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Processo n.º 203/2021
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 24 de Junho de 2021

Assuntos:
     
- Multa aplicada com base num contrato administrativo e competência do TSI para conhecer do recurso contencioso que tem por objecto a aplicação dessa mesma multa

SUMÁRIO:

I – No ordenamento jurídico de Macau existem vários diplomas legais avulsos que prevêm a possibilidade de aplicar multa pela Administração Pública ao contratante com base no contrato administrativo celebrado, exemplos disto são: art.º 56.º do DL n.º 63/85/M, de 6 de Julho (por razão imputável ao adjudicatário para o fornecimento de bens ou prestações de serviços); art.º16.º da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio (por incumprimento dos contratos de concessão de obras públicas e de serviços públicos). Destarte, resultando as sanções (multas) do próprio contrato, não cabem as mesmas de forma alguma na definição do nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 52/99/M (Regime de infracções administrativas), de 4 de Outubro.

II – Nestes termos, é de concluir-se que a sanção (multa), objecto do acto administrativo aqui impugnado, não é uma infracção administrativa, pelo que, não cabe no âmbito do artº 30º da LBOJ que fixa a competência do Tribunal Administrativo, mas sim na esfera da competência do TSI, para conhecer do pedido de anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato praticados pelas entidades a que alude a alínea 8) do artº 36º da LBOJ.
     
     


O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong















Processo n.º 203/2021-A
(Reclamação para a Conferência contra a decisão do relator do processo)

Data : 24/Junho/2021

Recorrente : A, S.A. (A有限公司)

Entidade Recorrida : Secretário para os Transportes e Obras Públicas

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    Pelo Exmo. Senhor Juiz Relator foi apresentado à discussão e votação o projecto da decisão sobre a reclamação com o seguinte teor, que não obteve vencimento:
Processo nº 203/2021-A

Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
No âmbito dos autos de recurso contencioso de anulação, interposto pela A, S. A., registado sob o número 203/2021, foi proferido pelo Relator do processo o seguinte despacho:
Conforme se vê no acto ora recorrido, a ora recorrentes foi punida pela violação do disposto no artº 19º/1 do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais, celebrado entre a RAEM e a adjudicatária, ora recorrente.
Trata-se de uma punição da conduta praticada pela Adjudicatária infringindo obrigações assumidas pelo adjudicatário em contratos administrativos.
Não obstante relativo à execução do contrato administrativo, o acto recorrido tem o valor jurídico de acto administrativo, portanto, declarações de autoridade, e não de meras declarações paritárias de vontade contratual.
Não se conformando com as declarações de autoridade que tem o valor jurídico de acto administrativo e pretendendo reagir contra elas, o adjudicatário particular terá de as impugnar por via contenciosa.
Assim, bem andou a ora recorrente ao lançar mão a recurso contencioso de anulação para reagir contra a decisão punitiva que lhe aplicou multa.
Só que o presente recurso não foi encaminhado para o sítio certo.
Pois, não obstante praticado pelo Secretário para Transportes e Obras Públicas, o acto recorrido não deixa de ser um acto da aplicação de uma multa por um órgão administrativo, e portanto deve ser impugnado por via de recurso contencioso perante o Tribunal Administrativo, que para tal é competente face ao disposto no artº 30º/5º-5) da LBOJM.
Assim sendo, declaro o TSI incompetente e determino a remessa do presente recurso ao Tribunal Administrativo.
Notifique.
Do despacho foram notificados o Ministério Público e a recorrente.
Inconformado, veio o Ministério Público reclamar dele para a conferência mediante o requerimento a fls. 80 e s.s., que tem o seguinte teor:
  O magistrado do M.ºP.º junto desse Venerando Tribunal, tendo sido notificado do douto despacho de fls.76 e v. dos autos e não conformando com o mesmo, vem aduzir a presente reclamação nos termos e com os fundamentos seguintes:
  1. De acordo com o ofício n.º2100192/0225/DGT/F.C/2021 (doc. de fls.42 a 43 dos autos), o recurso registado sob o n.º203/2021 no TSI tem como objecto o despacho lançado pelo Exmo. Sr. Secretário para Transportes e Obras Pública na Proposta n.º2235/0225/DGT/F.C/2020.
  2. É acertada a afirmação do MMº Relator, no sentido de que “a ora recorrente foi punida pela violação do disposto no artº 19º/1 do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Espe-ciais (cfr. o despacho ora em questão), pois o dito ofício menciona claramente que o referido despacho do Exmo. Sr. STOP se consubstancia em “因有足夠證據顯示 貴公司的僱員B已違反《公證合同》第十九條第一款的規定,且 貴公司所提出的答辯理由未能推翻對 貴公司所提出之有關控訴,故根據《公證合同》第六條第一款及第三十條第一款(十)項的規定,決定對貴公司科處澳門幣$10,000.00(澳門元壹萬圓正)罰款。”.
  3. Nos termos da disposição na alínea 5) do n.º5 do art.30.º da Lei n.º9/1999 republicada pela Lei n.º4/2019, compete ao Tribunal Adminis-trativo conhecer, além de outros, dos recursos dos actos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferi-dos por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa.
  4. Com todo o respeito pelo entendimento diferente, subscrevemos a sensata jurisprudência, segundo a qual “As multas e a redução de hono-rários estabelecidas nos contratos administrativos consideram-se sanções administrativas contratuais.” (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º441/2013).
  5. E aderimos ainda à brilhante jurisprudência que inculca (cfr. Acór-dão do TSI no Processo n.º159/2014): Se no âmbito da execução de um contrato admi-nistrativo o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas aplicar uma multa contratual ao empreiteiro, competente para o julgamento do recurso contencioso interposto do respectivo acto administrativo é o TSI, nos termos do art.36º, al. 8), (2) da LBOJ e não o TA, uma vez que o caso se não revê na previsão dos arts. 1º e 2º do DL nº52/99/M, de 4 de Outubro (Regime Geral das Infracções Administrativas), pelo que não se mostra aplicável o regime da impugnação contenciosa que está previsto no art.16º do mesmo diploma.
  6. Tudo isto aconselha-nos a entender que o TSI é competente para conhecer do presente recurso contencioso registado sob o n.º203/2021, e o sobredito despacho do MMº Relator em escrutínio enferma da errada interpretação do disposto nas alínea 5) do n.º5 do art.30.º e subalínea (2) da alínea 8) do art.36.º da Lei n.º9/1999 na redacção supra referida.
  Nestes termos, o M.º P.º pede V. Exªs. se dignem revogar o despacho do MMº Relator e substituir esse despacho pela decisão que manda o prosseguimento do presente recurso contencioso nos seus ulteriores termos, assim fazendo-se a habitual
   JUSTIÇA!

