, 14.° al a) do CD, porque planeada e alicerçada na mentira, na artimanha e, por isso, a violação dos citados deveres deontológicos e o que isso representa de apreciação deontologicamente negativa relativamente ao arguido e a sua repercussão no prestígio da profissão;
6 - Pelo exposto, deve o douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância ser revogado, por omitir a questão mais importante na apreciação dos factos dados como provados no processo disciplinar e que constituem fundamento da decisão proferida pelo CSA, aqui recorrente – o que, curiosamente, equivale à existência de um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto – mantendo-se esta última decisão”; (cfr., fls. 222 a 230).

Vejamos se o recurso merece provimento.

O Tribunal de Segunda Instância elencou como “provada” a seguinte matéria de facto:

«1 - No dia 24 Abril 2016, pelas 03h21m, encontrava-se F (己), a jogar Bacará numa mesa de jogo no casino E, pertencente à “B”.
2 - Nessa mesa era croupier C, ou C1, pai do recorrente.
3 - A certa altura, por aquele jogador ter perdido uma jogada, no valor de $ 10 000, arremessou ao “croupier” uma placa publicitária de papelão contra as mãos deste.
4 - O recorrente acompanhou o pai nesse mesmo dia ao E para se inteirar sobre o sucedido, tal como ao hospital.
5 - No dia seguinte e no dia 29 desse mês, acompanhou o pai à Polícia Judiciária.
6 - No dia 3/05/2016, o recorrente enviou à B a carta seguinte: (fls. 7 a 13 do p.a.)
“Para: B
Departamento de investigação
Cumprimentos! O meu nome é A, filho de C (empregado da B); eu também sou o único que está autorizado a lidar com o caso do Sr. C que aconteceu em 24 de Abril de 2016. Nós gostaríamos de declarar o nosso ponto de vista à Companhia, que participar o caso à polícia não foi por causa de dinheiro ou represálias à Companhia, mas por causa do comportamento do cliente e a maneira que a Companhia lidou com o caso e também o seguimento feito pela Companhia não era adequada, que violou seriamente direitos e dignidade do Sr. C. Nós não temos escolha, mas pedir ajuda a autoridade judicial.
Para o interesse da Companhia, e sabendo que o cliente em causa é um cliente importante para a Companhia, o Sr. C concorda em ir à Polícia para retirar a queixa, também concorda em não incomodar o cliente exigindo reparação de dano e pedido de desculpas. No entanto, tanto o Sr. C como eu mantemos os nossos princípios. Apresento abaixo o detalhe de todo o ocorrido descrito por mim e C. Peço que a Companhia analise para depois tomar uma decisão justa.
Descrição do incidente
Por volta de 03h00, 24 de Abril de 2016, o cliente estava a jogar na mesa onde C estava a trabalhar. C sabia que o cliente é titular do cartão dragão, é portanto, um cliente VIP. Por isso C já estava a proceder com extra cuidado em lidar com ele. O cliente ganhou o 1.º & 2.º jogos, ele manteve no 3.º o cliente aumentou a aposta, mas perdeu. O cliente começou a dirigir-se ao C com palavrões (“Diu Lei Lou Mou”, “mata mata mata”, etc.) e também olhou com hostilidade ao C. Isto tudo foi testemunhado pelo Supervisor A que estava atrás de C. Depois, o cliente continuou a jogar, e perdeu no 4.º jogo, mas sempre a dirigir-se palavrões ao C enquanto este continuava a desempenhar a tarefa. Quando C recolheu a aposta perdida da mesa, o cliente tirou o cartão de promoção da tenda que estava colocada ao lado da mesa de jogo e bateu o cartão com força na mão de C que estava a recolher as fichas perdidas. A mão ficou vermelha e inchada. O Supervisor Q imediatamente parou o cliente, mas o cliente continuava gritando e também ralhou com Q. Nesta altura Y passou e resolveu mudar C para outra mesa de jogo. O cliente depois apresentou uma queixa para a Companhia contra C.
Depois do incidente, empregado C (Alex, OM) rapidamente contactou C e perguntou se C precisava ver médico, mas ele não perguntou se ele queria participar a polícia ou não. Como C estava ainda em choque e a lesão na mão não era grave, C respondeu que não precisava nesse momento. Os empregados Z e X (feminina) (a OM) tomaram declarações do C sobre o incidente. Empregada Z disse que tinha visto o curriculum do C e sabia que C era agente de segurança antes, que tem uma natureza de trabalho diferente, e que diferente trabalho requer habilidade diferente. O empregado X afirmou que o cliente é um cliente VIP com cartão de dragão, e que a Companhia estima-o muito. E depois analisou o registo de CCTV, empregado X alegou que a acção de C / atitude era provocativa, por isso o cliente o atacou, e afirmou que C é o responsável neste incidente. Ela também afirmou que C estava olhando aqui e ali, em vez de enfrentar o cliente. Durante toda a conversa, o tom de Z foi mais suave e o tom de X era de censura. Ambos Z e X não proferiram nenhuma palavra de conforto a respeito da mão ferida de C. Como é primeira vez encontrar esta situação, C perdeu a capacidade de pensar naquele momento. Por fim, a empregada X afirmou que a situação chegada está fora do seu controle, e ela precisa para relatar o caso à gerência superior. A gerência superior ia organizar um encontro no dia seguinte com C e aí ia decidir sobre a acção disciplinar a aplicar a C. A seguir, C foi colocado para trabalhar na área de trás. Até C terminou o seu turno às 8 de manhã, ninguém perguntou sobre a mão lesada do C ou confortá-lo. C não sabia o que fazer, e por isso não apresentou queixa na polícia.
