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Processo n.º 51/2008
(Recurso Penal)

Data: 3/Dezembro/2008

Recorrentes: Ministério Público (檢察院)
        A (甲)
        B (乙)
        C (丙)
D (丁)

Recorridos: Os mesmos (同上)
E (戊)
F (己)
    
Objecto do Recurso: Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no processo n.º 450/2008
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial de Base, em processo crime, responderam os seguintes arguidos:
(1.ª) G (庚)
(2.°) A (甲)
(3.ª) B (乙)
(4.°) C (丙)
(5.°) H (辛)
(6.°) E (戊)
(7.°) D (丁), todos, devidamente identificados nos autos.

2. Realizado o julgamento, decidiu o Tribunal Colectivo:

2.1. (a) - Absolver a (1ª.) arguida G da prática de 6 (seis) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 10°, n.º 1, al. a) da Lei 6/97/M;
- Condenar a mesma arguida, como co-autora, na forma consumada e em concurso real de 8 (oito) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 e 3 de Lei 2/2006, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada;
- Condenar a mesma arguida, como autora e na forma consumada de 1 (um) crime de “riqueza injustificada”, p. e p. pelo artigo 28°, n.º 1, da Lei 11/2003, na pena de 2 (dois) anos de prisão e 240 (duzentas e quarenta) dias de multa, à quantia diária de MOP$l.000,00 (mil patacas), perfazendo o valor total de MOP$240.000,00 (duzentas e quarenta mil patacas) ou, em alternativa, 6 (seis) meses de prisão subsidiária; e,
- Condenar a mesma arguida pela prática de 1 (um) crime de “não colaboração de cônjuge na declaração de rendimentos e interesses patrimoniais”, p. e p. pelo artigo 30°, no. 3 da Lei 11/2003, na pena de 1 (um) ano de prisão e 120 (cento e vinte) dias de multa à quantia diária de MOP$l.000,00 (mil patacas), perfazendo o valor total de MOP$120.000,00 (cento e vinte mil patacas) ou, em alternativa 3 (três) meses de prisão subsidiária;
- Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão e 360 (trezentos e sessenta) dias de multa à quantia diária de MOP$l.000,00 (mil patacas), perfazendo o valor total de MOP$360.000,00 (trezentas e sessenta mil patacas), ou em alternativa, 9 (nove) meses de prisão subsidiária;
(b) - Absolver o (2.°) arguido A da prática de 6 (seis) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 10°, n.º1, al. a) da Lei 6/97/M; e,
- Condenar o mesmo arguido, como co-autor, na forma consumada e em concurso real de 8 (oito) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 e 3 da Lei 2/2006, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada;
- Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão;
(c) - Absolver a (3.ª) arguida B da prática de 1 (um) crime de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 10°, n.º1, al. a) da Lei 6/97/M; e,
- Condenar a mesma arguida, como co-autora, na forma consumada e em concurso real de 5 (cinco) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 e 3 da Lei 2/2006, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada;
- Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 13 (treze) anos de prisão;
(d) - Absolver o (4.°) arguido C da prática de 5 (cinco) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 10°, n.º 1, al. a) da Lei 6/97/M); e,
- Condenar o mesmo arguido, como co-autor, na forma consumada e em concurso real de 3 (três) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 e 3 da Lei 2/2006, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada;
- Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
(e) - Absolver o (5.°) arguido H da prática de 10 (dez) crimes de “branqueamento de capitais” p. e p. pelo artigo 10°, n.º1, al. a) da Lei 6/97/M;
- Condenar o mesmo arguido, como co-autor, na forma consumada e em concurso real de 8 (oito) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 e 3 da Lei 2/2006, na pena de 5 (cinco) anos de prisão cada;
- Condenar o mesmo arguido, como autor, na forma consumada e em concurso real de 8 (oito) crimes de “corrupção activa para acto ilícito”, p. e p. pelo artigo 339°, n.º 1, do C.P.M., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão cada; e,
- Condenar o mesmo arguido, como autor, na forma consumada e em concurso real de 10 (dez) crimes de “corrupção activa para acto lícito”, p. e p. pelo artigos 339°, n.º 2, do C.P.M., na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, e em MOP$50.000.000,00 (cinquenta milhões de patacas) de indemnização à Região Administrativa Especial de Macau;
(f) - Absolver o (6.°) arguido E da prática de 3 (três) crimes de “branqueamento de capitais” p. e p. pelo artigo 10°, n.º 1, al. a) da Lei 6/97/M;
- Condenar o mesmo arguido, como co-autor e na forma consumada de 1 (um) crime de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n° 2 e 3 da Lei 2/2006, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Condenar o mesmo arguido, como autor e na forma consumada de 1 (um) crime de “corrupção activa para acto ilícito”, p. e p. pelo artigo 339°, n.° 1, do C.P.M. na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; e,
- Condenar o mesmo arguido, como autor, na forma consumada e em concurso real de 3 (três) crimes de “corrupção activa para acto lícito”, p. e p. pelo artigo 339°, n.º 2, do C.P.M. na pena de 5 (cinco) meses de prisão cada;
- Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão e em MOP$20.000.000,00 (vinte milhões de patacas) de indemnização à Região Administrativa Especial de Macau;
(g) - Condenar o (7.°) arguido D, como co-autor, na forma consumada e em concurso real de 2 (dois) crimes de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 e 3 da Lei 2/2006, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão cada; e,
- Condenar o mesmo arguido, como autor, na forma consumada e em concurso real de 3 (três) crimes de “corrupção activa para acto ilícito”, p. e p. pelo artigo 339°, n.º 1, do C.P.M., na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão cada;
- Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 10 (dez) anos de prisão e em MOP$30.000.000,00 (trinta milhões de patacas) de indemnização à Região Administrativa Especial de Macau;

2.2. No mesmo acórdão, decidiu também o Tribunal Colectivo declarar perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau os bens seguintes:
- Os bens existentes nas contas bancárias das (3) Sociedades “I”, “J” e “K”, transferidos para Inglaterra e aí movimentados pela lª arguida.
- Os objectos e dinheiro apreendidos à 1ª arguida, designadamente os não referidos na última declaração de rendimentos, de valor superior ao índice 500 da tabela indiciária da função pública.
- Os montantes em dinheiro das contas bancárias em Hong Kong e Inglaterra dos 2°, 3ª e 4° arguidos.
- A importância de MOP$46.431.000,00 (5% de MOP$ 928.620.000,00), que o 7° arguido prometeu pagar a L em relação à renovação do contrato com a M, e a remuneração destinada à corrupção no valor de HKD $6.256.581,00 referente aos factos provados e referenciados com o n.° 161.

2.3. Inconformados com o assim decidido, recorreram os arguidos E, D, A, B e C; (cfr. fls. 12043 a 12076, 12086 a 12187; e 12189 a 12249).
   Da decisão proferida em 1ª Instância recorreu também a “F”; (cfr. fls. 12077 a 12085).
Ao Tribunal de Segunda Instância subiu um outro recurso interlocutório antes interposto pelo arguido H; (cfr. fls. 10857 a 10885).

3.1. O Tribunal de Segunda Instância (TSI) veio a decidir da seguinte forma:

   “- não conhecer do recurso interlocutório interposto por H;

- julgar procedente o recurso interposto pela “F”;

- julgar procedente o recurso interposto por N;

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto por E, (ficando o mesmo condenado numa pena única de 5 anos e 3 meses de prisão);

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto por D, (ficando o mesmo condenado numa pena única de 6 anos de prisão); e,

- julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos por A, B e C, ficando os mesmos condenados na pena de 5 anos, 4 anos e 6 meses e 4 anos de prisão, respectivamente.”

    3.2. No que à medida da pena concerne o TSI, mantendo as condenações pelos tipos de crime por que os arguidos haviam sido condenados, entendeu no entanto que estavam presentes todos os elementos legais previstos no art. 29°, n° 2 do Código Penal e configurou a conduta dos ora recorrentes como a prática desses crimes na “forma continuada”, pelo que, nessa parte, procedeu à revogação do acórdão então recorrido.

     3.3. Importa ainda observar que esse acórdão do TSI revogou o decidido na 1ª Instância, no respeitante aos arguidos E e D no segmento decisório que os condenou no pagamento das mencionadas indemnizações de MOP$20.000.000,00 e MOP$30.000.000,00, respectivamente.

    
    4. É do acórdão proferido no TSI que vêm interpostos recursos por parte do Ministério Público, A, B, C e D.
    
    Considerar-se-ão apenas, como é óbvio, os recursos nos seus segmentos preliminarmente admitidos.
    
    5.1. Recurso do Ministério Publico.
    Formulou a Exma Senhora Procuradora Adjunta a seguinte síntese conclusiva:
    Com o presente recurso, pretende-se impugnar o douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância na parte respeitante à absolvição do arguido D de um crime de branqueamento de capitais, à qualificação da conduta dos arguidos A, B e C como a prática de um crime continuado de branqueamento de capitais e à revogação do arbitramento oficioso de indemnização fixada aos arguidos E e D.
    Salvo o devido respeito, entendemos que a decisão recorrida incorreu, na parte ora impugnada, no erro de direito por violação de lei, nomeadamente o disposto no art.º 10º n.º 1, al. a) da Lei n.º 6/97/M, no art.º 3º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 2/2006, no art.º 29º n.º 2 do CPM e no art.º 74º n.º 1 do CPPM.
    Face ao conjunto dos factos dados como provados nos autos, nomeadamente nos pontos 62, 63, 152 a 154, 156, 157, 159 a 161 e 208, afigura-se-nos que se deve condenar o arguido D pela prática de dois, e não só um, crimes de branqueamento de capitais.
    Não se deve olvidar que o contrato em causa foi adjudicado à M, sendo a O sócio majoritário da M; e esta companhia depositou uma quantia muito elevada na conta bancária de P, sendo que a grande parte dela se destina a pagar a L a título de retribuição.
    E também não se pode perder de vista que o arguido D teve conhecimento de tudo isto e foi ele quem combinou com L e estava disposto a efectuar o pagamento àquele.
    Salvo o devido respeito, não nos parece que estão verificados todos os requisitos do crime continuado, sobretudo a persistência de uma solicitação exterior que facilite a execução e em consequência diminua consideravelmente a culpa do agente, tal como é exigido no n..º 2 do art.º 29º do CPM.
    A jurisprudência entende uniformemente que o fundamento do crime continuado radica na considerável diminuição da culpa do agente, determinada por uma actuação no quadro de uma mesma solicitação exterior.
    Não foram carreados aos autos elementos que apontassem para a existência de uma situação exterior facilitadora da execução dos crimes que demonstre uma considerável diminuição da culpa dos arguidos A, B e C, elementos estes que são essenciais e necessários para o preenchimento da figura do crime continuado.
    Nem a relação familiar com L nem a solicitação deste para a prática dos factos nem ainda a influência pelo estatuto político e público que L detinha constituem, a nosso ver, a exigida situação exterior que possa assumir a relevância de fazer diminuir consideravelmente a culpa dos arguidos.
    As condutas dos arguidos A, B e C não devem ser integradas na figura do crime continuado, sob pena de violar o disposto no n.º 2 do art.º 29º do CPM.
    Tal como foi referido no douto Acórdão, os prejuízos, ou danos, podem ser de ordem patrimonial e moral.
    Há que reconhecer a dificuldade, até inviabilidade, da quantificação matemática dos danos morais, não só pela sua natureza, mas também pela complexidade do caso ora em apreciação.
    E há de ter presente que a conduta dos arguidos causou, certamente, grande prejuízo aos bens jurídicos que o legislador pretende proteger com a punição dos crimes em causa, que são a dignidade e prestígio do Estado (no caso do crime de corrupção) e os interesses na pureza da circulação dos bens e na administração da justiça (no caso do crime de branqueamento de capitais).
    Na verdade, ponderando a tão elevada quantia envolvida no caso concreto, o impacto social causado pela conduta dos arguidos, que agiu em co-autoria com o L, e os prejuízos sofridos pela Região Administrativa Especial de Macau em termos da sua dignidade e prestígio e dos interesses na administração da justiça, entendemos que se impõe fixar, mesmo oficiosamente, uma indemnização, a pagar pelos arguidos, pelo menos para reparação dos danos morais causados.
    No julgamento foram suficientemente demonstrados os danos causados pelos arguidos à RAEM.
    E o montante de tal indemnização será determinado em critérios de equidade, onde intervêm regras de experiência, tal como foi referido no douto Acórdão ora recorrido.
    Com a revogação do arbitramento oficioso de indemnização, foi violado o disposto no artº 74º n.º 1 do CPPM.
    Nestes termos propugna pela revogação do acórdão em apreço na parte ora impugnada, com a consequente determinação da pena concreta e fixação de indemnização que se entenda adequada e necessária.
    