Também inconformada, por sua vez, a recorrente interpôs recurso jurisdicional desse mesmo despacho mediante o seguinte requerimento motivado:
  A有限公司,司法上訴人,身份資料已載於卷宗內。現根據《行政訴訟法典》第150條第2款、《民事訴訟法典》第583條第2款a)項及第593條第1款的規定,對本卷宗第76頁 法官閣下的批示的決定,提起平常上訴,並根據《民事訴訟法典》第601第1款b)項、第604條及第607的規定,懇請 法官閣下對該上訴作出分開上呈、立即上呈及移審效力。
  司法上訴人又根據《民事訴訟法典》第593條第1款規定,對本上訴的提起向 法官閣下作出詳細說明有關依據如下:

I、 前提
1. 卷宗第76頁 法官閣下批示,裁定中級法院對本司法上訴不具管轄權,認為本司法上訴具管轄權的法院為行政法院,並命令移交本司法上訴致行政法院。
2. 卷宗第76頁 法官閣下批示〔下稱“被上訴批示”〕的內容如下:
“Conforme se vê no acto ora recorrido, a ora recorrentes foi punida pela violação do disposto no artº19/1 do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais, celebrado entre a RAEM e a adjudicatária, ora recorrente.
Trata-se de uma punição da conduta praticada pela Adjudicatária infringindo obrigações assumidas pelo adjudicatário em contratos adminstrativos.
Não obstante relativo àexecução do contrato administrativo, o acto recorrido tem o valor jurídico de acto administrativo, portanto, declarações de autoridade, e não de meras declarações paritárias de vontade contratual.
Não se conformando com as declarações de autoridade que têm o valor jurídico de acto adminstrativo e pretendendo reagir contra elas, o adjudicatário particular terá de as impugnar por via contenciosa.
Assim, bem andou a ora recorrente ao lançar mão a recurso contencioso de anulação para reagir contra a decisão punitiva que lhe aplicou multa.
Só que o presente recurso não foi encaminhado para o sítio certo.
Pois, não obstante praticado pelo Secretário para Transportes e Obras Públicas, o acto recorrido não deixa de ser um acto da aplicação de uma multa por um órgão administrativo, e portanto deve ser impugnado por via de recurso contescioso perante o Tribunal Administrativo, que para tel é competente face ao disposto no artº30º/5º-5) da LBOJM.”
3. 司法上訴人不確認被上訴批示,因而提起上訴的聲請及作出依據說明。

II、 依據說明
4. 被上訴批示認為,根據《司法組織綱要法》第30條第5款5)項的規定,本司法上訴的管轄法院為行政法院。
5. 《司法組織綱要法》第30條第5款5)項:
“第三十條
行政法院

五、在行政、稅務及海關上的司法爭訟方面,行政法院尚有管轄權審理:


(五)對行政機關在處理行政違法行為的程序中科處罰款及附加制裁的行為,以及法律規定的其他行為提起上訴的案件;
…”
  〔粗體底線是我們所強調〕
6. 根據第52/99/M號法令訂定《行政上之違法行為之一般制度及程序》,第2條規定了行政上之違法行為的概念;
“第二條
(行政上之違法行為之概念)
一、行政上之違法行為係指單純違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法事實,而該事實不具輕微違反性質,且規定之處罰屬金錢上之行政處罰,稱為罰款。
二、稱為行政上之違法行為之不法事實,如可處以徒刑,則視為犯罪;如可處以可轉換為監禁之罰款,則視為輕微違反。”
7. 根據終審法院第6/2006號案卷合議裁判書對葡萄牙法違反秩序及澳門法律中的違法行為作出了闡釋,指出:
“…
4. 葡萄牙法的違反秩序
...葡萄牙創立了一種新的違反,即違反秩序,或者是行政違例,這種違反被科處金錢處罰,實質就是罰款。創建新制裁法的10月27日第433/82號法令(9月14日第244/95號法令的附件中重新全文頒布)認為,“違反秩序法的出現歸功於現代國家日趨增強的干預,即在經濟、衛生健康、教育、文化和生態平衡等領域不斷擴大其相應行為的傾向”。

5. 澳門法律中的違法行為:犯罪,輕微違反和行政上的違法行為。
澳門立法者只是在很久後才感到對行政上的違法行為需要制定一般的制度,即與葡萄牙稱為違反秩序的職能和制度相符的制度,但卻有一個明顯的不同:澳門的立法者似乎沒有想以行政上的違法行為替代輕微違反,而是把犯罪和輕微違反與行政上的違法行為一起繼續視為刑事違法行為。
6. 行政上的違法行為