Depois de ser tratado injustamente neste incidente injusto, C ficou muito frustrado. Ele foi agredido pelo cliente, seus superiores não mostraram nenhum conforto, mas culparam-no porque o cliente é VIP. Também foi acusado de ter provocado o cliente e ser responsabilizado pelo incidente, ele foi ralhado com palavrões mas foi acusado por não olhar para a cara do cliente quando ele estava a ser alvo das palavrões e insultos. C não conseguia dormir por causa deste incidente, mas não mencionou a quaisquer outras pessoas sobre o ocorrido. Depois a sua esposa percebeu que C não estava estável, insistiu que o C contasse o que se tinha passado. C finalmente contou sua esposa sobre o ocorrido e foi aqui eu intervim.
(Esta parte em cima foi descrita pelo C, a que segue abaixo foi eu que presenciei)
Depois eu soube o caso e sua gravidade, fui imediatamente para a Companhia com C para compreender melhor o que se tinha passado, e tentar conseguir um tratamento justo. Chegamos a Companhia em 24 de Abril de 2016, acerca de 21:00, pedimos para saber melhor o caso e encontrar-se com o responsável do caso. Após cerca de meia hora, os empregados W, V, U, T vieram ter connosco. Eu pedi para se reunir com os empregados Z e X (principalmente X) para uma explicação sobre a forma como procederam neste incidente e para um pedido de desculpa do cliente. Após uma breve conversa com os empregados W, V, U, T, estes disseram que precisavam de saber melhor o caso através do departamento e responderiam mais tarde. Depois de cerca de uma hora, os empregados W, V, U, T e o empregado Z contactaram-nos novamente, e o empregado Z falou comigo, o conteúdo de sua conversa sobre o que se passou foi semelhante ao que o meu pai me contou (só que o empregado Z mencionou que o gesto do meu pai era provocativo, e afirmou que cabe a gerência superior decidir se é provocativo ou não). Eles sugeriram-nos para ir para casa e esperar por notícias. Durante toda a conversa, entre os empregados W, V, U, T, dois estavam simpáticos, mas os outros dois estavam arrogantes, a empregada X não apareceu de tudo. Nós pedimos para reunir-se com o empregado X e o cliente ou dar-nos uma resposta, pedido que não foi atendido (não tínhamos certeza se os empregados Z, W, V, U, T contactaram a empregada X e cliente ou não, ou se eles perguntaram à gerência superior). Para salvaguardar provas e não esperar indefinidamente, dissemos que, se a Companhia não tem intenção de resolver o problema, nós participaríamos o caso à polícia. Um dos empregados Z, W, V, U, T afirmou que devíamos participar à polícia. Assim, um dos empregados W, V, U, T participou à polícia. Como o telefonema a Polícia foi feito por um deles, ele veio informar-nos que a Polícia Judiciária só podia vir a meia noite uma vez que estava ocupada com outro caso importante. Por isso fui com o C para às urgências do Centro de Saúde. A 00:00, ainda não veio a Polícia Judiciária, ligamos para a Companhia para perguntar. O Z, depois de perguntar aos W, V, U, T, respondeu que devíamos participar à polícia por nós mesmos. Por isso o hospital ajudou contactar a polícia. A polícia disse que eu podia acompanhar todo o processo na qualidade de advogado estagiário. Em seguida, fomos para a Esquadra da polícia tomar declarações que demorou cerca de 2 horas. Depois o caso foi transferido para a Polícia Judiciária localizada do casino. Os empregados W, V, G receberam a PJ e levaram para o escritório da PJ. Eu, então, revelei a minha qualidade de advogado estagiário, e pedi para participar em todo o processo de declarações. Durante a conversa, entre os empregados W, V, U, dois deles eram simpáticos, mas um deles ainda mantinha atitude arrogante. Até 25 de Abril de 2016, pelas 06:00, nós terminamos a tomada de declarações e saímos.
Por volta das 15:00 em 25 de Abril de 2016, C recebeu um telefonema do empregado S (OM masculino, alto e gordo) que lhe disse que PJ está a acompanhar o caso de C e anda a sua procura, disse para C voltar a Companhia imediatamente. C e eu fomos imediatamente para a Companhia. Empregado S recebeu-nos e informou que PJ estava envolvida noutro caso e nos sugeriu para esperar o telefonema de PJ (mas o tom era arrogante), quando estávamos a caminho para sair, recebemos o telefonema de PJ e nos pediu para tomar declarações e identificar a pessoa. Terminou às 19:45.
(Informação abaixo é descrita por C)
C não conseguia dormir após o incidente, mas ainda foi trabalhar em 25 de Abril de 2016, 23:00. Durante o trabalho, ele foi chamado por S. C aproveitou para apresentar o seu certificado médico (solicitado pela empregada Z) para ele e informou-lhe que ele tinha que ir a PJ e Ministério Público em 26 de Abril de 2016, às 9:30, e que em 29 de Abril de 2016 tinha que fazer o exame médico, mas o empregado S respondeu-lhe com muito má atitude que aqueles eram seus assuntos pessoais que não têm nada a ver com a Companhia. E perguntou-lhe se ele fez isso tudo por dinheiro ou vingança à Companhia. Depois o superior do empregado S, o R (ocidental) conversou com C sobre o incidente também (muito simpático). 3 horas antes do final do turno de C, C foi informado por empregado S que ele foi suspenso de funções. Como se trata de dia de trabalho pago, ele só resumia funções até aviso por Recursos Humanos.