    5.2. A este recurso do MP respondem A, B e C, concluindo as suas alegações:
     Como questão prévia:
     O acórdão de 30 de Outubro de 2008 corporiza uma decisão irrecorrível.
     Os recorridos foram condenados, em 1ª Instância, como se disse, pelo crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 3° n.ºs 2 e 3, da Lei n° 2/2006, de 3 de Abril, cuja moldura penal é de 2 a 8 anos de prisão.
     A prática de tal crime e de tal norma incriminadora foram confirmadas pelo acórdão do T.S.I. de que ora o M. P. recorre.
     O adjectivo “aplicável” daquela norma de processo penal, conjugado com a expressão "... mesmo em caso de concurso de infracções" tem uma única interpretação: são irrecorríveis as decisões quando a moldura penal do crime em apreço não exceda 8 anos.
     O acórdão de 1ª Instância, datado de 4/6/2008 - que expressamente tomou posição sobre a lei que cominava o comportamento imputado aos recorridos (como aquela concretamente mais favorável ao agente, nos termos do n.° 4 do art. 2º do C. P.) - há muito que transitou sobre esta questão.
     O Dign.º Agente do M. P. e os então recorrentes (ora recorridos) conformaram-se com aquela decisão proferida quanto à lei mais favorável aplicável à conduta dos arguidos.
     Arrumada ficou, pois, a questão quanto à aplicabilidade aos presentes autos da Lei n° 2/2006, não se afigurando aos recorridos que tal questão tenha sido novamente aflorada no acórdão recorrido e, como tal, possa vir a ser ora novamente discutida.
     E tal argumento é tanto mais válido quanto se verifica que a pena concretamente aplicada a cada um dos arguidos ora recorridos, não tendo havido lugar a atenuação especial, é inferior a 5 anos de prisão, quanto a C (丙)e B (乙) e situa-se exactamente nos 5 anos de prisão, quanto a A (甲), o que significa que a moldura penal "aplicável" ao crime por que foram condenados é aquela prevista na Lei n° 2/2006.
     Por outro lado,
     Quando a lei fala em regime mais favorável - o citado n.° 4 do art. 2º do C. P. - impõe-se a aplicação em bloco desse regime mais favorável.
     Feito o cotejo entre os regimes da Lei n° 6/97/M e da Lei n° 2/2006, como, aliás, se fez em 1ª Instância, resultou a aplicação ao caso subjudice deste último.
     Não é, pois, lícito ao Tribunal, como operador judiciário, aplicar os regimes dos dois diplomas, na perspectiva sempre de que um e outro poderiam favorecer o agente.
     Finalmente,
     Na perspectiva do Dign.º Agente do M. P., há uma carência de "elementos" e "condutas" essenciais ao preenchimento da figura do crime continuado.
     Elementos e condutas, são factos.
Ora, em processo penal, em terceiro grau de jurisdição como seria o eventual recurso para o Tribunal de Última Instância – não existe poder de cognição em matéria de facto (art. 47º, n° 2 da Lei de Base da Organização Judiciária), pelo que, também aqui, não será de admitir o recurso interposto.
Quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder
Não aceitam os ora recorridos que cometeram algum ilícito criminal porquanto, em sua opinião, não se encontram reunidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de branqueamento de capitais, razão por que, por mera cautela de patrocínio, irão recorrer do Acórdão em apreço em tempo útil e oportuno.
Sem conceder, entendem os mesmos arguidos que os factos que lhes são imputados em cada uma das situações do alegado branqueamento de capitais foram executados de uma forma contínua e homogénea, num período de tempo limitado, e que se traduziram apenas na abertura de contas bancárias e na constituição de sociedades em nome das quais algumas daquelas contas foram abertas, sempre no quadro de uma solicitação exterior personalizada na figura do antigo Secretário para as Obras Públicas e Transportes, L (甲乙).
Sendo de realçar a esse respeito que, como ficou plenamente provado no presente processo, todas as transferências de dinheiros que se processaram naquelas contas obedeciam ao controlo e conhecimento exclusivo de L (甲乙) e, por outro lado, as próprias sociedades em causa, titulares de algumas dessas contas, eram controladas apenas pelo ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, através de procurações e de cartas mandadeiras emitidas pelos ora recorridos a favor daquele.
Os conjuntos factuais descrevem sempre situações em que existe um alegado acordo entre os sujeitos e uma repetição de oportunidades, favoráveis à prática do crime que já havia sido aproveitada na primeira daquelas condutas, o que diminui consideravelmente a alegada culpa dos arguidos.
Repetição de oportunidades ou "... reiteração de actividades na qual a aparência de fragmentação nascida da existência de uma pluralidade de resoluções, se desfaz quando se considera que estas não são entre si autónomas, estando numa tal dependência recíproca que não é possível um juízo de culpa separado sobre cada uma delas."
É que, como resulta cabalmente dos factos provados, estamos perante a realização plúrima do mesmo tipo de crime por parte dos ora recorridos traduzida numa reiteração ou repetição de condutas, acções ou factos, executados de forma homogénea, por solicitação e sob influência de uma pessoa (L (甲乙) de quem, na verdade, aqueles dependiam e a quem deviam obediência (facto este que, aliás, já, constituiria circunstância motivadora de atenuação especial da pena, nos termos do artigo 66°, n.º 2, al. a) do C. P.).
L (甲乙) era a figura de proa da família e, como reconhece expressamente o Ministério Público na motivação do seu recurso, com inegável influência junto dos recorridos em face do estatuto político e público que usufruía, pessoa essa a quem os arguidos deviam incomensurável respeito e obediência, não só pelo cargo de grande destaque que ocupava no Governo de Macau (Secretário para as Obras Públicas e Transportes), mas também em face da sua peculiar personalidade e pelo seu elevado grau académico, social e cultural comparativamente com o dos arguidos - gente humilde, modesta e simples.
A definição dada pelo Código Penal de crime continuado consta do n.º 2 do art. 29º, segundo o qual "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente".
Como se sabe, o instituto do crime continuado conduz a que várias condutas criminais, que deveriam constituir uma pluralidade de infracções, sejam unificadas num único crime, para efeitos punitivos, por força da diminuição da culpa do agente.
Do ponto de vista objectivo, a realização continuada deve violar de forma plúrima o mesmo tipo de crime ou vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico e, por outro lado, a acção deve ser executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior.
E, do ponto de vista subjectivo, sobressai uma construção teleológica do conceito, que atende à gravidade diminuída que uma tal situação revela em face do concurso real de infracções e procura, assim, encontrar no menor grau de culpa do agente a chave do problema.
No caso dos autos, é inquestionável que a alegada actividade dos arguidos foi basicamente homogénea e é inquestionável que houve uma solicitação exterior, por parte do seu familiar, L, ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, um dos membros do Governo de Macau que mais se destacava e que mais prestígio auferia e a que todos praticamente obedeciam, fossem eles funcionários públicos ou entidades privadas, como resulta claramente dos presentes autos.
Este factor externo personificado no ex-Secretário, cuja influência sobre os arguidos, sobre os funcionários públicos e sobre a comunidade em geral foi manifesta - e que constitui um facto notório - leva-nos à conclusão que existia efectivamente uma disposição exterior das coisas para o facto de que deriva a diminuição da culpa dos ora recorridos, em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.
Como resultou provado no julgamento do ex-Secretário cujo processo abarca, entre outros, precisamente os mesmos factos objecto da presente lide, L foi aquele que efectivamente “(...) planeou e dispôs as coisas de modo a que a sua actividade criminosa se iniciasse e prolongasse ao longo de vários anos, actividade esta que foi interrompida apenas porque o arguido foi preso.” (v., Acórdão do TUI de 30/01/2008, Proc. n.º 36/2007).
A identidade da situação exterior personificada na incontornável figura do ex-Secretário e, bem assim, a solicitação que dela derivou, circunstância essa que reduz consideravelmente a culpa dos recorridos, resultam plenamente provadas em face da matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal de 1ª Instância.
É, pois, patente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou e impeliu a alegada repetição da actividade dos arguidos, ora recorridos, tornando cada vez menos exigível aos mesmos que se comportassem de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
Esteve assim bem o Tribunal recorrido, nessa parte, ao configurar a conduta dos arguidos como a prática de um crime continuado, agindo estes, como se pode ler no acórdão recorrido, "em conformidade com o dito "plano" movidos pelas relações familiares que tinham com L, (refira-se que os ora recorrentes são, o pai, irmão e cunhada daquele), e, certamente, influenciados pelo estatuto político e público que aquele detinha (...)".
Não foi o sentimento de impunidade (ou sequer o facto de não virem a ser descobertos) que ditou a conduta dos arguidos mas sim, como resulta claramente dos autos e foi sublinhado no mesmo acórdão, a influência que L (甲乙) exercia sobre os ora recorridos, em função do seu estatuto político, público e familiar.
Estão assim integralmente preenchidos os diversos requisitos cumulativos previstos no artigo 29°, n.º 2, do CP, entre os quais a realização plúrima do mesmo tipo de crime, a homogeneidade na forma de execução e a persistência de uma solicitação exterior que não só facilitou a execução como fundamentalmente diminuiu consideravelmente a culpa dos agentes.
É, desse modo, inegável a diminuta culpa dos recorridos em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída, pelo que a sua conduta, procedendo a acusação do crime de branqueamento de capitais, não poderia deixar de ser subsumida à figura do crime continuado, nos termos do art. 29° n° 2 do C. P., tal como foi configurado, e bem, pelo TSI.
Consequentemente, a pena aplicada aos recorridos teria assim que ser, tal como foi feito no acórdão recorrido, subtraída às regras do concurso de penas previstas no art. 71° do C. P., aplicando-se in casu o art. 73° do mesmo Código.
Termos em que,
Apreciando-se previamente a questão da irrecorribilidade da decisão, entendem os recorridos, que se encontram reunidos todos os elementos legais previstos no art. 29°, n° 2, do C. P. de modo que se considere a sua conduta como a prática do crime em questão na “forma continuada”, pelo que deve improceder o recurso a que respondem, mantendo-se intacto, nessa parte, o acórdão recorrido.