在提到的法規中,訂定行政上的違法行為係指單純違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法行為,而該行為不具備輕微違反性質,且規定之處罰屬金錢方面的稱為罰款的行政處罰(第1條第l款)。
…”
〔粗體及底線是我們所強調〕
8. 從上可理解,《行政上之違法行為之一般制度及程序》是對違反社會公共秩序的預防與處罰。
9. 我們縱然認同被上訴批示的第三段,指本司法上訴的被上訴行為具有的是行政行為的性質,而非僅是合同意願的性質,
10. 但顯現本司法上訴的被上訴的行政行為並不是因司法上訴人作出了違反公共秩序、違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法行為。
11. 正如被上訴批示第一段所說,本司法上訴是因被訴實體認定司法上訴上人違反了相關行政合同第19條第1款而作出的罰款。
12. 司法上訴人在司法上訴起訴狀第二條指出被訴實體,“根據文件2的公函,科處罰款決定的原因依據是司法上訴人的僱員B於2018年5月28日實施的行為違反了於2016年9月22日繕立之《澳門特別行政區與A有限公司簽署有關特別的士客運業務的公證合同》(下稱「《公證合同》」)第十九條第一款的規定,因而根據《公證合同》第六條第一款及三十條第一款(十)項的規定作出處罰決定。”
13. 所以司法上訴人被被訴實體作出罰款的依據是源自於雙方所簽訂的《澳門特別行政區與A有限公司簽署有關特別的士客運業務的公證合同》的行政合同而來,
14. 被訴實體行使對司法上訴人在行政合同中的處罰權。
15. 這正如葡萄牙著名學者Diogo Freitas do Amaral在其行政法教程一書中對行政合同作出深刻的分析,就行政合同的概念,其中他指出:
“...公共行政當局以另一種形式作出行為,該形式是與私人合作,利用雙務合同方式,實現法律要求行政當局達成的公共利益。…”1
〔粗體底線是我們所強調〕
16. 由此我們理解到行政合同的目的是行政當局通過一個與私人訂立雙務合同方式去實現法律要求行政當局達成的公共利益;
17. 這明顯有別於透過法律或規章預防私人違反公共秩序的行政違反行為,因為這是單方的公權力對私人的法律制約。
18. 又根據上述同一學者在其行政法教程一書,探討行政合同的履行中指出行政當局依法享有五項主要的當局權力:
  “…
  在行政合同的履行中,行政當局依法享有五項主要的當局權力:單方變更之權力、指揮履行之權力、單方解除合同之權力、監察履行之權力,及最後的,科處為不履行合同而定之處罰權力…。”
  177. 同上:處罰權
  公共行政當局在行政合同履行中享有的第四種權力是,基於私人立約人(完全或部分)不履行合同或遲延履行或任何其他方式的不完整或瑕疵履行,基於私人立約人在未經行政當局的適當准許而將合同轉讓予其他人等情況,向有關私人科以處罰的效力。
  這種權力的兩個典型方式是科處罰款(aplicação de multas)及暫時接管(sequestro).
  …
  合同性處罰是行政當局透過行政行為科處的...”2
19. 所以本司法上訴案的被訴行政行為是行政當局對司法上訴人的一種合同性處罰,而非因司法上人訴違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法事實,而遭行政當局作出因行政上違法行為的處罰。
20. 在充分尊重不同的見解下,司法上訴人認為本司法上訴並不適用《司法組織綱要法》第30條第5款5)項的規定,不應界定為關於屬行政法院的管轄權限;
21. 而應根據《司法組織綱要法》第36條第8款2)項規定所以,中級法院具有管轄權審理由司長作出的行政行為而提起的司法上訴。
22. 這亦是我們注意到在中級法院作為第一審法院受理有關行政合同罰款處罰的多個司法上訴個案,作為舉例列舉例子,如卷宗編號第101/2011個案及卷宗編號第1016/2015個案。
23. 綜上,司法上訴人基於上述的依據,對被上訴批示提出上訴聲請。

Sem vistos com a concordância dos Juízes-Adjuntos – artº 626º/2 do CPC, ex vi do artº 149º do CPAC.
Vejamos.
Antes de mais, é de notar que, face ao disposto no artº 620º do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC, o recurso ordinário não é o meio idóneo de reacção contra o despacho do Relator.
Já andou bem o Ministério Público, que reagiu por via de reclamação para a conferência.
Assim, ao abrigo do disposto no artº 12º do CPAC e tendo em conta que se encontra já devidamente motivado o requerimento de “recurso” interposto pela recorrente, convertemos o recurso em reclamação para a conferência.
Convertido o recurso em reclamação para a conferência, já estamos em condições para nos debruçarmos sobre ambas as reclamações.
Por razões já expostas no despacho ora reclamado, já foi demonstrado o fundamento legal que levou o Relator a declarar o TSI incompetente e determinar a remessa do presente recurso ao Tribunal Administrativo.
Nos termos do disposto no artº 30º/5-(5) da LBOJM, compete ao Tribunal Administrativo para julgar os recursos dos actos administrativos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferidos por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa.
Diz-se infracção administrativa o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos – o artº 1º do Decreto-Lei nº 52/99/M.
Não obstante a definição legal de infracção administrativa face ao artº 1º do Decreto-Lei nº 52/99/M, cremos que, em face do disposto na LBOJM, ao critério determinativo da distribuição vertical das competências judiciais, ao TSI ou ao TA, para a apreciação dos recursos contenciosos de anulação dos actos administrativos, estão subjacentes as considerações que se prendem ou com a qualidade dos autores dos actos ou com a importância da matéria em que são praticados.
No caso da competência para julgar dos recursos dos actos que sancionem as infracções administrativas, é evidentemente por causa da natureza da bagatela da matéria que levou o legislador a atribuir a competência ao TA.
Assim, se os actos punitivos da violação ou da inobservância de uma norma legal ou regulamentar caem na competência do Tribunal Administrativo, os actos punitivos da violação ou da inobservância de uma mera cláusula estipulada no contrato administrativo celebrado entre a Administração e o particular carecem, por maioria de razão, da dignidade para serem apreciados no TSI.
Face ao que foi alegado pelo Ministério Público e pela recorrente, que se apoiaram no critério legal, este entendimento nosso não deve ficar abalado.
Portanto, é de manter o despacho reclamado.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência não indeferir ambas as reclamações.
Custas do incidente apenas pela reclamante particular, com taxa de justiça fixada em 4 UC, por o Ministério Público beneficiar da isenção subjectiva em face do disposto no artº 2º/1-c) do RCT.
Notifique.
RAEM, 17JUN2021

