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Processo nº 39/2021 Data: 12.05.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : “Revisão e confirmação de decisão do exterior”.
Pressupostos; (art. 1200° do C.P.C.M.).
Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais entre a R.A.E.M. e a R.P.C..
Trânsito em julgado.



SUMÁRIO

1. O “trânsito em julgado” da decisão revidenda constitui pressuposto da sua revisão e confirmação na R.A.E.M..

2. Porém, o conceito de “trânsito em julgado” não tem, (nem tem de ter), o mesmo sentido e alcance em todos os ordenamentos jurídicos.

3. Assim, e sendo o sistema de “revisão de sentenças” da R.A.E.M. mais próximo de uma “revisão meramente formal” (ou de simples deliberação), motivos inexistem para se não dar por verificado o pressuposto em questão se provada não estiver a falta de trânsito em julgado da decisão revidenda e os autos revelarem tratar-se de uma “decisão final”.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 39/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A ou A1 (甲), veio recorrer do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, datado de 05.11.2020, (Proc. n.° 829/2018), que julgou procedentes os pedidos deduzidos por B (乙), no sentido de se conceder a revisão e confirmação de três decisões judiciais do exterior de Macau, devidamente identificadas e documentadas nos presentes autos; (cfr., doc. n°s 1, 2 e 3, a fls. 10 a 55, e o Acórdão do T.S.I., a fls. 195 a 200-v, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em sede de conclusões, diz que:

“A) O Tribunal recorrido não apreciou a verificação do requisito formal do trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo de execução (cfr. documento n.° 3 dos autos), razão pela qual o acórdão recorrido deverá ser considerado nulo por omissão de pronúncia conforme o disposto na alínea d), do n.° 1 do artigo 571.° do CPC.
B) Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 1200.° do CPC, para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação de que a mesma tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida.
C) O n.° 3) do artigo 7.° do Acordo determina que o pedido de confirmação e execução das decisões judiciais “dever ser acompanhado da cópia da decisão transitada em julgado ou da certidão dessa decisão com o carimbo do tribunal que a proferiu aposto, bem como dos seguintes documentos produzidos pelo tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado ou pelos serviços competentes: (…) Documento comprovativo de que a decisão já foi notificada e transitou em julgado, segundo a lei da Parte onde a mesma foi proferida”.
D) O Tribunal recorrido apenas analisou o requisito do trânsito em julgado das decisões judiciais em causa relativamente à decisão proferida pelo acórdão 28 de Abril de 2017, que considerou verificar-se pelo facto de a própria decisão mencionar tratar-se de uma decisão final (fls. 46 dos autos), razão pela qual o n.° 5 do artigo 11.° do Acordo não seria aplicável.
E) O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o trânsito em julgado da decisão constante do processo de execução (cfr. documento n.° 3 dos autos), não obstante as dúvidas levantadas pela Recorrente aquando da sua Contestação.
F) Não foi junto nenhum documento comprovativo em como a decisão constante do processo de execução transitou em julgado segundo a lei do local onde a mesma foi proferida.
G) A decisão constante do processo de execução refere a possibilidade de oposição (cfr. fls. 53 dos autos), podendo, assim, não se tratar de decisão final no âmbito do processo de execução.
H) Desconhece-se o direito processual da República Popular da China, permanecendo, assim, dúvidas sobre o trânsito em julgado da respectiva execução segundo a lei do local onde foi proferida, as quais não foram dissipadas ou sequer abordadas pelo Tribunal recorrido.
I) Não tendo o requisito formal do trânsito em julgado da decisão do processo de execução, sido devidamente analisado e, como tal, preenchido, conforme o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 1200.° do CPC, verifica-se uma omissão de pronúncia com a consequente nulidade do acórdão recorrido nos termos do disposto na alínea d), do n.° 1 do artigo 571.° do CPC”; (cfr., fls. 209 a 213).

