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Processo nº 1154/2020
(Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 1 de Julho de 2021

ASSUNTO:
- Habitação económica
- Rendimentos do cônjuge que não integra o agregado familiar

SUMÁRIO:
- No âmbito da redacção original da Lei nº 10/2011 a obrigação declarativa resultante do nº 2 do seu artº 18º esgota-se em si mesma relativamente ao cônjuge do candidato individual ou de um dos candidatos que integram o agregado familiar quando, sendo o cônjuge residente da RAEM não integre o agregado familiar para efeitos de candidatura;
- Da conjugação dos artº 14º nº 2 e artº 18º nº 2 da Lei nº 10/2011 na sua redacção original, o rendimento do cônjuge que não integra o agregado familiar e não é candidato ao acesso à aquisição de habitação económica não releva para a aferição dos requisitos legalmente impostos para atribuição daquele direito, nomeadamente no que concerne ao valor global dos rendimentos do candidato.

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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 1154/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 1 de Julho de 2021
Recorrente: Presidente do Instituto de habitação
Recorridos: A por si e juntamente como outros na qualidade de herdeiros de B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B e A, ambos com os demais sinais dos autos,
  vieram interpor recurso contencioso do despacho de 04.02.2018, do
  Presidente do Instituto da Habitação,
  com os fundamentos e pedidos que constam de fls. 26 a 40.
  Foi proferida sentença a julgar procedente o recurso contencioso com a consequente anulação do acto recorrido.
  Não se conformando com a decisão proferida veio a entidade recorrida recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. Conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo entendeu que o rendimento mensal auferido por C, que não é elemento do agregado familiar, não deve ser contabilizado no rendimento e património líquido do agregado familiar de B e A (recorrentes no recurso contencioso em epígrafe, com os sinais nos autos, adiante designados por “recorridos”) para efeitos de apreciação do preenchimento dos requisitos da candidatura à compra da fracção de habitação económica, julgando que violam as disposições legais o cancelamento da autorização aos dois recorrentes contenciosos para escolher fracção de habitação económica, do contrato-promessa de compra e venda celebrado com os recorridos e da qualificação dos recorrentes para efeitos de aquisição de habitação económica, actos estes que o recorrente praticou mediante a proposta nº 0265/DAJ/2019 de 30/01/2019 (adiante designados por “decisão recorrida”. Em consequência, o Tribunal a quo anulou a decisão recorrida.
2. Porém, salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com o decidido na sentença recorrida, entendendo, sobretudo, que existe vício de aplicação errada da lei.
3. Antes de mais, importa frisar que, segundo as disposições do artigo 2º da Lei nº 10/2011 “Lei da Habitação Económica” então vigente, a construção de habitação económica tem por finalidade apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais, bem como promover a oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e à capacidade aquisitiva dos residentes da RAEM.
4. Alem disso, há que estudar as seguintes questões: os rendimentos e património do cônjuge, que é residente da RAEM mas não elemento do agregado familiar, devem ser, ou não, computados como rendimento global e património do agregado familiar; a intenção legislativa do artigo 18º/nº 2 da Lei da Habitação Económica que exige declaração de rendimentos mensais e património líquido.
5. Em primeiro lugar, não se pode ignorar a relação económica estreita entre os cônjuges. Segundo os artigos 1533º e 1536º do CC, uma vez constituído o casamento, os cônjuges estão vinculados reciprocamente pelos deveres de coabitação, cooperação e assistência, bem como pela obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram. Assim, em princípio, dado que o candidato vive em comunhão de mesa e habitação com o cônjuge (mormente o cônjuge que é residente da RAEM), mantendo o casal uma relação estável e permanente, portanto, há um certo grau de mutualidade e compatibilidade na economia, independentemente do regime de bens do casamento optado.
6. Se apenas considere o rendimento mensal e património líquido do candidato e não do seu cônjuge, isso não revela concretamente as “reais necessidades” do candidato ao concurso de habitação económica. No intuito de utilizar de maneira justa, razoável e completa os recursos habitacionais que já se encontrem escassos, no entendimento do recorrente, deve ser abrangido o rendimento e património de C no rendimento global e património do agregado familiar, mesmo que a mesma seja residente da RAEM e tivesse declarado não fazer parte do agregado familiar. Só assim é que pode realizar o objectivo da RAEM de construir habitação económica.
