打印全文
Processo n.º 247/2021 Data do acórdão: 2021-4-15
Assuntos:
– revogação da pena suspensa
– cometimento de novo crime doloso
– art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O

1. No caso dos autos, o arguido voltou a praticar um crime doloso de burla em valor elevado a menos, sensivelmente, de dez meses de tempo após o trânsito em julgado da decisão condenatória então proferida no âmbito do presente processo penal.
2. Contudo, mesmo que tenha precisado urgentemente de dinheiro para custear a hospitalização do seu pai (problema esse que deveria ser resolvido por outra via, lícita), não deveu ele praticar tal crime doloso novo durante o período da suspensão da pena única de prisão decretada no presente processo.
3. O cometimento de um novo crime doloso de burla em valor elevado (de igual natureza dos três dos crimes por que vinha condenado outrora) durante o período de suspensão dessa pena única frustou realmente a expectativa do tribunal sentenciador de então de que a suspensão da pena pudesse dar para alcançar as finalidades de punição.
4. É, pois, de manter a recorrida decisão revogatória da pena suspensa, à luz do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 247/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fl. 458 a 458v do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-16-0483-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão, por três anos, da execução da sua pena única de dois anos e seis meses de prisão, então imposta (no correspondente acórdão condenatório de 11 de Maio de 2018 em primeira instância, transitado em julgado em 31 de Maio de 2018) por prática, em autoria material, e em concurso real efectivo, de quatro crimes consumados de furto simples, de quatro crimes consumados de furto de coisa de valor elevado, de três crimes consumados de burla em valor elevado, e de um crime consumado continuado de falsificação de documento, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nos presentes autos correspondentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na sua motivação apresentada a fls. 468 a 475 dos autos, a manutenção da suspensão da execução da pena, com prorrogação do período inicial da suspensão, alegando, para o efeito, e no seu essencial, que na dita decisão revogatória da suspensão da pena, não se considerou que no novo Processo n.o CR5-19-0361-PCC do TJB (no seio do qual ficou ele condenado, por decisão transitada em julgado em 13 de Novembro de 2020, por prática, em autoria material, em Março de 2019, de um crime consumado de burla em valor elevado, na pena de um ano de prisão efectiva, e no pagamento de trinta e três dólares de Hong Kong de indemnização a favor da pessoa ofendida, com juros legais), ele já confessou sem reservas os factos e praticou o novo crime em questão por precisar de angariar dinheiro para custear a hospitalização do seu pai, sendo ele próprio pilar ecónomico e psicológico da sua família, com a mãe com doença cardiovascular, um filho menor de sete anos de idade a seu cargo, e encargos mensais, no valor de vinte mil patacas, de amortização de empréstimo bancário hipotecário.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 482 a 484 dos autos, no sentido de improcedência.
Subido o recurso, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer a fls. 504 a 505, opinando pela manifesta improcedência do mesmo.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
1. Por acórdão de 11 de Maio de 2018 do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-16-0483-PCC, transitado em julgado em 31 de Maio de 2018, o arguido ora recorrente ficou condenado na pena única de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por três anos, por prática, em autoria material, e em concurso real efectivo, de quatro crimes consumados de furto simples (com respectivas penas parcelares especialmente atenuadas com fundamento na já reparação de todos os danos causados), de quatro crimes consumados de furto de coisa de valor elevado (com respectivas penas parcelares especialmente atenuadas, com o mesmo fundamento), de três crimes consumados de burla em valor elevado (com respectivas penas parcelares especialmente atenuadas, com o mesmo fundamento), e de um crime consumado continuado de falsificação de documento.
2. Posteriormente, a fls. 428 e seguintes dos presentes autos correspondentes, foi junta a certidão da decisão condenatória, transitada em julgado em 13 de Novembro de 2020, do Processo n.o CR5-19-0361-PCC, no seio do qual o mesmo arguido ficou condenado por prática, em autoria material, em Março de 2019, de um crime consumado de burla em valor elevado, na pena de um ano de prisão efectiva, e no pagamento de trinta e três dólares de Hong Kong de indemnização a favor da pessoa ofendida, com juros legais.
3. Em face disso, e sob promoção do Ministério Público, a M.ma Juíza actualmente titular do presente processo em primeira instância acabou por ouvir a própria pessoa do arguido em 28 de Janeiro de 2021, para efeitos materialmente do art.o 476.o, n.o 3, do Código de Processo Penal (CPP) (cfr. o auto dessa diligência, lavrado a fls. 457 e seguintes), em sede do que o arguido declarou que foi por precisar urgentemente de dinheiro é que perdeu lucidez na cabeça e cometeu o novo crime.
4. E no fim dessa mesma diligência, a M.ma Juíza decidiu por revogar a suspensão da execução da pena única do arguido, citando o disposto na alínea b) do n.o 1 do art.o 54.o do CP (cfr. o teor do despacho revogatório da suspensão da pena, constante de fl. 458 a 458v).
5. Na fundamentação probatória do acórdão condenatório, em primeira instância, do acima referido novo processo condenatório do arguido, consta que o arguido declarou na audiência de julgamento que tinha praticado o crime porque era desempregado e precisava de pagar despesas de hospitalização do seu pai e que estava arrependido da prática do crime (cfr. o teor das linhas 5 a 7 e 10 da página 4 do texto desse acórdão, ora certificado concretamente a fl. 430v dos presentes autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Cumpre decidir se o despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão do arguido recorrente viola o art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP.
No caso dos autos:
– o arguido voltou a praticar, em Março de 2019, um crime doloso de burla em valor elevado a menos, sensivelmente, de dez meses de tempo após o trânsito em julgado, em 31 de Maio de 2018, da decisão condenatória então proferida no âmbito do presente processo penal;
– é certo que todos os prejuízos então causados por ele aos ofendidos dos quatro crimes de furto simples, dos quatro crimes de furto de coisa de valor elevado e dos três crimes de burla em valor elevado por que tinha ficado condenado no âmbito do presente processo penal já tinham sido integralmente reparados, razão por que obteve atenuação especial da pena desses crimes;
– mas mesmo que tenha precisado urgentemente de dinheiro para custear a hospitalização do seu pai (problema esse que deveria ser resolvido por outra via, lícita), não deveu ele praticar novo crime doloso de burla em valor elevado durante o período da suspensão da pena única de dois anos e seis meses de prisão;
– embora na nova condenação penal em causa ele tenha confessado na audiência, e sem reservas, os factos do seu (novo) crime de burla em valor elevado, e ainda que já tenha estado arrependido da prática do crime, estas duas circunstâncias não bastam para afastar a legalidade e a justeza da decisão, ora recorrida, revogatória da suspensão da dita pena única de prisão, posto que o cometimento de um novo crime doloso de burla em valor elevado (de igual natureza dos três dos crimes por que vinha condenado outrora) durante o período de suspensão dessa pena única frustou realmente a expectativa do Tribunal sentenciador de então de que a suspensão da pena pudesse dar para alcançar as finalidades de punição.
É, pois, de manter a decisão recorrida, à luz do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso, mantendo o recorrido despacho judicial revogatório da pena suspensa.
Custas do recurso pelo arguido, com uma UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo n.o CR5-19-0361-PCC.
Macau, 15 de Abril de 2021.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 247/2021 Pág. 9/9