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Processo nº 149/2020 Data: 24.11.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Processo de execução.
Embargos de executado.
Título executivo.
Documento particular.
Constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária.
Reconhecimento de dívida.



SUMÁRIO

1. Toda a execução tem por base um “título” – peça fundamental à sua instauração – pelo qual se determina o seu fim – pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou, prestação de um facto – bem como os seus limites objectivos – quantia exequenda, identidade da coisa a entregar ou, especificação do facto a prestar – e subjectivos – exequente(s) e executado(s).

É, pois, princípio “básico” em processo executivo de que: “Nulla exsecutio sine titulo”.

2. As exigências da Lei quanto à formação do título destinam-se a estabelecer a garantia (ou a dar a segurança) de que onde está um “título executivo”, está, ao mesmo tempo, um “direito de crédito”, criando-se assim ao respectivo credor o poder de promover a acção executiva sem necessidade de ver o seu direito judicialmente declarado através de uma (prévia) acção declarativa.

Daí que o “título executivo” tenha de satisfazer a uma certa forma e ter um determinado conteúdo, necessário sendo que o título esteja em condições de certificar a existência de uma obrigação que entre as partes se constituiu e formou, pelo que, do ponto de vista do conteúdo, o título executivo deve representar um facto jurídico constitutivo de um crédito, afastando-se com o mesmo a necessidade de alegar as razões ou causas do direito exequendo, (bastando pois invocar o título e a possibilidade de dele dispor, ou seja, de ter legitimidade para pedir com base no invocado título).

3. Para que um documento particular constitua título executivo, é necessário que esteja assinado pelo devedor e que tal documento importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (art. 689°, n.° 1 do C.P.C.M.) ou de obrigações de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.

4. Do estatuído no art. 452° do C.C.M. retira-se que a lei admite que através de um “acto unilateral” se possa efectuar uma “promessa de uma prestação” ou o “reconhecimento de uma dívida” sem que o devedor tenha que indicar as “razões” e/ou o “fim (jurídico)” que o levam a obrigar-se, presumindo-se a “existência” e a “validade” da relação fundamental.

Porém, (e como se mostra de concluir), trata-se de uma simples presunção cuja prova em contrário produzirá as consequências próprias da “falta de licitude ou da imoralidade da causa do negócio”, ou seja: presume-se que a dívida tem fonte idónea e legal, (seja ela qual for), até prova em contrário.

Isto é, a “promessa” e o “reconhecimento” não deixam de ser “causais”, pelo que pode o devedor, (executado), provar que a relação fundamental não existe ou é nula.

Com efeito, o preceito em questão não consagra a figura das “obrigações abstractas”, apenas dispensa o credor de provar a existência da relação fundamental, invertendo o ónus da prova.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 149/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲) e B (乙), executados nos Autos de Execução – CV3-18-0031-CEO – que lhes foi movida por C (丙), todos devidamente identificados, deduziram oposição mediante embargos de executado alegando a “inexistência da dívida exequenda” e, subsidiariamente, o seu “parcial pagamento”; (cfr., fls. 2 a 5 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Por sentença da Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base de 30.07.2019, e dando-se como inexistente a alegada dívida exequenda, foram os ditos embargos julgados procedentes, com a consequente extinção da execução; (cfr., fls. 83 a 86 e 4 a 14 do Apenso).

*

Inconformado, o dito (exequente e embargado) C recorreu para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 94 a 103).

*

Oportunamente, em apreciação do dito recurso, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 23.04.2020, (Proc. n.° 1269/2019), onde, não obstante considerar existente a dita dívida exequenda, acabou por anular um segmento da decisão da matéria de facto, reenviando o processo para novo julgamento e decisão nos termos do art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M.; (cfr., fls. 155 a 159 e 15 a 31 do Apenso).

*

Vem agora os referidos embargantes A e B recorrer, pedindo a revogação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e a manutenção da sentença da Mma Juiz do Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 166 a 172-v e 32 a 60 do Apenso).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como provada a seguinte matéria de facto:

“- Em 24 de Outubro de 2013, os executados A e B assinaram o documento constante de fls. 31 dos autos de execução, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos jurídicos. (alínea A) dos Factos Assentes).
- O exequente pediu várias vezes aos três a devolução da verba mencionada no “recibo de depósito” n.º 1358, mas, até agora, os três ainda não devolveram a referida verba ao exequente. (resposta ao artigo 5.º da base instrutória)
- No dia 4 de Junho de 2014, o 3.º executado depositou a quantia de RMB¥400.000,00 na conta bancária do exequente (fls. 14 dos autos, cujo teor, e para todos os efeitos jurídicos, se considera aqui integralmente reproduzido). (resposta ao artigo 7.º da base instrutória)
- No dia 7 de Agosto de 2014, o D depositou RMB¥300.000,00 na conta bancária do exequente (fls. 15 dos autos, cujo teor, e para todos os efeitos jurídicos, se considera aqui integralmente reproduzido). (resposta ao artigo 8.º da base instrutória)
- No dia 2 de Setembro de 2014, o 3.º executado depositou RMB¥330.000,00 na conta bancária do exequente (fls. 16 dos autos, cujo teor, e para todos os efeitos jurídicos, se considera aqui integralmente reproduzido). (resposta ao artigo 9.º da base instrutória)
- No dia 8 de Outubro de 2014, o 3.º executado incumbiu ao E a depositar RMB¥300.000,00 na conta bancária do exequente (doc. de fls. 17 dos autos, cujo teor, e para todos os efeitos jurídicos, se considera aqui integralmente reproduzido). (resposta ao artigo 11.º da base instrutória)
- No dia 11 de Outubro de 2014, foi depositado RMB¥300.000,00 na conta bancária do exequente (doc. de fls. 18 dos autos, cujo teor, e para todos os efeitos jurídicos, se considera aqui integralmente reproduzido). (resposta ao artigo 12.º da base instrutória)
- Em data não apurada, o F depositou RMB¥50.000,00 e RMB¥30.000,00, respectivamente na conta bancária do exequente (doc. de fls. 19 a 20 dos autos, cujo teor, e para todos os efeitos jurídicos, se considera aqui integralmente reproduzido). (resposta ao artigo 13.º da base instrutória)”; (cfr., fls. 83-v a 84-v e 7 a 8 do Apenso).

Do direito

3. O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que embora dando como existente a dívida exequenda, anulou parte da decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base e reenviou o processo para novo julgamento.

Vejamos se aos (executados, embargantes e) ora recorrentes assiste razão.

Pois bem, como se deixou relatado, os embargos pelos ora recorrentes deduzidos assentavam em duas razões: por considerarem que inexistia a dívida exequenda, e, subsidiariamente, por considerarem que parcialmente paga estava a reclamada dívida.

Em face de tal oposição, (e em síntese que se nos mostra adequada), o Tribunal Judicial de Base, após efectuar o julgamento da matéria de facto, e ponderando no que nesta se veio a decidir, entendeu que a “declaração” pelo exequente apresentada como “título executivo” e ínsita no “documento constante de fls. 31 dos autos de execução”, (cfr., alínea A) dos factos assentes), não constituía nenhuma declaração de “assunção de obrigação” – ou de “reconhecimento de dívida” por parte dos (executados e) embargantes, ora recorrentes, para com o exequente, (ora recorrido) – constituindo, apenas, uma “declaração de garantia que os aí referidos 2 “talões” ao exequente entregues podiam ser convertidos ou trocados por dinheiro”.

E justificando também tal “entendimento” com base nas respostas aos 3 primeiros quesitos da base instrutória (que resultaram “não provados”), acabou por desconsiderar o “título executivo apresentado”, julgando procedentes os deduzidos embargos, (dando assim por extinta a execução sem conhecer da questão da parcial devolução do valor exequendo por a ter por prejudicada).

Por sua vez, o Tribunal de Segunda Instância, (invertendo o referido “entendimento” pelo Tribunal Judicial de Base assumido), considerou que com o referido “documento de fls. 31”, os “declarantes” – executados, embargantes e ora recorrentes – “assumiram, (clara e) necessariamente, a responsabilidade de pagamento de uma dívida” ao exequente, (embargado e ora recorrido).

Porém, dando aplicação ao art. 452°, n.° 1 do C.C.M. – que preceitua sobre a matéria da “promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida” – considerou ter havido erro no julgamento da matéria de facto, que se apresentava, igualmente, insuficiente, reenviando o processo para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base.

Dest’arte, mostra-se de considerar que a decisão ora recorrida (do Tribunal de Segunda Instância) é, (por assim dizer), constituída por “duas partes”.

Uma “primeira”, onde se emite pronúncia sobre o “sentido” (e entendimento) que se deve retirar do teor da “declaração” contida no referido “documento de fls. 31”, (pelo exequente, ora recorrido, dado à execução como título executivo), e, uma “segunda”, relativamente à “decisão sobre a matéria de facto” julgada pelo Tribunal Judicial de Base.

Considerando que pelos ora recorrentes, (executados e embargantes), vem impugnados ambos os aludidos segmentos decisórios, importa ver que solução merece o seu recurso.