7. Ao contrário, caso não se considere o rendimento e património do cônjuge residente da RAEM que não faz parte do agregado familiar, isso pode levar alguns a se aproveitar dessa lacuna legal – declarar não fazer parte do agregado familiar de modo a criar uma situação falsa de o seu património não exceder o limite máximo legal e de reunir os requisitos gerias para a candidatura, para obter casa económica através de meio ilegal. Isso é diverso do caso em que o cônjuge não é residente de Macau. De acordo com o artigo 14º/nº 1 da Lei nº 10/2011 “Lei da Habitação Económica”, alterada pela Lei nº 11/2015, só os residentes da RAEM podem candidatar-se à compra das fracções. Ademais, os não-residentes de Macau não gozam do mesmo direito de residência do que os residentes de Macau, conforme dispostos na “Lei Básica” e Lei nº 8/1999.
8. Apesar de a Lei da Habitação Económica não adoptar a solução que defendia que o cônjuge do candidato era obrigatório fazer parte da lista de elementos do agregado familiar, o legislador não ignorou o património e rendimentos possuídos pelo cônjuge do candidato que não faz parte do agregado familiar, pelo que exige, mediante o artigo 18º/nº 2 da Lei da Habitação Económica, a declaração dos rendimentos mensais e do património líquido dos cônjuges quando sejam residentes da RAEM.
9. Os próprios cônjuges dos candidatos que são residentes de Macau têm direito a candidatar-se à aquisição de habitação económica, não estando sujeitos às condições relativas à residência em Macau mas vinculados pelo dever de coabitação entre os cônjuges. Devido a que as fracções se destinam exclusivamente a habitação própria, os cônjuges devem, conforme a lógica jurídica, coabitar na mesma fracção de habitação económica com os promitentes-compradores ou os proprietários das fracções, dito por outras palavras, eles podem também ocupar concreta e permanente as casas económicas.
10. Caso não se considerem os rendimentos mensais e património líquido dos cônjuges na apreciação da qualificação dos candidatos mas apenas se exija o cumprimento de dever de declaração, isso não só aumenta a responsabilidade dos candidatos, como também complicar as formalidades da candidatura, o que contraria o princípio da facilidade.
11. De acordo com a análise feita pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC) quanto à questão sobre “a integração obrigatória dos cônjuges dos candidatos à habitação económica no agregado familiar”: O legislador da Lei da Habitação Económica não adoptou a solução que defendia que o cônjuge do candidato era obrigatório fazer parte da lista de elementos do agregado familiar, no entanto, a lei não ignora os patrimónios dos cônjuges dos candidatos que não fazem parte do agregado familiar. Pois a mesma lei determina no seu artigo 18.º que é preciso declarar os rendimentos mensais e o património líquido dos cônjuges dos elementos do agregado familiar ou do cônjuge do candidato individual, quando estes sejam residentes da RAEM e não façam parte do agregado familiar para efeitos de candidatura. Embora a “Lei da Habitação Económica” não imponha a obrigatoriedade do cônjuge de candidato ter de fazer parte do agregado familiar, é obrigatório declarar os rendimentos mensais e o património líquido dos cônjuges, sendo estes valores contados para efeitos da contagem dos rendimentos e património dos elementos do agregado familiar. Se os rendimentos e património dos elementos do agregado familiar forem superiores aos limites legalmente estabelecidos, o candidato não reunirá os requisitos gerais de candidatura à aquisição de fracção de habitação económica. Pelo exposto, o legislador já previu a possibilidade de os cônjuges dos elementos do agregado familiar ou do cônjuge do candidato individual não fazerem parte do agregado familiar, tendo estabelecido um regime para a referida situação.
12. Quanto à questão de o legislador só exigir a declaração dos rendimentos e patrimónios dos cônjuges que são residentes da RAEM mas não fazem parte do agregado familiar, o recorrente tem o seguinte entendimento:
13. Tal como prevê o artigo 18º/nº 1 da Lei nº 10/2011 “Lei da Habitação Económica”, alterada pela Lei nº 11/2015, é obrigatório declarar os rendimentos mensais e o património líquido dos elementos do agregado familiar ou do candidato individual, para os efeitos previstos nos artigos 16º/nº e 17º/nº 1 da mesma Lei, a fim de verificar se os rendimentos e património do agregado familiar satisfazer ou não os limites mínimos e máximos fixados por lei. E de acordo com o artigo 18º/nº 2 da mesma Lei, a declaração abrange ainda os rendimentos mensais e o património líquido dos cônjuges dos elementos do agregado familiar ou do cônjuge do candidato individual, quando sejam residentes da RAEM e não façam parte do agregado familiar para efeitos de candidatura. Deste modo, não obstante o artigo 18º/nº 2 não especifique literalmente a inclusão de tais rendimentos nos rendimentos mensais e património líquido do agregado familiar, tendo analisado as disposições do artigo 18º/nº 1, constata-se que o nº 2 do mesmo artigo abrange implicitamente a finalidade da declaração prevista implicitamente no artigo 1º – para verificar se os rendimentos e património do agregado familiar satisfazer ou não os limites mínimos e máximos fixados por lei.