Proposta para retirar a gueixa
Para C: para o benefício da Companhia, C concorda em retirar a queixa da Polícia da agressão do cliente, ele também concorda em não incomodar o cliente para reparação de dano e pedir desculpas. Ele não quer que outros pensem que ele quer dinheiro ou fazer vingança à Companhia. Mas em relação à maneira como os superiores lidaram com o caso (especialmente empregado X) que foi inadequada, penso que podiam dar uma explicação a C. Além disso, queria pedir para a Companhia prometer que a Companhia ou o OM envolvidos no caso (especialmente o X) não vão vingar-se no C deste caso no futuro (despedindo-o por causa de pequenos erros).
Em relação a mim, embora C não exija qualquer compensação financeira, eu pedia indemnização por minha parte. O incidente descrito acima afectou seriamente a minha agenda de trabalho e as minhas aulas de estágio, mas naturalmente, do ponto de vista da Companhia, a Companhia não precisa de pagar indemnização por culpa do cliente.
1. A partir de 06:00 24 de Abril 2016, até às 07:00 de 25 de Abril de 2016 (13 horas consecutivas), eu acompanhei C na Companhia para entender a situação e também para a esquadra de Polícia para tomar declarações
2. 15:00 - 20:00 de 25 de Abril de 2016 (5 horas consecutivas), eu fiquei com C na Polícia para tomar declarações e identificação de sujeito. Isto fez-me faltar a uma audiência no Tribunal Judicial de base às 15:00 (que eu pedi para outro advogado Dr. D para me substituir no último minuto), também faltei as aulas obrigatórias organizadas pela Associação dos Advogados de Macau.
3. 9:30 am de 26 de Abril de 2016, uma vez que tive que acompanhar o meu cliente a tomar declarações, pedi ao colega Dr. G para acompanhar o meu pai a PJ e no Ministério Público para tomar declarações.
4. 14:30 de 29 de Abril de 2016, acompanhei C a PJ para fazer exame médico.
5. 28 de Abril de 2016, eu fui fazer exame do curso obrigatório da Associação dos advogados de Macau, que se realiza só uma vez por cada 3 anos. Mas devido ao incidente eu faltei às respectivas aulas e passei a maior parte do tempo para acompanhar o meu paio e confortá-lo, não tendo tido tempo suficiente para preparar o exame. Este curso é muito importante para o meu futuro, se a pessoa em causa não fosse C, o meu pai, eu passaria para outro colega a tratar ou adiar o tratamento do caso.
Os pontos acima mencionados são as razões pelas quais eu peço uma indemnização, se a Companhia achar que, para o melhor interesse da Companhia, está disposta a pagar indemnização pelo cliente, então deve considerar o acima alegado e os valores praticados na profissão de advogados para determinar o montante da indemnização.”
7 - Na sequência desta carta, a B, em 7/10/2016, fez a participação à Associação dos Advogados através de carta assinada por H, seu alegado representante (fls. 68 a 76 dos autos).
8 - Instaurado ao recorrente um procedimento disciplinar em virtude desta participação, viria o Conselho Superior da Advocacia a proferir o acórdão de 8/03/2018, com o teor que a seguir se transcreve:
“ ACÓRDÃO
Acordam os membros do Conselho Superior de Advocacia no Processo Disciplinar Comum no. 11/2016/CSA no qual é arguido o Sr. Dr. A, advogado estagiário inscrito na Associação dos Advogados de Macau, com domicílio profissional na [Endereço(1)].
INSTRUÇÃO
O presente processo disciplinar foi inicialmente mandado instaurar pelo CSA como processo disciplinar de inquérito, por deliberação unânime tomada em reunião de 23 de Setembro de 2016, na sequência de uma participação apresentada pela B contra o Sr. Advogado estagiário Dr. A.
Por deliberação de 20 de Abril de 2017, o C. S. A. determinou que o inicial processo disciplinar de inquérito deveria prosseguir como processo disciplinar comum.
*
Foi feita a instrução do processo onde, para além de outras diligências, foram inquiridas testemunhas e solicitada informação à Associação dos Advogados de Macau.
Subsequentemente foi deduzida a acusação de fls. 114 e ss que aqui se dá por reproduzida na íntegra.
Com base nos factos nela descritos, é indiciariamente imputada ao Sr. Advogado participado a violação consciente das normas constantes dos artºs 1º nº 1 e 3, 12º n.º 2 e 14º alª a), todos do Código Deontológico dos Advogados.
*
O Sr. Advogado arguido deduziu a sua defesa nos termos que fls. 241 e ss revelam e aqui se dá como reproduzida.
Na sua prolixa exposição descreve o incidente que teve como protagonistas o seu pai e o cliente da empresa participante e alude diversas vezes ao facto de ter acompanhado o pai ao hospital e à polícia.
Refere repetidamente o contacto estabelecido com o seu colega I e a sugestão que este lhe veiculou para resolução da questão, a qual era proveniente da amiga J, que é colaboradora da empresa participante.
Reconhece que não faltou às aulas que tiveram lugar no dia 25 de Abril de 2016 e justifica tal referência na carta endereçada à empresa participante como um erro de memória.
Termina pedindo o arquivamento dos autos.
*
Foram de seguida inquiridas as testemunhas arroladas na defesa.