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Respondendo, diz o requerente agora recorrido que:

“1ª O ora Recorrido vem apresentar a sua Resposta às Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente A1 (A), relativamente a um segmento da douta decisão proferida pelo douto Tribunal de Segunda Instância com data de 5 de Novembro de 2020, pretendendo esta que se revogue o douto Acórdão recorrido, o qual deverá ser considerado nulo por omissão de pronúncia sobre questão que devesse apreciar, conforme resulta do disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 571° do CPC;
2ª Da leitura das Conclusões do Recurso ora em apreciação, resulta que só foi posta em crise a revisão e confirmação operada pelo douto Acórdão Recorrido relativamente à decisão constante do processo (2015) Execução n° XXX proferida pelo Tribunal Popular da Nova Área de Hengqin, Zhuhai, Província de Guangdong;
3ª São por isso definitivas as decisões do douto Tribunal Recorrido quanto à revisão e confirmação efectuadas relativamente à decisão constante do acórdão n.° (2016) 粤XXXX刑初XXX号, proferido pelo 广东省珠海市香洲区人民法院, em 18 de Outubro de 2016, e quanto à decisão constante do acórdão n.° (2016) 粤XX刑终XXX号 proferido pelo广东省珠海市中级人民法院, em 28 de Abril de 2017;
4ª Relativamente ao sobredito identificado processo de execução, cuja decisão é o único objecto do presente recurso, sempre se dirá ter-se destinado o mesmo a proceder ao rateio do montante apreendido aos dois réus do processo-crime, pelos vários lesados da sua conduta criminosa;
5ª Pretendendo o ora Recorrido, com a revisão e confirmação da decisão proferida nesse processo de execução, demonstrar no Tribunal de Macau, que será competente para a execução das decisões proferidas pelos Tribunais da República Popular da China, qual o montante já efectivamente recebido pelo aqui Recorrido, abatendo-se assim ao total da condenação dos Réus, e aqui Requeridos, no pagamento ao Requerente, ora Recorrido, a quantia de RMB$14,874,751.00 (equivalente a MOP$18,574,402.47, ao câmbio do dia da condenação);
6ª A aqui Recorrente A1 (A) não pode jamais alegar desconhecimento sobre se foi, ou não, notificada pessoalmente do prazo de 7 dias para deduzir oposição à decisão de rateio no processo executivo, e se efectivamente deduziu, ou não, tal oposição;
7ª Inexiste no Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau qualquer imposição legal de demonstração de trânsito em julgado da decisão proferida no processo de execução;
8ª Bastando, para que tal decisão no processo executivo proferido pelo Tribunal da República Popular da China possa ser revista e confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância da RAEM, a apresentação pelo Requerente de certidão da decisão executiva com o carimbo do tribunal que a proferiu aposto, conforme resulta do disposto nos arts. 5° e 7° do supra referido Acordo;
9ª O que foi integralmente cumprido pelo Requerente, ora Recorrido, sendo por isso também integralmente conforme à legislação aplicável a revisão e confirmação operada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM relativamente à decisão constante do processo (2015) Execução n° XXX proferida pelo Tribunal Popular da Nova Área de Hengqin, Zhuhai, Província de Guangdong;
10ª O que deve ser doutamente declarado no douto Acórdão a ser proferido por esse Venerando Tribunal de Última Instância da RAEM, mantendo-se integralmente a decisão proferida pelo douto Acórdão ora recorrido”; (cfr., fls. 216 a 224).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal de Segunda Instância foi dado como provado o que segue:

“1. Pelo acórdão n.º (2016)粵XXXX刑初XXX号 ("(2016) UT XXXX IENG CHO XXX HOU"), proferido pelo Tribunal Popular do Bairro Xiangzhou, Zhuhai, Província Guangdong, em 18 de Outubro de 2016, foram ambos os Requeridos condenados pelo crime de recepção não autorizada de depósitos, previsto e punido nos termos do art.º 176.º, n.º 1 da Lei Criminal da República Popular da China, a uma pena de 7 anos de prisão efectiva e ao pagamento de uma multa de RMB$300.000,00, cada um – DOC. 1.
2. Tendo sido ainda condenados à restituição dos depósitos recebidos das vítimas dos crimes praticados, nos termos previstos no art.º 64.º da supra referida lei, conforme resulta da decisão abaixo transcrita:
"A ver deste tribunal, sem devida autorização por autoridade competente, os arguidos C e A1, recolhendo depósitos ilicitamente a sujeitos indeterminados da sociedade, perturbaram a ordem financeira e o montante em causa era elevado. Os actos de ambos, constituído o crime de recepção não autorizada de depósitos, transgrediram a lei. A acusação deduzida pela autoridade acusatória pública contra os arguidos C e A1, estando os factos criminosos essencialmente claros, as provas tanto concretas como suficientes, é procedente. Ao abrigo do art.º 176.º, n.º 1 e do art.º 64.º da Lei Criminal da República Popular da China, ora sentencia-se da seguinte maneira:
I. Condena-se o arguido C, pela prática do crime de recepção não autorizada de depósitos, a 7 anos de pena de prisão, bem como a multa de RMB$300.000,00.
(Inicia-se a contagem do período da pena do dia da execução da sentença. No caso de prisão preventiva adoptada antes da execução da sentença, cada dia em prisão preventiva equivale a um dia de prisão, ou seja, o período vai de 17/06/2015 a 16/06/2022. A multa deve ser paga dentro de um mês sobre o dia seguinte à produção do efeito jurídico da sentença).
II. Condena-se o arguido A1, pela prática do crime de recepção não autorizada de depósitos, a 7 anos de pena de prisão, bem como a multa de RMB$300.000,00.
(Inicia-se a contagem do período da pena do dia da execução da sentença. No caso de prisão preventiva adoptada antes da execução da sentença, cada dia em prisão preventiva equivale a um dia de prisão, ou seja, o período vai de 17/06/2015 a 16/06/2022. A multa deve ser paga dentro de um mês sobre o dia seguinte à produção do efeito jurídico da sentença).
III. Ordena-se que os arguidos C e A1 restituam RMB$14.874.751,00 à vítima B; RMB$720.000,00 à vítima D; RMB$290.000,00 à vítima E; RMB$40.000,00 à vítima F; a tal propósito, as verbas de execução relativas ao arguido C no montante de RMB$350.670,20 e de RMB$317.091,6, cuja afectação ficou suspensa a pedido da autoridade de segurança pública endereçado a este tribunal, bem como a verba de execução no montante de RMB$224.865,00 cuja afectação ficou suspensa a pedido endereçado ao Segundo Tribunal Popular de Zhongshan, serão distribuídas proporcionalmente às vítimas B, D, E e F. Quanto aos 3 telemóveis pertencentes ao arguido C apreendidos nos presentes autos, assim como os 2 telemóveis e o gravador pertencentes ao arguido A1, vendidos, o produto da venda será distribuído proporcionalmente às vítimas B, D, E e F. O automóvel ligeiro n.º粵XXXXXX号 ("UT XXXXXX HOU") aprendido nos autos, enquanto propriedade de outrem, será tratado nos termos legais pela autoridade competente para a apreensão. Os outros bens imóveis (vd. mais pormenorizadamente a lista discriminatória dos objectos e dos documentos que se submeteram à decisão do tribunal) serão tratados pela autoridade executiva segundo os procedimentos legalmente previstos."
3. Conforme se pode verificar no excerto da decisão supra transcrito, os Requeridos foram condenados a pagar aos Requerentes, na qualidade de vítima, uma quantia de RMB$14.874.751,00 (equivalente a MOP$18.574.402,47, ao câmbio do dia), a título de restituição das quantias indevidamente recebidas.
4. Do supra referido acórdão foi interposto recurso pelos aqui Requeridos.
5. Tendo sido confirmada a decisão recorrida, pelo acórdão n.º (2016)粵XX刑终XXX号 ("(2016) UT XX IENG CHONG XXX HOU") proferido pelo Tribunal Popular de Segunda Instância de Zhuhai, Província Guangdong, em 28 de Abril de 2017 – DOC. 2.
6. Cujo conteúdo fundamental se transcreve:
"É opinião deste tribunal que na decisão recorrida, eram correctas a apreciação dos fatos e a aplicação da lei; o julgamento realizou-se em conformidade com os procedimentos legais. Só que se mostra inapropriada a distinção de posição e de papel dos recorrentes C e A1 na comparticipação, pelo que deve fazer uma correcção. Visto que o recorrente A1 desempenhou um papel secundário na comparticipação, enquanto cúmplice, a sua punição deve ser mais ligeira nos termos legais. Ao abrigo do art.º 176.º, n.º 1, do art.º 25.º, n.º 1, do art.º 27.º e do art.º 64.º da Lei Criminal da República Popular da China e do art.º 225.º, n.º 1, alínea 2) da Lei Processual Penal da República Popular da China, ora sentencia-se da seguinte maneira:
I. Sustentam-se as alíneas 1, 3 e a parte de incriminação na alínea 2 do acórdão penal n.º (2016)粵XXXX刑初XXX号 ("(2016) UT XXXX IENG CHO XXX HOU"), proferido pelo Tribunal Popular do Bairro Xiangzhou, Zhuhai, Província Guangdong.
II. Anula-se a parte relativa à determinação da pena na alínea 2 do acórdão penal n.º (2016)粵XXXX刑初XXX号 ("(2016) UT XXXX IENG CHO XXX HOU"), proferido pelo Tribunal Popular do Bairro Xiangzhou, Zhuhai, Província Guangdong.
III. Condena-se o recorrente A1, pela prática do crime de recepção não autorizada de depósitos, a 4 anos de pena de prisão, bem como a multa de RMB$170.000,00.
(Inicia-se a contagem do período da pena do dia da execução da sentença. No caso de prisão preventiva adoptada antes da execução da sentença, cada dia em prisão preventiva equivale a um dia de prisão, ou seja, o período vai de 09/05/2015 a 08/05/2019. A multa deve ser paga dentro de um mês sobre o dia seguinte à produção do efeito jurídico da sentença).
A presente é a decisão final."
7. Na sequência do processo de execução da referida sentença, que correu os seus termos no Tribunal Popular da Nova Área de Hengqin, Zhuhai, Província de Guangdong sob o n.º XXX, coube ao qui Requerente, no âmbito da distribuição aos credores dos frutos dos bens penhorados dos aqui Requeridos, receber a quantia de RMB$2.926.530,82, do seu crédito de RMB$14.874.751,00, conforme certidão do resultado da execução – DOC. 3.
8. Tendo ficado assim por satisfazer o montante RMB$11.980.220,2 (equivalente a MOP$14.959.827,14, ao câmbio do dia) do crédito titulado pelo Requerente”; (cfr., fls. 197-v a 198-v e 4 a 9 do Apenso).

