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Processo nº374/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 15 de Outubro de 2021

ASSUNTO:
- Perícia para verificação do erro médico
- Prazo

SUMÁRIO:
- O acto médico é um acto complexo que não se esgota num único acto ou procedimento;
- Se só após a morte do paciente a família vem a admitir a existência de erro médico é a partir desse momento que deve ser contado o prazo de um ano para requerer a perícia ainda que durante o tratamento tenham questionado sobre o procedimento adoptado e o plano de tratamento aplicado àquele.


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Rui Pereira Ribeiro




Processo nº 374/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 15 de Outubro de 2021
Recorrente: Comissão de Perícia do Erro Médico
Recorrido: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  veio interpor recurso contencioso da decisão datada de 19.11.2019, da
  Comissão da Perícia do Erro Médico da RAEM,
  de indeferimento do pedido de realização de perícia para verificação da eventual existência de erro médico relativamente ao procedimento e tratamento de sua mãe B no período entre 26.10.2016 e 30.11.2018, data em que faleceu.
  Foi proferida sentença a julgar procedente o recurso contencioso com a consequente anulação do acto recorrido.
  Não se conformando com a decisão proferida veio a entidade recorrida recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. Em 18 de Janeiro de 2021, o Tribunal Administrativo proferiu a sentença sobre o caso em epígrafe (doravante designada por “sentença recorrida”), tendo julgado procedente a acção deduzida pelo recorrente (ou seja A, doravante designado por “recorrido”) e anulado o acto recorrido (vd. fls. 31 da sentença recorrida).
2. Salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma com o ponto de vista da sentença recorrida com fundamentos seguintes:
3. Nos termos do art.º 10.º, n.º1 do Regulamento Administrativo n.º3/2017: “Os prestadores de cuidados de saúde, os utentes ou, em caso de morte ou em situação que impeça o utente de declaração de vontade, os familiares pela ordem estabelecida no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 5/2016, doravante designados por interessados, podem requerer a realização da perícia técnica.”
4. Nos termos do art.º 76.º, n,º1, al. c) do Código do Procedimento Administrativo: “Salvo nos casos em que a lei admite o pedido verbal, o requerimento inicial dos interessados deve ser formulado por escrito e conter: a exposição dos factos em que se baseia o pedido e, quando tal seja possível ao requerente, os respectivos fundamentos de direito.” Nos termos do art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016 (Regime jurídico do erro médico): “O requerimento referido no número anterior é formulado por escrito, no prazo de um ano a contar da data do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico pelo requerente, devendo enunciar os factos que constituem objecto da perícia requerida.”
5. Nos termos do art.º 10.º, n.º3 do Regulamento Administrativo n.º3/2017: “O requerimento da perícia técnica deve indicar os factos que constituem objecto da perícia requerida, enunciando as questões em concreto que se pretende ver esclarecidas através da diligência.” Segundo as disposições legais acima indicadas, a perícia técnica só é realizada pela Comissão de Perícia do Erro Médico (doravante designada por “Comissão”) a pedido de pessoa que requer a realização da perícia do erro médico, devendo o requerente, no pedido, indicar de forma clara o objecto da perícia, os factos que constituem o objecto da perícia, ou questões concretas que pretende saber através da realização da perícia técnica. Em suma, evidentemente cabe ao requerente indicar os factos que constituem o objecto da perícia.
6. Na realidade, num acto médico integral, estão envolvidas muitas operações diferentes (doravante designadas por “actos filiais”) tais como no processo de diagnóstico e tratamento, podem envolver o diagnóstico e as instruções de tratamento dadas pelo médico sobre as condições de doença, as medidas de tratamento feita pela enfermeira, bem como os medicamentos preparados pelo farmacêutico, etc. Num acto médico integral estão incluídos muitos actos filiais, basta que um dos actos filiais ou um processo cometa erro, provavelmente constitui-se erro médico.
7. Por isso, pode o requerente, face a um acto médico integral ou determinado acto filial, exigir à Comissão que realize perícia técnica. Quanto ao assunto ou âmbito da perícia técnica, é livremente fixado de acordo com a vontade do requerente, enquanto a Comissão só pode realizar a perícia técnica sobre o objecto indicado pelo requerente, mas não realizar perícia técnica de certo acto médico que não seja objecto de perícia, mesmo que o objecto de perícia não envolva a impugnação de certa má consequência.
8. Indica a sentença recorrida na sua fundamentação: “O recorrente (…) também não indicou o facto que constitua o obejcto de peritagem, mas isso não obsta a que a Comissão interpretou flexivelmente o pedido do recorrente e o acompanhou, após ter-lhe solicitado a sanação do defeito existente no seu pedido escrito.” Contudo, nos termos do art.º 12.º, n.º4 da Lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico) e do art.º 3.º, n.º2 do Regulamento Administrativo n.º3/2017: “Os membros da Comissão devem, no exercício das suas funções, obedecer aos princípios da justiça, da igualdade e da imparcialidade, bem como cumprir os deveres de zelo e sigilo.”
9. Além disso, nos termos do art.º 7.º do Código do Procedimento Administrativo: “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.
10. É de salientar que a Comissão, como organização que realiza a investigação e perícia técnica para determinar se existe ou não erro médico, e a perícia é dirigida contra os interessados das partes opostas, se a Comissão seguir o ponto de vista do Tribunal a quo, a fls. 31 da sentença recorrida, a fls. 31, no sentido de interpretar flexivelmente o pedido de perícia formulado pelo recorrente e supor aleatoriamente o âmbito da perícia do erro médico, o que faz, por um lado, viola os dispostos no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico) e no art.º 10.º, n.º3 do Regulamento Administrativo n.º3/2017 (como principio de livre disposição da parte previsto no código civil) e por outro lado, também prejudica o interessado da outra parte, violando o princípio da justiça e da imparcialidade prevista no art.º 7.º do Código do Procedimento Administrativo.
11. Nos termos do art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico), “O requerimento referido no número anterior é formulado por escrito, no prazo de um ano a contar da data do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico pelo requerente, devendo enunciar os factos que constituem objecto da perícia requerida.”
12. Nos termos do art.º 3.º da Lei n.º5/2016, “Para efeitos da presente lei, considera-se erro médico o facto emergente de acto médico praticado, com violação culposa de diplomas legais, instruções, princípios deontológicos, conhecimentos técnicos profissionais ou regras gerais na área da saúde, que cause danos para a saúde física ou psíquica dos utentes, quer seja por acção ou por omissão.” A constituição do erro médico deve incluir os elementos seguintes: 1. Acto médico com culpa; 2. Facto que causa danos para a saúde física ou psíquica dos utentes; 3. Existência do nexo de causalidade entre o acto médico e os danos.
13. Francamente, para os utentes ou seus familiares, não é possível exigir-lhes que procurem saber, tal como o que faz a Comissão, se certo acto médico violou ou não diplomas legais, instruções, princípios deontológicos, conhecimentos técnicos profissionais ou regras gerais na área da saúde, também não é possível exigir-lhes que esclareçam se os prestadores de cuidados de saúde tinham culpa em termos subjectivos, nem lhes requerer para confirmar se existe ou não o nexo de causalidade entre o acto médico e os danos.
14. Contudo, justamente por causa disso, o que prevê o art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico) é a eventual ocorrência de erro médico de que tomou conhecimento o requerente, mas não a exacta ocorrência de erro médico.
15. Para os utentes ou seus familiares que carecem do conhecimento médico, o “conhecimento da eventual ocorrência de erro médico” é apenas um conceito vago, como um conhecimento perceptivo. Embora o erro médico também não possa afastar os três elementos necessários do acto médico, do facto que causa danos e do nexo de causalidade, são vagos esses três elementos, sendo apenas um sentimento do utente ou de seus familiares.
16. Com base nisso, para a Comissão, desde que os utentes ou seus familiares estejam cientes de que os danos da saúde física ou psíquica dos utentes eram presumivelmente causados pelo acto médico, podem eles indicar as respectivas circunstâncias ou dúvidas no pedido de exame pericial do erro médico sem necessitar de indicar ou provar quais culpas ocorreram no acto médico.
17. Para determinar se os utentes ou seus familiares tinham “conhecimento da eventual ocorrência de erro médico”, o ponto essencial é se os conteúdos da queixa apresentada pelos utentes ou seus familiares tinham a ver directamente com os três elementos constitutivos do erro médico: o acto médico, os factos que causam danos e o nexo de causalidade. De facto, desde que os utentes ou seus familiares subjectivamente questionam, duvidam ou queixam alguns actos médicos considerando que tais actos médicos cometem erros, são irrazoáveis ou inadequados, ou não produzem efeitos ou há outro plano melhor, e justamente por causa desses actos médicos que causam danos para a saúde física ou psíquica dos utentes, tudo isso é capaz de dar como provado que os utentes e seus familiares já tinham “conhecimento da eventual ocorrência do erro médico”.
18. Francamente, tal como foi indicado pela sentença recorrida na sua fundamentação: “(…) A disposição especial prevista na lei n.º5/2016 quanto ao erro médico é um fundamento directo pelo qual os utentes deduzem o procedimento de responsabilidade civil contra os prestadores de cuidados de saúde, que tem a constituição legal idêntica à responsabilidade civil por violação de direito em geral, além da ilicitude do acto de violação de direito, ambas exigem a produção os danos como consequência, ou seja, o facto que o utente sofre danos físicos ou morais. Quer dizer, o erro médico é resultante da consequência dos danos, caso fique provado que o interessado já tomou conhecimento da consequência de danos causada por acto médico, através disso podemos razoavelmente presumir que o interessado já tomou conhecimento da existência do erro médico.
19. Também indica a sentença recorrida na sua fundamentação: “Além do mais, quanto ao outro fundamento indicado pela entidade recorrida e pelo Ministério Público, o facto de o pai do recorrente ter apresentado queixa junto da Comissão de Perícia do Erro Médico em 17 de Abril de 2018, o Tribunal considera que o facto não tem importância, uma vez que tal facto só mostra a urgência dos familiares do recorrente em procurar ajuda, a fim de promover o envio da paciente B ao estrangeiro para tratamento médico, mas não dá para esclarecer se o recorrente já soube a eventual existência do erro médico, bem como se já tinha plano para tomar a respectiva medida de assistência. (…) Por fim, certamente não é precisa a exposição feita pelo recorrente em 28 de Outubro de 2019 sobre o pedido de relatório pericial, uma vez que não deu uma definição clara sobre o erro médico por si reconhecido, e ao mesmo tempo, também não indicou o facto que constitua o obejcto de peritagem, mas isso não obsta a que a Comissão interpretou flexivelmente o pedido do recorrente e o acompanhou, após ter-lhe solicitado a sanação do defeito existente no seu pedido escrito.”