*
Cotejando criticamente todos os elementos probatórios contidos nos autos, podem dar-se como provados os seguintes factos:
1- No dia 24 de Abril de 2016, no complexo E, ocorreu um incidente em que estiveram envolvidos o pai do Sr. Advogado estagiário participado - ali funcionário - e um cliente da participante.
2- Na sequência deste incidente, a participante instaurou contra o pai do Sr. Advogado participado um processo de investigação interno tendo em vista apurar da eventual responsabilidade disciplinar deste.
3- Mais tarde, o pai do Sr. Advogado participado foi conduzido por este ao hospital para receber tratamento e foi feita pelo mesmo uma queixa crime contra o referido cliente da participante envolvido no incidente.
4- Em 03 de Maio de 2016, o Sr. Advogado participado enviou à participante a carta junta em cópia a fls 7 a 13, que aqui se dá por reproduzida na íntegra.
5- Na referida carta refere-se, designadamente, que o pai do Sr. Advogado participado concorda em retirar a queixa apresentada contra o cliente da participante, desde que esta se comprometa a não retaliar, mormente despedindo-o.
6- Também se refere que o incidente em causa afectou seriamente a agenda de trabalho e as aulas de estágio do Sr. Advogado participado, descrevendo, em concreto, uma série de eventos onde esteve presente acompanhando o seu pai; cf. fls. 9v. que aqui se dá por reproduzido na íntegra.
7- No ponto 5 da parte final da referida carta, o Sr. Advogado participado refere, designadamente, que devido ao incidente faltou às aulas do dia 25 de Abril e que não teve tempo para preparar o exame que teve lugar no dia 28 de Abril de 2016.
8- Termina referindo que os factos acima referidos constituem, por isso, razão para pedir uma indemnização á participante, a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogado.
9- Como resulta da certidão da AAM junta a fIs. 85 e ss, as afirmações relativas às faltas às aulas e a sua repercussão na preparação do exame, não correspondem à verdade, porquanto as folhas de presença - início e final - da aula dei módulo de Processo de Inventário e Jurisdição de Menores, realizada no dia 25 de Abril de 2016, entre as 18h00 e as 20h00, mostram-se assinadas.
10- As folhas de presença do mesmo módulo e referentes á aula realizada no dia 21 de Abril de 2016, mostra-se apenas assinada a do final, donde se infere que o Sr. Advogado esteve presente, pelo menos, em parte desta aula.
11- Relativamente ao aproveitamento, a nota obtida no módulo foi de 14,45 valores.
12- Ao invocar os apontados factos, que sabia não corresponderem, em parte, à verdade, o Sr. Advogado participado visou criar uma situação que lhe permitisse reclamar da participante uma indemnização que sabia não ser devida, designadamente porque não deixou de estar presente às referidas aulas e o seu aproveitamento não foi manifestamente afectado pelo tempo despendido a acompanhar o seu pai.
13- Ao actuar do modo descrito e nas referidas circunstancias, o Sr. Advogado Dr. A agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que, com a sua conduta, violava os deveres deontológicos inerentes à sua condição de advogado, designadamente os deveres impostos pelos artºs 1º, nºs 1 e 3, 12º nº 2 e 14º alª a), todos do Código Deontológico dos Advogados.
*
Fundamentação
A nossa convicção formou-se a partir dos depoimentos das testemunhas ouvidas no decurso do processo e, fundamentalmente, a partir do teor da carta enviada pelo participado à participante e traduzida a fls. 7 e ss.
As testemunhas pronunciaram-se, essencialmente, sobre a possibilidade de resolver pacificamente o assunto, com a sugestão do envio de uma carta pelo pai do participado à participada, enunciando as reclamações que este fazia.
Na parte final da carta junta em tradução a fls. 7 e ss., o participado refere expressamente que os argumentos alinhados na carta “são as razões pelas quais eu peço uma indemnização…” (sic)
No corpo da missiva refere, expressamente, que a causa de pedir deste pedido indemnizatório, não quantificado, reside no facto de ter despendido tempo no acompanhamento do seu pai, o que lhe acarretou vários problemas, designadamente repercussões negativas no seu estágio de advogado.
No que diz respeito às faltas, a nossa convicção assenta na Declaração de Fls. 85 e nas folhas de presenças juntas a fls. 86 e ss.
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Dado o conteúdo da defesa e demais elementos já contidos nos autos, entende-se dispensar a notificação para alegações complementares - artº 34º do Código Disciplinar dos Advogados.
*
Enquadramento jurídico dos factos:
Como é evidente, a questão central a resolver neste processo disciplinar comum, traduz-se em saber se o conteúdo da carta enviada pelo participado à participante tem ou não relevância disciplinar.
Primeiro, pela reclamação do pagamento de uma indemnização a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogados e, segundo, pelas inverdades comunicadas à participante para fundamentar o pedido.
1. A questão da indemnização pedida:
Como estipula o nº 2 do artigo 1º do Regulamento dos Laudos Sobre Honorários, “chama-se honorários à retribuição dos serviços profissionais do Advogado.”