14. Pelo exposto, o legislador estabeleceu regime excepcional no artigo 18º/nº 3, com o objectivo de resolver as situações atendíveis em que se encontram os cônjuges residentes da RAEM que não são incluídos na lista de elementos do agregado familiar, de modo a dispensar os cônjuges da declaração e, em consequência, não computa os seus rendimentos mensais e patrimónios líquidos nos do agregado familiar.
15. Estipula o artigo 5º da Lei nº 10/2011 “Lei da Habitação Económica” que as fracções se destinam exclusivamente a habitação própria.
16. Relativamente à diferença entre os deveres impostos aos cônjuges residentes da RAEM e aos cônjuges não residentes da RAEM para efeitos da candidatura, na óptica do recorrente, os segundos não são residentes da RAEM, não gozam do direito de residência em Macau. No caso de o cônjuge não ter direito à residência em Macau, o candidato não pode coabitar com o seu cônjuge, isso baixa, inevitavelmente, a mutualidade e compatibilidade da economia.
17. O legislador também levou em consideração a diferença entre os cônjuges residentes da RAEM e os não residentes da RAEM, pelo que dispensa os cônjuges não residentes da RAEM do dever de declarar os seus rendimentos mensais e patrimónios líquidos.
18. Por outro lado, a apreciação dos rendimentos mensais e património líquido do candidats deve ser feita com base nos rendimentos e património que o candidato tem no momento em que apresenta o boletim de candidatura. O recorrido, A, neste processo estava casado com C no dia em que se candidatou à compra das fracções da habitação económica, não andou mal o IH ao apreciar o estado económico do recorrido conforme os dados constantes do boletim de candidatura apresentado por si próprio.
19. Pelo acima exposto, o recorrente entende que o artigo 18º/nº 2 da Lei da Habitação Económica não só apenas o dever de declaração, essa é essencial para decidir a admissão ao concurso e a posição na ordem prioritária do candidato. Neste sentido, ao calcular os rendimentos mensais e património líquido dos elementos do agregado familiar, devem incluir-se os rendimentos e património do cônjuge que não é elemento do agregado familiar.
20. A sentença recorrida interpretou erradamente as disposições do artigo 18º/nº 2 da Lei nº 10/2011 “Lei da Habitação Económica”, decidindo, a partir daí, anular a decisão recorrida por entender haver nela erro nos pressupostos. Assim sendo, a sentença recorrida padece de erro na aplicação da lei.
  Contra-alegando veio o Autor e agora Recorrido apresentar as seguintes conclusões:
1. O Tribunal Administrativo (T.A.) revogou a decisão final adoptada pelo Exmº Presidente do Instituto da Habitação (I.H.) comunicada através do Ofício n.º 1809030017/DAJ de 4 SET 2019.
2. O digníssimo Presidente do Instituto da Habitação interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (T.S.I.), em sede do qual, continua a pugnar pela legalidade do acto administrativo e concluindo que o recurso interposto agora deve ser procedente.
3. O recurso ora interposto pelo digníssimo Presidente do Instituto da Habitação para o T.S.I. deverá improceder in totum.
4. Os contra-alegantes dão aqui, para todos os efeitos legais, por inteiramente reproduzidos todos os judiciosos argumentos e fundamentos expendidos pela Exm.ª Procuradora junto do T.A. ao abrigo do art. 69.º do C.P.A.C. bem como todos os fundamentos de facto e de direito vertidos na decisão judicial a quo - cfr. respectivamente fls. 100 a 104 e fls. 111 a 116 verso -, pois que os mesmos se mostram em plena conformidade com o Direito e estão suportados tanto pela prova junta aos autos como pela prova produzida em audiência de julgamento.
5. O pedido inicial de candidatura feito pelos os contra-alegantes reunia e preenchia todos os necessários requisitos e pressupostos legais a fim de ser havida como candidatura legitima e elegível para a obtenção de uma a casa a atribuir pelo IH.
6. Os contra-alegantes têm um limite de rendimento mensal que os habilita a serem candidatos legítimos, elegíveis e hábeis para a obtenção de uma habitação económica pelo IH.
7. Os rendimentos criados e ganhos em virtude de trabalho prestado em meses anteriores mas apenas pagos em Janeiro de 2014 não podem nem devem ser imputados nem contabilizados para efeitos de cálculo do rendimento mensal relativo ao último mês anterior ao da entrada da candidatura.
8. Logo, o I.H. não deveria ter rescindido o contrato-promessa e deveria, a fortiori, ter designado data para a celebração da escritura pública para celebração do contrato definitivo de compra e venda da fracção económica.
9. Ao não ter acolhido a interpretação e aplicação da lei acima propugnada pelos recorrentes, incorreu a decisão a quo num vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação dos artigos 14º, n.ºs 1 e 3, 16, n.ºs 1, 18º, n.º 1 e 2, todos da Lei 10/2011 de 29 de Agosto (Lei da Habitação Económica) e das Instruções do Chefe Executivo n.º 386/2013.
10. Pelo que a decisão recorrida se configura válida e legal e, por isso, o recurso da entidade recorrida deve ser improcedente.
  