*
    Nestes termos, passou o juiz (primeiro-adjunto) a relatar o presente processo nos termos do disposto no artigo 19º/1 do Regulamento Interno de funcionamento do TSI.
*
    
    I – RELATÓRIO
A, S.A. (A有限公司), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Exmo. Colega deste TSI, ex-titular deste processo, datado de 09/04/2021, que declarou incompetente este TSI e competente o TA, veio, em 26/04/2021, interpor a presente reclamação para a conferência, com os fundamentos constantes de fls. 82 a 85, tendo formulado as seguintes conclusões:
I、 前提
1. 卷宗第76頁 法官閣下批示,裁定中級法院對本司法上訴不具管轄權,認為本司法上訴具管轄權的法院為行政法院,並命令移交本司法上訴致行政法院。
2. 卷宗第76頁 法官閣下批示〔下稱“被上訴批示”〕的內容如下:
“Conforme se vê no acto ora recorrido, a ora recorrentes foi punida pela violação do disposto no artº19/1 do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais, celebrado entre a RAEM e a adjudicatária, ora recorrente.
Trata-se de uma punição da conduta praticada pela Adjudicatária infringindo obrigações assumidas pelo adjudicatário em contratos adminstrativos.
Não obstante relativo àexecução do contrato administrativo, o acto recorrido tem o valor jurídico de acto administrativo, portanto, declarações de autoridade, e não de meras declarações paritárias de vontade contratual.
Não se conformando com as declarações de autoridade que têm o valor jurídico de acto adminstrativo e pretendendo reagir contra elas, o adjudicatário particular terá de as impugnar por via contenciosa.
Assim, bem andou a ora recorrente ao lançar mão a recurso contencioso de anulação para reagir contra a decisão punitiva que lhe aplicou multa.
Só que o presente recurso não foi encaminhado para o sítio certo.
Pois, não obstante praticado pelo Secretário para Transportes e Obras Públicas, o acto recorrido não deixa de ser um acto da aplicação de uma multa por um órgão administrativo, e portanto deve ser impugnado por via de recurso contescioso perante o Tribunal Administrativo, que para tel é competente face ao disposto no artº30º/5º-5) da LBOJM.”
3. 司法上訴人不確認被上訴批示,因而提起上訴的聲請及作出依據說明。

II、 依據說明
4. 被上訴批示認為,根據《司法組織綱要法》第30條第5款5)項的規定,本司法上訴的管轄法院為行政法院。
5. 《司法組織綱要法》第30條第5款5)項:
“第三十條
行政法院

五、在行政、稅務及海關上的司法爭訟方面,行政法院尚有管轄權審理:


(五)對行政機關在處理行政違法行為的程序中科處罰款及附加制裁的行為,以及法律規定的其他行為提起上訴的案件;
…”
〔粗體底線是我們所強調〕
6. 根據第52/99/M號法令訂定《行政上之違法行為之一般制度及程序》,第2條規定了行政上之違法行為的概念;
“第二條
(行政上之違法行為之概念)
一、行政上之違法行為係指單純違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法事實,而該事實不具輕微違反性質,且規定之處罰屬金錢上之行政處罰,稱為罰款。
二、稱為行政上之違法行為之不法事實,如可處以徒刑,則視為犯罪;如可處以可轉換為監禁之罰款,則視為輕微違反。”
7. 根據終審法院第6/2006號案卷合議裁判書對葡萄牙法違反秩序及澳門法律中的違法行為作出了闡釋,指出:
“…
4. 葡萄牙法的違反秩序
...葡萄牙創立了一種新的違反,即違反秩序,或者是行政違例,這種違反被科處金錢處罰,實質就是罰款。創建新制裁法的10月27日第433/82號法令(9月14日第244/95號法令的附件中重新全文頒布)認為,“違反秩序法的出現歸功於現代國家日趨增強的干預,即在經濟、衛生健康、教育、文化和生態平衡等領域不斷擴大其相應行為的傾向”。

5. 澳門法律中的違法行為:犯罪,輕微違反和行政上的違法行為。
澳門立法者只是在很久後才感到對行政上的違法行為需要制定一般的制度,即與葡萄牙稱為違反秩序的職能和制度相符的制度,但卻有一個明顯的不同:澳門的立法者似乎沒有想以行政上的違法行為替代輕微違反,而是把犯罪和輕微違反與行政上的違法行為一起繼續視為刑事違法行為。
6. 行政上的違法行為