E chamamos à colação este normativo, “rectius”, esta noção de honorários, pois o participado, embora sob a designação de “indemnização”, o que efectivamente reclamou foi o pagamento de honorários, a fixar de acordo com “os valores praticados na profissão de advogados” (sic).
Senão vejamos:
Só há lugar ao pagamento de honorários quando houver a prestação de serviços profissionais de advogado e o responsável pelo seu pagamento é, naturalmente, a entidade que solicitou a prestação desses serviços e deles beneficiou.
Diga-se, a talhe de foice, que a conta de honorários deve obedecer ao formalismo e ter em consideração o disposto no artigo 4º do citado Regulamento.
Como é evidente, a satisfação desta “indemnização”, concretamente destes honorários, será eventualmente devida por quem beneficiou do tempo gasto pelo participado e do apoio jurídico e moral por ele prestado, ou seja, o seu pai.
Fizemos o enfoque da questão nos honorários, pois não descortinamos que houvesse fundamento para um pedido indemnizatório “tout court”.
Donde derivaria este direito a indemnização? Por responsabilidade civil contratual ou extra-contratual?
Como se sabe, a responsabilidade contratual pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva. Surge em consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação - violação de um contrato.
Já a responsabilidade extracontratual ou aquiliana deriva de um ilícito extracontratual, tem por fonte a inobservância da lei, traduzindo-se numa lesão a um direito, sem preexistir qualquer relação jurídica entre o agente e a vítima, não havendo vínculo anterior entre as partes.
Ora, nenhuma destas realidades pode ser descortinada no caso em análise.
O participado não firmou qualquer contrato de mandato, ou outro, com a participante e esta não lhe provocou lesão e um direito que gere direito a ressarcimento.
Por isso, o pedido formulado na parte final da carta junta em cópia a fls. 7 e ss., só pode ser havido como uma solicitação de honorários pelo tempo gasto no acompanhamento do próprio pai. É certo que não pormenoriza um valor concreto, antes remete para o critério de normalidade quanto aos valores praticados na profissão de advogado; deixa ao critério da participante a liquidação desse montante.
Ainda assim, esta conduta merece censura deontológica pois, visando obter uma “retribuição” indevida, usa um expediente indigno da honra e responsabilidade inerentes ao exercício da profissão de advogado, afronta as normas, usos, costumes e tradições da profissão e usa meios e expedientes violadores dos deveres gerais consignados no Estatuto e no Código Deontológico.
O advogado é um servidor da justiça e do direito e, como tal, deve mostrar-se digno da honra e responsabilidades inerentes à profissão, quer no seu exercício, quer fora dela.
A invocação da qualidade de advogado, mesmo de advogado estagiário, deverá ser sempre feita de modo digno e prestigiante para o advogado, ele mesmo e também e, sobretudo, para a Associação dos Advogados.
Zelar pelo prestígio da profissão e da Associação é um dever de primeira linha do advogado.
Citando A. Arnaut, (Iniciação à Advocacia, pago 69) “Est corpus Advocatorum Seminarium dignitatum”.
A carta enviada à participante é um exemplo de conduta profissional indigna e desprestigiante para a profissão e para a Associação dos Advogados, que só pode ser atenuada pela inexperiência e pelas falhas na preparação na área da deontologia profissional.
Por isso dizemos que a sólida formação na área deontológica é fundamental para evitar comportamentos deste tipo e para ensinar aos advogados estagiários que a profissão de advogado é honrosa, prestigiante, essencial num estado de direito e que “não vale tudo” para ganhar dinheiro…
Os honorários só são devidos quando lhe corresponda um efectivo serviço profissional do advogado prestado a alguém.
Só o beneficiário deste serviço profissional é responsável pela satisfação desta retribuição.
Pedir uma “indemnização” à empresa onde o pai trabalha, ou trabalhou, pelo tempo gasto e pelas perturbações sofridas no seu acompanhamento na tentativa de resolução de um conflito laboral, revela uma falha deontológica a censurar desde já e a necessitar de ser corrigida, no sítio próprio, no decurso do estágio.
*
2. A questão das faltas às aulas:
Como se vê dos documentos juntos aos autos - Declaração de fls. 85 e mapas de presenças de fls. 86 e ss - o participado “assinou as folhas de presença do início e final da aula do módulo de Processo de Inventário e Jurisdição de Menores, da componente escolar do estágio de advocacia, realizada no dia 25 de Abril de 2016, entre as 18h00 e as 20h00, considerando-se, pois, que o mesmo esteve presente na referida aula”.
“Mais se constata, da consulta das folhas de presença do módulo acima referido, que o ali participado apenas não assinou a referente ao início da aula realizada no dia 21 de Abril de 2016, tendo, porém, assinado a folha de presença do final da mesma, considerando-se, por isso, que apenas faltou a uma hora de aula, entre as 18h00 e as 19h00, naquela data.”
Também, se declara que “o Dr. A obteve 14,45 valores na prova de avaliação de tal módulo”.