20. Contudo, analisado o requisito constitutivo de “ter conhecimento da eventual ocorrência de erro médico”, segundo o requerimento da perícia formulada pelo recorrido em 28 de Outubro de 2019, tendo o mesmo já comunicado claramente à Comissão a existência eventual do acto de violação (“não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa) e da consequência de danos (fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar”). (vd. fls. 2 a 11 da petição inicial, documento constante de fls. 1 a 10 do processo de B (pedido de perícia) n.º024/CPEM/2018)
21. Evidentemente, o requerimento de perícia do erro médico formulado pelo recorrido já reúne o requisito constitutivo de ter “conhecimento da eventual ocorrência de erro médico”, pelo que, o pedido de perícia não tem defeito sobre o seu objecto, não necessitando do suplemento e esclarecimento.
22. Indica a sentença recorrida na sua fundamentação: “B, mãe do recorrente faleceu no dia 30 de Novembro de 2018 devido ao agravamento da doença e só ocorreu neste momento o resultado de dano que constitui o erro médico. E antes disso, não importa qual diagnóstico e tratamento impróprio prestado pelo prestador de cuidados de saúde de que o recorrente se queixou, e em seguida exigiu que a paciente B fosse transferida para ser tratada ao estrangeiro, não é possível exigir-lhe que recorresse antecipadamente aos meios de assistência, face ao erro médico que ainda não ocorreu – incluindo a realização de imediato da perícia do erro médico e a exigência da indemnização civil contra o eventual responsável, mesmo que o recorrente já tenha previsto a ocorrência do respectivo erro. Igualmente, quanto à determinação do tempo de ocorrência do erro médico, tendo a entidade recorrida considerado na contestação que o agravamento do tumor da mãe do recorrente B, na bochecha do lado esquerdo, representou a ocorrência do erro médico, momento em que o recorrente também soube bem que iria ocorrer o erro médico, enquanto o facto de morte de B é um resultado necessário do referido erro médico, pelo que o qual não causa o adiamento do tempo de início para o requerimento de relatório pericial feito pelo recorrente. Não concordamos com tal ponto de vista, uma vez que não existe um momento exacto sobre o “agravamento de doença”, o “agravamento de doença” não é um facto exigido no regime jurídico do erro médico que deve qualquer utente dar importância, antes de se preparar a exigir a responsabilidade pelo erro médico. Não podemos alegar que o utente não recorreu atempadamente aos meios de assistência devido ao “agravamento da doença” e tinha uma atitude negligente no exercício do direito e que tudo isso levou a que a prescrição já estivesse completa.” Considera a sentença recorrida que o “agravamento da doença” deve ser considerado como resultado de dano que constitui o erro médico.
23. Contudo, visto o requerimento da perícia formulado pelo recorrente em 28 de Outubro de 2019, “Durante o tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, B foi submetida à electroterapia e à quimioterapia, mas muitas vezes só foi feita a limpeza da ferida, não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa, fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar.” (vd. fls. 2 a 11 da petição inicial, documento constante de fls. 1 a 10 do processo de B (pedido de perícia) n.º024/CPEM/2018), no qual não foi feita impugnação sobre a morte da utente, a impugnação no caso consiste em que o prestador de cuidados de saúde não forneceu um tratamento que a utente considerou adequado, a fim de adiar, aliviar ou curar as lesões corporais e dores de cancro sofridas pela utente.
24. Desde Fevereiro de 2018, o recorrido exigiu ao prestador de cuidados de saúde e ao seu superior hierárquico o tratamento por si considerado melhor, e até 28 de Outubro de 2019, baseando-se nisso como objecto da perícia de erro médico, formulou o requerimento da perícia, daí podemos saber que o recorrido não considerou a “morte” como facto que se deve dar importância.
25. Na realidade, o “agravamento de doença” e a “morte” são conceitos diferentes, a “agravamento de doença” não é igual à “morte”, tendo o recorrido, no dia 28 de Outubro de 2019, indicado claramente no pedido que “fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar.”, que causou à utente lesões corporais e dores mentais, e que quando o recorrido formulou o requerimento da perícia, já tinha recebido o relatório de autópsia de cadáver da utente. Pelo que, evidentemente, no caso o que o recorrido impugnou é o plano de tratamento antes da morte da utente, mas não a causa da morte da utente.
26. É de salientar que a perícia técnica da Comissão é diferente do litígio médico apreciado pelos tribunais, a perícia técnica não visa apurar se constitui ou não a indemnização nem tratar o âmbito da eventual indemnização.
27. Em concreto, o objecto da perícia da Comissão é dirigido contra o acto médico praticado ao utente pelo prestador de cuidados de saúde, e na base em que foi apurado o facto de acto médico, determina se tal acto constitui erro médico. Se tiver culpa o acto médico praticado pelo prestador de cuidados de saúde e causar lesões psíquicas ou físicas, mesmo que o utente não morra, pode reconhecer-se ainda o erro médico; pelo contrário, não se deve reconhecer o erro médico mesmo que ocorra a morte de utente. Quer dizer, a morte ou não do utente não dá importância efectiva à perícia técnica de erro médico.
28. Tal como foi indicado pela sentença recorrida na sua fundamentação: “Quer dizer, o legislador tem por finalidade criar um mecanismo de prescrição idêntico ao do art.º 491.º do Código Civil, através do art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016, mas com prazo mais curto, no sentido de excluir certos pedidos de perícia que não se pode realizar por ter manifestamente decorrido muito tempo. E tal como foi exigido na supracitada disposição, o prazo de caducidade deve ser contado a partir do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico por parte do requerente, isto quer dizer, pelo menos, a partir desse momento, deve o interessado saber que tem direito a requerer, junto do órgão competente, a realização da perícia técnica do respectivo erro médico, bem como possui a possibilidade de exercer tal direito. (…) a disposição especial prevista na lei n.º5/2016 quanto ao erro médico é um fundamento directo pelo qual o utente deduz o procedimento de responsabilidade civil contra os prestadores de cuidados de saúde, que tem a constituição legal idêntica à responsabilidade civil por violação de direito em geral, além da ilicitude do acto de violação de direito, ambas exigem a produção os danos como consequência, ou seja, o facto de o utente ter sofrido danos físicos ou morais.”
29. Quanto ao cálculo da prescrição prevista no art.º 491.º do Código Civil, tomando-se como referência o acórdão proferido em 23 de Abril de 2020 pelo TSI no processo n.º1034/2019, tendo o mesmo acórdão indicado que: “De facto, o prazo de prescrição do direito à indemnização é calculado a partir da data em que o ofendido toma conhecimento ou deve ter conhecimento do direito à indemnização, independentemente de conhecer ou não no momento o total âmbito do dano. (…) Pelo que, quando o ofendido saiba ter direito à indemnização e tome conhecimento da qualidade do responsável, inicia-se o respectivo prazo de prescrição.”
30. É de salientar que nos autos se for considerada a “morte devido ao agravamento da doença” como resultado de danos constituindo o erro médico e como ponto de tempo para o cálculo de início do prazo de um ano previsto no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016, o que significa que os pacientes com cancro na fase final não podem salvaguardar os seus direitos através da realização da perícia médica por suspeitar que o tratamento não é adequado não podendo adiar, aliviar ou curar as lesões corporais e dores de cancro por si sofridas, razão por que os pacientes ainda não apresentam o resultado de dano da “morte devido ao agravamento de doença” e pelo que não reúnem o requisito constitutivo do erro médico previsto no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016. Evidentemente o entendimento supracitado é irrazoável.
31. Nos termos do art.º 10.º, n.º1 da Lei n.º5/2016, “Quando haja indícios suficientes da ocorrência de erro médico, os prestadores de cuidados de saúde devem adoptar, de imediato, medidas adequadas e necessárias para evitar ou reduzir os danos causados à saúde do utente.”
32. De facto, as funções da perícia médica, para além de determinar a responsabilidade por erro médico, também podem corrigir os erros causados pelo erro médico, aliviar ou reduzir os demais danos, por outro lado, os resultados obtidos na perícia também vão ser enviados às partes de prestadores de cuidados de saúde e paciente, bem como aos Serviços de Saúde, sendo importantes para que os médicos e pacientes possam tomar medidas eficazes oportunamente.
33. Justamente foi por causa disso, quando o cônjuge da utente, senhor C compareceu pessoalmente na Comissão em 17 de Abril de 2018 para apresentar queixa cujo conteúdo foi admitido pela Comissão que considerou satisfeito para admissão (conteúdo igual ao do objecto da perícia indicada por si em 28 de Outubro de 2019), pelo que os familiares da utente foram notificados de que podiam apresentar o pedido e outros documentos necessários, tendo os familiares da utente nos dias posteriores apresentado parte de documento. Mas essa situação não é igual ao que indica a sentença recorrida na sua fundamentação: “Mesmo que a Comissão de Perícia do Erro Médico lhe tenha comunicado posteriormente a possibilidade de requerer o relatório pericial, isso só é uma resposta ordinária dada pela Comissão como órgão de competência, isso também não mostra a cognição de pessoas se existe ou não o erro médico”.
34. Evidentemente, quando os familiares da utente apresentaram queixa em 17 de Abril de 2018 na Comissão, já satisfizeram o que foi indicado pela sentença recorrida na sua fundamentação: “Deve o interessado saber que tem direito a requerer, junto do órgão competente, a realização da perícia técnica do respectivo erro médico, bem como possui a possibilidade de exercer tal direito”.
35. Depois, uma vez que os familiares da utente não apresentaram o pedido da perícia médica, a Comissão não conseguiu realizar os processos subsequentes. Quanto a isso, a Comissão, no contacto com os familiares da utente mais tarde, também os apressou a apresentar o pedido de perícia do erro médico, não tendo os familiares, contudo, tomado qualquer acção. Na realidade, a Comissão também não percebeu qual a razão o recorrido só veio a apresentar o requerimento de perícia do erro médico até 28 de Outubro de 2019.