5.3. A esse recurso do MP responde D, tendo concluído da forma seguinte:
O recorrido foi condenado, em 1ª Instância, pelo crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 3° n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 2/2006, de 3 de Abril, cuja moldura penal é de 2 a 8 anos de prisão.
O acórdão de 30 de Outubro de 2008, nos termos do artigo 390º, n.º 1, al. 1) do CPP, corporiza uma decisão irrecorrível.
São irrecorríveis as decisões quando a moldura penal do crime em apreço não exceda 8 anos.
O acórdão de 1ª Instância, datado de 4/6/2008 - que expressamente tomou posição sobre a lei que cominava o comportamento imputado ao recorrido (como aquela concretamente mais favorável ao agente, nos termos do n.º 4 do art. 2° do C. P.) - há muito que transitou sobre esta questão.
O Ministério Público e o então recorrente (ora recorrido) conformaram-se com aquela decisão proferida quanto à lei mais favorável aplicável à conduta dos arguidos.
A questão quanto à aplicabilidade aos presentes autos da Lei n.º 2/2006 é definitiva e não pode vir a ser novamente discutida.
Quando a lei fala em regime mais favorável - o citado n.º 4 do art. 2 do CPM - impõe-se obrigatoriamente a aplicação em bloco desse regime mais favorável.
Feito o cotejo entre os regimes da Lei n.º 6/97/M e da Lei n.º 2/2006, como, aliás, se fez em 1ª Instância, resultou a aplicação ao caso subjudice deste último.
O Tribunal, como operador judiciário, não pode aplicar os regimes dos dois diplomas, na perspectiva sempre de que um e outro poderiam favorecer o agente.
Não será lícito, agora, ao TSI admitir o presente recurso numa perspectiva, em abstracto, do regime eventualmente mais favorável da Lei n.º 6/97/M porque a respectiva moldura penal prevê a aplicação de uma pena de prisão superior a oito anos.
Admitindo-se o presente recurso, seria de aplicar a lei menos favorável ao recorrido, sendo certo que, com a aplicação da Lei n.º 2/2006, como regime mais favorável, ficou vedada qualquer possibilidade de recurso para o TUI.
O recorrido não aceita que cometeu algum ilícito criminal no que respeita aos crimes de branqueamento de capitais que lhe foram imputados, porquanto, na sua opinião, não se encontram reunidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de branqueamento de capitais, razão por que, por mera cautela de patrocínio, vai recorrer do mesmo Acórdão em tempo útil e oportuno.
No crime de branqueamento pelo qual foi absolvido não houve qualquer transferência de dinheiro.
Mesmo que tivesse havido transferência de dinheiro - o que não foi o caso - e destinava-se a pagar ao Ex-Secretário L, acto esse que é qualificado como elemento objectivo do tipo legal de crime de corrupção.
No caso do recorrido, a integração da promessa de pagamento feita no crime de branqueamento de capitais pelo qual foi absolvido, nem sequer pode ser considerado como fase de colocação ou introdução na actividade económica regular de branqueamento de capitais (lª etapa do crime de branqueamento de capitais).
A lei não visa prever e punir, pelo crime de branqueamento, o acto de fazer a promessa da entrega do dinheiro como a finalidade da prática do crime de corrupção activa.
Não se provando nos autos que o dinheiro do recorrido destinado a pagar ao L a título de subornos foi proveniente da prática do crime, não se verifica o pressuposto do crime em causa.
Com a promessa da entrega de tais vantagens por parte do corruptor activo, não se inicia a lavagem de capitais enquanto estes não se integrarem na esfera jurídica do beneficiador da lavagem de capitais - o corruptor passivo.
É que, independentemente da consumação do crime de corrupção, quer activa quer passiva, a promessa da entrega efectiva ainda está no âmbito das actividades do crime de corrupção.
Não é possível a condenação do recorrido por um crime de branqueamento de capitais na situação onde não existe qualquer acção possível de ser enquadrável no art. 32º, n.º 2 e n.º 3 da Lei n.º 2/2006.
Apesar de se ter dado como provada a transferência do dinheiro da O para a P, (cfr. facto provado 160º), tal dinheiro nunca chegou a ser entregue, a final, ao L.
Esteve bem o acórdão do TSI agora em crise, ao decidir que o recorrido deveria ser absolvido do crime de branqueamento de capitais.
A haver acto de ocultação - o que não se concede –sempre teríamos de considerar uma ocultação prévia e auxiliar ao pagamento do dinheiro exigido pelo L.
E, nessa medida, sempre estaria em causa uma ocultação do acto do recorrido que, na perspectiva do acórdão em crise, foi qualificado como consubstanciando a prática dos crimes de corrupção.
Mesmo que tenha combinado com o corruptor passivo o meio de pagamento de subornos, tal só deve ser considerado como um meio de pagamento de subornos, "colocando" na disposição do corruptor passivo, para o consequente decurso de lavagem, fora do alcance do corruptor activo.
A promessa de pagamento não era para converter o capital sujo no limpo, mas sim para fazer converter o capital limpo no sujo.
Nenhum indício resulta dos factos provados que demonstre ou justifique uma qualquer procedência ilegítima do dinheiro transferido pessoalmente para L.
No crime de branqueamento de capitais, o dinheiro que se "coloca" pressupõe que seja proveniente da prática de crime ou crimes puníveis na pena superior a três anos de prisão (artigo 3° n.º 1 da Lei n.º 2/2006).
Apesar da promessa de pagamento de suborno não integrar o crime de branqueamento de capitais, conforme já acima dito, se tivéssemos hipoteticamente de considerar o acto do recorrido como um acto de ocultação de dinheiro, então, só seria aplicável, in casu, o crime precedente (corrupção activa) pois o seu interesse na cobertura da natureza ilícita do dinheiro só se reportaria ao crime de corrupção activa de que ele alegadamente beneficiou em função do negócio conseguido.
Porquanto, tendo em conta a moldura legal da pena para o crime de corrupção activa até 3 anos, o recorrido como autor da eventual lavagem não comete o crime de branqueamento por também não satisfazer o pressuposto do n.º 1 do artigo 3° da Lei n.º 2/2006.
Ainda que assim também não se entendesse, o que desde já não se aceita, se não se verificasse, como se evidenciou, a omissão dos elementos objectivos do tipo de branqueamento de capitais, e se entendesse que a promessa de pagamento faz parte do crime de branqueamento de capitais, sempre se verificaria uma relação de consumpção entre os crimes de corrupção activa e de branqueamento de capitais.
Não estando em causa outro acto posterior ao acto da promessa de pagamento, não se vislumbra qualquer outra situação de facto autónoma que, in casu, preencha a ocorrência de um crime de branqueamento de capitais.
Termos em que, encontrando-se em relação de consumpção, ocorreria, quanto muito, concurso legal ou aparente de tipos de crime, não podendo o recorrido ser condenado pelos dois crimes sob pena, conforme já acima dito, de se incorrer na violação do princípio geral de direito penal “ne bis in idem”, pelo que, também aqui, cairia a pretensão do recurso de obter provimento.
Também se violaria o princípio geral de direito penal “ne bis in idem” se a tese defendida no recurso obtivesse provimento, facto que é impensável, porque isso permitia punir-se criminalmente o recorrido duas vezes pelos mesmos factos.
A promessa de pagamento era para corromper, pelo que não podia, ao mesmo tempo, o crime de branqueamento de capitais ter como origem o próprio acto de corrupção, se o mesmo existisse, o que não se concede.
O recorrido só poderia ser condenado pelo crime de branqueamento de capitais em causa, se a promessa de pagamento fosse efectivamente cumprida, e, posteriormente à transferência (que nunca veio a ocorrer), tivesse auxiliado L a ocultar, por qualquer outra forma, tais quantias. Situação que não aconteceu nem ficou provado nos autos!
Terminando, no caso concreto dos factos n.º 159 a 163, respeitante ao recorrido, esteve bem o acórdão recorrido ao decidir que o mesmo deve ser absolvido porque, apesar do dinheiro depositado na conta da "P", destinar-se, em parte, a L, a título de retribuição, o certo é que o pagamento não foi feito, querendo isto significar que ainda não foi executado qualquer acto de lavagem desse dinheiro.
O recorrido não pode ser condenado no crime de branqueamento de capitais do qual já foi absolvido pelo TSI.
Quanto à questão da revogação do arbitramento oficioso da indemnização fixada ao recorrido, entende o Ministério Público, que "a decisão recorrida incorreu, na parte impugnada, no erro de direito por violação de lei, nomeadamente o disposto no artigo 74º, n.º 1 do CPPM, (...)”.
O T.S.I. havia decidido o seguinte:
"Como é sabido, os prejuízos, ou danos, podem ser de ordem patrimonial e moral. Percorrida, porém toda a matéria de facto dada como provada, constata-se que expressamente provados não estão quer os primeiros, ou seja, os "patrimoniais", o mesmo sucedendo com os segundos, os "morais".”
A indemnização civil oficiosa está prevista n.º art. 74° do C.P.P., de onde ressalta que tem de haver, no arbitramento oficioso de uma indemnização, prova suficiente "dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar”, facto que, na óptica do acórdão recorrido, não aconteceu, referindo expressamente que “... os autos não fornecem tais indicativos ...”.
Existe, pois, na perspectiva do acórdão recorrido, uma carência de factos indicativos do eventual quantitativo da reparação a arbitrar.
Ora, em processo penal, em terceiro grau de jurisdição - como seria o eventual recurso para o Tribunal de Última Instância (T.U.I.) - não existe poder de cognição em matéria de facto (art. 47° n° 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária) pelo que, na remota hipótese de admissão do recurso, está vedado ao T.U.I. pronunciar-se sobre o mérito desta questão.
Por outro lado,
Do n.° 2 daquela norma de processo penal resulta que, em circunstância alguma, se poderá proceder a arbitramento oficioso de uma indemnização, sem que antes se oiça o eventual responsável pela reparação, concretamente sobre os alegados prejuízos e o nexo de imputação dos mesmos.
É o que a lei designa por respeito pelo contraditório.
Ora, não resulta da acusação nem resultou do decurso da audiência o menor indício da eventual indemnização a arbitrar; e
Nunca o arguido, ora recorrido, teve a menor oportunidade de se pronunciar sobre a responsabilidade cível que lhe foi atribuída.
Termos em que não deve ser admitido o presente recurso ou, caso assim não seja entendido, deverá o mesmo ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantido o acórdão proferido pelo TSI.

5.4. A esse recurso do MP responde E, alegando, em súmula:
O recurso não deve se admitido, por falta de legitimidade do recorrente na matéria cível.
O MP não pode recorrer meramente da parte cível.
Impera no CPP o princípio da adesão, não podendo a parte cível prosseguir separadamente.
Não há elementos que permitam ao Governo da RAEM pedir indemnização.
O MP nunca tomou posição sobre tal pedido.
O Governo da RAEM não é parte cível e não foi parte vencida, pois que a decisão proferida pelo TSI não lhe é desfavorável.
A decisão ora recorrida não violou o disposto no art. 74º do CPP, sendo correcta a decisão que se pronunciou pela revogação da decisão que arbitrou a indemnização.
Ao fixar-se oficiosamente na 1ª Instância a indemnização, não foi dada oportunidade de as partes se pronunciarem sobre tal matéria.
O dano de MOP 20.000.000,00 ou qualquer outro não se mostra comprovado.
Não existem os pressupostos da indemnização, em particular o nexo de causalidade.
Pelo que pede a manutenção do julgado quanto à revogação do arbitramento oficioso da indemnização.

6. Recursos de A (甲), B (乙) e C (丙).
6.1. Motivam o seu recurso, em síntese final:
A matéria de facto que resultou provada não consiste na prática de qualquer crime de branqueamento de capitais, seja na forma tentada ou consumada, seja em co-autoria ou em cumplicidade.
A abertura de contas bancárias e a constituição de sociedades não é nem pode ser considerada como um caso de branqueamento de capitais.
O crime de «branqueamento» consiste, como consta da letra da lei, na prática de acções que visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita (visa-se «dissimular a sua origem ilícita»), assim encobrindo a sua proveniência de um dos crimes do «catálogo» legal.
O propósito visado por este crime é a tutela da pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, uma finalidade de prevenção criminal que é posta em causa pelas condutas de branqueamento de capitais.
Por outro lado, e como é evidente, o crime de branqueamento é um crime de acção, autónomo em relação ao crime subjacente.
A tese da obscura acusação, concretizada no acórdão recorrido, é a de que pelas contas bancárias abertas pelos arguidos recorrentes, passaram dinheiros provenientes de diversos crimes de corrupção para acto ilícito cometidos por L.
Ora, o que ficou provado foi que todas as transferências de dinheiros que se processaram naquelas contas obedeciam ao controlo e conhecimento exclusivo de L; as próprias sociedades titulares de algumas dessas contas também eram controladas exclusivamente por este.
Assim, e se mais não houvesse, e não há, como abaixo se verá, é perfeitamente descabida, salvo o devido respeito, a tese da acusação recebida pelo Tribunal recorrido de imputar e condenar os ora recorrentes por um crime de branqueamento no pressuposto de que houve por parte destes dissimulação das diversas prestações de dinheiro recebido por L e integrado no sistema económico legal.
O crime de branqueamento de capitais consiste, como foi frisado supra, em condutas de «conversão», «transferência» ou outras pelas quais se oculta ou dissimula as verdadeiras natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade de vantagens.
A abertura de uma conta bancária não é uma «conversão» ou «transferência», em qualquer dos sentidos possíveis destes termos. Trata-se apenas da criação de uma relação contratual, nos termos da qual podem vir a ser feitas transferências de fundos. Porém, a abertura da conta não é, em si, uma transferência de fundos, nem com ela pode ser confundida.
Por outro lado, a constituição de uma sociedade comercial não é uma «conversão» ou «transferência», em qualquer dos sentidos possíveis destes termos. Trata-se apenas de um processo jurídico e documental de constituição de uma pessoa colectiva, pelo qual absolutamente nada se converte ou transmite.
Do ponto de vista penal, estes actos poderão eventualmente ser vistos como constituindo meros actos preparatórios de futuras condutas de branqueamento de capitais.
A simples conduta dos arguidos - de apenas constituírem sociedades e de abrirem contas bancárias nas quais foram depositadas quantias monetárias provenientes alegadamente de crime (crime de corrupção para acto ilícito), por solicitação expressa do autor deste crime (crime subjacente), L, ex-Secretário do Governo de Macau - não pode, salvo melhor opinião, integrar a prática do crime de branqueamento de capitais.
Quanto ao tipo subjectivo do crime, exige o artigo 3.°, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 2/2006, de 3 de Abril, o conhecimento e a intenção do agente de ocultar ou dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
Seria necessário, também, alegar e provar o tipo subjectivo, a saber: a intenção por parte dos arguidos, ora recorrentes, de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções (L) fosse criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
Com efeito, para se mostrar preenchido o tipo subjectivo seria necessário alegar factos que permitissem depois extrair a conclusão de que, por essa forma, se estava a ocultar ou dissimular a sua verdadeira origem.
Todas as transferências de dinheiros que se processavam naquelas contas obedeciam ao controlo e conhecimento exclusivo de L; as próprias sociedades titulares dessas contas também eram controladas exclusivamente por aquele.
A tese da acusação, recebida como boa pelo acórdão recorrido, de imputar aos ora recorrentes um crime de branqueamento é, pois, perfeitamente inaceitável, estando definitivamente afastada a tese de co-autoria preconizada na pronúncia e aceite na sentença recorrida.
Teriam os arguidos que ter praticado os actos de auxílio com a noção exacta de que, naquelas contas e a coberto daquelas sociedades, por cada movimentação de dinheiro (depósito ou levantamento) corresponderia um acto de conversão de vantagens provenientes de acto ilícito.
Ora, a imputação do crime de branqueamento configurada no acórdão recorrido com referência à conduta dos arguidos relativa à constituição de contas bancárias e de constituição de sociedades, não encontra qualquer suporte nos factos provados: desta matéria não se conclui que, em relação a cada crime de corrupção cometido por L (os crimes precedentes), houve da parte dos recorrentes intenção de ocultar, dissimular ou esconder a origem ilícita dos depósitos e transferências, alegadamente provenientes do crime subjacente.
Claramente, mostra-se insuficiente esta matéria de facto dada como assente para a decisão ora posta em crise, insuficiência que resulta da própria insuficiência da pronúncia.
Note-se que existe ali abundante matéria puramente conclusiva.
Ora, a matéria puramente conclusiva não pode ser objecto de prova e só pode ser valorada para a decisão se estiver sustentada por factos, concretos e reais, considerados como assentes.
Não se vislumbra dos factos provados que os arguidos tivessem algum conhecimento das movimentações das contas bancárias ou da actividade das sociedades comerciais, tudo se desenrolando sob direcção, supervisão e controlo exclusivo de L.
Com o devido respeito, a sua condenação redunda, na prática, numa situação de responsabilidade objectiva ou sem culpa por tudo o que se passou nas contas bancárias.
Com efeito, assiste-se, a uma responsabilização penal dos arguidos por actos de outrem.
A responsabilidade penal exige a culpa.
Pelo exposto, a matéria provada demonstra cabalmente que as condutas dos arguidos não preenchem nem o elemento objectivo nem o elemento subjectivo do crime de branqueamento de capitais.
Quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder.
Como é sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40° n° 1 do C. P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Importa, pois, analisar as operações efectuadas pelo Tribunal “a quo” quanto à determinação da espécie e medida da pena aplicada a cada dos arguidos.
E a conclusão é óbvia: as penas que foram aplicadas aos arguidos recorrentes são excessivas e violam o disposto nos artigos 65°, 71° e 73° do CP.
Não são adequadas à culpa de cada um deles, não contribuindo minimamente para realizar as finalidades da sua reinserção social.
Pelos motivos largamente discutidos supra, considerados agora globalmente e à laia de conclusão, com destaque para o escasso envolvimento dos arguidos na prática dos alegados crimes de branqueamento e, por outro lado, considerando os factos apurados, a ausência ou limitadíssima culpa objectiva de cada um dos arguidos recorrentes, as condições pessoais de vida de cada um deles, não esquecendo a ausência de antecedentes criminais, entende-se como, ajustada, adequada e proporcionada, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão para cada um dos arguidos, pela prática, na forma continuada, de um crime de branqueamento.
Pelo exposto, entendem que se mostram violados os artigos 2° e 3° da Lei n.º 2/2006, de 3/04, e o art. 65° do Código Penal.
    