在提到的法規中,訂定行政上的違法行為係指單純違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法行為,而該行為不具備輕微違反性質,且規定之處罰屬金錢方面的稱為罰款的行政處罰(第1條第l款)。
…”
〔粗體及底線是我們所強調〕
8. 從上可理解,《行政上之違法行為之一般制度及程序》是對違反社會公共秩序的預防與處罰。
9. 我們縱然認同被上訴批示的第三段,指本司法上訴的被上訴行為具有的是行政行為的性質,而非僅是合同意願的性質,
10. 但顯現本司法上訴的被上訴的行政行為並不是因司法上訴人作出了違反公共秩序、違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法行為。
11. 正如被上訴批示第一段所說,本司法上訴是因被訴實體認定司法上訴上人違反了相關行政合同第19條第1款而作出的罰款。
12. 司法上訴人在司法上訴起訴狀第二條指出被訴實體,“根據文件2的公函,科處罰款決定的原因依據是司法上訴人的僱員B於2018年5月28日實施的行為違反了於2016年9月22日繕立之《澳門特別行政區與A有限公司簽署有關特別的士客運業務的公證合同》(下稱「《公證合同》」)第十九條第一款的規定,因而根據《公證合同》第六條第一款及三十條第一款(十)項的規定作出處罰決定。”
13. 所以司法上訴人被被訴實體作出罰款的依據是源自於雙方所簽訂的《澳門特別行政區與A有限公司簽署有關特別的士客運業務的公證合同》的行政合同而來,
14. 被訴實體行使對司法上訴人在行政合同中的處罰權。
15. 這正如葡萄牙著名學者Diogo Freitas do Amaral在其行政法教程一書中對行政合同作出深刻的分析,就行政合同的概念,其中他指出:
“...公共行政當局以另一種形式作出行為,該形式是與私人合作,利用雙務合同方式,實現法律要求行政當局達成的公共利益。…”3
〔粗體底線是我們所強調〕
16. 由此我們理解到行政合同的目的是行政當局通過一個與私人訂立雙務合同方式去實現法律要求行政當局達成的公共利益;
17. 這明顯有別於透過法律或規章預防私人違反公共秩序的行政違反行為,因為這是單方的公權力對私人的法律制約。
18. 又根據上述同一學者在其行政法教程一書,探討行政合同的履行中指出行政當局依法享有五項主要的當局權力:
“…
在行政合同的履行中,行政當局依法享有五項主要的當局權力:單方變更之權力、指揮履行之權力、單方解除合同之權力、監察履行之權力,及最後的,科處為不履行合同而定之處罰權力…。”
177. 同上:處罰權
公共行政當局在行政合同履行中享有的第四種權力是,基於私人立約人(完全或部分)不履行合同或遲延履行或任何其他方式的不完整或瑕疵履行,基於私人立約人在未經行政當局的適當准許而將合同轉讓予其他人等情況,向有關私人科以處罰的效力。
這種權力的兩個典型方式是科處罰款(aplicação de multas)及暫時接管(sequestro).

合同性處罰是行政當局透過行政行為科處的...”4
19. 所以本司法上訴案的被訴行政行為是行政當局對司法上訴人的一種合同性處罰,而非因司法上人訴違反或不遵守法律或規章之預防性規定之不法事實,而遭行政當局作出因行政上違法行為的處罰。
20. 在充分尊重不同的見解下,司法上訴人認為本司法上訴並不適用《司法組織綱要法》第30條第5款5)項的規定,不應界定為關於屬行政法院的管轄權限;
21. 而應根據《司法組織綱要法》第36條第8款2)項規定所以,中級法院具有管轄權審理由司長作出的行政行為而提起的司法上訴。
22. 這亦是我們注意到在中級法院作為第一審法院受理有關行政合同罰款處罰的多個司法上訴個案,作為舉例列舉例子,如卷宗編號第101/2011個案及卷宗編號第1016/2015個案。
23. 綜上,司法上訴人基於上述的依據,對被上訴批示提出上訴聲請。

* * *
Por seu turno, o Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI veio também reclamar contra o despacho em causa, com os fundamentos constantes de fls. 80 e 81 (já transcritos no projecto do ex-relator), pedindo revogar a mesma decisão ora posta em crise.
* * *
Foram dispensados os vistos (cfr. despacho de fls. 147).
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Em 05/03/2021 a Recorrente interpôs neste TSI o competente recurso contencioso, pedindo a anulação da decisão duma multa que o Secretário para os Transporte e Obras Públicas com base no “Contrato de Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais”;
- Em 09/04/2021 o ex-Relator do processo proferiu o despacho constante de fls. 76 e 76/v – cujo teor se dá pro reproduzido aqui para todos os efeitos legais -, pelo que declarou incompetente TSI e competente o TA;
- Em 22/04/2021 veio o Digno. Magistrado junto deste TSI reclamar contra o despacho acima referido, com os fundamentos de fls. 80 e 81 dos autos, cujo teor se dá pro reproduzido aqui para todos os efeitos legais;
- Em 26/04/2021 a Recorrente veio também reclamar contra o mesmo despacho, com os fundamentos de fls. 82 e 85 dos autos, cujo teor se dá pro reproduzido aqui para todos os efeitos legais.