36. Tal como foi indicado pela sentença recorrida na sua fundamentação: “Considera a recorrente que face ao assunto que o recorrido exigiu que fosse periciado: “Durante o tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, B foi submetida à electroterapia e à quimioterapia, mas muitas vezes só foi feita a limpeza da ferida, não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa, fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar”, em tempo mais cedo já manifestou a impugnação, pelo que não se deve demorar até 28 de Outubro de 2019 para deduzir oficialmente o requerimento da perícia. Em certa medida, tal alegação é procedente. Na realidade, segundo as cartas e as queixas apresentadas por várias vezes pelo recorrente e seus familiares junto do CHCSJ, tendo os mesmos já questionado de grau diferente a adequação do plano de tratamento dado à sua mãe B pelo hospital.”
37. A fim de servir de referência, indica o Parecer n.º3/V/2016 da 3.ª Comissão Permanente da Lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico) no seu ponto 83 que: “A Associação dos Advogados de Macau entende que tal requerimento não deve poder ser apresentado a todo o tempo, uma vez que isso pode vir a dificultar o trabalho da Comissão, para além do desequilíbrio que é estipular um prazo pra uma parte e não para a outra. Quanto às situações não previstas nesta proposta de lei, podem encontrar-se as respectivas soluções na lei civil. No entanto, também este prazo é excessivo, pelo que se sugere que seja estipulado o prazo de um ano após o conhecimento, ou suspeita do lesado, sobre a existência de erro médico.
38. Evidentemente, na criação da lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico), foi adoptado o supracitado parecer da Associação dos Advogados e estabelecido o prazo de prescrição para requerimento da perícia do erro médico. Quanto ao prazo de um ano previsto no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016, o legislador espera que o trabalho da Comissão não se torne difícil com o decorrer do tempo, pois as provas são fáceis de perder, devendo ser realizadas o mais rápido possível a perícia e averiguação, caso contrário, será difícil de realizar o trabalho de perícia, bem como a fixação do prazo para uma parte e para outra parte não, isto também causará uma situação injusta.
39. Tal como foi indicado pela sentença recorrida na sua fundamentação: “o processo do serviço médico tem sua complexidade inerente, ou seja, no processo de consulta e antes de ocorrer o dano definitivo, podem as condições do paciente ser alteradas muitas vezes devido a intervenções médicas diferentes. Se for revisado e analisado posteriormente todo o processo de prestação de serviço médico, claramente podemos retirar a seguinte conclusão: A condição do paciente deteriorou-se irreversivelmente em certo momento devido a certo acto médico. Contudo, antes de ocorrer o caso, certamente o paciente não tem condições objectivas para saber todas as situações causadores da alteração da condição da sua doença até afirmar se há erro médico que prejudicou a sua saúde física ou mental, pelo que não se pode exigir-lhe que tome medidas oportunas com base nisso”. Nos autos a “morte devido ao agravamento de doença” foi considerada como resultado de dano que constitui o erro médico, o que significa que, perante o mesmo objecto de perícia, o período para o requerimento de perícia pode ser estendido indefinidamente devido ao período de sobrevivência do utente (algumas doenças podem durar várias dezenas de anos), acrescido de um ano para o requerimento de perícia a contar após a morte do utente, e isto, evidentemente, viola a vontade original do legislador quanto ao prazo de um ano previsto no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016.
40. Pelo que, o ponto de início do cálculo do prazo de um ano previsto no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016 é determinado conforme o tempo em que o requerente tome conhecimento do objecto da perícia e o objecto que reúna o requisito constitutivo do conhecimento da eventual ocorrência do erro médico, enquanto não são factos importantes os factos se o dano continua, se acaba por evoluir para um resultado grave, etc. (incluindo morte) que não constituem o requisito constitutivo do erro médico. Tal como nos autos, o objecto da perícia requerida em 28 de Outubro de 2019, em tempo mais cedo, já foi impugnado pelos familiares da utente em Fevereiro de 2018 junto do prestador de cuidados de saúde e do seu superior hierárquico, devendo esse momento (Fevereiro de 2018) ser considerado como ponto de início do cálculo de um ano previsto no art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016, e desde então até ao momento em que foi formulado o requerimento (em 28 de Outubro de 2019) já se passam um ano e oito meses. Por outras palavras, de acordo com o exposto na fundamentação da sentença recorrida que “a partir desse momento, deve o interessado saber que tem direito a requerer, junto do órgão competente, a realização da perícia técnica do respectivo erro médico, bem como possui a possibilidade de exercer tal direito”, mesmo que seja iniciado o cálculo do presente caso a partir de 17 de Abril de 2018 onde o recorrido compareceu pessoalmente na Comissão, daí já passam-se um ano e seis meses, também é ultrapassado o prazo para o requerimento da perícia do erro médico.
  O Recorrido veio contra-alegar sem que, contudo, apresentasse conclusões, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
  
  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Da decisão recorrida consta a seguinte factualidade:
➢ Em outubro de 2016, no Centro Hospitalar Conde de São Januário, foi diagnosticado um tumor maligno a B, mãe do recorrente (vide a fls. 66 do processo administrativo 1).
➢ Em 27 de Fevereiro de 2018, o recorrente solicitou por carta a F, Director do CHCSJ, enviar a sua mãe para serviços médicos no exterior:
“…Sr. Director F,
Desde o decesso do maxilar da minha mãe B, a sua saúde fica pior, a área de decesso torna-se cada vez maior e o tempo de acamamento permanente mais longo, também sofre a recidiva do câncer.
Ultimamente, conheci da Internet que nos hospitais do Interior da China há exemplos de tratamento médico de decesso do maxilar com sucesso, só que é insuficiente a minha capacidade económica e da minha família e somos incapaz de suportar simultaneamente várias despesas de tratamento médico, esperamos que o vosso Hospital possa oferecer encaminhamento adequado para serviços médicos no exterior. Aguardando a vossa resposta.
 Filho da doente
 A…”
(vide as fls. 77 a 78 do processo administrativo 1)
➢ Em 16 de Abril de 2018, o recorrente enviou de novo uma carta ao Director do CHCSJ:
“…Sr. Director F,
Já requeri por carta ao vosso Hospital encaminhamento da minha mãe B (cartão de visita para médicos n.º 5392.9) para serviços médicos no exterior, hoje acompanhei a mãe para ir submeter ao novo exame na clínica de oncologia, o médico aconselhou a efectuação da terapia direcionada e a quimioterapia, receando que o estado de saúde da mãe não possa tolerar as reações do efeito colateral decorrente dos aludidos tratamentos médicos, consultei o médico especialista do Hong Kong Sanatorium and Hospital, ele respondeu que agora têm de controlar antes de mais a propagação de células cancerosas, mas já há decesso na ferida devido ao decurso de tempo demasiadamente longo, aconselhou a efectuação da terapia da imunidade, que poderia evitar o sofrimento do efeito colateral da terapia direcionada e a quimioterapia, pelo que, venho pedir de novo ao vosso Hospital considerar o encaminhamento da mãe para serviços médicos de Hong Kong. Pede-se o deferimento para trazer uma oportunidade de sobrevivência, agradecendo muito. São juntados à presente carta 2 documentos do Hong Kong Sanatorium and Hospital.
Com os melhores cumprimentos!
 Filho da doente
 A…”
   vide as fls. 79 a 82 do processo administrativo 1)
➢ Em 17 de Abril de 2018, C, pai do recorrente, apresentou uma queixa perante a Comissão de Perícia do Erro Médico, expressando a sua enorme impaciência com os médicos da estomatologia do CHCSJ sobre os atrasos no tratamento médico da sua esposa B durante o período de Outubro de 2016 a 28 de Fevereiro de 2018, o que resultou no pioramento da doença dela, no fim, foi notificado de que poderia pedir relatório de perícia do erro médico (vide as fls. 19 a 20 do processo administrativo 1).
➢ Em 4 de Maio de 2018, o Director substituto do CHCSJ enviou ao recorrente a carta n.º 71/O/GU/18:
“…Sr. A,
Em 28 de Fevereiro e em 16 de Abril de 2018, o nosso Hospital recebeu as vossas 2 cartas. Vem por este meio responder à matéria em causa:
Em Novembro de 2010, foi diagnosticado à vossa mãe, Sr.ª B, o câncer de língua do lado direito e foi-lhe realizada uma intervenção cirúrgica. Em Outubro de 2016, foi diagnosticado um tumor maligno no maxilar esquerdo e foi imediatamente marcada uma intervenção cirúrgica. Durante o período de aguarda ela foi voluntariamente submeter-se a tratamentos médicos e biópsia no outro hospital, no momento de ter alta a ferida no maxilar esquerdo ainda não estava encerrada. De Janeiro a Fevereiro de 2017, a vossa mãe foi tratada com radioterapia e quimioterapia no outro hospital. Em Dezembro do mesmo ano, verificou-se a recidiva do tumor no maxilar esquerdo, que se propagou para todo o maxilar esquerdo, os tecidos moles ao lado do maxilar esquerdo, o parafaringe esquerdo e a linfa cervical esquerda, foi impossível tratar o tumor de cabeça e pescoço com intervenção cirúrgica, portanto, foram considerados os serviços paliativos de radioterapia e quimioterapia para controlar a doença. Em 19 de Janeiro de 2018, a vossa mãe e os familiares recusaram a radioterapia e ela foi submetida aos serviços paliativos no Centro Hong Neng.
Nos termos do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 24/86/M, quando, por falta de meios técnicos ou humanos, nem os serviços e estabelecimentos dependentes da DSS, nem o sector privado do Território estejam em condições de prestar os cuidados necessários, os pacientes podem ser enviados pela Junta para Serviços Médicos no Exterior para serviços médicos no exterior. Agora, a situação do tumor da vossa mãe está incontrolada, é impossível efectuar a intervenção cirúrgica de enxerto da tíbia para a reconstrução da mandíbula, não tem condição de fazer qualquer reconstrução antes de ser controlado o tumor fundamental de cabeça e pescoço, pelo que, o caso da vossa mãe não satisfaz as condições de envio para serviços médicos no exterior, pede-se a vossa compreensão. Após a discussão entre os nossos médicos especialistas e o grupo dos especialistas de drogas anti-tumorais, o nosso Tribunal tem condição de prestar o respectivo tratamento médico, incluindo a terapêutica imunitária, droga Pembrolizunab e droga Nivolumab, esses métodos são mais adequados para o estado da vossa mãe. Qualquer dúvida, favor comunicar-se directamente com o médico-assistente.
Com os melhores cumprimentos.