    6.2. Respondendo à motivação do recurso apresentada pelos arguidos A, B e C nos autos à margem mencionados, vem o Ministério Público levantar a questão prévia sobre a tempestividade do recurso.
Nos termos dos n.ºs 1° e 2° do art.° 401º do CPPM, o prazo para interposição do recurso é de 10 dias, a contar da notificação da decisão. E o requerimento de interposição do recurso é sempre motivado.
Por outro lado, o prazo processual é contínuo, ao abrigo do n.º 1 do art.º 94° do CPCM, aplicável por força do n.º 1 do art.° 94° do CPPM.
Dispõe, por seu turno, o n.º 7 do art.° 100° do CPPM que “As notificações do arguido, assistente e parte civil podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogados; ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, arquivamento, despacho de pronúncia ou não pronúncia, designação de dia para a audiência e sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial”.
No caso sub judice, o douto Acórdão condenatório objecto do presente recurso foi proferido em 30 de Outubro de 2008 e lido no mesmo dia, na presença do mandatário constituído dos ora recorrentes.
E os recorrentes foram notificados no dia seguinte.
Daí que o prazo para interposição do recurso terminou em 10 de Novembro de 2008 (o dia 9 é Domingo).
No entanto, a motivação do recurso foi apresentada em 24 de Novembro de 2008.
Nos termos do art.° 97° n° 2 do CPPM, “os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”.
E tratando-se do prazo peremptório, o decurso do prazo de recurso faz extinguir o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento (n° 3 do art° 95° do CPCM, aplicável subsidiariamente por força do art.° 40 do CPPM).
Na realidade, não se verifica no nosso caso concreto qualquer situação que consubstancie justo impedimento, o que nem sequer foi invocado pelos recorrentes.
Acrescentando, é de lembrar que, não obstante a prolação da decisão sobre o pedido de aclaração requerida pelo arguido D, que tem consequências legais na contagem do prazo do recurso a interpor eventualmente por este arguido, certo é que tal vissicitude não aproveita aos ora recorrentes.
Pelo exposto, entende o MP que o referido recurso interposto para o Tribunal de Última Instância não deve ser admitido, por intempestividade do mesmo.

