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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 17 de Julho de 2008, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo 2.º arguido A, da decisão do Tribunal Colectivo do Tribunal Criminal que o condenou na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e na multa de MOP$15 000,00, ou em alternativa em 100 (cem) dias de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
A única modificação feita pelo TSI foi a seguinte:
- Considerou que o crime praticado foi o previsto e punível pelos arts. 8.º, n.º 1 e 10.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º 5/91/M (tráfico agravado de estupefacientes), mas não agravou a pena por força do princípio da proibição da reformatio in pejus, já que só o arguido recorreu e não o Ministério Público;
- Fixou a pena de prisão alternativa, no caso de não pagamento da multa, em 10 (dez) dias de prisão.
Novamente inconformado, recorre o arguido A para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- Imputa o recorrente ao Acórdão explicitado pelo Tribunal de Segunda Instância o vício de erro de julgamento por violação do princípio in dubio pro reo e o vício de erro notório na apreciação da prova constante da alínea c) do n.° 2 do art. 400.° do Código de Processo Penal.
- Imputa-lhe ainda o vício da nulidade por falta de fundamentação e erro de direito quanto à dosimetria da pena,
- Existe disparidade nos testemunhos levados em conta pelo tribunal para formar a sua convicção.
- Verifica-se erro notório na apreciação da prova que deverá determinar a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento para que o vício seja sanado.
- O enunciar de meros princípios de meros conceitos genéricos continua a não constituir fundamentação suficiente para se colocar um jovem de 18 anos em prisão efectiva por mais de 8 anos, quando estava ao alcance do tribunal lançar mão da atenuação especial da pena nos termos do art. 66.°, n.° 2, alínea f) do Código Penal porque à data dos factos o recorrente tinha apenas 17 anos.
- A ausência de qualquer argumento de facto e de direito torna impossível descortinar os fundamentos em que se baseou a escolha e medida da pena aplicada in casu.
Na resposta à motivação destes recursos o Ex.mo Procurador-Adjunto considera que o recorrente apenas discorda do julgamento da matéria de facto pelo tribunal colectivo e que foi cumprido o disposto no art. 356.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, quanto à fundamentação da escolha e medida da pena. Quanto à atenuação especial, não deve a questão ser conhecida porque não suscitada no recurso para o TSI.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida.

II – Os factos
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
Em 4 de Julho de 2007, às 7h00 de manhã, o 1.º arguido B foi ao encontro com a testemunha C em Zhuhai conforme combinado a fim de divertir-se. Durante a ocasião, eles encontraram o 2.° arguido A numa fracção autónoma em Zhuhai. Para ganhar benefício pecuniário, os dois arguidos decidiram comprar “K Fan” (ketamina) em Zhuhai com capital misto para depois vendê-los em Macau.
Para atingir o objectivo, os dois arguidos fizeram divisão de tarefa: o 1.º arguido B ficou encarregado de trazer os “K Fan” comprados em Zhuhai para Macau, ao passo que o 2.° arguido A encarregava-se por vendê-los aos indivíduos nos clubes nocturnos de Macau. O dinheiro a ganhar com a actividade vai ser dividido em partes iguais entre os dois arguidos.
Ao mesmo dia, pelas 10h00 de manhã, os arguidos B e A compraram, na dita fracção autónoma, 14 gramas de “K Fan” a um indivíduo chamado “D”, com o preço de RMB ¥900.00. Como o 2.º arguido A não tinha consigo dinheiro suficiente, o preço que cabia a ele foi adiantado pelo 1.° arguido B. E, além disso, o 2.º arguido A ainda ordenou que B colocasse os respectivos “K Fan” dentro das cuecas deste.
Posteriormente, os dois arguidos B e A dirigiram-se ao Centro de Massagem de Gong Bei para fazer massagem. Durante a ocasião, o 2.° arguido fez várias chamadas aos seus amigos de Macau para vender os “K Fan”, e negociaram com eles sobre o preço.
Ao mesmo dia, às 13h50, os dois arguidos B e A foram interceptados pelos agentes da PJ no Átrio de Chegadas das Portas do Cerco, e foram encontrados nas cuecas do 1.º arguido B 13 pacotes de pó branco.
Depois duma análise química, verificou-se que os referidos 13 pacotes de pó branco tem o peso líquido de 11,999 gramas, e que contém componente de “ketamina”, constrangido pela tabela II-C do DL n.° 5/91/M. Após uma análise quantitativa, verificou-se que a “ketamina” tem uma percentagem de 91.79%, e 11,035 gramas de peso.
Depois, os agentes da PJ apreenderam ao 1.º arguido B um telemóvel de marca “Sony Ericsson”; e ao 2.° arguido A um telemóvel de marca “Nokia”.
Os referidos telemóveis são instrumentos de comunicação que os dois utilizaram para contactar e para fazer negócio.
Os arguidos bem sabia das características e da natureza dos referidos estupefacientes.
Eles transportaram e detiveram os referidos estupefacientes para os proporcionar a terceiros, com o objectivo de obter remuneração pecuniária.
Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.
Os arguidos bem sabia que as condutas são proibidas e punidas por lei.
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Mais se provou:
Segundo o CRC, ambos os dois arguidos são delinquentes primários.
O 1.º arguido declarou ter-se dedicado aos trabalhos de cozinha antes de ser preso, auferindo cerca de MOP $6.000-7.000 mensais. Os pais dele divorciaram-se em 2002, e o arguido ficou a viver com a sua mãe e o seu padrasto. Possui o 2.° ano de ensino secundário geral como a sua habilitação literária.
O 2.º arguido trabalhava no bar de um Karaoke, auferindo cerca de MOP $6,500 mensais. O 2.° arguido morava junto com os seus familiares, e não tinha que suportar os encargos da família. Possui o 1.° ano de ensino secundário complementar como a sua habilitação literária.


III - O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o Acórdão recorrido violou a lei ao não ter considerado ter havido erro notório da apreciação da prova pelo Tribunal de 1.ª Instância e violação do princípio in dubio pro reo, bem como não ter entendido que a sentença de 1.ª Instância seria nula por falta de fundamentação.
No que respeita à pretendida atenuação especial da pena, como questão nova – não suscitada no recurso para o TSI – não será conhecida, dado não ser de conhecimento oficioso do Tribunal.

2. Erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo
Temos referido que existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores (Acórdão de 25 de Junho de 2008, no Processo n.º 22/2008, entre muitos).
Nada disso alega o recorrente, no caso dos autos, limitando-se a manifestar discordância sobre a valoração que o Tribunal Colectivo fez dos vários depoimentos dos intervenientes processuais.
Também no que respeita à violação do princípio in dubio pro reo não se vislumbra nada para que aponte nesse sentido.

3. Falta de fundamentação
A sentença de 1.ª Instância contém os requisitos previstos no art. 355.º do Código de Processo Penal, designadamente, fundamentação de facto e de direito e exposição das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Também se explicam os fundamentos para a escolha da medida da pena, designadamente porque se não atenuava especialmente a pena.
Não se verifica a nulidade arguida.

IV – Decisão
  Face ao expendido, por manifesta improcedência, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 3 UC pela rejeição do recurso.

Macau, 26 de Novembro de 2008.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin





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Processo n.º 46/2008