Director substituto do CHCSJ
XXX…”
(vide a fls. 76 do processo administrativo 1).
➢ Em 15 de Junho de 2018, o recorrente, o seu pai C e o Deputado da Assembleia Legislativa D enviaram juntos uma carta ao Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura:
“…Sr. Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura XXX,
Recentemente, o Sr. A informou a minha secretaria da doença grave da sua mãe Sr.ª B (BIRM n.º XXXX), pediu deixar saber o programa e os trâmites do tratamento médico do CHCSJ, pediu considerar a adequação de envio para serviços médicos no exterior. Segundo as alegações dos familiares, gostava de informar V. Ex.ª de forma seguinte:
Em Novembro de 2010, foi diagnosticado à Sr.ª B o câncer de língua do lado direito e foi-lhe realizada uma intervenção cirúrgica. Em Outubro de 2016, apareceram no maxilar esquerdo da Sr.ª B os tecidos granulares vermelhos, após a diagnose do médico de estomatologia do CHCSJ, foi tumor maligno. Na altura, foi marcado que só iria ser realizada a intervenção cirúrgica depois de 2 meses, por amor e preocupação dos familiares com a Sr.ª, no Novembro do mesmo ano ela foi enviada para secção e drenagem do pus no Hospital Kiang Wu, teve baixo por mais de 10 dias, gastando dezenas de milhares de patacas. E de pois, no Dezembro do mesmo ano, foi enviada pelo médico de oncologia para a radioterapia do CHCSJ e para a electroterapia no Hospital Kiang Wu, durante o período era limpa a ferida todas as semanas.
Em Junho de 2017, foi enviada de novo pelo médico de oncologia para a electroterapia no Hospital Kiang Wu, só que o médico desse Hospital entendeu que não era adequado para o estado de saúde dela efectuar a electroterapia e a quimioterapia, os familiares também solicitaram ao CHCSJ fornecer drogas da terapia direcionada. Até Dezembro do mesmo ano, o tumor propagou-se, o médico de oncologia entendeu que era impossível fazer intervenção cirúrgica, só podia considerar a quimioterapia para controlar a doença, os familiares não concordaram reando que a quimioterapia podia piorar o estado de saúde da paciente, em seguida, a paciente foi enviada para o Centro Hong Neng. Apenas 1 semana após o internamento, o médico do Hospital Kiang Wu afirmou que, na altura a paciente só tinha o problema do tumor de boca, sem outro problema grave, portanto, a paciente voltou do Centro Hong Neng ao CHCSJ para tratamento.
Em Fevereiro deste ano, a conselho do pessoal do Gabinete do Utente, os familiares enviaram uma carta do Director do CHCSJ, pedindo à Junta para Serviços Médicos no Exterior enviar a paciente para serviços médicos no exterior. Em Março, a paciente foi submetida a exame novo no CHCSJ, a conselho do enfermeiro, os familiares visitaram imediatamente o Hospital Memorial de Sun Yat-Sen da Universidade de Sun Yat-Sem, o Hospital Queen Mary e o Hong Kong Sanatorium and Hospital. Em 13 de Abril, os familiares enviaram uma nova carta ao Director do CHCSJ, à qual se juntou a carta emitida pelo médico de oncologia complexa da Medicina Interna do Hong Kong Sanatorium and Hospital (vide o anexo), propondo efectuar à paciente a terapêutica imunitária, injectar uma dose de 3mg/kg de Opdivo a cada 2 semanas e efectuar a termografia após o 4º tratamento médico para examinar a doença. Os familiares também pediram de novo ao CHCSJ enviar a paciente para serviços médicos no exterior quanto mais cedo possível.
Em 30 de Abril a paciente teve dificuldade extrema de respiração e teve baixa no CHCSJ até hoje. Não se melhorando a doença mas, ao contrário, piorando-se, os familiares estão a sofrer grandes misérias físicas e morais. Com base na situação acima descrita, venho por este meio pedir a V. Ex.ª informar detalhada e explicitamente os familiares do programa, trâmites e andamento do tratamento médico local, considerar prudentemente a adequação de envio da paciente para serviços médicos no exterior através da Junta para Serviços Médicos no Exterior.
Além disso, gostava de continuar a desempenhar o papel de ponte, acompanhar os familiares no encontro com os representantes do Hospital, fazer discussão e ouvir justificações. Qualquer dúvida, favor contactar com o Sr. C (tel. n.º 6388XXXX/6669XXXX) ou o Sr. XXX da minha secretaria (tel. n.º 6661XXXX). São juntadas as fotos da ferida da Sr.ª B nos últimos meses (peço desculpa pelo incómodo possível causado).
Aguardando a vossa resposta.
om os melhores cumprimentos
Pede-se que seja a carta remetida ao Director dos Serviços de Saúde E e ao Director do CHCSJ F para proceder imediatamente
Familiares da Sr.ª B
C (pai)
A (filho)
Deputado da Assembleia Legislativa
D…”
(vide as fls. 87 a 89 do processo administrativo 1)
➢ Em 13 de Julho de 2018, C, pai do recorrente, e o Deputado da Assembleia Legislativa G enviaram uma carta ao Director dos Serviços de Saúde:
“…Sr. Director dos Serviços de Saúde E,
Recentemente, o Sr. C, residente de Macau, pediu a minha ajuda, alegou que no fim de 2016 no CHCSJ foi diagnosticado à sua esposa B (BIRM n.º XXXX) um tumor maligno no maxilar esquerdo. Desde então até hoje, a Sr.ª B e os familiares têm enfrentado positivamente a doença, porém, a doença tem sido piorada e, assim sendo, foram suscitadas dúvidas sobre o tratamento médico do Hospital, portanto, o Sr. C gostava de informar V. Ex.ª, através de mim, dessa situação, para curar a doença a esposa quanto mais cedo possível.
O Sr. C afirmou que, após diagnosticada a doença, tem sempre acreditado no tratamento médico do Hospital, mas no último ano, não foi completamente curada a doença, deste modo, o Sr. C e a esposa foram por eles próprios a Hong Kong e Cantão procurar conselhos de tratamento, o médico de oncologia complexa do Hong Kong Sanatorium and Hospital aconselhou a efectuação da terapêutica imunitária, por isso, o filho do Sr. C pediu por carta ao CHCSJ enviar a paciente para a terapêutica imunitária no exterior, o Hospital respondeu por carta em Maio que o caso da Sr.ª B não satisfazia as condições de envio para serviços médicos no exterior e comprometeu-se a prestar à Sr.ª B a terapêutica imunitária e as drogas necessárias (vide o anexo).
Todavia, o Sr. C disse-me que, desde a recepção da carta do Hospital, este só limpou a ferida da esposa, não efectuou o programa terapêutico ou usou as drogas como descreveu a carta. Não realizado tratamento médico material, a ferida da esposa no maxilar tornou-se maior e piorou-se, portanto, os familiares estão muito preocupados.
Para demonstrar o cuidado do Governo da RAEM com os grupos vulneráveis e a compreensão das dificuldades da família da Sr.ª B, espero que o Hospital fortaleça a comunicação com a Sr.ª B e os seus familiares, concretize o programa terapêutico eficaz quanto mais cedo possível para a recuperação adequada da paciente. Agradeço muito se puder responder ao pedido!
Anexo: cópia da carta de resposta da DSS ao Sr. A (filho da Sr.ª B)
Deputado da Assembleia Legislativa
G…”
 (vide as fls. 94 a 95 do processo administrativo 1)
➢ Em 1 de Agosto de 2018, o Director do CHCSJ enviou a carta n.º 71(05)/O/GU/18 ao recorrente:
“…Sr. C,
Foi recebida a carta de 11 de Julho de 2018 do Deputado da Assembleia Legislativa G sobre o caso da Sr.ª B, remetida pelo Director dos Serviços de Saúde. Quanto à matéria em causa, o nosso Hospital já respondeu por carta n.º 71/O/GU/18, agora vem suplementar de forma seguinte:
Em Dezembro de 2017, verificou-se a recidiva do tumor no maxilar esquerdo da Sr.ª B, o qual já se propagou, assim sendo, foi considerada a metástase do tumor. Para garantir a fluidez no trato respiratório, após as justificações suficientes do médico especialista do nosso Tribunal, em 30 de Abril de 2018 foi realizada a intervenção cirúrgica de traqueotomia. Quanto à droga de terapêutica imunitária Opdivo, aconselhada pelos familiares, segundo as instruções internacionais actualizadas e os 2 resultados do teste dos tecidos do tumor da Sr.ª B, considerava-se inútil a “terapêutica imunitária”. Após a discussão entre os médicos de várias especialidades, não foi aconselhada a efectuação da “terapêutica imunitária”. Para proporcionar à Sr.ª B e os familiares saber melhor o actual programa terapêutico devido, o nosso Tribunal convidou o Dr. H, Professor clínico associado, Chefe da Divisão de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Divisão de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva da Universidade de Hong Kong (Hospital Queen Mary), para conhecer a doença e o actual programa terapêutico. O Prof. H também entendeu que, não havia demais indicações de cirurgia, não havia indicações de uso de drogas anti-tumorais de rotina, a terapêutica imunitária geraria riscos para o caso e não era medicina baseada em evidências. Pelo exposto, a respectiva especialidade do nosso Hospital e o médico especialista de Hong Kong sustentaram unanimemente que era adequado ter como programa terapêutico os cuidados paliativos e de suporte, por isso, não foi efectuada a “terapêutica imunitária” ou enviou-a para outros tratamentos médicos no exterior, pedem-se as vossas compreensão e cooperação.
Com os melhores cumprimentos.
Director do CHCSJ
F…”
 (vide a fls. 93 do processo administrativo 1)
➢ Em 30 de Novembro de 2018, B morreu por hemorragia (vide as fls. 24 a 25 do processo administrativo 2).
➢ Em 28 de Outubro de 2019, o recorrente apresentou à entidade recorrida o pedido de perícia, a carta aos membros da Comissão de Perícia do Erro Médico e o documento descritivo do processo de tratamento médico:
“…Exmo. Membros da Comissão de Perícia do Erro Médico,
Olá! Sou filho de B. Peço desculpa por ter adiado o assunto e não enfrentado a realidade, todos os dias culpou-me a mim próprio por deixar a mãe morrer por pensamento pobre, quanto mais conheço, mais sinto-me culpado. São organizadas de forma seguinte as minhas dúvidas sobre o CHCSJ.