7. Recurso de D.
    7.1. Alega a final:
    O recorrente partilha da opinião que a decisão em causa é irrecorrível, nos termos retratados na resposta que ofereceu ao recurso deduzido pelo Ministério Público.
    Por mera cautela de patrocínio, na hipótese desse Venerando Tribunal partilhar uma opinião diversa, entende o recorrente que deverá, nesse pressuposto, recorrer daquela decisão em face da sua discordância em relação aos fundamentos que nortearam o Tribunal recorrido.
    O recorrente discorda ter sido decidido de que teria cometido 3 crimes de corrupção activa (em lugar de um só na forma continuada) e 1 crime de branqueamento de capitais; ter causado danos à RAEM, e, por fim, ter sido ainda declarado perdida a favor da RAEM a importância de MOP$46,431,000.00 (5% de MOP$928,620,000.00), respondendo o recorrente com o seu património pessoal, caso não fosse possível proceder à apreensão dos bens objecto da condenação.
    Os factos que serviram para a condenação do recorrente por 1 crime de branqueamento de capitais são referentes ao "Contrato de Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de tratamento de resíduos Perigosos” (factos provados 152, 153, 154, 154A, 155, 156, 157, 158, pág. 135 e 136 do acórdão recorrido)
    No crime de branqueamento de capitais, deve ser sempre apurada a ocorrência de uma lesão com referência ao bem jurídico em discussão.
    O crime de branqueamento de capitais processa-se através de três etapas, a colocação, a circulação e a integração.
    Na (fase de colocação) exige-se a "proveniência" da actividade criminosa do dinheiro a lavar, o que pressupõe que as vantagens ou bens tenham sido adquiridos na prática de crime ou crimes.
    A lei não visa prever e punir, pelo crime de branqueamento, o acto de entrega do dinheiro no âmbito da prática do crime de corrupção activa.
    O crime de branqueamento é um crime de acção, autónomo em relação ao crime subjacente.
    No caso dos autos, o crime subjacente, principal ou precedente, é o crime de corrupção activa (artigo 339º do CPM).
    Esta situação obriga que o recorrente seja absolvido pelo crime de branqueamento de capitais por que foi condenado, por não se encontrar preenchido o pressuposto do n.º 1 do artigo 3º da Lei n.º 2/2006.
    O recorrente teve apenas intervenção no pagamento de dinheiro "limpo" a L no âmbito do crime de corrupção activa e não teve qualquer conhecimento ou intervenção nos actos que aconteceram no âmbito do crime de corrupção passiva para acto ilícito praticado pelo L.
    O dinheiro recebido na conta da P e era "limpo" pelo que a emissão dos cheques e a sua entrega a favor de L não poderiam ter como intenção "dissimular a origem ilícita do capital", antes do momento da entrega do suborno feito a este último.
    Este dinheiro "limpo" só se tornou, porventura, "sujo" após a recepção do mesmo pelo L.
    Por outro lado, a conduta do recorrente também não se traduz na outra conduta-tipo da norma incriminadora, ("transferir vantagens para evitar que o autor do crime seja penalmente perseguido"), porquanto o pagamento feito a L tipifica, e só apenas, a conduta do crime de corrupção activa de que o recorrente foi condenado - a entrega da "vantagem patrimonial não devida a funcionário".
    A vantagem ilícita de L só se concretizou com a referida entrega dos cheques (facto provado 156), ou seja, após o recebimento do suborno.
    A conduta do recorrente não visou encobrir qualquer origem ilícita de capitais - porque, como vimos, eles tiveram origem num contrato com objecto perfeitamente lícito, i. e., o contrato outorgado entre a M e a sociedade P.
    A conduta do recorrente também não visou evitar que o autor do crime precedente fosse penalizado - porquanto o pagamento feito a L através da P é a conduta tipo (o pagamento do suborno) do crime de corrupção activa.
    O pagamento do suborno em causa, na fase de execução do crime de corrupção activa e que, consequentemente, ainda não chegara à esfera jurídica de L, na sua disponibilidade, não poderia começar, desde logo, a ser "lavado" de modo a integrar o crime de branqueamento de capitais.
    O pagamento efectuado pelo recorrente a L, através da sociedade P, respeitante ao "Contrato de Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de tratamento de resíduos Perigosos" não é, nem pode ser, considerado como um acto que preencha os elementos objectivos do crime de branqueamento de capitais.
    O preceito legal respeitante ao crime de corrupção activa (artigo 339º do CPC) prevê também a entrega do dinheiro como um dos seus elementos objectivos do crime a preencher.
    O crime de corrupção activa (artigo 339º do CPM) exige, para a sua verificação, quer a forma consumada, quer a forma tentada.
    Os actos do recorrido preenchem unicamente o crime de corrupção activa no artigo 339º do CPM, na forma consumada.
    O branqueamento de bens é a operação através da qual o dinheiro de origem ilícita é investido, ocultado, substituído ou transformado e restituído aos circuitos económico-financeiros legais, incorporando-se em qualquer tipo de negócio, sendo que a conduta do recorrente não se subsumiu a qualquer destas situações.
    A entrega do dinheiro com a finalidade criminosa (prática do crime de corrupção activa), não se pode considerar como acto de "colocação" ou de "introdução na actividade económica regular ou legal" - fase inicial de branqueamento de capitais.
    Independentemente da consumação do crime de corrupção, quer activa quer passiva, a entrega do dinheiro em causa ainda está no âmbito das actividades do crime de corrupção.
    A condenação do recorrente por um crime de branqueamento de capitais não pode ocorrer quando na situação em causa não existe qualquer acção possível de ser enquadrável no artigo 3º, n.º 2 e n.º 3 da Lei n.º 2/2006.
    Apesar de se ter dado como provada a transferência do dinheiro da O para a P, (cfr. facto provado 156º), tal dinheiro “limpo” foi entregue directamente a L (facto provado 157), através de cheques, que, depois foram endossados por terceiro, sem conhecimento do recorrente (facto provado 158).
    Mesmo se tivesse havido um qualquer acto de ocultação por parte do recorrente, sempre teríamos de considerar uma ocultação prévia e auxiliar ao pagamento do dinheiro exigido pelo L.
    As condutas praticadas pelo recorrente somente podem ser consideradas como integrante do crime de corrupção activa; quanto muito, o que desde já não se concede, poderão apenas ser consideradas como acto preparatórios.
    Os actos preparatórios são impunes.
    O arguido não teve qualquer conhecimento das movimentações das contas bancárias ou da actividade das sociedades comerciais, tudo se desenrolando sob direcção, supervisão e controlo exclusivo de L.
    A sua condenação do recorrente redunda numa situação de responsabilidade objectiva sem culpa por tudo o que se passou nas contas bancárias controladas por L.
    Com efeito, assiste-se a uma responsabilização penal do arguido por actos de outrem.
    A matéria provada demonstra cabalmente que as condutas do recorrente não preenchem nem o elemento objectivo nem o elemento subjectivo do crime de branqueamento de capitais.
    Por outro lado, se se não se verificasse, como se evidenciou, a omissão dos elementos objectivos do tipo de branqueamento de capitais, e se entendesse que a promessa de pagamento faz parte do crime de branqueamento de capitais, sempre se verificaria uma relação de consumpção entre os crimes de corrupção activa e de branqueamento de capitais.
    De facto, não estando em causa outro acto posterior ao acto da promessa de pagamento, não se vislumbra qualquer outra situação de facto autónoma que, in casu, preencha a ocorrência de um crime de branqueamento de capitais.
    Termos em que, encontrando-se em relação de consumpção, ocorreria, quanto muito, concurso legal ou aparente de tipos e crime, não podendo o recorrente ser condenado pelos dois crimes sob pena, conforme já acima dito, de se incorrer na violação do princípio geral de direito penal "ne bis in idem" .
    Não podemos esquecer que a promessa de pagamento era para corromper, pelo que não podia, ao mesmo tempo, o crime de branqueamento de capitais ter como origem o próprio acto de corrupção, se o mesmo existisse, o que não se concede.
    É assim que se defende que o recorrente só poderia ser condenado pelo crime de branqueamento de capitais em causa, se, posteriormente, ao do pagamento suborno, tivesse auxiliado L a ocultar, por qualquer outra forma, tais quantias, o que não ocorreu e nem sequer consta da pronúncia.
    A decisão recorrida, no que respeita ao crime de branqueamento de capitais, incorre, no erro de direito por violação de lei, nomeadamente do disposto no artigo 339º do CPM e no art. 3º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei n.º 2/2006, devendo o recorrente ser absolvido do crime de branqueamento de capital pelo qual foi condenado.
    Sem conceder, e sem prejuízo do que se disse anteriormente que exclui a prática por parte do Recorrente do crime de branqueamento de capitais de que foi condenado, não pode o mesmo deixar de discordar com o acórdão posto agora em crise quanto à configuração aí perfilhada de que o ora Recorrente teria praticado três crimes de corrupção activa em lugar de apenas um crime dessa natureza na forma continuada.
    Dispõe o n.º 2 do art. 29º do Código Penal que «Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.».
    Em resumo, o instituto do crime continuado conduz a que várias condutas criminais, que deveriam constituir uma plural idade de infracções, sejam unificadas num único crime, para efeitos punitivos, em virtude da forma de execução essencialmente homogénea e do quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que conduz a uma diminuição significativa da culpa do agente.
    A solicitação permanente e intensa junto do Recorrente preconizada pelo Ex-Secretário, com vista ao pagamento de dividendos, ou, se quisermos, de subornos prática essa que, como já é facto perfeitamente notório, incidiu sobre outros empresários do sector privado de Macau -, não pode deixar de ser entendida como elemento externo que justifica a qualificação dos factos praticados pelo Recorrente na forma continuada, no que ao(s) crime(s) de corrupção activa diz respeito.
    Este factor externo personificado no ex-Secretário, cuja influência sobre o arguido, sobre os funcionários públicos e sobre a comunidade em geral foi manifesta - e que constitui um facto notório - leva-nos à conclusão que existia efectivamente uma disposição exterior das coisas para o facto de que deriva a diminuição da culpa do ora Recorrente, em nome de uma menor exigibilidade.
    Existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao Recorrente que se comportasse de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
    Como resultou provado no julgamento do ex-Secretário cujo processo abarca, entre outros, precisamente os mesmos factos objecto da presente lide, L foi aquele que efectivamente “(...) planeou e dispôs as coisas de modo a que a sua actividade criminosa se iniciasse e prolongasse ao longo de vários anos, actividade esta que foi interrompida apenas porque o arguido foi preso.” (v., Acórdão do TUI de 30/01/2008, proc. n.º 36/2007).
    E, na mesma linha, ficou igualmente provado nestes autos que "(...) L decidiu intervir, com os seus poderes do cargo de Secretário para os Transportes e Obras Públicas, nos resultados de apreciação do concurso público das obras públicas (...) ou decidindo a dispensa de concurso público (...) no intuito de receber o dinheiro como retribuições fornecidas pela companhia designada à adjudicação (...)”.
    Ou seja, o plano foi engendrado por aquele ex-Secretário no intuito de receber os subornos das companhias a favor das quais foram adjudicados as empreitadas e os serviços em causa, tendo, pois, sido aquele a solicitar ao Recorrente que actuasse do modo relatado no acórdão recorrido.
    Ora, a identidade da situação exterior personificada na incontornável figura do ex-Secretário e, bem assim, a solicitação que dela derivou, circunstância essa que reduz consideravelmente a culpa dos Recorrente, resultam assim plenamente provadas em face da matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal de 1ª Instância.
    Estão assim integralmente preenchidos os diversos requisitos cumulativos previstos no artigo 29º, n.º 2, do CP, ou seja, a realização plúrima do mesmo tipo de crime, a homogeneidade na forma de execução e a persistência de uma solicitação exterior que não só facilitou a execução como fundamentalmente diminuiu consideravelmente a culpa do Recorrente.
    Termos em que entende o Recorrente que, a haver uma condenação relativamente aos crimes de corrupção activa, sempre teriam os mesmos de ser punidos no âmbito do quadro legal de um só crime continuado.
    Como se viu, nos termos do artigo 65º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
    Importa, pois, analisar as operações efectuadas pelo Tribunal “a quo" quanto à determinação da espécie e medida da pena aplicada ao arguido, ora Recorrente; e a conclusão é óbvia: as penas que foram aplicadas ao Recorrente são excessivas e violam o disposto nos artigos 65º, 71º e 73º do CPM, não contribuindo minimamente para realizar as finalidades da sua reinserção social.
    A decisão recorrida olvida todas as circunstâncias supra descritas - como sejam, entre outras, a confissão, ainda que parcial, do Recorrente, a solicitação externa a que foi sujeito que diminui notoriamente a sua culpa, o facto de ter comparecido em julgamento disposto a contribuir para o descobrimento da verdade, a circunstância de ser primário com bom comportamento anterior e posterior ao crime, o enquadramento familiar e social em que está inserido -, violando dessa forma os princípios da proporcionalidade , da necessidade e da adequação das penas ínsitas no art. 64º do mesmo diploma legal na medida em que todas as circunstâncias que envolveram os factos, assim como as características pessoais do Recorrente, imporiam penas menos gravosas.
    As penas individuais de 2 anos e três meses de prisão aplicadas ao Recorrente, por cada crime de corrupção activa, situou-se acima do segundo terço da respectiva moldura abstracta quando, na verdade, cada uma dessas penas nunca deveria ter excedido o primeiro terço daquela moldura penal, devendo, em prol da boa justiça, situar-se em 1 ano de prisão.
    Nos diversos percursos de determinação da pena concreta final, não foram devidamente ponderadas a reduzida culpa do Recorrente e, bem assim, a conduta, comportamentos, personalidade e situação económica, familiar e social do mesmo, tudo conforme o disposto nos artigos 40º e 65º do CPM.
    A moldura abstracta do crime de corrupção activa para acto ilícito é, como se sabe, a pena de prisão até 3 anos ou multa (cfr., art. 399º, n.º 1, do CP) e, analisando as circunstâncias que o artigo 65º do CPM exemplificadamente enumera e a que deve atender para fixação da pena concreta, não se poderia deixar de atender ao ténue grau de dolo revelado pelo Recorrente nos termos supra citados.
    Pelos motivos largamente discutidos supra, entende-se como, ajustada, adequada e proporcionada, no caso de punição por crime de corrupção activa para acto ilícito, na forma continuada, a pena única de 1 ano e 3 meses de prisão.
    Mesmo na hipótese do Recorrente ter cometido os três crimes de corrupção em causa, seria aplicável, como se disse, para cada um dos crimes em causa, a pena de 1 ano de prisão.
    Pelo que, operando-se o cúmulo jurídico, em face de uma moldura penal de 1 ano a 3 anos de prisão, justa se afiguraria uma pena única de 1 ano e seis meses de prisão.
    O artigo 48º, n.º 1, do CPM, dispõe que o tribunal só pode suspender a execução da pena se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
    Sendo pacífico o entendimento de que o pressuposto material necessário à aplicação da suspensão da execução da pena é limitado por duas coordenadas: a salvaguarda das exigências mínimas do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o afastamento do agente da criminal idade (prevenção especial).
    Ora, caso seja o Recorrente punido pela prática de um crime continuado de corrupção activa para acto lícito, com uma pena única inferior a 3 anos de prisão, como se espera, entende o Recorrente dever esse Venerando Tribunal suspender a respectiva execução.
    Nos presentes autos, entende o Recorrente que se verificam, em concreto, todos os elementos necessários e suficientes para permitir ao Tribunal um juízo de prognose favorável ao Recorrente e conducente à suspensão de uma eventual pena de prisão.
    Tudo ponderado, afigura-se adequada uma prognose favorável à luz de considerações exclusivas de socialização, tomando em conta que o recorrente confessou parcialmente os factos, contribuindo para a descoberta da verdade e assumindo corajosamente em julgamento o erro que cometeu; não tem antecedentes criminais, apresentando bom comportamento anterior e posterior ao crime; nunca teve qualquer experiência prisional e mostra-se social e familiarmente integrado.
    Sendo que a ameaça de prisão contém por si mesma, virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, sem sujeição ao regime, sempre estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão.
    E no que concerne à prevenção geral perde algum sentido uma condenação em prisão efectiva cuja gravidade foi mitigada por circunstâncias atenuantes - como sejam a confissão, ainda que parcial, e a solicitação externa a que foi sujeito - que diminuíram notoriamente a culpa, a ilicitude e sobretudo as necessidades de punição.
    Deverá assim esse Venerando Tribunal suspender a execução da pena de prisão arbitrada ao Recorrente pois, perante os princípios da proporcionalidade , da necessidade e da adequação das penas, ínsitos no art. 64º do CPM, uma pena efectiva se mostraria desnecessária para cumprir as finalidades da punição.
    O douto acórdão recorrido violou a norma do citado artigo 48º do CP uma vez que face à ponderação global do grau de culpabilidade e comportamento moral do Recorrente e demais circunstâncias, devia ter aplicado o instituto da suspensão da execução da pena fixada.
    Violou, ainda, o douto acórdão recorrido o princípio da proporcionalidade e da necessidade das penas pois uma pena efectiva é desnecessária para cumprir as finalidades da punição no caso concreto.
    Verificando-se os pressupostos legais, requer assim que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, seja aplicado o regime da suspensão da execução da pena aplicada à recorrente.
    Quanto à questão da indemnização que havia sido arbitrada em 1ª Instância e que, aí se fixou em MOP$30,000,000.00, entendeu o Tribunal “a quo” que existe uma carência de factos indicativos do eventual quantitativo da reparação a arbitrar, não obstante declarar expressamente que danos existem, bem como o nexo da causalidade entre os mesmos e a conduta do recorrente;
    Insurge-se o recorrente quanto a esta decisão não porque, obviamente, não foi mantida a decisão de 1ª Instância, mas sim porque o Tribunal “a quo” - não obstante ter referido que inexistem "indicativos" sobre os danos patrimoniais e morais que a conduta do recorrente provocou, não existindo, por isso, prova do quantitativo da reparação a arbitrar - referiu expressamente que ilações poderão ser tiradas dos factos dados como provados.
    Isto é, se por um lado inexistem factos de onde se possam concluir quais os danos sofridos pela R.A.E.M., por outro lado, o Tribunal “a quo” entende ser possível concluir que danos existiram.
    Salvo o devido respeito, tal conclusão é ilógica e choca frontalmente com os princípios norteadores da parte civil enunciados no processo penal, nomeadamente, o art. 60° e segs. do CPP.
    Não estão reunidos, pois, na óptica do Tribunal “a quo”, os pressupostos cumulativos do "arbitramento oficioso de reparação", previstos no n° 1 do art. 74° do CPP.
    Salvo o devido respeito, deveria o Tribunal recorrido ficar-se por aqui: revogar a decisão porque não estão reunidos estes pressupostos.
    O Tribunal só pode enviar o processo para uma resolução em acção cível separada quando o pedido cível “enxertado” no processo crime não fôr susceptível de uma decisão rigorosa.
    Ora, compulsados os autos, verifica-se que não só da leitura da acusação não resulta o menor indício que uma indemnização poderia ser arbitrada a favor da R.A.E.M. - o que, obviamente, impediu o contraditório por parte do recorrente - como também não foi formulado qualquer pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, nos termos do art. 60° do CPP.
    Ao Tribunal “a quo”, sempre estaria vedado, uma decisão como a proferida.
    Ou existem danos computáveis e é proferida uma decisão eventualmente reparadora dos mesmos; ou inexistem danos, "percorrida toda a matéria de facto dada como provada" e, então, não há prova suficiente do montante da reparação, impondo-se uma não condenação em matéria cível.
    Tomou, pois, o Tribunal "a quo" posição sobre a existência de danos por parte da R.A.E.M. e o nexo de causalidade entre os mesmos e a conduta do recorrente, o que não consta do libelo acusatório, tipificando "excesso de pronúncia", facto que, salvo melhor opinião, fragiliza a posição do recorrente num eventual futuro pedido cível em separado.
    Mostrando-se violadas as normas dos artigos 60°, 71° e 74° do CPP.
    Por outro lado,
    A decisão recorrida, manteve a decisão que declarou perdida a favor da R.A.E.M. a importância de MOP$46,431,000.00 (5% de MOP$928,620,000.00) que terá sido alegadamente prometido pagar a L (甲乙), em virtude da renovação do contrato com a M; e a importância destinada ao alegado suborno de HKD$6,256,581.00, mencionada nos factos provados do art. 161º da acusação, afirmando expressamente que ao recorrente não basta pedir a revogação da decisão, sem especificar as razões do seu pedido.
    Porém, o recorrente nas suas novas conclusões n.ºs 31 e 32 refere expressamente quais as razões que o fizeram pedir a revogação da decisão em relação à declaração de perdimento a favor da RAEM de MOP$46.431.000,00.
    Ora, entende o recorrente que o acórdão em apreço não respondeu nem esclareceu esta matéria expressamente alegada por si.
    A questão afigura-se simples ao recorrente: as quantias em causa não se mostram autonomizadas - apenas em abstracto se refere que L teria retribuições na ordem dos 5% dos valores das obras e serviços adjudicados à M pelo que não se pode considerar as mesmas como "uma recompensa dada ou prometida ao agente do facto ilícito”.
    Afigura-se ao recorrente que o espírito da lei é decretar a perda de qualquer recompensa prometida ao agente de facto ilícito, pela entidade que beneficiasse deste facto ilícito.
    Ora, o recorrente em nada beneficiou desta situação antes pelo contrário - pelo que, na eventualidade de se decretar tal perdimento, o mesmo deveria ser imposto à M ou à O e nunca ao recorrente, pessoalmente.
    Responsabilizar o património do recorrente por uma recompensa que adviria de um acordo em abstracto entre o recorrente - na qualidade de mandante dos eventuais beneficiados do alegado facto ilícito - e L está, salvo o devido respeito, não só totalmente em contradição com o espírito da lei, sendo por isso, descabida, como é manifestamente desproporcionada.
    Mostram-se aqui violadas as normas do art. 103° nºs 1 e 4 do CPM.
    Pelo exposto, conclui no sentido de entender que se mostram violados o artigos 1º, 2º e 3° da Lei n.º 2/2006, de 3/04, os artigos 29º, n.º 2; 40º; 48º, n.º 1, 64º; 65º, n.ºs 1 e 2; 71º; 73º; 103, n.ºs 1 e 4, e 339º, todos do CPM, e os artigos 60º; 71º e 74º, n.º 1, do CPP.
    Devendo, por conseguinte, ser dado provimento ao presente recurso.