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
    A mesma questão já foi objecto da decisão no âmbito do processo nº 820/2020, de 17 de Junho, em que se consignou a seguinte doutrina:
    
A multa aplicada e objecto desta acção resultará de uma infracção ao Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais.
De acordo com a alínea 5) do nº 5 do artº 30º da LBOJ compete ao Tribunal Administrativo conhecer “dos recursos de actos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferidos por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa”.
Subjacente à norma do artº 30º da LBOJ estão as infracções administrativas.
Sustentam as partes que a sanção aplicada e contra a qual a Recorrente se insurge resulta de um contrato e não de infracção administrativa.
Tradicionalmente no Direito Português as infracções penais distinguiam-se em crimes e transgressões, sendo que, para estas últimas mais tarde se veio a usar também a designação de contravenções.
No caso de Portugal a evolução legislativa levou à consagração de um regime jurídico específico para este tipo de ilícitos culminando no regime geral das contraordenações.
A evolução legislativa em matéria de ilícitos penais em Macau foi diferente.
O Código Penal continuou a manter a distinção entre crimes e contravenções, vindo mais tarde a ser criado um regime específico para as infracções administrativas.
Sobre esta matéria é esclarecedor o Acórdão do TUI de 03.05.2006 proferido no processo 6/2006, o qual na parte que aqui releva se transcreve:
«3. Direito punitivo ou sancionatório.
Para qualificar as infracções que estão em causa, convém adiantar algumas considerações sobre a tipologia do direito punitivo ou sancionatório, afastando desde já as sanções cíveis porque manifestamente irrelevantes para o nosso caso.
Tradicionalmente, tanto no direito português, como no de Macau, que tem a matriz do primeiro, as infracções penais eram de dois tipos, os crimes e as contravenções ou transgressões. Esta distinção relevava do Código Penal de 1886, que vigorou em Portugal até 31 de Dezembro de 1982 e em Macau até 31 de Dezembro de 1995.
O art. 1.º do Código Penal de 1886 definia o crime como o facto voluntário declarado punível pela lei penal e o art. 3.º considerava contravenção o facto voluntário punível, que consiste na violação, ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica.
Não era fácil a tarefa do intérprete na distinção das duas figuras.
As duas infracções tinham elementos comuns e elementos próprios. Ambas são factos voluntários puníveis, mas já divergem na fonte da incriminação. Só a lei para os crimes, a lei ou o regulamento no caso das contravenções.
No caso da contravenção, a lei distingue-a do crime, da seguinte forma:
- Nas contravenções as normas violadas são de natureza preventiva;
- As contravenções são punidas independentemente de toda a intenção maléfica.
Explica MAIA GONÇALVES que “(a) distinção entre estas duas categorias tem vindo predominantemente a fazer-se em torno da doutrina de Carnevale, exposta por este criminalista italiano em dois estudos, publicados em 1906 e 1907. Este autor distinguia a protecção penal concedida aos interesses sociais ou bens jurídicos em si, da que é concedida às condições favoráveis ou de ambiente indispensáveis à existência e desenvolvimento normal desses interesses.
No primeiro caso, a protecção é defesa dos interesses; no segundo, mera polícia do direito. A infracção das normas que desempenham a função de defesa origina o crime; a das normas de polícia faz nascer a contravenção.
Esta doutrina, que desenvolve a que distingue entre defesa mediata e defesa imediata dos bens jurídicos, foi perfilhada por notáveis criminalistas (veja-se Manzini, Tratatto, ed. de 1950, vol. I, págs. 580 e segs.).
Entre nós, aderiu-lhe inteiramente Marcello Caetano, Lições de Direito Penal, 1939, págs. 190-191. Beleza dos Santos, seguindo de perto Caeiro da Matta, considerou normas repressivas aquelas que defendem interesses jurídicos, punindo aqueles factos que atacam ou põem em perigo, directa e imediatamente, certos interesses, e normas preventivas as que protegem interesses jurídicos incriminando factos que só ocasionalmente atacam ou põem em perigo interesses indeterminados. Importa pois, em cada caso, averiguar se a infracção ameaça directa e imediatamente interesses jurídicos, ou se só representa uma ameaça longínqua desses interesses (Lições de Direito Criminal, 1935-1936, pág. 257 e R.L.J., 66.°, pág. 34).
Assim, estes autores colocam-se dentro da doutrina, desenvolvida por Carnevale, que distingue entre defesa mediata e defesa imediata dos bens jurídicos como critério diferenciador entre normas repressivas e preventivas, e, indirectamente, entre crimes e contravenções”.
Para outros, a contravenção seria a acção ou omissão contrária ao interesse administrativo do Estado. “O seu campo situava-se no âmbito da própria actividade da Administração, que abrangeria exclusivamente a actividade da polícia de segurança, meramente conservativa de bens ou interesses públicos ou particulares, ou abrangeria o interesse à formação e melhoria das condições de vida social com o alargamento da função administrativa do Estado”.
4. As contra-ordenações do direito português
Entretanto, em Portugal, por inspiração do direito alemão (Ordnungswidrigkeit), foi criada uma nova infracção a contra-ordenação, ou ilícito administrativo, cuja violação era sancionada com uma coima, que é essencialmente uma multa. O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que criou o novo direito sancionatório (republicado integralmente em anexo ao Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro) ponderou que “o aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora nos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrio ecológico, etc.”. ´
Pretendeu-se excluir do direito penal esta nova infracção, com a criação de um direito punitivo da Administração. Ao mesmo tempo, anunciou-se que as contra-ordenações iriam substituir progressivamente as contravenções.
A sanção das contra-ordenações é a coima, que era a designação da multa aplicável à infracção de posturas municipais ou de freguesia, no direito penal antigo (art. 485.º do Código Penal de 1886).
Além da coima, são previstas sanções acessórias, como a interdição de exercer uma profissão ou uma actividade, perda de objectos, privação do direito a subsídio, etc.
5. Infracções no direito de Macau: crimes, contravenções e infracções administrativas
Em Macau, apesar da entrada em vigor do novo Código Penal, em 1 de Janeiro de 1996 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 58/95/M, de 14 de Novembro), manteve-se a anterior tipologia das infracções penais, crimes e contravenções, sendo que estas continuaram a ter as características anteriores, definidas como “o facto punível que unicamente consiste na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos” (art. 123.º, n.º 1 do Código Penal), sendo importante destacar que nas contravenções não pode ser cominada pena de prisão de limite máximo superior a 6 meses (art. 123.º, n.º 3 do Código Penal), e se o for, a infracção é considerada crime (art. 124.º, n.º 2 do Código Penal) e, salvo disposição em contrário, nas contravenções a pena de multa é inconvertível em prisão (art. 125.º, n.º 1 do Código Penal).
Só bastante mais tarde, o legislador de Macau sentiu a necessidade de regular, com carácter geral, o regime das infracções administrativas, que correspondem à função e ao regime designado em Portugal por contra-ordenações, mas com uma aparente diferença: em Macau, ao que parece, o legislador não pretende substituir as contravenções pelas infracções administrativas, mas antes manter como infracções penais os crimes e as contravenções, ao lado das infracções administrativas.
6. As infracções administrativas
Foi o Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, que veio definir o regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento.
No seu preâmbulo fez-se constar que “(o) legislador tem vindo a sentir uma crescente necessidade de prever ilícitos de natureza não penal, civil ou disciplinar, não só em razão da tendência para descriminalizar certas condutas que não merecem tutela penal mas também em função da progressiva tipificação de infracções meramente relacionadas com regulamentação administrativa.
Existem presentemente no ordenamento jurídico de Macau numerosos diplomas legais que prevêem ilícitos que não podem ser qualificados de crimes ou de contravenções nem têm natureza civil ou disciplinar.
Tais ilícitos, cuja sanção principal é a multa administrativa, têm actualmente regimes diversos e, por vezes, contraditórios, sendo assim urgente adoptar um regime geral, fixando as respectivas normas substantivas e adjectivas”.
No diploma em apreciação define-se infracção administrativa como o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, que não tenha a natureza de contravenção e para o qual seja cominada uma sanção administrativa pecuniária denominada multa (art. 1.º, n.º 1).
Por outro lado, o facto ilícito denominado infracção administrativa é considerado crime ou contravenção, conforme os casos, quando lhe corresponda pena de prisão ou pena de multa convertível em prisão (art. 1.º, n.º 2).»
Como resulta do texto citado e do nº 1 do artº 1º do Decreto-Lei nº 52/99/M a “infracção administrativa é o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos”.
Sendo que, a Lei 13/2009 na al. 6) do artº 6º e al. 6) do artº 7º consagra que as infracções administrativas de valor superior a MOP500.000,00 apenas podem ser criadas por lei e as de valor inferior por regulamento.
Ou seja, à semelhança do que ocorre para os crimes – definido no nº 1 do artº 1º do CP como “o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática” – e contravenções – nº 1 do artº 123º do CP - em que vigora o princípio da legalidade e da tipicidade5, também para as infracções administrativas, o legislador faz depender as mesmas da prévia previsão e tipificação – do facto ilícito –, consagrando inclusivamente a reserva de lei ou de regulamento para a sua criação.