1. Em Novembro de 2016, o Médico de Estomatologia Dr. X disse que precisava de excisar todo o maxilar e introduzir um cateter no laringe permanentemente, a data da intervenção cirúrgica foi marcada para 2 meses depois, não havia as preparações (sic.) alegadas na declaração de Julho de 2018 da DSS.
2. No início de 2017, voltando do Hospital Kiang Wu ao CHCSJ, o Dr. X da estomatologia comprometeu-se a curar a ferida, mas em todos os exames novos, limitou-se a limpar a ferida. Comportou-se frequentemente impaciente, às vezes até notificou-nos via telefone de adiar a limpeza da ferida para 2 semanas depois. Era uma vez, o médico disse indiferentemente que finalmente a mandíbula ficou quebrada e a limpeza da ferida seria mais facial no futuro. Só disse-nos que a recuperação era impossível até que a ferida se tornou muito grave.
3. Em Janeiro de 2018, teve baixa no Centro Hong Neng. Após 1 semana, o médico do Centro aconselhou-nos não desperdiçar tempo ali, disse que ainda havia oportunidade de recuperação.
4. Só podíamos marcar encontro com os outros médicos após ter enviado carta ao Hospital no início de 2018. O Médico da nacionalidade portuguesa da especialidade de cirurgia plástica e reconstrutiva perguntou porque adiou tanto tempo? Só naquela altura soubemos que havia mandíbula artificial.
5. Em Abril de 2018, o enfermeiro do Hospital disse que podíamos procurar programa terapêutico no exterior. Portanto, os familiares e eu acompanhámos a mãe, que estava muito fraca, para ir a Cantão e Hong Kong. O médico do Hong Kong Sanatorium and Hospital perguntou porque realizou o tratamento de electroterapia quando ainda havia ferida, o que iria resultar no decesso da ferida? Só soubemos pela 1ª vez toda a situação da doença quando o médico de Hong Kong a justificou naquela altura.
6. No início de Maio de 2018, entrou na sala dos cuidados intensivos, no terceiro dia foi mandada ter alta, quando a mãe ainda não podia comer e não sabíamos nada sobre os métodos de enfermagem após a intervenção cirúrgica de traqueotomia.
7. Em 17 de Maio de 2018, durante o tempo de transfusão da mãe, o Dr. X da estomatologia veio dizer-nos que podia ter alta, pretendendo extrair a agulha. No dia 18, o Dr. X foi sozinho dizer à mãe que era impossível curá-la, em seguida, a mãe escreveu isso com lápis e deixou-nos saber.
8. No fim de Maio de 2018, encontrámo-nos com o Diretor substituto Dr. XXX, ele disse que a paciente estava saudável e podia ter alta, estava a ocupar recursos públicos.
9. No início de Junho de 2018, fomos de novo ao encontro com o Médico da nacionalidade portuguesa, na altura o Dr. X da estomatologia também estava presente, o Médico da nacionalidade portuguesa tratou a ferida por um outro método, que realmente suavizou as dores da mãe, mas o Dr. X da estomatologia não seguiu esse método.
10. No início de Julho de 2018, só após ir ter com jornalistas, receitaram à mãe melhores medicamentos analgésicos e a mãe sentiu-se de menor pressão de ser expulsa para fora do Hospital, tinha sido tolerado no passado e não teve coragem de divulgação.
11. Em Novembro de 2018, após a cirurgia gastrostómica, a conselho da estomatologia, a mãe deitava-se sempre na cama e a dor no abdómen tornava-se grave. O médico de gastrenterologia só descobriu a situação grave depois de 1 semana. Ele disse que achava que a mãe iria levantar-se da cama e fazer exercícios, o que era favorável para a cura da ferida, a deitada na cama por longo tempo só produzia efeitos contrariados.
No fim, gostava de acrescentar que, em muitos exames novos, o Dr. Wong da oncologia aconselhou sempre tratar a ferida no início e depois acabou por enviar a mãe ao Centro Hong Neng. O Médico da nacionalidade portuguesa da especialidade de cirurgia plástica e reconstrutiva aconselhou tratar no primeiro o tumor. A mãe foi enviada entre os órgãos diferentes como jogo de empurra, decorreu sempre 1 semana ou até mais tempo entre cada procedimento, assim sendo, formou-se o ciclo vicioso sobre as questões de ferida e tumor.
Quanto à enfermagem da ferida, o Centro de Saúde não limpava o interior da ferida, o cheiro mau ainda existia depois da enfermagem todas as vezes, a dor da ferida após a remoção da gaze desincentivava a mãe para o Centro de Saúde. Na altura, não sabíamos nada e só podíamos aguardar o novo exame na divisão de estomatologia todas as semanas, a casa estava cheia de cheiro mau todos os dias. Todavia, após a limpeza da ferida na divisão de estomatologia, a mãe sentia-se sempre de dores.
Tenho medo de pensar na miséria que a mãe sofreu nos seus últimos 2 anos, tolerava dores todos os dias mesmo tendo usado medicamentos analgésicos, deitava-se na cama por tempo cada vez mais longo e emagrecia-se gradualmente. Ela não queria causar inconveniência a outrem, muitas vezes, a conselho da divisão da estomatologia, suspendeu o uso do antibiótico e a face ficou inchada, mesmo assim, tolerou as dores e não chamou ambulância. No início de 2018, sabendo que podia enviar carta ao Director do Hospital, achava que tudo seria diferente, portanto, exprimiu a forte vontade de sobrevivência, porém, depois de ter baixa, sentindo-se da pressão de ser expulsa do Hospital e estando muito zangada, absolutamente não podia dizer nada. Até que se sentiu de grandes dores após a cirurgia gastrostómica, escreveu com lápis que gostava da eutanásia. Percebo que sou tão ignorante, até hoje sinto-me culpado por tomar várias decisões estupidas, por pensamento pobre, que conduziram a mãe a uma vida desumana. Espero que a Comissão apure a realidade da morte da minha mãe e prossiga com a justiça.
Com os melhores cumprimentos!
É juntado um documento do processo de tratamento médico da mãe (B).
Declarante: A
Data: 2018/10/28…”
“…de Outubro de 2016 até 2018, o Hospital não teve programa
Segundo as alegações do Sr. C, é descrito de forma seguinte o processo de tratamento médico da esposa B no CHCSJ:
Em Outubro de 2016, apareceu um inchaço de cerca de 2cm no lado esquerdo da face de B. Em 26 de Outubro de 2016, foi ao encontro pela 1ª vez com o Dr. X, Médico-assistente da divisão da estomatologia, após extraído o tecido do inchado para exame, verificou-se que se tratava dum tumor maligno.
Em Novembro de 2016, no encontro com o médico, pediu determinar o programa terapêutico de B, mas na altura o médico disse que 4 casos já marcados estavam à espera, a intervenção cirúrgica só podia ser marcada para 2 meses depois quanto mais cedo possível.
Em Novembro de 2016, no encontro com o médico, ele disse que a situação de B parecia um relógio de contagem regressiva, era impossível determinar um programa efectivo de tratamento médico. Do ponto de vista de C, o Hospital só fez limpeza da ferida.
Em Novembro de 2016, no encontro com o médico, ele convidou o Sr. C e o filho para ir a um outro quarto, disse que, em face do estado de saúde de B, se realizasse uma intervenção cirúrgica, mesmo conseguindo ir deitar-se na cama hospitalar não seria capaz de levantar-se e andar. Do ponto de vista de C, o Hospital só fez limpeza da ferida.
Em 8 de Dezembro de 2016, B foi ao Hospital Kiang Wu por ela próprio, a conselho do médico, teve baixa. Em 9 de Dezembro, foi-lhe efectuada a operação cirúrgica de incisão e drenagem de abcesso, e depois ficou 11 a 12 dias internada.
Como B e os familiares gostavam de submeter-se aos serviços médicos no CHCSJ, com o consentimento do Dr. X, Médico da divisão da estomatologia do CHCSJ, voltou ao CHCSJ. Em Dezembro de 2016, o CHCSJ efectuou a B uma quimioterapia, e depois enviou-a para várias electroterapias no Hospital Kiang Wu.
Do fim de 2016 ao início de 2017, após as referidas quimioterapia e electroterapias, segundo as alegações de C, o Hospital não receitou qualquer medicamento nem fez tratamento, limitou-se a limpar a ferida.
Em Junho de 2017, a pedido de C, a divisão da oncologia do CHCSJ enviou a paciente para electroterapia no Hospital Kiang Wu, porém, após a avaliação, o médico do Hospital Kiang Wu entendeu que não era adequado fazer electroterapia a B. Voltando à divisão da oncologia do CHCSJ, pediu efectuar a terapia direcionada, mas o médico entendeu que não era adequado usar medicado de terapia direcionada. Segundo as alegações de C, o Hospital não receitou qualquer medicamento nem fez tratamento, limitou-se a limpar a ferida.
Em Janeiro de 2018, pediu ao CHCSJ fornecer um programa terapêutico, o CHCSJ enviou B para o Centro Hong Neng do Hospital Kiang Wu, foi cerca de 10 dias internada lá, durante o período não foi realizado qualquer tratamento.
Em Fevereiro de 2018, C pediu ao médico por outra vez usar medicamento de terapia direcionada, respondeu que o CHCSJ não tinha esse medicamento.
Em 28 de Fevereiro de 2018, pediu por carta ao Director do CHCSJ envio para serviços médicos no exterior, em Maio respondeu que tinha as terapêuticas imunitária e de medicamentos. Mas segundo o conhecimento de C, o programa e as terapêuticas descritos na carta não foram efectuados.
Para procurar programa terapêutico adequado, C e a esposa foram ao Hospital Memorial de Sun Yat-Sen de Cantão e ao Hong Kong Sanatorium and Hospital, o médico aconselhou o uso de ar de alta pressão e a seringação imunitária. C comunicou o conselho ao CHCSJ, mas não foi respondido.
Em 7 de Maio de em 30 de Maio de 2018, no encontro com o Director adjunto do CHCSJ, não foi determinado o programa terapêutico.
Em 27 de Junho de 2018, o CHCSJ convidou o Dr. H, médico da divisão da oncologia do Hospital Queen Mary de Hong Kong, para tratar B. Mas C entendeu que o Dr. H já disse à paciente (B) e aos familiares que era impossível curar a doença até sem examinar e contactar directamente com a paciente, deste modo, questionou a credibilidade dele.