Do direito

3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, o presente recurso tem (apenas) como objecto o “segmento decisório” relativamente à revisão e confirmação da “decisão” – a que se refere o “Doc. n.° 3” pelo requerente, ora recorrido, junto aos autos – proferida nos Autos de Execução n.° XXX que correu termos no Tribunal Popular da Nova Área de Hengqin, Zhuhai, Província de Guangdong, R.P.C., em sede da qual, (e como se consignou na atrás transcrita decisão da matéria de facto), se decidiu (nomeadamente) que, no âmbito da distribuição dos bens penhorados aos executados C (丙) e A ou A1 (甲), (ambos requeridos nos Autos de Revisão e Confirmação do Tribunal de Segunda Instância), ao ora recorrido devia caber o montante de RMB¥2.926.530,82; (notando-se porém que o “ponto 8” da decisão da “matéria de facto”, para além de “conclusivo”, contém, por efeito da transcrição do pelo ora recorrido então alegado a fls. 7, um lapso de cálculo no que se refere ao montante do “crédito por satisfazer”, que deve ser de RMB¥11.948.220,18, e não, RMB¥11.980.220,2, como aí se considerou, o que, para todos os efeitos legais se deixa agora consignado).

Visto estando também que a única maleita que lhe imputa a ora recorrente consiste no vício de “nulidade por omissão de pronúncia”, (pois que, é de opinião que “Não tendo o requisito formal do trânsito em julgado da decisão do processo de execução, sido devidamente analisado e, como tal, preenchido, conforme o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 1200.° do CPC, verifica-se uma omissão de pronúncia com a consequente nulidade do acórdão recorrido nos termos do disposto na alínea d), do n.° 1 do artigo 571.° do CPC”; cfr., conclusão I), e, desta forma, identificada que assim está a “questão” suscitada e a decidir, sem mais demoras vejamos que solução adoptar.