Já no que concerne aos contratos administrativos a situação é diferente.
Definindo-se o contrato administrativo no artº 165º do CPA, na al. e) do artº 167º deste diploma vem o legislador atribuir à Administração Pública o poder de aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.
«É o contrato administrativo, instituto jurídico que ao preservar certas especificidades próprias da actividade administrativa, reserva à Administração, ainda que enquanto parte contratual, poderes específicos de direito público que permitirá vencer as resistências quanto à contratualização na Administração Pública. Assim, através do contrato administrativo a Administração Pública, mesmo quando contrata, não se torna um particular, não perde o seu ius imperii, mantendo, pelo contrário, prerrogativas exorbitantes.» – Pedro Miguel Matias Pereira em Os Poderes do Contraente Público no Código dos Contratos Públicos, pág. 15 –
Em termos de direito comparado o regime consagrado no CPA para a possibilidade de aplicar sanções pela inexecução do contrato corresponde ao anterior regime vigente em Portugal, limitando-se o legislador a consagrar uma norma habilitante permitindo o contraente público de aplicar as sanções que hajam sido previstas no contrato ou, caso se aplique, em lei especial.
«São sanções aplicáveis, porém, desde que «previstas» na lei ou no contrato.
O preceito referido sujeita a aplicação das sanções às hipóteses de «inexecução do contrato». Porém, isso não significa que o poder sancionatório só possa ser exercitado nos casos em que o contraente privado não executa o contrato. Na expressão estão abrangidas, igualmente, situações de cumprimento defeituoso e tardio. De certo modo, elas traduzem o contrário de uma execução devida e, por isso, pode até dizer-se que representam, em última análise, e em sentido amplo, uma inexecução do contrato.
Mais comumente tais sanções consistem, em multas (ex: art.º 175.º, do D.L. n.º 48 871, por violação dos prazos contratuais pelo empreiteiro de obra pública; art.º 56.º, do D.L. n.º 63/85/M, de 6/7, por idêntica razão imputável ao adjudicatário para o fornecimento de bens ou prestações de serviços; art.º16.º, da Lei n.º 3/90/M, de 14/5, por incumprimento dos contratos de concessão de obras públicas e de serviços públicos).
Mas as sanções podem ser de outro tipo.
É o caso da perda do depósito de garantia (cfr. art.º 54.º, n.º 2, do D.L. n.º 63/85 citado).
É o que se passa também com o sequestro.
Sequestro é o direito conferido ao contraente administrativo (público) de se substituir ao contraente privado, através da posse administrativa, executando ele próprio, ou através de terceiro, e à custa do substituído, aquilo a que este estava obrigado.
Este tipo de sanção (sequestro) reveste as características de uma autêntica execução específica e só é valida para os casos em que a prestação do co-contraente privado é fungível, ou seja, quando o seu objecto pode ser executado por qualquer pessoa e não apenas pelo obrigado inicial.» - José Cândido de Pinho, Manual Elementar de Direito Administrativo de Macau, CFMM, pág. 210 e 211 -.
Actualmente o regime consagrado em Portugal com o Código dos Contratos Públicos, não só contém a norma habilitante como também prevê e regulamenta as sanções.
Destarte, resultando as sanções do próprio contrato, não cabem as mesmas de forma alguma na definição do nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 52/99/M.
Pese embora, dada a natureza do contrato aqui em causa, o interesse público esteja subjacente à boa execução do contrato e consequente poder sancionatório em caso de cumprimento defeituoso ou incumprimento, o certo é que, estas sanções resultam da relação contratual, estando aquém da previsão das infracções administrativas.
Ou seja, enquanto a infracção administrativa é aplicável a qualquer um que incorra na prática do facto ilícito, estando legitimadas pelo poder intervencionista do Estado moderno nos vários sectores da sociedade, a sanção decorrente do incumprimento contratual, por natureza é aplicável apenas inter-partes, no âmbito daquele contrato.
Destarte, acompanhando a posição das partes impõe-se concluir que a sanção objecto do acto administrativo aqui impugnado não é uma infracção administrativa, pelo que, não cabe no âmbito do artº 30º da LBOJ.