Como o CHCSJ não oferecia programa terapêutico e a ferida na face de B tornava-se maior, C e a esposa foram ao Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. O médico aconselhou a opção de terapêutica imunitária, portanto, em 12 de Julho de 2018, em 25 de Julho de 2018, em 9 de Agosto de 2018, em 22 de Agosto de 2018, em 5 de Setembro de 2018 e em 28 de Setembro de 2018, injectou-lhe por 6 vezes medicamentos de terapêutica imunitária.
Em 19 de Julho de 2018, o CHCSJ enviou-a para tomografia computadorizada no Hospital Kiang Wu, em 26 de Julho de 2018 recebeu o relatório.
Em 19 de Setembro de 2018, o CHCSJ enviou-a para tomografia computadorizada no Hospital Kiang Wu, em 26 de Setembro de 2018 recebeu o relatório.
Em 30 de Outubro de 2018, à tarde, o CHCSJ efectuou a B a quimioterapia (medicamento: Gemcitabine), em 6 de Novembro de 2018, ao meio-dia, após a avaliação, o médico da divisão da oncologia do CHCSJ entendeu que não era adequado continuar a efectuar a quimioterapia a B.
Para melhorar a absolvição de nutrientes, em 16 de Novembro de 2018, o CHCSJ realizou a cirurgia gastrotómica no abdómen de B para deixar o líquido nutrício entrar directamente no estômago.
Em 19 de Novembro de 2018, C, o Deputado da Assembleia Legislativa D e os funcionários da secretaria dos Deputados da Assembleia Legislativa I e G encontraram-se com o CHCSJ e apresentaram 3 pedidos. Pediram concordar em enviar B para serviços médicos no exterior, pediram aperfeiçoar o suplemento de nutrientes a B, pediram oferecer programa terapêutico explícito. O Director do CHCSJ F respondeu que, iria estudar diligentemente a opção de envio para serviços médicos no exterior; o nutricionista do CHCSJ tinha sempre acompanhado a situação de suplemento de nutrientes a B, mas iria proceder segundo a exigência de C; após a avaliação, era adequado só escolher o tratamento conservador médico.
Em 30 de Novembro de 2018, registou-se uma hemorragia na ferida de pescoço de B, faleceu às 23H30.
C indicou que, Durante o tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, B foi submetida à electroterapia e à quimioterapia, mas muitas vezes só foi feita a limpeza da ferida, não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa, fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar…”
(vide as fls. 35 a 45 dos autos).
➢ Em 19 de Novembro de 2019, a entidade recorrida realizou uma reunião e deliberou rejeitar o pedido de perícia do caso de B:
“c. Deliberação de admissão ou não do pedido de perícia do caso de B (n.º 024/CPEM/2018)
1. Sr. J: em 28 de Outubro de 2019, o Sr. A apresentou à Comissão o pedido de perícia sobre o CHCSJ não ter adoptado uma atitude positiva no tratamento médico da sua mãe B. Em Outubro de 2016 foi diagnosticado à paciente B um tumor maligno, e depois submeteu-se ao tratamento médico no CHCSJ, até que morreu em 30 de Novembro de 2018,os familiares pediram à Comissão em 3 de Dezembro de 2018 a autópsia da paciente, o Sr. C contactou por várias vezes com a Comissão, o funcionário da Comissão lembrou-lhe respectivamente em 29 de Janeiro, em 11 de Fevereiro e em 28 de Fevereiro a matéria do pedido de perícia do erro médico. No caso, o tratamento médico da paciente no CHCSJ durou longo tempo, portanto, a Comissão solicitou por carta à DSS oferecer as informações das queixas da paciente B, em 13 de Novembro de 2019 a DSS respondeu à Comissão por carta n.º 547/CPEM/19/OF. Da carta pode-se ver que, desde Fevereiro de 2018, os familiares da paciente já apresentaram vários pedidos ou queixas através dos Deputados da Assembleia Legislativa à DSS e ao seu subordinado CHCSJ, bem como à Secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura, entidade fiscalizadora. A DSS e o CHCSJ respondeu-lhes por carta respectivamente em 4 de Maio, em 31 de Julho e em 1 de Agosto de 2018. Agora incumbe aos membros discutir e deliberar se é admitido ou não o pedido de perícia do caso.
2. Membros: conforme as informações recolhidas pela Comissão, da dedução de impugnação pelos familiares sobre a questão de tratamento médico da paciente até à apresentação do pedido de perícia em 28 de Outubro de 2019, passou mais de 1 ano, assim sendo, não está preenchido o art.º 13.º n.º 2 da Lei n.º 5/2016 (Regime jurídico do erro médico), pelo que, é deliberado rejeitar o pedido de perícia do caso.
2. A Comissão deliberou por unanimidade rejeitar o pedido de perícia.
Assunto a deliberar: deliberar se é admitido ou não o pedido de perícia do caso de B.
Conclusão: é deliberado por unanimidade rejeitar o pedido de perícia do caso de B…”
(vide as fls. 73 a 77 dos autos).
➢ Em 20 de Novembro de 2019, a entidade notificou o recorrente da referida decisão por carta n.º 551/OUT/CPEM/19:
“…Assunto: rejeição do pedido de perícia (proc. n.º 024/CPEM/2019)
V. Ex.ª,
Em 28 de Outubro de 2019, a Comissão de Perícia do Erro Médico (adiante designada por “Comissão”) recebeu o vosso pedido de perícia, no qual indicou que, em Outubro de 2016 foi diagnosticado à vossa mãe um tumor maligno no maxilar esquerdo, desde então submeteu-se ao tratamento médico no CHCSJ, até que a paciente morreu em 30 de Novembro de 2018 por “hemorragia na ferida de pescoço”. Alegou que “Durante o tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, B foi submetida à electroterapia e à quimioterapia, mas muitas vezes só foi feita a limpeza da ferida, não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa, fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar”, deste modo, pediu à Comissão fazer perícia técnica da referida matéria.
No caso, o tratamento médico da paciente no CHCSJ contra o tumor maligno no maxilar esquerdo durou longo tempo, a Comissão apreciou se havia circunstância que obste a admissão do pedido, descobriu que, desde Fevereiro de 2018, a V. Ex.ª e os familiares da paciente já apresentaram vários pedidos ou queixas através dos Deputados da Assembleia Legislativa à DSS e ao seu subordinado CHCSJ, bem como à Secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura, entidade fiscalizadora. A DSS e o CHCSJ respondeu-lhes por carta respectivamente em 4 de Maio, em 31 de Julho e em 1 de Agosto de 2018.
O vosso pedido de perícia tem como objecto “Durante o tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, B foi submetida à electroterapia e à quimioterapia, mas muitas vezes só foi feita a limpeza da ferida, não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa, fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar”. Segundo as informações recolhidas pela Comissão, pelo menos desde Fevereiro de 2018, os familiares da paciente já deduziram impugnação sobre a questão de tratamento médico da paciente, pelo que, até à apresentação do pedido em 28 de Outubro de 2019, já passou mais de um ano.
Em 19 de Novembro de 2019, a Comissão deliberou na reunião plena que, o vosso pedido de perícia não está conforme ao art.º 13.º n.º 2 da Lei n.º 5/2016 (Regime jurídico do erro médico), a Comissão não pode admitir o vosso pedido de perícia, pelo que, ao abrigo do art.º 11.º n.º 1 alínea 4) do Regulamento Administrativo n.º 3/2017 (Comissão de Perícia do Erro Médico), a Comissão decide rejeitar o vosso pedido de perícia.
V. Ex.ª pode reclamar da referida deliberação da Comissão dentro de 15 dias contados da recepção da presente notificação, ao abrigo dos art.º 145.º n.º 2 alínea a), art.º 148.º e art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo.
Além disso, V. Ex.ª também pode interpor recurso contencioso contra a referida deliberação perante o Tribunal Administrativo dentro de 30 dias contados da recepção da presente notificação, ao abrigo dos art.º 25.º n.º 2 alínea a) e art.º 26.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Qualquer dúvida, favor contactar com a Sr.ª X ou a Sr.ª X da Comissão (tel. n.º 28xxxxxx).
Com os melhores cumprimentos!
Presidente da CREM
XXX…”
(vide as fls. 78 a 79 dos autos).
➢ Em 27 de Abril de 2020, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso contra a referida decisão a este Tribunal através do mandatário judicial.

  b) Do Direito
  
  A questão a decidir nestes autos consiste em apreciar se quando foi apresentado pelo Autor/Recorrente e agora Recorrido o pedido de perícia para a verificação do erro médico já havia caducado o direito deste a requerer a realização da mesma nos termos do nº 2 do artº 13º da Lei nº 5/2016.
  
  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «Obviamente, está em questão se já passou o prazo quando o recorrente apresentou o pedido de perícia em 28 de Outubro de 2019.
  No tocante a essa questão, a decisão recorrida fundamenta-se em que, desde Fevereiro de 2018, o recorrente já apresentou impugnação por vários meios (deduziu queixas por carta através dos Deputados da Assembleia Legislativa ao Hospital, à DSS e ao Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, etc.) sobre a questão de tratamento médico da sua mãe B no CHCSJ, naquela altura ele já sabia os factos que constituem o objecto de perícia. Só apresentou o pedido de perícia até 28 de Outubro de 2019, já passou o prazo de 1 ano, previsto pelo art.º 13.º n.º 2 da Lei n.º 5/2016 (Regime jurídico do erro médico).
  A impugnação do recorrente sobre a referida decisão fundamenta-se em que, as cartas enviadas por ele e os familiares ao CHCSJ respectivamente em Fevereiro, Abril e Julho de 2018 não têm a declaração de vontade sobre a irregularidade do tratamento médico, só têm como objectivo concretizar o programa terapêutico eficaz através de comunicação com o Hospital. Só começou a investigar a causa da morte da mãe e, por conseguinte, questionou se foram adequados os serviços médicos prestados, depois da mãe ter falecido por agravação da doença em 30 de Novembro de 2018. Deste modo, durante o período do tratamento médico da mãe, foi impossível para o recorrente saber e questionar subjectiva e objectivamente se havia erro médico, por isso, não se pode contar daquela altura o prazo para pedir a perícia do erro médico.
  Vamos analisar de forma seguinte:
  Antes de mais, dispõe o art.º 13.º da Lei n.º 5/2016 (Regime jurídico do erro médico), invocado pela decisão recorrida como fundamento, que:
“Artigo 13.º
Requerimento da perícia
  1. Os prestadores de cuidados de saúde ou os utentes podem requerer à Comissão a realização de perícia para a verificação do erro médico.