A conclusão a retirar do cotejo da referida carta com esta informação da Associação dos Advogados de Macau, é necessariamente a de que o participado faltou à verdade, isto é, invocou como fundamento para o seu pedido, melhor dizendo, como parte dessa fundamentação, factos que não são verídicos.
Os factos envolvendo o pai do participado tiveram lugar em finais de Abril de 2016, a carta em questão foi enviada em Maio de 2016 e, por isso, só pode tomar-se como mais um exercício de fuga à verdade, a alegação contida na sua resposta de que se tratou de um erro de memória!!!
A honra e responsabilidade são qualidades inerentes à profissão de advogado. Quem não afinar por este diapasão não estará, por certo, na profissão certa.
Para prestígio dos advogados considerados individualmente e da Pessoa Colectiva Pública que, de entre outras atribuições, tem como fins regulamentar o exercício da profissão, atribuir o título profissional de advogado e promover a dignidade e o prestígio da profissão e zelar pelos princípios deontológicos é, do nosso ponto de vista, importantíssimo que se dê uma especial atenção ao ensino da deontologia profissional no âmbito dos estágios, se organizem seminários que façam recordar aos advogados em exercício tais regras e se expurguem da profissão os que não as sentem como um dos mais importantes traços distintivos entre os advogados e outros profissionais ligados a serviços jurídicos.
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Pensamos ter demonstrado que a conduta do Sr. Advogado estagiário arguido viola, de forma clara, os normativos referidos na acusação, concretamente as normas dos artigos 1º, nºs 1 e 3, 12º nº 2 e 14º alª a) todos do Código Deontológico.
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A medida da pena
O artº 42º do Código Disciplinar dos Advogados determina que “na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.”
Naturalmente que o normativo citado tem ainda implícito que deverá atender-se ao juízo de desvalor que incide sobre os factos praticados, (ilicitude - juízo negativo sobre quem praticou certo facto proibido ou não adoptou o comportamento que devia ter adoptado) entendendo-se este, aqui, como a desconformidade da conduta do agente com os deveres deontológicos e também ainda à prevenção geral e especial.
Por outro lado, ao invés do que sucede no direito penal, no direito disciplinar a pena representa, por um lado, uma advertência, uma sanção para o infractor mas, por outro, a pena visa reconduzir aquele ao bom, ao correcto e deontológico exercício profissional.
O acervo factual dado como provado traduz, no nosso entendimento, uma violação deontológica com apreciável repercussão, por isso o juízo de desvalor sobre a conduta do Sr. Advogado estagiário arguido situa-se aqui num grau médio.
Quanto à culpa, também entendemos que o grau se situa num patamar médio. O Sr. Advogado estagiário arguido agiu livre e conscientemente, tendo representado que, com a sua conduta, violava normas deontológicas, uma vez que, sendo advogado estagiário, já não podia ignorar as regras que o exercício da profissão impõe.
Na situação em análise, entendemos que a aplicação de uma pena disciplinar deve também visar a prevenção, quer especial, quer geral. A sanção a aplicar deve servir não só de advertência para o Sr. Advogado arguido como, também, para os restantes causídicos sobretudo os mais jovens.
O advogado é um servidor da justiça e do direito e, por isso, no exercício do seu “munus” deve pautar a sua conduta profissional e pessoal de acordo com os valores a que alude o artigo 1º do Código Deontológico, tendo sempre em linha de conta que o prestígio da função depende do agir de todos, mas também do agir de cada um em particular.
Aos tipos de penas disciplinares alude o artº 41 º do Código Disciplinar dos Advogados que aqui se dá como reproduzido.
Entendemos que os valores acautelados pelas normas contidas nos apontados artigos 1º, nºs 1 e 3, 12º nº 2 e 14º alª a) do Código Deontológico são distintos. Daí que ocorra, em concreto, um concurso efectivo (ideal heterogéneo) de infracções deontológicas.
Assim, ponderando no grau de culpa, nas consequências da infracção, nas necessidades de prevenção, no exercício profissional e disciplinar pregresso do Sr. Advogado estagiário arguido, entende-se como proporcional e ajustada a imposição ao mesmo da pena disciplinar única de Censura, no entendimento de que o relatado comportamento traduz a prática, em autoria material, de infracções disciplinares por ofensa aos deveres previstos nos artsº 12º nº 2 e 14º ala a), com referência ao artigo 1º, nºs 1 e 3 do Código Deontológico, aqui em concurso efectivo, a punir individualmente com a apontada pena.
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Sanção
Nos termos expostos, considerando ter o Sr. Advogado estagiário arguido Dr. A violado, em autoria material, os deveres deontológicos previstos nas disposições dos artºs 12º n.º 2 e 14º alª a) do Código Deontológico, com referência ao disposto no artº 1º, nºs 3 do referido Código, considerando ainda o disposto nos artºs 41º e 42º do Código Disciplinar dos Advogados, é-lhe imposta a pena disciplinar única de Censura.
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Registe e notifique, nos termos do art. 40º do Código Disciplinar dos Advogados
Macau, 8 de Março de 2018”»; (cfr., fls. 197-v a 205).