7. 2. Respondendo ao recurso do arguido D, diz, em síntese, o MP:
Desde logo, é de salientar que, no que concerne aos crimes de corrupção activa e à questão de indemnização, parece-nos evidente que o recurso, neste parte, não deve ser admitido.
Face ao disposto no art.° 390° n.º 1, al. f) do CPPM e à moldura penal prevista para o crime de corrupção activa, de prisão até 3 anos ou de multa, não é admissível o respectivo recurso.
Quanto à questão de indemnização, o Tribunal de Segunda Instância decidiu revogar a decisão tomada pelo Tribunal Judicial de Base no sentido de condenar o ora recorrente no pagamento de uma indemnização à R.A.E.M. no montante de MOP$30.000.000,00.
Parece-nos que não está em causa uma decisão contra o recorrente, mas sim a favor dele.
O ora recorrente não tem legitimidade para recorrer da decisão em causa.
Conforme a matéria de factos provada nos autos, parece-nos clara a intenção do recorrente em aproveitar P para transferir as vantagens patrimoniais já prometidas a L e de ocultar e dissimular a natureza e origem desse bens, bem sabendo da sua ilicitude.
Salienta-se que tais vantagens patrimoniais não se relacionam apenas com os crimes de corrupção activa, mas também com os crimes de corrupção passiva para acto ilícito praticados por L, sendo produtos destes crimes, daí a sua punibilidade por ter preenchido a previsão do n.º 1 do art.° 3° da Lei n.º 2/2006.
Uma vez que a consumação do crime de corrupção passiva coincide com o momento em que a solicitação ou a aceitação do suborno ( ou a sua promessa) por parte do funcionário cheguem ao conhecimento do destinatário, não sendo necessário o efectivo pagamento, todos os actos posteriores com vista à transferência e ocultação das vantagens integram já o crime de branqueamento de capitais.
A conduta praticada pelo recorrente não serviu apenas para pagar suborno mas sim para ocultar e dissimular a natureza e origem desse bens.
São distintos os bens jurídicos protegidos pela punição dos crimes de branqueamento de capitais e de corrupção, tanto activa como passiva.
Não merece censura a condenação do recorrente pelo crime de branqueamento de capitais.
No que concerne à questão da declaração de perdimento da quantia em causa, o recurso interposto para o TSI, na parte respeitante à questão em causa, foi rejeitado por inobservância do disposto no n.º 2 do art.° 402° do CPPM.
Pelo que não lhe parece errada tal decisão, uma vez que a inobservância daquela norma legal implica necessariamente a rejeição do recurso.


8. Os recursos interpostos vieram a ser preliminarmente admitidos à excepção do recurso interposto pelo arguido D, embora admitido quanto à perda de dado montante a favor da RAEM, por douto despacho do Mmo Juiz Relator, nos termos de fls 13022 e segs dos autos.


9. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - QUESTÕES
São as seguintes as questões que importa abordar:
1ª - Da tempestividade dos recursos interpostos por alguns arguidos ou se tal questão se mostra prejudicada pela resposta que venha a ser dada a eventual irrecorribilidade dos recursos na parte penal;
2ª - Da admissibilidade dos recursos no segmento decisório penal do acórdão do TSI, objecto de todos os recursos preliminarmente recebidos, seja por irrecorribilidade dos mesmos, seja por impossibilidade de novo julgamento de facto;
3ª - Da admissibilidade dos recursos no segmento decisório relativo às indemnizações oficiosamente arbitradas;
4ª - Da admissibilidade e eventual rejeição do recurso no segmento decisório que manteve a declaração de perda de uma dada quantia a favor da RAEM.
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. A resposta à segunda questão acima colocada poderá prejudicar o conhecimento da primeira e, embora pudesse ser previamente conhecida a questão da tempestividade - não sendo certo que o devesse ser antes da recorribilidade -, o certo é que a segunda tem de ser obrigatoriamente conhecida em relação a todos os recursos que incidem sobre a matéria penal, donde, por razões de economia processual, se passará ao conhecimento da recorribilidade da decisão na parte penal.
    Tanto mais que qualquer dessas questões cabe na al. a) do n.º 3 do art. 407º do Código de Processo Penal (CPP).
    
    2.1. O objecto dos diversos recursos pressupõe a análise de uma questão prévia e que se prende com a irrecorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI), no que tange à decisão penal condenatória que ela comporta.
    Tal questão perpassa por todos os recursos que vêm interpostos, pois que em todos eles, por umas e outras razões, se impugna a decisão condenatória proferida.
    Da banda do Ministério Público (MP) procura afastar-se a continuação criminosa; da banda dos arguidos recorrentes, procura-se convencer da não verificação da factualidade típica ou propugna-se pela redução das penas concretamente aplicadas.
    Se é certo que, com excepção do recurso do arguido D, o Mmo Juiz Relator recebeu preliminarmente os restantes recursos interpostos, não é menos verdade que, desde logo, da prolação do seu despacho, resulta que não se furtou a expressar as dúvidas que podiam subsistir à admissibilidade do recurso.
    Face ao não recebimento daquele recurso pelo Mmo Relator, tal decisão está de fora do conhecimento deste Tribunal, pois que ao interessado apenas lhe cabia reclamar do decidido para o Presidente do Tribunal que iria julgar esse recurso não admitido - art.º 395, n.º 1 do CPP.
    Estão, pois, em causa os recursos do MP e dos arguidos A, B e C no que respeita à decisão que "qualificou a conduta dos arguidos A, B e C como a prática de 1 crime de branqueamento de capitais na forma continuada".
    Importa também reter que esse despacho preliminar, enquanto admitiu num primeiro momento os restantes recursos, não vincula o tribunal superior, neste caso, o Tribunal de Última Instância (TUI), o que resulta do disposto no artigo 404º, n.º 3 do CPP.
    
    2.2. Não se deixa de registar que, em todas as respostas oferecidas ao recurso interposto pelo MP, os diferentes recorridos pronunciam-se expressamente pela irrecorribilidade do recurso interposto, não se percebendo bem como podem justificar o recurso por si interposto. É que as razões invocadas que eventualmente vierem a ditar a irrecorribilidade são comuns aos recurso interpostos pelos arguidos, já que se prendem com as penas aplicáveis aos crimes por que foram condenados.
    Aceita-se, no entanto, que o recurso se passe a justificar caso soçobre a tese da irrecorribilidade.
    
    2.3. Apreciemos então essa questão que vem suscitada: a da irrecorribilidade da decisão contida no acórdão do TSI, de 30 de Outubro de 2008.
    Dispõe o art. 390º do CPP:
    “1. Não é admissível recurso:
    a) De despachos de mero expediente;
    b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
    c) De decisões proferidas em processo sumaríssimo;
    d) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que não ponham termo à causa;
    e) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que confirmem decisão de primeira instância;
    f) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções ;
    g) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a dez anos, mesmo em caso de concurso de infracções ;
    h) Nos demais casos previstos na lei.
    2. O recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil é admissível desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido."; (sublinhado nosso).
    
    2.4. Sobre o alcance da expressão crime a que seja aplicável pena de multa é questão pacífica entre nós.
    O TUI tem entendido que: "A expressão «mesmo em caso de concurso de infracções» constante das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390º do Código de Processo Penal, significa que, para que seja admissível recurso de decisão do Tribunal de Segunda Instância para o Tribunal de Última Instância, é necessário que a penalidade aplicável, em abstracto, a cada crime, exceda 8 ou 10 anos de prisão, respectivamente, nos casos das alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 390º, ainda que esteja em causa um concurso de infracções”1
    
    2.5. Está apenas em causa a moldura abstracta de cada um dos crimes, mesmo em concurso.
    Em sede do Tribunal Judicial de Base (TJB) foram os identificados arguidos condenados respectivamente como autores da prática em concurso real de 8, 5 e 3 crimes de "branqueamento de capitais".
    Por acórdão do TSI de 30/10/2008, alterou-se tal qualificação jurídica, tendo-se decidido que a conduta dos mesmos recorrentes integrava a prática de 1 "crime de branqueamento de capitais na forma continuada", p. e p. pelo art. 3 ° da Lei n° 2/2006, de 3 de Abril, lei esta que, com o seu art. 9°, revogou a incriminação anterior.
    
    2.6. Prevê o art. 3º Lei n° 2/2006:
    “1. Para efeitos deste diploma, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de facto ilícito típico punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
    2. Quem converter ou transferir vantagens, ou auxiliar ou facilitar alguma dessas operações, com o fim de dissimular a sua origem ilícita ou de evitar que o autor ou participante dos crimes que lhes deram origem seja penalmente perseguido ou submetido a uma reacção penal, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
    3. Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular as verdadeiras natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade de vantagens.
    4. A punição pelos crimes previstos nos n.ºs 2 e 3 tem lugar ainda que o facto ilícito típico de onde provêm as vantagens tenha sido praticado fora da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM, desde que seja também punível pela lei do Estado ou Região com jurisdição sobre o facto.
    5. O facto não é punível quando o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e a queixa não tenha sido tempestivamente apresentada, salvo se as vantagens forem provenientes dos factos ilícitos típicos previstos nos artigos 166º e 167º do Código Penal.
    6. A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena prevista para o facto ilícito típico de onde provêm as vantagens.
    7. Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de as vantagens serem provenientes de factos ilícitos típicos de duas ou mais espécies, levar-se-á em conta a pena cujo limite máximo seja mais elevado.
    
    Anteriormente, tal crime era tipicizado pelo art. 10°, n° 1, alínea a), da Lei n° 6/97/M, de 30 de Julho, também conhecida como "Lei da Criminalidade Organizada".
    Nos termos do referido preceito legal:
    “1. Quem, sem prejuízo do disposto nos artigos 227º e 228º do Código Penal, sabendo que os bens ou produtos são provenientes da prática de crime:
    a) Converter, transferir, auxiliar ou por qualquer meio facilitar alguma operação de conversão ou transferência desses bens ou produtos, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, com o fim de ocultar ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar uma pessoa implicada na prática de crime a eximir-se às consequências jurídicas dos seus actos, é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos e pena de multa até 600 dias;
    b) Ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, propriedade desses bens ou produtos ou de direitos a eles relativos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos e pena de multa até 360 dias;
    c) Os adquirir ou receber a qualquer título, utilizar, deter ou conservar, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e pena de multa até 240 dias.
    2. A punição pelos crimes previstos no número anterior tem lugar, ainda que a prática dos crimes de que resultam os referidos bens ou produtos haja ocorrido fora do território de Macau.
    3. A punição pelos crimes previstos no n.º 1 não excederá a aplicável às correspondentes infracções que deram origem aos bens ou produtos,
    4. Quando os crimes previstos no n.º 1 forem praticados por pessoa colectiva ou demais entidades previstas no n.º 1 do artigo 14.°, a pena é de multa até 600 dias."
    
    2.7. Perante esta sucessão temporal de leis inciminatórias, sendo que as condutas dos arguidos ora sob apreciação se dilataram no tempo, ficando abrangidas por um e outro diploma, importa reter o que estipula o art. 2° do Código Penal (CP):
    “1. As penas e medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
    2. O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do elenco das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a respectiva execução e os seus efeitos penais.
    3. Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período.
    4. Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado."
    
    2.8. Subjaz ao recurso do MP um argumento formal relativo à possibilidade abstracta de aplicabilidade da lei com moldura abstracta mais grave para o crime em apreço, superior a 8 anos, para permitir a interposição do recurso do acórdão do TSI.
     Para esse efeito, o do recurso, contaria a moldura abstracta da pena de prisão de 5 a 12 anos ou 2 a 10 anos (cfr. art. 10°, n° 1, al. a) e b), da lei velha, de 1997).
    
    2.9. Afigura-se que não lhe assiste razão.
    Desde logo se observa que em violação do n.º 4 do supra citado artigo 2º do CP.
    Poder-se-ia sustentar que no momento de admissibilidade do recurso importa tão somente configurar a possibilidade de aplicação de uma das leis, sendo que a lei mais desfavorável abriria a porta do recurso e, uma vez aberta, daria azo à análise substantiva do mesmo, sendo esta indiferente à admissibilidade do recurso, mesmo que se viesse a aplicar a lei mais favorável.
    Se assim fosse, estar-se-ia até a retirar da lei mais desfavorável um argumento que reverteria em favor ou desfavor do arguido consoante o beneficiário do recurso interposto e e a retirar da lei mais favorável a moldura aplicável à escolha da pena concreta.
    O que por si só evidencia uma flagrante e inaceitável quebra do regime a adoptar, sendo consensual que a escolha de uma ou outra lei deve operar em bloco e não deve ser fragmentizada.
    
    2.10. As Instâncias sempre tomaram como lei aplicável a lei nova, a Lei n.º 2/2006, questão que, embora sendo de direito, se mostra estabilizada e nunca foi posta em crise. Donde não fazer sentido abalar agora a sua aplicabilidade, sendo certo que nem disso se trata, pretendendo-se tão somente invocá-la para permitir encetar por vias ínvias mais um grau de recurso.
    
     2.11. Quando a lei fala em regime mais favorável - o citado n° 4 do art. 2º do CP - impõe-se a aplicação em bloco desse regime mais favorável.
    Isto significa que o “juízo complexivo de maior ou menor favor não deve resultar apenas, em princípio, da contemplação isolada de um elemento do tipo legal ou da sanção, mas da totalidade do regime a que o caso se submete.”2
    Ou seja, “sucedendo-se várias leis penais no tempo sobre a incriminação do delinquente até ao trânsito em julgado da sentença, o juiz terá de fazer o cômputo da situação perante cada uma dessas leis, optando depois por aplicar, em bloco, a lei que lhe for mais favorável”.3
    O que reforçaria, a um olhar mais desatento, a posição de quem pretende uma reapreciação do caso concreto e respectivo re-enquadramento jurídico-penal.
    Mas importa não confundir os conceitos. Uma coisa é a lei aplicável de que fala o art. 390º, n.º 1, f) do CPP, outra, o regime que concretamente se mostrar mais favorável do art. 2º, n.º 4. Este último deve ser perspectivado através de uma ponderação concreta, o que significa que o processo cognoscitivo há-de ter em conta a situação do caso particular sub juditio. Escolhido o regime é por ele que se aferirá da integração processual para efeitos de admissibilidade do recurso.
    
    2.11. Mas essa determinação concreta não significa que, em certos casos, a partir da análise abstracta se não alcance, ab initio, do melhor regime de favor, pro reo. Não será então necessário realizar todo o processo de determinação da pena concreta, segundo cada uma das leis, já que se torna evidente que numa simples consideração abstracta uma das leis é mais favorável do que a outra.4
    É esta a situação dos autos.
    