  2. O requerimento referido no número anterior é formulado por escrito, no prazo de um ano a contar da data do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico pelo requerente, devendo enunciar os factos que constituem objecto da perícia requerida.
  3. O requerente deve juntar ao pedido cópia do respectivo processo clínico e outros documentos ou informações que se revelem úteis para a realização da perícia, bem como pagar a taxa devida pelo requerimento da perícia.
  4. A Comissão pode solicitar ao requerente a apresentação de documentos, informações e elementos complementares, quando assim o entender necessário.” (sub. nosso)
  As disposições são explícitas: a apresentação do pedido de perícia à CPEM tem como finalidade apurar a existência ou não de erro médico. O requerente deve formular o pedido no prazo de um ano a contar da data do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico, sob pena de indeferimento do pedido por ser interposto fora do prazo, nos termos do art.º 11.º n.º 1 alínea 4) do Regulamento Administrativo n.º 3/2017 (Comissão de Perícia do Erro Médico) (1. O requerimento da perícia técnica é indeferido quando se verifiquem circunstâncias que obstem à apreciação do pedido, designadamente: 4) O pedido haja sido interposto para além do prazo previsto no n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 5/2016; …).
  Quanto à intenção original de fixação do referido prazo de 1 ano para pedir perícia, não deixa de ser manifesta a justificação do Parecer N.º 3/V/2016 da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que invoca a sugestão da Associação dos Advogados: “…não se consagra um prazo para a apresentação do requerimento de perícia por parte do utente ou dos seus representantes – como se prevê, por exemplo, para a obrigação de comunicação de suspeita de erro médico para os prestadores de cuidados de saúde – após o conhecimento ou a suspeição de existência de erro médico.
  A Associação dos Advogados de Macau entende que tal requerimento não deve poder ser apresentado a todo o tempo, uma vez que isso pode vir a dificultar o trabalho da Comissão, para além do desequilíbrio que é estipular um prazo para uma parte e não para a outra. Quanto às situações não previstas nesta proposta de lei, podem encontrar-se as respectivas soluções na Lei civil. No entanto, também este prazo é excessivo, pelo que se sugere que seja estipulado o prazo de um ano após o conhecimento, ou suspeita do lesado, sobre a existência de erro médico.” (vide o n.º 83 do Parecer). Quer dizer, o legislador tem por finalidade criar um mecanismo de prescrição idêntico ao do art.º 491.º do Código Civil, através do art.º 13.º, n.º2 da Lei n.º5/2016, mas com prazo mais curto, no sentido de excluir certos pedidos de perícia que não se pode realizar por ter manifestamente decorrido muito tempo. E tal como foi exigido na supracitada disposição, o prazo de caducidade deve ser contado a partir do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico por parte do requerente, isto quer dizer, pelo menos, a partir desse momento, deve o interessado saber que tem direito a requerer, junto do órgão competente, a realização da perícia técnica do respectivo erro médico, bem como possui a possibilidade de exercer tal direito.
  Como exige a norma referida, o prazo de caducidade deve ser contado a partir do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico pelo requerente, isto é, pelo menos desde esse momento, o interessado deve saber que tem o direito de pedir ao órgão exclusivo fazer perícia do respectivo erro médico, bem como tem a possibilidade de exercer tal direito.
  Quanto à definição do erro médico, a Lei n.º5/2016 dispõe no seu art.º 3.º que: “Para efeitos da presente lei, considera-se erro médico o facto emergente de acto médico praticado, com violação culposa de diplomas legais, instruções, princípios deontológicos, conhecimentos técnicos profissionais ou regras gerais na área da saúde, que cause danos para a saúde física ou psíquica dos utentes, quer seja por acção ou por omissão.” (o sublinhado é o nosso)
  Não é difícil notar que a disposição especial prevista na lei n.º5/2016 quanto ao erro médico é um fundamento directo pelo qual os utentes deduzem o procedimento de responsabilidade civil contra os prestadores de cuidados de saúde, que tem a constituição legal idêntica à responsabilidade civil por violação de direito em geral, além da ilicitude do acto de violação de direito, ambas exigem a produção os danos como consequência, ou seja, o facto de os utentes terem sofrido danos físicos ou morais. Quer dizer, o erro médico é resultante da consequência dos danos, caso fique provado que o interessado já tomou conhecimento da consequência de danos causada por acto médico, através disso podemos razoavelmente presumir que o interessado já tomou conhecimento da existência do erro médico.
  No presente caso, considera a Comissão de Perícia do Erro Médico que face ao assunto que o recorrente exigiu que fosse periciado: “Durante o tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, B foi submetida à electroterapia e à quimioterapia, mas muitas vezes só foi feita a limpeza da ferida, não obstante ter exigido por várias vezes a celebração do plano de tratamento, ainda não há um plano claro sobre o tratamento, nem lhe foi aplicado qualquer medicamento, pelo que considera que o médico X do CHCSJ não tratou B de forma activa, fazendo com que o tumor de 2cm em sua bochecha viesse a aumentar e se deteriorar”, em tempo mais cedo já manifestou a impugnação, pelo que não se deve demorar até 28 de Outubro de 2019 para formular oficialmente o requerimento da perícia.
  Em certa medida, tal alegação é procedente. Na realidade, segundo as cartas e as queixas apresentadas por várias vezes pelo recorrente e seus familiares junto do CHCSJ, tendo os mesmos já questionado de grau diferente a adequação do plano de tratamento dado à sua mãe B pelo hospital. Contudo, se todos os assuntos expostos nas cartas na altura podem constituir independentemente erro médico e são capazes de servir como fundamentos para realização do exame pericial sobre o acidente exigida pelo recorrente?
  Sabemos que B, mãe do recorrente faleceu no dia 30 de Novembro de 2018 devido ao agravamento da doença e só ocorreu neste momento o resultado de dano que constitui o erro médico. E antes disso, não importa qual diagnóstico e tratamento impróprio prestado pelo prestador de serviço médico de que o recorrente se queixou, e em seguida exigiu que a paciente B fosse transferida para ser tratada ao estrangeiro, não é possível exigir-lhe que recorresse antecipadamente aos meios de assistência, face ao erro médico que ainda não ocorreu – incluindo a realização de imediato da perícia do erro médico e a exigência da indemnização civil contra o eventual responsável, mesmo que o recorrente já tenha previsto a ocorrência do respectivo erro.
  Igualmente, quanto à determinação do tempo de ocorrência do erro médico, tendo a entidade recorrida considerado na contestação que o agravamento do tumor da mãe do recorrente B, na bochecha do lado esquerdo, representou a ocorrência do erro médico, momento em que o recorrente também sabia bem que iria ocorrer o erro médico, enquanto o facto de morte de B é um resultado necessário do referido erro médico, pelo que o qual não causa o adiamento do tempo de início para o requerimento de relatório pericial feito pelo recorrente.
  Não concordamos com o ponto de vista.
  Em primeiro lugar, uma vez que não existe um momento exacto sobre o “agravamento de doença”, o “agravamento de doença” não é um facto exigido no regime jurídico do erro médico que deve qualquer utente dar importância, antes de se preparar a exigir a responsabilidade pelo erro médico. Não podemos alegar que o utente não recorreu atempadamente aos meios de assistência devido ao agravamento da doença e tinha uma atitude negligente no exercício do direito e que tudo isso levou a que a prescrição já estivesse completa.
  Por outro lado, o processo do serviço médico tem sua complexidade inerente, ou seja, no processo de consulta e antes de ocorrer o dano definitivo, podem as condições do paciente ser alteradas muitas vezes devido a intervenções médicas diferentes. Se for revisado e analisado posteriormente todo o processo de prestação de serviço médico, claramente podemos retirar a seguinte conclusão: A condição do paciente deteriorou-se irreversivelmente em certo momento devido a certo acto médico. Contudo, antes de ocorrer o caso, certamente o paciente não tem condições objectivas para saber todas as situações causadores da alteração da condição da sua doença até afirmar se há erro médico que prejudicou a sua saúde física ou mental, pelo que não se pode exigir-lhe que tome medidas oportunas com base nisso.
  Além do mais, quanto ao outro fundamento indicado pela entidade recorrida e pelo Ministério Público, o facto de o pai do recorrente ter apresentado queixa junto da Comissão de Perícia do Erro Médico em 17 de Abril de 2018, o Tribunal considera que o facto não tem importância, uma vez que tal facto só mostra a urgência dos familiares do recorrente em procurar ajuda, a fim de promover o envio da paciente B ao estrangeiro para tratamento médico, mas não dá para esclarecer se o recorrente já soube a eventual existência do erro médico, bem como se já tinha plano para tomar a respectiva medida de assistência. Mesmo que a Comissão de Perícia do Erro Médico lhe tenha comunicado posteriormente a possibilidade de requerer o relatório pericial, isso só é uma resposta ordinária dada pela Comissão como órgão de competência, isso também não mostra a cognição de pessoas se existe ou não o erro médico.
  Por fim, certamente não é precisa a exposição feita pelo recorrente em 28 de Outubro de 2019 sobre o pedido de relatório pericial, uma vez que não deu uma definição clara sobre o erro médico por si reconhecido, e ao mesmo tempo, também não indicou o facto que constitua o obejcto de peritagem, mas isso não obsta a que a Comissão interpretou flexivelmente o pedido do recorrente e o acompanhou, após ter-lhe solicitado a sanação do defeito existente no seu pedido escrito. Contudo, de qualquer maneira, consideramos que isto também não é capaz de servir de fundamento para rejeitar directamente o pedido do recorrente.
  Assim sendo, em conjugação com os fundamentos acima expostos, o Tribunal considera que é admissível o argumento invocado pelo recorrente. Isto quer dizer, pelo menos, o prazo legal de um ano para o pedido de relatório pericial só pode ser calculado a partir da data de morte infeliz de B, mãe do recorrente, em 30 de Novembro de 2018. Tendo a entidade recorrida erradamente interpretado o art.º 13.º, n.º 2 da Lei n.º5/2016 (Regime Jurídico do Erro Médico), o que fez com que deve ser anulado o acto por si praticado.».
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «2.
  A única questão que aqui importa decidir é a de saber se o requerimento apresentado pelo Recorrente contencioso perante a Entidade Recorrida o foi dentro do prazo legalmente fixado.
  Parece-nos, salvo o devido respeito, que a douta decisão recorrida não é passível de censura.