Por fim em reforço da posição agora adoptada, temos o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 01.07.2015, processo 126/2014, onde definindo-se que «Não é possível a cumulação de pedidos prevista no art.º 113.º n.º 3 do Código de Processo Administrativo Contencioso se para os respectivos pedidos forem competentes tribunais de grau hierárquico diverso, pelo que o Tribunal Administrativo não tem competência para conhecer do pedido, deduzido em acção sobre contratos administrativos, de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato, cujo julgamento em primeira instância cabe ao Tribunal de Segunda Instância.», tem subjacente à decisão tomada a competência do Tribunal Administrativo em matéria de contratos administrativos – artº 30º nº 3, III) da LBOJ – e a competência deste Tribunal de Segunda Instância para conhecer do pedido de anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato praticados pelas entidades a que alude a alínea 8) do artº 36º da LBOJ, sendo que, o acto administrativo em causa, seja no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, seja no Acórdão fundamento – Acórdão do Tui de 21.05.2003 proferido no Processo 4/2003 -, é sempre um acto de aplicação de sanção contratual6.
Pelo que, não descurando que em termos de direito a constituir as sanções contratuais possam vir a ser equiparadas às infracções administrativas no que à competência para delas conhecer em primeira instância concerne tendo em consideração que a dignidade da matéria é a mesma, o certo é que, no âmbito do direito constituído outra solução não pode retirar que não seja a da competência deste Tribunal de Segunda Instância.


I. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando-se procedente a reclamação, revoga-se o despacho de fls. 85.

Sem custas.

Notifique.

RAEM, 17 de Junho de 2021
    
Servindo da argumentação acima transcrita para a fundamentação deste aresto, adoptamos a mesma posição e como tal é de, em nome da economia processual, revogar o despacho reclamado, julgando-se deste modo procedentes as reclamações.
*
Síntese conclusiva:
I – No ordenamento jurídico de Macau existem vários diplomas legais avulsos que prevêm a possibilidade de aplicar multa pela Administração Pública ao contratante com base no contrato administrativo celebrado, exemplos disto são: art.º 56.º do DL n.º 63/85/M, de 6 de Julho (por razão imputável ao adjudicatário para o fornecimento de bens ou prestações de serviços); art.º16.º da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio (por incumprimento dos contratos de concessão de obras públicas e de serviços públicos). Destarte, resultando as sanções (multas) do próprio contrato, não cabem as mesmas de forma alguma na definição do nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 52/99/M (Regime de infracções administrativas), de 4 de Outubro.
II – Nestes termos, é de concluir-se que a sanção (multa), objecto do acto administrativo aqui impugnado, não é uma infracção administrativa, pelo que, não cabe no âmbito do artº 30º da LBOJ que fixa a competência do Tribunal Administrativo, mas sim na esfera da competência do TSI, para conhecer do pedido de anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato praticados pelas entidades a que alude a alínea 8) do artº 36º da LBOJ.

*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedentes as reclamações em causa, revogando-se o despacho reclamado.
*
Sem custas.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 24 de Junho de 2020.
_________________________
Fong Man Chong
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Lai Kin Hong
(Vencido nos termos do projecto do Acórdão que submeti à conferência, ora integralmente transcrito no texto do Acórdão antecedente.)
1 [葡]迪奧戈‧弗雷塔斯‧亞瑪勒/著,黃顯輝,黃淑禧,黃景禧/譯,《行政法教程第二卷》,社會科學文獻出版社,2020年l月第l版,第375頁
2 同上,第386頁至387頁
3 [葡]迪奧戈‧弗雷塔斯‧亞瑪勒/著,黃顯輝,黃淑禧,黃景禧/譯,《行政法教程第二卷》,社會科學文獻出版社,2020年l月第l版,第375頁
4 同上,第386頁至387頁
5 Veja-se Manuel Leal-Henriques, Direito Penal de Macau, 2019, pág.67.
6 Veja-se a propósito a referência que é feita a dado passo no Acórdão ao citar o Parecer do Ministério Público: Importa ter presente a advertência de que «O mesmo TSI, noutras ocasiões, implicitamente, acolheu tranquilamente a sua competência para o recurso contencioso em casos similares ao presente em que igualmente estavam em causa multas contratuais no quadro da execução de contratos públicos. Assim sucedeu com os Acórdãos de 11/07/2013, Proc. n.º 586/2012 e de 17/05/2012, Proc. n.º 101/2011.» (Acórdão do TSI no Processo n.º 159/2014)

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