Pois bem, como cremos ser pacífico, o vício de “omissão de pronúncia” – tão só – ocorre quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre “questão” que lhe coubesse conhecer, e não quanto a todo e qualquer dos “fundamentos”, “razões”, “opiniões”, ou mesmo doutrinas que os sujeitos processuais invoquem para sustentar ou justificar o seu ponto de vista sobre as (verdadeiras) “questões” que colocam, pois que o vocábulo (legal) “questão” não pode ser entendido de forma a abranger todos os “argumentos” invocados pelas partes; (neste sentido, cfr., v.g., entre outros os Acórdãos deste T.U.I. de 09.09.2020, Procs. n°s 62/2020, 63/2020 e 147/2020 e de 16.09.2020, Proc. n.° 65/2020).

E, nesta conformidade, ponderando sobre a “questão” colocada, e atento o que da decisão recorrida consta, somos de opinião que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Veja-se, pois, o “ponto 2” da página 11 do aresto recorrido, onde, referindo-se (especialmente) ao pressuposto do art. 1200°, n.° 1, al. b) do C.P.C.M. – que prescreve que o trânsito em julgado da decisão revidenda segundo a lei local em que foi proferida constitui um dos requisitos para a sua confirmação – consignou, expressamente, o Tribunal de Segunda Instância que o mesmo se encontra verificado, inexistindo (também) qualquer obstáculo nos termos do art. 11°, n.° 5 do “Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau”, (publicado pelo Aviso do Chefe do Executivo n.° 12/2006, in B.O. n.° 12, II Série, de 22.03.2006, pág. 2449), onde se estatui que:

“O pedido de confirmação e execução de decisão judicial é indeferido, caso o tribunal da Parte requerida venha a verificar, na apreciação do mesmo, qualquer uma das seguintes circunstâncias:
(…)
5) A decisão, cuja confirmação e execução tenham sido pedidas, não tenha transitado em julgado ou a respectiva execução tenha sido suspensa por motivos de revisão, segundo a lei da Parte onde foi proferida;
(…)”.

Admite-se, obviamente, que mais se poderia explanar sobre o aspecto em questão…

Porém, perante o que se consignou, (com expressa indicação dos preceitos jurídicos relevantes), somos pois de opinião que razoável não é dizer-se que se “omitiu pronúncia (sobre a questão)”.

Com efeito, (e antes de mais), vale a pena ter presente que o conceito de “trânsito em julgado” – da expressão latina «transit in rem judicatam», por Giuseppe Chiovenda, (in “Cosa giudicata e preclusione” – “Saggi di diritto processuale civile”, Milano), classicamente entendido com base na ideia da “preclusão”, e consistindo, fundamentalmente, na perda ou extinção de uma faculdade processual – não tem, (nem tem de ter), o mesmo sentido e alcance em todos os ordenamentos jurídicos, podendo até não ser o adoptado, válido se apresentando também de considerar o que, com novos contornos, defende alguma doutrina, no sentido de que uma “decisão transitada em julgado” significa, (essencialmente), a impossibilidade de retractação ou modificação, tendo em vista o exaurimento dos poderes, faculdades e deveres das partes no processo (“preclusão”), uma vez que tal decisão se formou mediante um procedimento em contraditório, (com respeito dos direitos-garantias-fundamentais), que possibilitou às partes o assentimento, como autores e destinatários do conteúdo decisional, não sendo assim apenas entendida como “efeito da preclusão”, mas, e sobretudo, como consequência da “legitimidade das decisões judiciais”, (cfr., v.g., Carlos Henrique Soares in, “Novo Conceito de Trânsito em Julgado”, Revista C.E.J., Brasília, Ano XIV, n.° 51, pág. 85 e segs. e Aroldo Plínio Gonçalves in, “Nulidades no processo”, Rio de Janeiro), mostrando-se aqui igualmente útil recordar o que sobre o requisito do “trânsito em julgado da decisão revidenda” já considerava o Professor Alberto dos Reis, afigurando-se-nos de agora realçar e transcrever o seguinte excerto do seu brilhante comentário:

“Pode suceder que o documento não contenha a declaração de que a sentença transitou em julgado, que o requerente não tenha produzido prova alguma a tal respeito e que a parte citada não haja deduzido oposição fundada em não ter a sentença passado em julgado. Em tais circunstâncias há-de presumir-se o trânsito em julgado, ou há-de negar-se a confirmação, por os autos não fornecerem prova da condição exigida pelo n.° 2.°?
Ferrer Correia mostra-se um pouco hesitante. Por um lado invoca o art. 1105.° para concluir que o tribunal só deve negar a confirmação quando através do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apurar que a sentença não transitou em julgado; por outro lado pondera que se do processo não consta o trânsito em julgado, faltará uma condição necessária para a confirmação, falta essa de que o tribunal se dará conta pelo exame do processo.
A questão pode encarar-se sob outro aspecto. Se os requisitos indicados no art. 1102.° são condições necessárias para a confirmação, parece que ao requerente incumbe sempre o ónus de provar que existem essas condições. Quer dizer, os factos mencionados no artigo funcionam como factos constitutivos do direito à confirmação (art. 519.°). Faltando a prova dalgum deles, deve a confirmação ser recusada.
Não cremos que seja esta a boa doutrina. Desde que o tribunal só deve negar oficiosamente a confirmação quando o exame do processo ou o conhecimento derivado do exercício da função o convencer de que falta algum dos requisitos exigidos nos n.os 2.°, 3.°, 4.° e 5.° do art. 1102,°, segue-se que, não se verificando os casos apontados, presume-se que esses requisitos concorrem; entendida assim a disposição, é claro que o requerente está dispensado de fazer a prova positiva e directa dos requisitos indicados.
Suponhamos agora que o citado deduziu oposição com fundamento na falta dalgum dos requisitos mencionados nos n.os 2.°, 3.°, 4.° e 5.°
Uma de duas: a) ou faz a prova da sua alegação; b) ou não consegue fazê-la. Na primeira hipótese tem, é claro, de ser recusada a confirmação; na segunda, subsiste a presunção.
(…)”; (cfr., “Processos Especais”, Vol. II, pág. 162 a 163, valendo a pena ver também sobre o tema, António Marques dos Santos, no seu estudo “Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo código de processo civil de 1997 (alterações ao regime anterior)”, e in, “Aspectos do Novo Processo Civil”, pág. 119, onde considera, nomeadamente, que “só por si, a não existência, no processo, de prova de que a sentença estrangeira transitou em julgado não é bastante para ser recusada a confirmação, podendo, porém, esta vir a ser negada sem que a parte contrária tenha de provar que não houve trânsito em julgado, desde que o tribunal português de revisão, por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta o requisito da alínea b) do artigo 1096º do Código”, e, no mesmo sentido, A. Ferrer Correia in, “Lições de Direito Internacional Privado”, Vol. I, pág. 477).

Por sua vez, importa também ter presente que, como em recente Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 18.11.2020, (Proc. n.° 123/2020), já tivemos oportunidade de considerar, “não se pode olvidar que no que toca ao “reconhecimento de decisões do exterior” perfilam-se duas orientações (extremas): uma, no sentido de se tratar de uma “revisão de mérito”, o que implica que quase se ignore o aresto de origem, proferindo-se, a final, uma “decisão de mérito”, e, na segunda, a da chamada “aceitação plena”, advogando-se o acolhimento amplo e total das decisões, estando, porém, o sistema da R.A.E.M., mais próximo de uma “revisão (meramente) formal”, (ou de simples deliberação), em que o Tribunal – como foi o caso dos autos – se limita a verificar se a decisão do exterior satisfaz certos “requisitos”, (os do art. 1200° do C.P.C.M.), não conhecendo do mérito ou fundo da causa; (cfr., sobre o tema e de forma desenvolvida, o Ac. deste T.U.I. de 11.02.2010, Proc. n.° 43/2009, podendo-se também ver Luís Lima Pinheiro in, “Direito Internacional Privado”, Vol. III, “Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras”; B. Machado in, “Lições de Direito Internacional Privado”, 1982, pág. 259 e segs.; A. dos Reis in, “R.L.J.”, Ano 87, pág. 369 e segs.; e Botelho de Sousa in, “Rev. Ordem dos Advogados”, Ano 9, n°s 1 e 2, pág. 330 e segs.)”.