Ponderando na retratada factualidade decidiu-se conceder provimento ao (anterior) recurso contencioso pelo ora recorrido interposto, dado que se considerou que o acto aí recorrido padecia do “vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto”, nele se tendo, (na parte que agora interessa), consignado o que segue:

“Entende o recorrente que a decisão punitiva padece do vício epigrafado, por não corresponderem à verdade os factos em que ela se baseou.
Tal como diz o MP no referido parecer, “No que toca à veracidade das faltas, não vemos motivos para questionar o juízo de censura a que chegou a autoridade administrativa. Estavam, com efeito, em causa, factos pessoais, ocorridos há um curto lapso de tempo, pelo que o recorrente não os podia ignorar ou equivocar-se acerca deles.
Quanto ao mais (honorários), a consideração de que foram violados deveres deontológicos assenta numa certa interpretação dos factos, segundo a qual o recorrente exigiu o pagamento de honorários à participante “B”.
Não creio que essa conclusão tenha respaldo razoável e aceitável nos elementos probatórios carreados para o processo disciplinar. Como resulta do próprio documento a partir do qual a entidade recorrida surpreendeu a exigência de honorários (cf. fls. 7 e seguintes do processo instrutor), em nenhum passo do texto se fala de honorários ou se reclama honorários. O que o recorrente pede, inequivocamente, é uma indemnização, que não quantifica, cujo pagamento deixa à consideração da participante, caso esta esteja disposta a fazê-lo em substituição do seu (dela) cliente - um jogador que agrediu o pai do recorrente num casino - para cujo cálculo sugere que sejam considerados os valores praticados na profissão de advogado. Aliás, tal como resulta do acervo de elementos probatórios oferecidos pelo arguido no processo disciplinar, esta indemnização é solicitada no quadro de uma transacção preparada e negociada por uma funcionária da própria participante, J, e intermediada pelo advogado I, que, por motivos desconhecidos - que estes últimos, através das suas lacónicas declarações, não ajudaram a deslindar - conhece um inopinado volte-face e acaba por redundar na participação disciplinar que esteve na origem do processo disciplinar e da deliberação recorrida.
Pois bem, tendo o recorrente pedido uma inequívoca indemnização, pelos motivos que explicitou, não se compreende por que razão a entidade recorrida afastou este quadro de indemnização, quer por responsabilidade contratual, quer por responsabilidade extracontratual, entrando numa espécie de apreciação do seu mérito, onde concluiu pela inverificação dos respectivos requisitos, para, a partir daí, avançar para a conclusão de que o que verdadeiramente estava em causa era uma exigência de honorários, constituindo esta suposta exigência de honorários o pano de fundo da punição disciplinar.
Crê-se, assim, que, na parte relativa à questão dos designados honorários, há erro na leitura e interpretação dos factos e na sua virtualidade para integrarem a violação dos deveres deontológicos considerados atingidos, nessa parte. O recorrente foi punido, entre o mais, por se ter considerado preenchido um pressuposto - exigência de pagamento de honorários - que, na verdade, não existiu.
Há, nesta parte, erro nos pressupostos de facto, pelo que o acto é anulável nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.”
Concordamos com esta perspectiva e fazemo-la nossa.
Repare-se que o recorrente, em primeiro lugar, nunca exigiu à B o pagamento de qualquer importância. Conquanto tivesse referido que o incidente descrito havia afectado seriamente a sua agenda de trabalho e as aulas de estágio que estava a frequentar, acabou por mencionar que “A Companhia não precisa de pagar indemnização por culpa do cliente” (sic).
Em segundo lugar, sendo embora verdadeiro ter dito achar-se com direito a uma indemnização, não deixou de consignar que a aceitaria “se a Companhia achar que … está disposta a pagar indemnização pelo cliente….” (sic). Quer dizer, remeteu para a B a livre decisão de pagar, ou não pagar, a indemnização.
Em terceiro lugar, e caso a B se quisesse dignar efectuar algum pagamento indemnizatório, deixou no ar a possibilidade de que o quantitativo pudesse corresponder aos “valores praticados na profissão de advogados”.
Ora bem. Se qualquer pessoa, em tais circunstâncias, podia achar-se no direito a uma indemnização pelo tempo perdido no apoio e acompanhamento hospitalar (e não só) do “croupier” ferido, não se vê que a qualidade de descendente por parte do ora recorrente lhe diminua ou elimine idênticos direitos subjectivos. E se a sua qualidade de filho o não pode prejudicar, menos ainda a sua qualidade de advogado estagiário o pode pôr à margem de qualquer direito de idêntica natureza, desde que estejam reunidos, obviamente, os respectivos pressupostos. Isto é, o facto de a pessoa alegadamente lesada ser concomitantemente um profissional não lhe retira o direito à indemnização.
Onde está a razão, então, para a adversidade da reacção da AAM perante esta missiva dirigida à B pelo recorrente? Está numa errada percepção dos termos utilizados na carta, que a AAM tomou com o exacto significado de uma nota de “honorários”.
Com o merecido respeito, em nossa opinião, esse terá sido o grande lapso cometido pela AAM. Em lado nenhum o recorrente quis “cobrar” honorários. Nunca o expressou, aliás. O que ele fez foi um simples exercício de apelação à destinatária da carta no sentido de “considerar …os valores praticados na profissão de advogados” (sublinhado nosso). Ou seja, não afirmou uma posição firme e assertiva de ser pago pelo serviço prestado, antes se limitou a formular um critério possível para densificação da indemnização a que se achava legitimamente com direito, sem deixar de condicionar, porém, a satisfação desse alegado direito indemnizatório à vontade da B em vir a “considerar”, logo ponderar, essa possibilidade. Ora, esta forma de rematar a comunicação está em perfeita sintonia com a posição manifestada linhas antes, deixando claro que se não tratava de uma posição definitiva da sua parte ao lembrar que “a Companhia não precisa de pagar indemnização por culpa do cliente”.
Esta circunstância - em que o recorrente coloca a B a ponderar se o haveria de indemnizar, enquanto sujeito que se diz lesado -, não se crê ser ilícita, porque, sem sequer indicar valores precisos, se limitou a equacionar um simples critério material de equiparação. E nesse quadro, a alusão aos “valores praticados na profissão de advogados”, enquanto padrão de referência a ser tomado em devida consideração, não pode ter pior significado que gere desvalor susceptível de indignação disciplinar.
O que importa, então, concluir, é que o recorrente jamais se apresentou à B para exigir o pagamento de honorários. E não o tendo feito, o pressuposto de facto em que o acto punitivo se louva padece do erro nos pressupostos de facto.
(…)”; (cfr., pág. 37 a 40 do Acórdão, a fls. 208 a 209-v).