  Em linhas breves procuraremos demonstrar porquê.
  De acordo com o n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 5/2016, os prestadores de cuidados de saúde ou os utentes podem requerer à Comissão a realização de perícia para a verificação do erro médico, preceituando o n.º 2 do mesmo artigo que «o requerimento referido no número anterior é formulado por escrito, no prazo de um ano a contar da data do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico pelo requerente, devendo enunciar os factos que constituem objecto da perícia requerida».
  Por sua vez, do artigo 11.º, n.º 1, alínea 4) do Regulamento Administrativo n.º 3/2017 decorre que o requerimento de perícia técnica é indeferido quando haja sido interposto para além daquele prazo.
  No caso em apreço, o ponto controvertido prende-se com a determinação do momento inicial da contagem do dito prazo de um ano, uma vez que a lei remete para o conhecimento por parte do requerente da eventual ocorrência de erro médico.
  O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, na douta sentença recorrida, considerou que o prazo só pode ser contado a partir da morte da mãe do Recorrente contencioso, a qual ocorreu em 30 de Novembro de 2018. Bem, em nosso modesto entender.
  Nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 5/2016, «considera-se erro médico o facto emergente de acto médico praticado, com violação culposa de diplomas legais, instruções, princípios deontológicos, conhecimentos técnicos profissionais ou regras gerais na área da saúde, que cause danos para a saúde física ou psíquica dos utentes, quer seja por acção ou por omissão».
  Como bem se compreende, o erro médico pode ser resultante de um único acto médico ou, ao invés, pode ocorrer numa multiplicidade de actos que se vão praticando ao longo do tempo, através de uma actividade médica continuada, mais ou menos prolongada e relativamente à qual, em momentos diversos, pode ocorrer a violação culposa em que o dito erro se consubstancia.
  Nestas últimas situações de tratamento médico prolongado, não nos parece que o utente dos cuidados de saúde esteja sempre obrigado a requerer a perícia técnica a partir do momento em que tem conhecimento da existência do eventual primeiro erro médico. É de admitir, ao invés, que o utente ou quem o represente aguarde pelo final do tratamento para, em função do respectivo resultado, avaliar se é ou não de requerer uma perícia de erro médico, tendo em vista, nomeadamente, a subsequente efectivação da responsabilidade civil dele resultante, nomeadamente através da instauração da respectiva acção judicial.
  A este último propósito, convém não perder de vista, na verdade, que a perícia técnica tem, essencialmente, uma função probatória, revestindo, por isso, uma natureza acessória, pelo que os termos em que se procede à contagem do prazo dentro do qual a mesma deve ser requerida não deve deixar de reflectir tal função e essa natureza.
  No caso em apreço, a morte da mãe do Recorrente contencioso que ocorreu na sequência de um tratamento oncológico prolongado, não pode, em princípio, deixar de representar um momento em que o mesmo teve conhecimento de existência de um eventual erro médico por parte do prestador de cuidados de saúde, pois que esse infeliz resultado representa o objectivo fracasso do dito tratamento.
  Deste modo, nada obsta a que o prazo para apresentar o requerimento de perícia técnica se conte apenas a partir daquele momento, tanto mais que, com toda a probabilidade, foi a morte da sua mãe que motivou o Recorrente a requerer aquela perícia, tendo em vista, precisamente, uma eventual efectivação da responsabilidade civil.
  3.
  Pelo exposto, é nosso parecer o de que, salvo melhor opinião, deverá ser negado provimento ao presente recurso.».
  
  Sobre o conceito de acto médico, pela sua clareza, em sede de jurisprudência comparada, mostra-se ainda adequado transcrever parte do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.12.2015 proferido no Procº nº 1490/09.1TAPTM.L1-3, onde se diz:
  «I - O ato médico é constituído pela atividade médica de diagnóstico, prognóstico e prescrição, e execução de medidas terapêuticas, relativa à saúde das pessoas, grupos ou comunidades, em conformidade com a Ética e a Deontologia Médicas.
  II - O pós-operatório é fundamental para se definir a eventual responsabilidade do médico por eventos danosos. Não se podendo olvidar que o período posterior à cirurgia, onde o paciente está fragilizado, é fundamental para a sua recuperação.
  III - Nos tempos que correm o ato médico, deixou de ser indivisível, e passa a ser composto por uma série de intervenções complementares efetuadas por pessoal médico capaz de analisar e avaliar uma série de dados cada vez mais precisos sobre o paciente, e a atividade médica é desenvolvida, na sua maioria, no âmbito de uma equipa de saúde.
  IV - O médico enquanto profissional de saúde no exercício da sua atividade labuta com os bens jurídicos mais relevantes do nosso ordenamento jurídico, sendo eles, a vida e a integridade física do paciente.
  V - O conceito de leges artis pode ser delineado como sendo um conjunto de regras científicas e técnicas e princípios profissionais que o médico tem a obrigação de conhecer e utilizar tendo em conta o estado da ciência e o estado concreto do doente. Trata-se de um critério valorativo de um ato clínico praticado por um médico.
  VI - Estes princípios profissionais e complexo de regras, adotados genericamente pela ciência médica, num determinado momento histórico, para casos semelhantes, ajustáveis à concreta situação individual, resultam de normas de orientação clínica, do Código Deontológico, de pareceres de comissões de ética, de protocolos, guidelines, livros e revistas especializadas.
  VII - Estando preenchidos todos estes requisitos aquando da intervenção do médico, ela não pode ser considerada um crime contra a integridade física ou contra a vida do doente, uma vez que o médico atuou de acordo com os conhecimentos técnicos e científicos, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para tentar minorar a dor ou salvar o doente, indicando o tratamento considerado idóneo para a situação, ainda que, contudo, não obtenha sucesso.
  VIII - O erro é uma das causas mais relevantes de lesão física na atividade médica. O erro resulta na sua imensa maioria, não de um ato isolado, mas de uma sucessão de incidentes, tornando-se essencial saber quem errou, onde errou, como errou e qual o resultado que esse erro produziu na vida do doente.
  IX - O erro de conhecimento ocorre quando o médico se apercebe de que surgiu um problema e que os métodos existentes para o solucionar não se afiguram capazes de uma resposta imediata. Urge então, encontrar uma nova solução, um novo método, capaz de dar uma resposta em tempo útil ao problema detetado, o que não sucede de forma satisfatória.
  X - O médico atua com o cuidado que é esperado quando se conforma com o critério médio e padronizado de cuidado, mas a sua falta de conhecimentos ou capacidades pode permitir excluir a culpa, uma vez que somente se lhe pode exigir aquilo que de acordo com os seus conhecimentos pode realizar, tendo em conta as circunstâncias.
  XI - Se o médico possui capacidades ou conhecimentos especiais superiores à média, terá de atuar com um cuidado acrescido, tendo em conta os conhecimentos que devia usar e não o fez. Quando não faz uso das faculdades que possui, integrará o tipo de ilícito negligente.
  XII - Não basta a observância de um cuidado médio abstrato, dependendo a negação ou afirmação do ilícito negligente de um juízo de “exigibilidade social”, tendo em consideração as capacidades do agente para impedir o resultado.
  XIII - Apresenta-se como erro relevante aquele que constitui uma conduta violadora das leges artis.
  XIV - Para o Direito Penal releva apenas a punição do “erro médico” que seja uma violação de leges artis específicas ou de um dever de cuidado de conteúdo relativamente definido, aferidos, nomeadamente, por protocolos de diagnóstico e ou de terapêutica e ou de execução ou procedimentos médicos. Se todos os deveres e regras forem respeitados, então o resultado – risco – é permitido e por isso a conduta não é penalmente censurável.
  XV - É necessário determinar qual o cuidado específico que os agentes médicos não cumpriram, que podiam ter cumprido e eram adequados a evitar o resultado.
  XVI - Os deveres do cirurgião não se circunscrevem ao puro ato cirúrgico. Após a intervenção, o cirurgião tem o dever de prevenir e controlar os perigos e os danos que possam advir como consequência da intervenção.
  XVII - Pode ainda verificar-se um erro na fase pós-operatória nas situações em que, não cumprindo o seu dever de continuar a controlar o estado do paciente após a intervenção cirúrgica, o cirurgião abandona o paciente nas mãos de profissionais sem competência para fazer face a qualquer complicação que possa eventualmente surgir.
  XVIII - O médico, em princípio, assume uma obrigação de atividade, diligência e prudência, conforme o estado atual da ciência médica, sendo, por conseguinte, devedor de uma obrigação de meios, porquanto na sua atividade se encontra sempre presente um elemento aleatório, no sentido de que o resultado procurado não depende exclusivamente do seu proceder, mas também de outros fatores, endógenos e exógenos, alheios à sua atuação e que escapam ao seu controlo.
  XIX - Os médicos atuam sobre pessoas, com ou sem alterações na saúde, e a intervenção médica está sujeita, como todas, à componente aleatória própria da mesma.
  XX - O médico não garante, portanto, a cura do doente, mas sim o emprego das técnicas adequadas conforme o estado atual da ciência médica e as circunstâncias concorrentes em cada caso (das pessoas, do tempo e do lugar).
  XXI - O compromisso sanador do médico continua a traduzir-se, numa obrigação de meios, não gerando direitos absolutos à saúde ou à regeneração corporal por meio de uma cirurgia.
  XXII - Por mais perfeita que seja a assistência médica que se tenha prestado a um paciente, há uma multiplicidade de causas que podem determinar que uma intervenção cirúrgica fracasse, entre outras razões porque se está a atuar sobre um corpo vivo, cuja complexidade, e também fragilidade, é patente.
  XXIII - O médico assume uma obrigação de meios, e como tal compromete-se não só a usar as técnicas previstas para a patologia em questão, com recurso à ciência médica adequada a uma boa praxis, mas também a aplicar tais técnicas com o cuidado e precisão exigível de acordo com as circunstâncias e os riscos inerentes a cada intervenção.
  XXIV - Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar.».
  Como resulta do acórdão citado o acto médico é um ato complexo que não se esgota num único acto ou procedimento.
  
  Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante da Douta Decisão recorrida e do Douto Parecer do Ministério Público, ambos supra reproduzidos, aos quais integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução adoptada na decisão recorrida a cuja fundamentação aderimos, entendemos que esta – a decisão recorrida - não enferma de erro de julgamento, tendo feito correcta aplicação do direito, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 15 de Outubro de 2021
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  *
  Mai Man Ieng


374/2021 ADM 41