Feitas as considerações que antecedem – quanto à natureza meramente “formal” do sistema de revisão e confirmação de sentenças do exterior adoptado pela R.A.E.M., assim como quanto ao dever de se presumir o trânsito em julgado da sentença revidenda – claro se nos apresenta que nenhuma censura merece o Acórdão recorrido.

De facto, a ora recorrente, enquanto requerida no “processo de execução” em questão, (e onde teve efectiva intervenção), não podia deixar de saber – através de “conhecimento pessoal e directo” – o que aí sucedeu, e, assim, se a decisão proferida (e revista) é “final”.

Porém, (e como já em sede da sua contestação), alega, apenas, que “desconhece se a decisão em questão detém a dita qualidade” cuja imputada “falta” constitui o «leit motif» do seu recurso agora apresentado, (cfr., conclusão F), afirmando, tão só, que “A decisão constante do processo de execução refere a possibilidade de oposição (cfr. fls. 53 dos autos), podendo, assim, não se tratar de decisão final no âmbito do processo de execução”; (cfr., conclusão G).

Ora, como cremos ser evidente, tal forma de “oposição/impugnação” não se mostra suficiente para se ter por satisfeito o “ónus de elisão” que, sobre o dito “requisito” (do trânsito em julgado) em questão, à ora recorrente cabia, mostrando-se, assim, e, em face do que se consignou, que (mais) adequado é considerar que verificado está; (cfr., também, v.g., e a como mera referência, o Ac. do S.T.J. português Ac. 27.04.2017, Proc. n.° 93/16, onde em relação a situação análoga se consignou que “Resultando dos autos que não houve recurso do acórdão que confirmou a sentença revidenda e tendo sido proferido despacho a ordenar o cumprimento do acórdão, uma vez que se presume o trânsito em julgado e impende sobre os réus a elisão dessa presunção – o que não aconteceu –, entende-se como comprovado o requisito previsto na al. b) do art. 980.º do CPC para que a sentença estrangeira seja confirmada”).

Por fim – e inegável sendo, que o “homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida”, e por isso, e como se viu, “desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”, (cfr., v.g., J. G. Canotilho in, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”) – afigura-se-nos de referir o seguinte que não se apresenta de menor relevância.

Como se deu conta, entre a Região Administrativa Especial de Macau e o Interior da China vigora o “Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial” a que atrás já se fez referência.

E, como cremos ser claro e fora de qualquer dúvida, um “Acordo” com a natureza, âmbito, conteúdo e alcance do celebrado e referido, não pode deixar de ter como pressuposto o reconhecimento (recíproco) da validade, eficácia, confiança e respeito em relação aos ordenamentos e sistemas jurídicos sobre os quais o mesmo incide, com o mesmo se pretendendo, (essencialmente), proporcionar uma clarificação e consequente segurança, (assim como uma maior simplicidade e celeridade) no tratamento das matérias que constituem o seu objecto.

Dest’arte, e sendo de se ter como adequado o que se deixou consignado, impõe-se considerar que a se acolher a “tese da ora recorrente”, seria estar-se a deitar por terra e a fazer tábua rasa do supra referido “Acordo”, onde, para além do demais, (e vale a pena salientar), no parágrafo logo a seguir ao n.° 2 do art. 7°, atrás transcrito, se estipulou que “Os documentos podem ser dispensados, se o tribunal da Parte requerida se julgar suficientemente esclarecido”, sendo, estes, nomeadamente, o “Documento comprovativo de que a decisão já foi notificada e transitou em julgado, segundo a lei da Parte onde a mesma foi proferida”, e a “Certidão sobre o resultado de execução emitida pelo tribunal da Parte em que a decisão foi proferida”; (cfr., al. 3) e 5) do n.° 1 do referido art. 7°).

Nesta conformidade, e em face de tudo o que se deixou expendido, evidente se nos apresenta que nenhum motivo existe para não se confirmar o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido, com a consequente e necessária improcedência do presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com a taxa que se fixa em 10 UCs, (dispensada ficando do seu pagamento enquanto beneficiar do concedido apoio judiciário – cfr., fls. 163).

Registe e notifique.

Macau, aos 12 de Maio de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

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