Aqui chegados, tendo presente a factualidade considerada como “provada” – e não posta em causa – e ponderando-se nos “motivos” que levaram o Tribunal de Segunda Instância a decidir pela anulação do acto punitivo da ora recorrente, cremos que não se lhe pode reconhecer razão, pois que (nenhuma) censura merece a decisão recorrida que se subscreve, pouco se mostrando de acrescentar ao que aí se deixou consignado.

Não se olvida que a dita decisão disciplinar punitiva assenta – aliás, como nela se salienta – na “questão da indemnização pedida” e na das “faltas às aulas”, não se mostrando de se considerar as mesmas “independentes (entre si)”.

Porém, apresenta-se-nos inegável que no tratamento dado à referida questão da “indemnização” se terá efectuado uma leitura que não coincide com o que se pode – e deve – retirar da “factualidade” dada como provada.

Com efeito, considerou-se o referido pedido de “pagamento de uma indemnização” como uma “solicitação de honorários” – sendo mesmo de se notar que na decisão em questão se consignou, expressamente, que “(…) o participado, embora sob a designação de “indemnização”, o que efectivamente reclamou foi o pagamento de honorários (…)”, (expressão que, embora pouco utilizada no presente recurso, é naquela repetida um total de 9 vezes – considerando-se, (por este motivo), uma “retribuição indevida”, daí se concluindo revelar a conduta em questão uma “falha deontológica a censurar”; (cfr., pág. 37, 38 e 39 deste aresto).

Ora, não se questiona – de maneira alguma e como atrás de deixou já consignado – a legitimidade do “poder disciplinar” pelo ora recorrente exercido, (cfr., v.g., o art. 2° e 4° do “Estatuto do Advogado”, aprovado pelo D.L. n.° 42/95/M de 21.08), mostrando-se de dizer também que, nesta matéria – “disciplinar” – imperativo é reconhecer-se, sempre, alguma subjectividade ou discricionariedade ao órgão decisor.

Porém, como (crê se que também) se deixou explicitado – no próprio Acórdão recorrido e no que se deixou exposto – mostra-se-nos de concluir que, no caso, em consequência de uma menos feliz leitura, interpretação e enquadramento jurídico da factualidade dada como provada se acabou por proferir uma “decisão punitiva” assente numa “situação” que não corresponde ao que efectivamente sucedeu, (e se apurou), reparo não merecendo assim o dito Acórdão recorrido.

Por fim, mostra-se útil e oportuna uma última nota.

Em face do consignado, óbvio é que se poderia – eventualmente – entender que perante as alegadas “faltas” do ora recorrido, censurável não deixa de ser a sua conduta, e, nesta medida, de se ter como adequada (e de se manter) a decisão disciplinar punitiva pelo ora recorrente proferida e que com o Acórdão recorrido se decidiu anular.

Tal ponto de vista, está, aliás, em harmonia com o “princípio do aproveitamento do acto administrativo”, (“utile per inutile vitiatur”), que tem sido objecto de abundante estudo e análise na doutrina e jurisprudência; (cfr., v.g., e entre muitos outros, Ana Celeste Carvalho no seu estudo “O Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo no Direito Administrativo da Região Administrativa Especial de Macau”, in Revista de “Administração”, n.° 110, Vol. XXVIII, 2015-4°, pág. 1043-1072, onde é citada variada doutrina e jurisprudência local e portuguesa sobre o tema, podendo-se, também, ver, Carlos A. F. Cadilha in, “Implicações do novo regime do C.P.A. no direito processual administrativo”, na Revista “Julgar”, n.° 26, 2015, pág. 11 e segs.; Inês Ramalho in, “O princípio do aproveitamento do acto Administrativo”, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito; e Edmilson Wagner dos Santos Conde in, “Algumas Reflexões sobre o art. 163°, n.° 5 do C.P.A.: o «novo» princípio do aproveitamento do acto administrativo”, “Revista Electrónica de Direito Público”, com notas de direito comparado; sendo ainda de salientar que o referido “princípio” encontra-se hoje expressamente previsto no referido art. 163°, n.° 5 do novo C.P.A. português, aprovado pelo D.L. n.° 442/91 de 15.11).

Porém, e deste “princípio” resultando, essencialmente, e muito sumariamente, um “poder-dever” de o Tribunal – reunidas estando determinadas circunstâncias – “afastar” o efeito anulatório do acto em face do vício de que padece, (e, assim, no seu “aproveitamento”), temos para nós que, na situação dos presentes autos, viável não se apresenta tal solução.

É que, como se vê do teor do Acórdão do ora recorrente, a pena de “censura” aplicada ao ora recorrido constitui uma “pena única”, resultado de um considerado “concurso efectivo, a punir individualmente com a apontada pena”, (cfr., pág. 42 deste aresto, cabendo aqui observar, igualmente, que o art. 41°, n.° 1, al. a) do Código Disciplinar em questão permite a punição com a pena de “advertência”, que consiste, como se sabe, numa pena mais leve e de escalão inferior), possível não se nos mostrando desta forma a aplicação do aludido “princípio” com o aproveitamento da dita decisão punitiva, por manifesta “invasão do poder discricionário” que, (como se referiu, no caso), ao ora recorrente está atribuído.

Como em sede do – sumário do – Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 18.12.2013, Proc. n.° 77/2013, se deixou consignado: “O princípio do aproveitamento dos actos administrativos pelo tribunal, não invalidando o acto, apesar do vício constatado, só vale na área dos actos vinculados, o que não se verifica no domínio da dosimetria das penas disciplinares da função pública, que comporta uma margem de discricionariedade”.

Dest’arte, apresentando-se-nos o assim considerado de manter, e inteiramente válido para os presentes autos, impõe-se a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso do Acórdão interlocutório de 09.05.2019, negando-se provimento ao Acórdão a final proferido, datado de 02.04.2020.

Sem tributação.

Registe e notifique.

Macau, aos 03 de Março de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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