    2.12. Feito o cotejo entre os regimes da Lei n° 6/97/M e da Lei n° 2/2006, resulta óbvia a aplicação ao caso subjudice deste último, como o regime mais favorável.
    Desde logo, a moldura das penas numa e noutra lei são manifestamente diferentes e não há margem para dúvidas para saber qual a mais branda. Naquela, na Lei n° 6/97/M, tínhamos uma pena de prisão de 5 a 12 anos (cfr., art. 10°, n° 1, al. a) e b)), acrescida ainda de multa até 600 dias; nesta, na Lei n° 2/2006, 2 a 8 anos(cfr., art. 3°).
    Analisando os diferentes regimes globalmente, constata-se ainda que a Lei 2/2006, a lei nova que passou a regular exaustiva, mas não exclusivamente, o crime de branqueamento de capitais, não trouxe qualquer agravamento da regulamentação que decorria da lei velha, mesmo para além do estabelecimento das penas principais. Revogam-se os artigos 10º, 14º e 18º, n.º 3, 4 e 5, da lei velha, respeitantes às penas principais, à responsabilidade das pessoas colectivas e as penas acessórias relativas à responsabilidade colectiva, estas duas últimas matérias sem interesse para o caso sub judice.
    Em termos de sanções acessórias a lei nova nada prevê.
    Noutros domínios o regime da lei velha afigura-se também mais gravoso, nomeadamente no respeitante à insusceptibilidade de suspensão da pena concretamente aplicada, reincidência e à prorrogação da pena - se não mesmo em relação às penas acessórias - (artigos 17º, 19 e 21º da Lei n.º 6/977M), visto o teor do n.º 2 do art. 11º da Lei n.º 2/2006 que parece ressalvar apenas manutenção das remissões para o art. 10º da Lei n.º 6/97 “quando se verifiquem as circunstâncias agravantes previstas no art. 4º”.
    E quanto à penas principais não há margem para dúvidas, qualquer que seja a óptica a considerar, seja em termos de pena mínima, seja em termos de pena máxima, mais nada se prevendo desfavoravelmente ao arguido na lei nova, apenas com uma excepção, que seria a consideração da possibilidade de agravação, resultante do art. 4º da Lei n.º 2/2006, mas mesmo aí os limites máximos da moldura abstracta não ultrapassariam os da lei velha e os limites mínimos ficariam abaixo daquela (ou seja, mesmo com agravação, inaplicável ao caso - porquanto não praticado nem por associação criminosa ou sociedade secreta ou pessoa integrante dela, por conexão com terrorismo, tráfico de estupefacientes ou equiparados ou com tráfico de pessoas armas ou explosivos -, a pena seria a de 4 a 12 anos contra 5 a 12).
    
    2. 13. Noutra perspectiva, mesmo que se considerasse que seria de operar uma ponderação diferenciada, tal como minoritariamente defende certa doutrina,5 contra uma ponderação unitária, (tendo-se a ponderação diferenciada como aquela que aplica as disposições das duas leis que sejam mais favoráveis), nunca tal abrangência podia fazer equivaler duas normas de natureza diferente, fazendo com que a norma processual de admissibilidade do recurso permitisse o chamamento da lei mais gravosa a fim de o admitir, para, depois, a desaplicar. Nesse caso já não estaríamos perante um caso de aplicação de lei no tempo, pois que se pressupõe que, nesse momento, - o da admissão -, a opção pela lei aplicável esteja tomada.
    
    2. 14. O mesmo é dizer que para tais efeitos não se pode levar em linha de conta com qualquer diferente enquadramento jurídico-penal em relação aos crimes em presença, conjecturável apenas no momento em que se pretende interpor o recurso, sem que essa configuração tenha sido de alguma forma questionada ou ventilada nos autos, extravasando o objecto do processo em manifesta violação do princípio da vinculação temática.
    
    2.15. E nesta conformidade, atento o preceituado na al. f) do n° 1 do art. 390° do C.P.P.M., imperativa nos parece a conclusão de que irrecorrível é a decisão na parte aqui em causa, na esteira, aliás, do que o Mmo Juiz Relator expressou no seu despacho preliminar, mas que só razões de prudência o levaram a encaminhar os autos para tribunal superior.
    
    2.16. Acresce que, ainda em termos meramente formais, tal como se consignou no despacho preliminar de admissão de recurso, que será de concluir que “se da aplicação da Lei n° 2/2006 resulta a irrecorribilidade da decisão em causa, será então esta a mais favorável para os ora recorridos, visto até que com o recurso se pretende uma nova alteração da qualificação jurídica operada pelo acórdão deste T.S.I. de 30.10.2008, voltando-se a condenar respectivamente os recorridos como autores em concurso real de 8, 5 e 3 crimes de branqueamento de capitais", o que não se mostra em harmonia com o regime previsto no referido art. 2°, n° 4 do C.P.M..
    
    2.17.1. Por todas estas razões somos a julgar no sentido da irrecorribilidade da decisão proferida pelo TSI, pelo que nessa parte se deve ter essa decisão por transitada, enquanto decisão final, ou seja, da qual já não é possível recorrer ou até reclamar.
    
    2.17.2. Tais razões, como é óbvio, são igualmente válidas para o julgamento a que ora se procede, no sentido de considerar inadmissíveis os recursos interpostos, no segmento em análise, da decisão penal, pelos restantes arguidos A, B e C.
    
    2.17.3. Prejudicadas ficam as outras questões suscitadas e que se prendiam com razões da inadmissibilidade do recurso, tais com as colocadas por este últimos, atinentes às limitações do julgamento da matéria de facto por banda do TUI, o que conduziria, na sua óptica à impossibilidade do conhecimento das questões suscitadas no recurso do MP.
    
    2.17.4. Prejudicada fica também a questão da tempestividade do recurso destes arguidos.
    
    3. Do recurso relativo ao segmento decisório que revogou a decisão que condenou os arguidos E e D no pagamento de uma indemnização à R.A.E.M. (Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China) de MOP$20.000.000,00 e MOP$30.000.000,00, respectivamente.
    
    3.1. Num primeiro relance, mais desatento, poderia resultar de uma leitura ao estatuído no n.° 2 do acima transcrito art. 390º do CPP e tendo em conta o quantum das indemnizações em causa, (MOP$20.000.000,00 e MOP$30.000.000,00), que adequado seria considerar que não há obstáculo à admissão do recurso na parte em questão.
    Para efeitos de recurso importa considerar dois vectores: o da alçada e a sucumbência em valor superior a metade da alçada.
    Os valores em causa, da parte cível, situam-se acima do valor da alçada do TSI, MOP 1.000.000,00, sabendo-se que em matéria penal não há alçada - art. 18º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 9/99, de 20 de Dez.
    
    3.2. Perante a previsão do art. 390º do CPP desde logo uma dúvida nos assalta, qual seja a de não ter havido pedido de indemnização cível e assim surge a interrogação legítima acerca da existência ou não de uma decisão desfavorável contida na decisão impugnada que revogou a indemnização oficiosamente arbitrada pelo Colectivo do Tribunal Judical de ase (TJB).
    Desfavorável, em que medida, se não foi formulado qualquer pedido?
    E se desfavorável, porque revogatória da atribuição de um quid patrimonial indemnizatório à RAEM, há que ter em atenção que a decisão impugnada não suprimiu essa atribuição, antes entendeu que não estavam apurados os necessários pressupostos para essa atribuição, donde a questão dever ser discutida nos meios comuns.
    
    3.3. Na medida em que não se formula um pedido indemnizatório, fundando-se as referidas indemnizações num poder oficioso agora reconduzido ao lugar próprio de apuramento, não se vê, ou, pelo menos, não vem invocado qual o prejuízo dos interesses defendidos pelo MP. Dir-se-á até que a decisão lhe é mais favorável na medida em que devendo ter a indemnização uma natureza e função reparadora, pode até ocorrer que os danos sejam maiores. E se inferiores, nem sequer o MP o sabe, na medida em que os não quantificou, nem pediu.
    
    3.4. É certo que o CPP adopta a regra geral da recorribilidade das decisões, - art. 389º -, mas essa regra sofre determinadas restrições em função de vários critérios.
    Na verdade, a lei não fala em pedido, o que poderia levar a considerar a desnecessidade da sua formulação. Contrariamente ao ordenamento português6 (aqui citado como mera referência de Direito Comparado), se a nossa lei não fala em pedido cível, no n° 2 do art. 390º do CPP, não é menos certo que o art.º 71º, n.º 3 e 74º prevêem a sua fixação oficiosa.
    Só que, como acima dito, a questão não reside somente nesse detalhe, mas no facto de se não entender que tenha havido decisão desfavorável. Basta imaginar que os prejuízos tenham sido superiores para logo se perceber que a revogação desse arbitramento se traduziu numa decisão favorável para a RAEM. É que, não tendo sido deduzido pedido cível e considerando que a indemnização já foi arbitrada, tem de se entender que o ressarcimento se mostra completo, pelo que, naquele caso, o desfavor e prejuízo da RAEM seriam evidentes e irreversíveis.
    
    3.5. Acresce que, vista a unidade do julgamento crime e cível não deixaria de frustrar a unidade do sistema unitário delineado na nossa lei processual penal, o conhecimento do recurso cível, sendo irrecorrível a correspondente decisão penal.
    Especialmente quando não se trata de um enxerto cível na acção penal, mas de um arbitramento oficioso, não valendo aqui as regras que justificam a implementação de um recurso cível sujeito às regras próprias do processo civil, dando-se mais garantias aos interesses disponíveis do que aos de natureza indisponível.7
    
    3.6. As especificidades próprias da tramitação cível enxertada não se compaginam com um regime próprio de um recurso autónomo em matéria cível, podendo até originar uma contradição insanável dentro do mesmo processo.
    Razões que se assumem tanto mais ponderosas, tal como se assinalou, pelo menos, quando a indemnização é arbitrada oficiosamente, como é o caso.
    Transitada em julgado a causa penal, por irrecorribilidade da mesma, extingue-se a instância cível naquela ancorada, o que claramente se acentua quando a instância não depende da iniciativa das partes, assumindo aqui o princípio da adesão uma maior evidência8.
    
    3.7. Aliás, ainda em termos de Direito Comparado, esse era o entendimento com força obrigatória geral, até ao momento em que o legislador veio tomar posição expressa, definindo o alargamento do recurso em matéria cível, mesmo quando não admissível recurso em matéria penal.9
    
    3.8. Deixar subir ao TUI um recurso cível enxertado na acção penal sem a limitação da dupla conforme não faria muito sentido. É que nem as acções cíveis merecem um 3º grau de apreciação, mesmo verificando-se os pressupostos da alçada e sucumbência se a 2º Instância confirmar a 1ª sem voto de vencido. Para quem defenda tal possibilidade impõe-se a mesma limitação decorrente do art.º 638º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).
    
    3.9. Por fim, há ainda uma outra questão não desprezível.
    Qual a natureza da dita indemnização? A que título foi arbitrada tal quantia à RAEM? Sabemos que o foi a título oficioso e, pelo menos, a título de danos morais. Sobre os danos patrimoniais nada se sabe, nem o MP os quantifica mesmo agora nas suas alegações de recurso, parecendo até que se fica apenas pelos interesses morais. Mas se assim é, fica sem se saber qual o segmento dos danos patrimoniais contemplados na decisão proferida na 1ª Instância, se é que os contemplou.
    Fica-se sem saber se a indemnização abarca o aumento dos custos das obras, ou se tal circunstância constitui mero factor de abalo e sacrifício social. (Atente-se na equivocidade da referência feita à indemnização, fls. 11994 v, in sentença da 1ª Instância, “Os 5º, 6º e 7º arguidos violaram o princípio da igualdade, publicidade e Justiça dos concursos públicos, fazendo aumentar o preço de construção das obras, o que fez com que o desenvolvimento sofresse sacrifícios, diminuindo a confiança no sistema jurídico, impedindo de facto o progresso social. Por outro lado, os crimes praticados implicam grande influência negativa na sociedade jurídica, bem como no funcionamento da sociedade, prejudicando gravemente o prestígio e dignidade da RAEM e Governo”)
    
    E tanto bastaria para não ser sustentável a manutenção de uma decisão indemnizatória apenas pelos danos morais, admitindo-se até a existência de danos patrimoniais não computados.
    Ora, tais razões, em última análise, não deixariam de conduzir à rejeição do recurso, por manifesta improcedência, visto disposto no art. 410º, n.º 1 do CPP.
    
    3.10. Por todas as apontadas razões - bastando aqui as relativas à irrecorribilidade -, tem-se o recurso do MP, ainda nesta parte (indemnizações), por inadmissível
    Anota-se que o recurso interposto por D, sobre a indemnização, não foi, em sede preliminar, admitido pelo Mmo relator.
    
    4. Do recurso do arguido D (cfr. fls. 12912 a 13014), relativo à perda do montante prometido para prática de acto ilícito.
    
    4.1. Vem o arguido recorrer, insurgindo-se contra o acórdão deste TSI que o condenou, como autor e em concurso real, por 3 crimes de "corrupção activa para acto ilícito" e 1 outro crime de "branqueamento de capitais", confirmando-se a declaração de perdimento de MOP$46.431.000,00, e revogando-se a sua condenação no pagamento de uma indemnização de MOP$30.000.000,00 à RAEM.
    No que toca à parte que diz respeito à sua condenação como autor da prática dos 3 referidos crimes de "corrupção activa para acto ilícito", o recurso não foi preliminarmente admitido, pelo que , como já se frisou, não será objecto de apreciação.
    No que toca à decisão de revogação da sua condenação no pagamento de uma indemnização de MOP$30.000.000,00 à R.A.E.M., também nesse segmento o recurso não foi recebido, pelas razões doutamente aduzidas, pelo que dele também não se curará.
    