  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  Vem a Recorrente apontar à decisão recorrida o vício de violação de lei, sustentando em síntese que face ao disposto nos nº 1 e 2 do artº 18º da Lei nº 10/2011, os rendimentos do cônjuge do candidato à habitação económica, ainda que aquele (o cônjuge) não seja também candidato, devem ser computados para apuramento do rendimento global e património do agregado familiar.
  
  No caso dos autos A candidatou-se à aquisição de habitação económica indicando que o seu agregado familiar é constituído por si e por seus pais B e Loi Soi Ieng.
  A é casado no regime de separação de bens com C.
  
  Relativamente às considerações que são feitas quanto aos efeitos do casamento entre os cônjuges, cabe referir que não deixando de ser verdade que os cônjuges estão obrigados aos deveres indicados, nada obsta que por consentimento entre eles não adoptem a mesma residência – cf. nº 2 do artº 1534º do C.Civ. -, nem tão pouco que os deveres de cooperação, assistência e contribuição para os encargos da vida comum exijam a partilha de rendimentos, estando a forma de o fazerem no livre arbítrio dos cônjuges, desde que com o acordo de ambos.
  Por outro lado apenas nos regimes de comunhão ou património em participação, o produto do seu trabalho adquirido na constância do matrimónio é património comum – artº 1583º, 1603º, 1609º, todos do C.Civ. -, sendo que no regime de separação de bens, o produto do trabalho dos cônjuges ou outros rendimentos que tenham são bens próprios – artº 1601º do C.Civ. -.
  Pelo que, toda a argumentação quanto à comunicabilidade do rendimento do trabalho é no caso em apreço supérflua e irrelevante, uma vez que, o requerente é casado no regime de separação de bens.
  
  Continuando.
  
  Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
  «1.
  B e A, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso do acto praticado pelo Presidente do Instituto de Habitação que decidiu cancelar o contrato-promessa de compra e venda da fracção I22 celebrado entre os Recorrentes e aquele Instituto.
  Por douta sentença do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
  Inconformado com a dita sentença, veio o Presidente do Instituto de Habitação o presente recurso jurisdicional, alegando que a decisão recorrida padece de erro na aplicação da norma do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 10/2011 na redacção originária.
  Já após a prolação da sentença veio a ter lugar a habilitação dos herdeiros do Recorrente B, entretanto falecido.
  2.
  2.1.
  O Presidente do Instituto de Habitação praticou o acto administrativo recorrido, através do qual decidiu cancelar o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de habitação económica celebrado com os Recorrentes contenciosos, por ter considerado que o rendimento mensal dos candidatos excedia o limite de 59.300,00 patacas a que se refere a Tabela I do Despacho do Chefe do Executivo n.º 386/2013 e que, por isso, faltava um requisito de acesso à compra da dita fracção autónoma.
  No respectivo cômputo a Administração considerou o rendimento mensal de C, cônjuge do candidato A, a qual, no entanto, havia apresentado no Instituto de Habitação uma declaração de que não integrava o agregado familiar candidato à habitação económica.
  Na sentença recorrida, sob arguição do Ministério Público, decidiu-se que o acto impugnado se mostra ferido do vício de violação de lei uma vez que o rendimento do cônjuge C, por isso que este não integra o agregado familiar não deve entrar na determinação do rendimento mensal relevante enquanto requisito de acesso à habitação económica, não obstante a previsão do n.º 2 do artigo 18.º da versão originária da Lei n.º 10/2011.
  Do que antecede decorre, que a questão a decidir pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito do presente recurso jurisdicional é, pois, a de saber se a sentença recorrida ao julgar da forma referida incorreu em erro na aplicação do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 10/2011 na versão originária.
  Salvo o devido respeito, parece-nos que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo decidiu bem. Pelo seguinte.
  2.2.
  De acordo com a norma do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011 na redacção originária que é a aqui aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 13/2020 que alterou aquela, podiam «candidatar-se à compra das fracções os residentes da RAEM, por agregado familiar ou individualmente, que reúnam os demais requisitos previstos na presente lei».
  Do n.º 2 do artigo 14.º resultava que um desses requisitos era o de que os candidatos, fosse um candidato individual, fossem candidatos integrados num agregado familiar, cumprissem os limites de rendimento fixados nos termos dos artigos 16.º e 17.º, ou seja, os atinentes aos respectivos rendimento mensal e ao património líquido.
  Pode dizer-se, portanto, que, de forma muito clara, decorria desta norma do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011 o seguinte: o rendimento mensal e o património líquido a considerar era apenas o dos candidatos à habitação económica. Como tal, quando a candidatura era apresentada por agregado familiar, a lei apenas impunha a relevação dos rendimentos das pessoas que integravam esse agregado.
  Todavia, no concernente aos cônjuges dos candidatos independentemente do regime de bens do respectivo casamento, a Lei n.º 10/2011, na sua versão originária, não impunha que os mesmos integrassem o agregado familiar (ao contrário, diga-se, do que sucede actualmente, após a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2020, nos termos que constam do artigo 14.º, n.º 4). Era o que resultava, explicitamente, da norma, entretanto revogada, do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 10/2011.
  Ora, no que tange aos rendimentos dos cônjuges dos candidatos que não integravam o agregado familiar, decorria do n.º 2 do artigo 14.º da citada lei, como já vimos, que os tais rendimentos não se deviam considerar para efeitos de verificação do cumprimento dos limites dos artigos 16.º e 17.º, em virtude de aqueles não serem candidatos ao acesso à habitação económica, estando, portanto, fora do âmbito subjectivo de aplicação daquela norma.
  É certo que, do preceituado no n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 10/2011 resultava uma obrigação declarativa relativamente aos rendimentos mensais e ao património líquido «dos cônjuges dos elementos do agregado familiar ou do cônjuge do candidato individual, quando sejam residentes da RAEM e não façam parte do agregado familiar para efeitos de candidatura». Contudo, tal obrigação declarativa esgotava-se em si mesma, permitindo, quando muito, ao Instituto de Habitação exercer alguma actividade fiscalizadora e pouco mais. Não tinha, em todo o caso, qualquer reflexo no que ao cumprimento dos limites dos artigos 16.º e 17.º dizia respeito.
  Na verdade. Não se podia extrapolar da dita obrigação declarativa imposta na norma do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 10/2011 na sua anterior redacção para dela retirar a imposição de um sentido normativo relativamente aos rendimentos relevantes no que ao acesso à habitação económica diz respeito. Isto porque, a norma que regulava essa matéria, a contida no n.º 2 do artigo 14.º, já referida, era inequívoca no sentido da definição do âmbito subjectivo de tal relevância, circunscrevendo-a aos candidatos, é dizer, no caso de se tratar de agregado familiar, às pessoas que o integram.
  Nem, de resto, se justificava que fosse de outra forma, em especial nas situações, como a presente, em que o regime de bens do casamento é o da separação. Com efeito, só os rendimentos e o património dos candidatos ao acesso à habitação económica deviam relevar na aferição do cumprimento dos requisitos legalmente impostos como condicionadores de tal acesso (isto sem prejuízo de reconhecermos que, actualmente, com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2020, a solução legalmente consagrada é diversa. Sempre se diga, no entanto, que essa diversidade é tributária de uma inequívoca e legítima alteração das opções do legislador sobre a matéria em causa).
  Pelo que vimos de dizer, tendo em conta que sem a consideração do rendimento mensal de C, cônjuge do candidato A, não se mostra ultrapassado o limite de 59.300,00 patacas fixado na Tabela I do Despacho do Chefe do Executivo n.º 386/2013, parece-nos que bem andou a douta decisão recorrida ao anular o acto administrativo contenciosamente impugnado nos presentes autos, não devendo a mesma, por isso, merecer qualquer censura.
  3.
  Deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.».
  