    4.2. Quanto à decisão de confirmação da declaração de perda de MOP$46.431.000,00.
    De certa forma, numa abordagem mais desprevenida, parece que valeriam aqui as razões que se aduziram em sede da admissibilidade do recurso relativo à indemnização cível.
    Mas não assim exactamente.
    É que aqui trata-se de uma perda de uma vantagem, traduzida numa coisa fungível, enquanto meio de pagamento, que é o dinheiro, correspondente aos montantes prometidos no cometimento do acto ilícito que vem comprovado.
    Esta medida está intimamente ligada à decisão penal e não deixa de ter uma natureza, se não de pena acessória10, pelo menos a de providência sancionatória de natureza análoga à medida de segurança11, próxima da natureza penal, assumindo-se como uma consequência ou, pelo menos, da decorrência de uma condenação ou prática de acto ilícito.
    A sua íntima ligação à decisão penal é o factor que a distingue da indemnização cível arbitrada em processo penal, não se compreendendo facilmente que aos titulares dos interesses subjacentes fosse concedida mais uma via de recurso não facultada aos titulares dos interesses nuclearmente perseguidos pela acção penal.
    
    4.3. A não ser que se considere que esses interesses, quais sejam os da prevenção da criminalidade em globo e o acentuar da tónica de que o crime não compensa,12sobrelevem de tal forma que justifiquem a sua apreciação pelo mais Alto tribunal.
    
    4.4. Entendendo que não caberia recurso das decisões desta natureza e similares (como multa e custas), tal posição poderia radicar-se na interpretação do que sejam decisões, em recurso, contidas em acórdãos do TSI que não ponham termo à causa, conforme previsto no artigo 390º, n.º 1, d) do CPP.
    Numa aproximação ao entendimento de que não pôr termo à causa pode significar proferir decisões pelo TSI em matérias interlocutórias, acessórias ou sem autonomia, em última instância, quer seja decisão proferida em recurso, quer por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental deferida por lei.13
    
    4.5. Em todo o caso, importa observar que sobre esta matéria o TUI já tomou posição - se é que se entende que valem para a perda de objectos do art. 101º as mesmas razões para a perda de coisas, direitos ou vantagens do art. 103º do CP.14 E tomou posição para admitir o recurso, por analogia com a situação prevista no n.º 2 do art. 390º do Código de Processo Penal, em decisões desta natureza.
    Assim sendo, não se questionando tal decisão, no que respeita à declaração de perda de objectos, somos a acompanhar o entendimento anterior do TUI, no nosso caso, também para a perda de vantagens - pese embora a diferença de regimes15 -, em nome e por causa dos superiores interesses subjacentes à providência que, assim, para além da sua carga patrimonial, tem ínsitas razões de segurança e prevenção da criminalidade.
    
    5. Admitindo-se o recurso, nesta parte, importa dele conhecer, não se vendo razões que obstem a tal conhecimento imediato.
    
    5.1. E o que sobre ele se evidencia é uma falta manifesta de fundamentos que conduzirão necessariamente à improcedência, com consequente rejeição, face ao disposto no art. 409º, n.º 2, a) e 410º, n.º 1 do CPP.
    
    5.2. Desde logo se observa que o recorrente nas suas conclusões de recurso corrige as insuficiências detectadas aquando do recurso para a 2ª instância.
    E se agora não se configura nenhuma rejeição de ordem formal, o certo é que naquele primeiro recurso ela não deixou de existir, o que levou à improcedência do recurso, conforme decidido no acórdão ora recorrido.
    
    5.3. Assinala-se que o objecto legal dos recursos é a decisão recorrida e não a questão por esta julgada.16
    E ali (decisão recorrida) se decidiu que, estando tal montante (o declarado perdido) relacionado com os crimes de corrupção, óbvio é que motivos não há para se proceder à pretendida revogação, até porque desatendidas as razões em que se baseava para pedir a sua absolvição.

5.4. Mais se assinalou que “é nas conclusões que se identificam as questões a apreciar pelo Tribunal de recurso, e, como se compreenderá, ao recorrente não basta, como no caso sucede, pedir a revogação de uma decisão, sem especificar, ainda que sumariamente, as razões do seu pedido.”
Para se dizer ainda que “Por sua vez, e ainda que assim também não seja de entender, (o que não cremos) inegável é que o “pedido” deduzido, ou melhor, a “questão” colocada, é, necessariamente, uma “questão de direito”, e, assim, ao recorrente cabia observar, (ainda que minimamente), o estatuído no art. 402°, n° 2 do C.P.P.M.
(...)
Ora como se vê, no caso, é totalmente omissa qualquer alegação quanto a esta matéria, (o que já sucedia na primeira versão das conclusões pelo recorrente apresentadas).”
    
    5.5. Vem agora o recorrente nas suas alegações de recurso para este Tribunal dizer que não é verdade que não tenha justificado o seu pedido de levantamento das perdas, porquanto tal resulta das conclusões 31º e 32º.
    Ora, se é verdade que nessas conclusões se refere à insusceptibilidade de perda da quantia de MOP 46,431,000.00, na medida em que sendo uma promessa, não havia sido autonomizada para pagamento ao Ex-Secretário L (concl. 31ª) e que não é susceptível de ser apreendida porquanto não se trata de objecto corpóreo susceptível de apreensão e se o fosse deveria responder o património da M e jamais o património do recorrente (concl. 32ª), continua a ser verdade o que se afirmou quanto à falta de indicação das normas violadas sobre esta matéria.
    Procura agora o recorrente emendar a mão e indica as normas violadas, para além de desenvolver e ampliar os fundamentos anteriormente aduzidos, como seja o facto de uma promessa de pagamento de uma certa quantia, porque não autonomizada, não poder ser perdida (mesmo argumento, embora esclarecendo o alcance da autonomia); recompensa prometida ao agente do facto ilícito beneficiário (argumento novo); o recorrente nada beneficiou (argumento novo); actuação como mandante de eventuais beneficiados do alegado facto ilícito(argumento novo).
    
    5.6. Desta análise se conclui que o recurso se configura como manifestamente votado ao fracasso, ao malogro, porque é flagrante que o recorrente não tem razão alguma para impugnar a decisão.17
    Naquilo em que lhe assiste alguma razão, que é a referência a uma motivação por que pede a revogação da perda de tal quantia, como facilmente se alcança, as razões então avançadas eram curtas e não lhe é legítimo alargar agora o âmbito do conhecimento, para mais, com matéria que não vem comprovada e não cabendo a este Tribunal, em princípio, conhecer de matéria de facto.
    Na verdade, o objecto do recurso é a decisão recorrida, não sendo lícito às partes, em princípio, suscitar questões nela não apreciadas.
     Atendendo, no entanto, aos argumentos esgrimidos no TSI, esbarra o recurso com as apontadas irregularidades formais insanáveis, tal como apontado, e quanto às razões substantivas, face ao disposto no art. 103º do CPP resulta claro que o dinheiro pode ser declarado perdido, ainda que não tendo sido corporeamente apreendido. Enquanto valor prometido cabe na previsão da norma. Enquanto coisa ou vantagem prometida, a falta de autonomia liga-se à natureza da promessa. E quanto à responsabilidade dos titulares das perdas não se indicou ali por que razão devia responder o património da M ou da O e o que ora se adianta, para além de extravasar o que oportunamente devia ter sido alegado, provado não está.
    
    Por estas razões se rejeita, nesta parte, o recurso nos termos dos artigos 407º, n.º 3 - c), 409º, n.º 2 - a) e 410º, do CPP.
    
    
    6. É tempo de formular uma síntese sumária e conclusiva das razões ora invocadas.
    
    - O recurso interposto pelo MP não é admitido, por irrecorrível a decisão proferida em 2º grau de apreciação pelo TSI, já que não é permitido por lei o recurso para o TUI das decisões penais relativas aos crimes com pena aplicável não superior a 8 anos, mesmo em concurso de infracções, situação que se verifica no caso concreto, pois a pena máxima abstracta do crime mais grave aplicável aos arguidos não excedia aquele limite.
    
    - Não é possível recorrer a uma pena contida numa lei que já não está em vigor, ainda que vigente no momento da prática dos factos, pois a lei diz que se sobrevier uma lei mais favorável é essa que o Tribunal deve aplicar.
    
    - Tanto mais que o uso que se pretendia fazer dessa lei era para agravar a condenação dos arguidos e a lei o não permite quando se tem de escolher entre duas penas que se sucedem no tempo.
    
    - A lei que ora se pretendia aplicar, a lei velha, era manifestamente mais gravosa para os arguidos e nunca foi usada ou reclamada nos autos.
    
    - Se a reapreciação do crime, seus pressupostos e enquadramento, não pode subir ao mais alto Tribunal, não faz sentido que uma acção dele dependente ali possa subir.
    
    - O arbitramento oficioso de uma indemnização, implicando apenas a tutela de interesses disponíveis e patrimoniais, não pode ter mais garantias, em termos de recurso e de reapreciação do que os interesses indisponíveis e os relativos ao interesse público prosseguido através da acção penal.
    
    - O enxerto cível não pode ter mais garantias recursórias do que a as acções cíveis deduzidas em separado
    
    - A perda de coisas ou vantagens relacionadas com a prática de actos ilícitos, mesmo em termos de promessas que consubstanciem e motivem uma conduta criminosa, ainda que severa, deve ser vista em função de superiores interesses da Comunidade e desincentivar a prática do crime, de forma a que os cidadãos fiquem cientes de que o crime não compensa, de forma a criar-se a consciência de uma sociedade transparente e impoluta.
    
    - Esses superiores interesses poderão justificar a intervenção do Tribunal de Última Instância.
    
    - Se as razões que procuram sustentar a revogação da declaração de perda de determinadas quantias prometidas para a prática de crimes não têm suporte factual apurado pelas instâncias e não são aptas de forma manifesta a suportar uma outra interpretação que não seja o do perda a favor da RAEM, o recurso, nessa parte deve ser rejeitado.
    
    IV - DECISÃO
    Por todas as apontadas razões, acordam:
    
    - em não admitir o recurso interposto pelo MP, vista a irrecorribilidade da decisão penal condenatória e vista a irrecorribilidade da decisão relativa às indemnizações;
    
    - em não admitir o recurso interposto por A, B e C, vista a irrecorribilidade da decisão penal condenatória;
    
    - em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente, interposto por D, relativo à perda da apontada quantia.
    
    Sem custas o MP, por delas estar isento.
    
    Pagarão os recorrentes A, B e C a taxa de justiça de 5 UCs, pelo não recebimento de recurso; o recorrente D, 8 UCs, pelo não recebimento de parte do recurso e pela rejeição da outra parte, devendo este último pagar ainda o montante de 4 UCs, a título de sanção, ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.º 4 do CPP.

Macau, aos 3 de Dezembro de 2008
Juízes: João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira (Relator) –
Tam Hio Wa – Fong Man Chong

    
1 - Ac. de 17.9.2003, Proc. n.º 20/2003 e Ac de 15.10.2003, Proc. n° 25/2003

2 - Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, 191
3 - Maia Gonçalves, CPP Anot., Almedina, 2004,56
4 - Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, PUC, 2003, 232
5 - Taipa de Carvalho, ob. cit. 234 e, mais mitigadamente, parece, Figueiredo Dias, ob. cit. 191
6 - “Contrariamente ao que sucede com o C.P.P. Português, (quiçá, devido ao facto de as suas primeiras versões não preverem o arbitramento oficioso”), como bem se observa no despacho preliminar do Mmo Relator.
7 - Em termos de Jurisp. Comparada, Ac. STJ de 12 de Nov./92, CJ, Ano XVII, V, 14
8 - Cfr. anot de Maia Gonçalves, CPP, ob. cit. 200 e Vinício Ribeiro, CPP Anot., Coimbra Editora, 126 2008
9 - Ac. de fixação de Jurisprudência do STJ, de 14/3/2002, proc. 98P255-A, DR I S-A, n.º 117, de 21/5/02, p. 4635 e n.º 3 do art. 400º do CPPP, aditado pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto.
- O Ac. TC 338/2005, DR, II Série, de 2977/2005 não julgou inconstitucional o art. 432º, al. b) conjugado com o art. 400º, n.º 1, e) e 2, do CPP, interpretado no sentido de que não cabia recurso para o STJ de decisão do TR relativa à indemnização civil, proferida em segunda instância, se irrecorrível a correspondente decisão penal.
10 - Damião da Cunha, Da Perda de Objectos Relacionados com o Crime, cit. por Figueiredo Dias, Dto Penal Port., Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Ed. Notícias, 1993, 630
11 - Figueiredo Dias, ob. cit. na nota anterior, 638
12 - Figueiredo Dias, ob. cit. 632
13 - Ac. STJ, de 16/2/2005, proc. 04P4551, Rel. Henriques Gaspar
14 - Trata-se do proc. 18/2004, de 28/7/2004
15 - Figueiredo Dias, ob. cit. 628 e 638, fala da mesma natureza, no que não é acompanhado por outra doutrina portuguesa, alemã e austríaca, como ele próprio nos dá conta
16 - Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, III, Verbo, 2000, 315
17 - Leal Henriques, Manual de Formação de Dto Proc. Penal de Macau II, CFJJ, 2006, 186
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51/2008-TUI 1/83