  Vejamos então.
  É o seguinte o teor do artº 18º da Lei 10/2011 na sua redacção original:
Artigo 18.º
  Declaração de rendimentos e património
  1. A declaração de rendimentos mensais e património líquido abrange os rendimentos e património dos elementos do agregado familiar ou do candidato individual.
  2. A declaração abrange ainda os rendimentos mensais e o património líquido dos cônjuges dos elementos do agregado familiar ou do cônjuge do candidato individual, quando sejam residentes da RAEM e não façam parte do agregado familiar para efeitos de candidatura.
  3. O presidente do IH, a título excepcional e mediante pedido devidamente fundamentado, pode dispensar a apresentação da declaração referida no número anterior.
  
  Sustenta a Recorrente que a intenção do legislador ao introduzir o nº 2 do citado artº 18º tinha em vista evitar situações de injustiça material permitindo que casais, que por força do rendimento estariam impedidos de se candidatar o pudessem fazer enquanto candidatos individuais se o seu rendimento ficasse aquém daquele dos limites legais.
  Ora, se fosse essa a intenção do legislador, que dizer da previsão legal quanto a cônjuges não residentes em Macau ou da “especial autorização” consagrada no nº 3 do mesmo preceitos?
  Se o cônjuge não for residente de Macau já não está em questão a justiça material quanto aos limites do rendimento global do casal?
  Se houver um qualquer fundamento – não previsto na lei – que se considere justificado poderá deixar de ser computado esse rendimento global, deixando de interessar a justiça material do caso?
  Por fim e quanto ao argumento de evitar a fraude à lei, cabe referir que para esse efeito existem as acções de investigação.
  Salvo melhor opinião, e tal como de forma abundante resulta do parecer do Ministério Público reproduzido supra, um dos argumentos de que tal intenção – de computar o rendimento do cônjuge que não faça parte do agregado familiar para efeitos de atribuição do direito à aquisição de habitação económica – não estava no espírito do legislador original da Lei 10/2011, resulta da alteração introduzida à redacção original pela Lei nº 13/2020, onde no nº 4 do artº 14º nº 4 se passou a exigir que os cônjuges dos elementos do agregado familiar têm necessariamente de ser indicados como tal – como fazendo parte do agregado familiar – situação que não acontecia na redacção original, e, no artº 18º se exige a declaração de rendimento e património de todos os elementos do agregado familiar, sem possibilidades de excepções, sejam ou não residentes de Macau e sem possibilidades de isenções justificadas.
  
  Em face de todo o exposto, por essas razões acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, dado por reproduzido supra, concordando integralmente com a fundamentação daquele constante à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendendo que a sentença recorrida não enferma de erro na aplicação e interpretação do direito, devendo em consequência manter-se.
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
  Embora versando sobre a comunicabilidade do património entre os cônjuges, entendendo-se em sentido semelhante ao destes autos vejam-se Acórdãos deste Tribunal proferidos nos processos 675/2018 de 20.06.2019 e 807/2016 de 14.12.2017.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 1 de Julho de 2021
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  M° P°
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1154/2020 ADM 41