–– Tendo presente que para a decisão de se ter como “inválida” a decisão do Tribunal Judicial de Base quanto à matéria de facto invocou o Tribunal de Segunda Instância o art. 452° do C.C.M., e considerando o neste comando legal preceituado – como se viu, relativamente à “promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida” – lógico se nos apresenta de se começar por apreciar se a reclamada “dívida exequenda” (efectivamente) existe, (pois que a se chegar a uma resposta negativa, mais não será preciso aqui ponderar).

Centremos, então, a nossa atenção nesta “questão” e no referido “documento de fls. 31”.

Em sede do seu Livro I, e relativamente às “disposições fundamentais” preceitua o art. 11°, n°s 1 e 3 do C.P.C.M.:

“1. As acções são declarativas ou executivas.
2. (…)
3. As acções executivas são aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”.

E, dispõe o seguinte art. 12° que:

“1. A acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites.
2. O fim da acção executiva pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo”.

Por sua vez, e já em sede do Livro IV, quanto ao “Processo Comum de Execução”, no Capítulo respeitante ao “Título executivo” e sob a epígrafe “Espécies de títulos executivos” prescreve o art. 677° que:

“À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.

Com efeito, toda a execução tem por base um “título” – peça fundamental à sua instauração – pelo qual se determina o seu fim – pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou, prestação de um facto – bem como os seus limites objectivos – quantia exequenda, identidade da coisa a entregar ou, especificação do facto a prestar – e subjectivos – exequente(s) e executado(s); (cfr., v.g., Lebre de Freitas in, “A Acção Executiva”, pág. 29; J. P. Remédio Marques in, “Curso de Processo Executivo Comum”, pág. 55; e Teixeira de Sousa in, “A exequibilidade da pretensão”, pág. 27).

É, pois, princípio “básico” em processo executivo de que: “Nulla exsecutio sine titulo”; (cfr., Chiovenda in, “Instituciones de Derecho Procesal Civil”, 2ª ed., 1948, Tomo I, pág. 317).

Na verdade, o título executivo é o pressuposto processual necessário e suficiente da acção executiva, com base no qual se fixa o fim e os limites desta.

E assim, tendo-se presente o estatuído no transcrito art. 677° do C.P.C.M., legítimo parece-nos de concluir que as exigências da Lei quanto à formação do título destinam-se a estabelecer a garantia (ou a dar a segurança) de que onde está um “título executivo”, está, ao mesmo tempo, um “direito de crédito”, criando-se assim ao respectivo credor o poder de promover a acção executiva sem necessidade de ver o seu direito judicialmente declarado através de uma (prévia) acção declarativa.

Daí que o “título executivo” tenha de satisfazer uma certa forma e ter um determinado conteúdo, necessário sendo que o título esteja em condições de certificar a existência de uma obrigação que entre as partes se constituiu e formou, pelo que, do ponto de vista do conteúdo, o título executivo deve representar um facto jurídico constitutivo de um crédito, afastando-se com o mesmo a necessidade de alegar as razões ou causas do direito exequendo, (bastando pois invocar o título e a possibilidade de dele dispor, ou seja, de ter legitimidade para pedir com base no invocado título).

Aqui chegados, em causa estando no caso dos autos um “documento particular” – não se olvidando que no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 15.04.2015, Proc. n.° 49/2014 se considerou que “Para que um documento particular constitua título executivo, é necessário que esteja assinado pelo devedor e que tal documento importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (art.º 689.º n.º 1 do Código de Processo Civil) ou de obrigações de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto” – e, atento o estatuído nos art°s 697° e 699° do mesmo código, do qual resulta que em sede de uma execução como a pelo recorrido instaurada aos ora recorrentes, à mesma podem estes opor-se por “embargos”, invocando, como fundamento, a “inexistência ou inexequibilidade do título”, cabe dizer o que segue.

Pois bem, aqui, e da reflexão que tivemos oportunidade de efectuar, cremos que acertado é o entendimento do Tribunal de Segunda Instância, já que também se nos apresenta que o referido “documento de fls. 31 do processo de execução” constitui um (claro) “reconhecimento de uma dívida” no montante de HKD$20.000.000,00 que devia ser pago (em duas prestações de HKD$10.000.000,00 cada) nos dias aí (expressa e respectivamente) inscritos, ou seja, em “8 e 23 de Novembro de 2013”, pelo que mal andou o Tribunal Judicial de Base quando considerou o mesmo como “documento” não bastante para servir de base à execução (pelo recorrido instaurada contra os ora recorrentes).

De facto, (traduzido), tem o dito “documento” o teor seguinte:

“ Declaração
Nós, A (甲), titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), G (庚), titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), e B (乙), titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), adiante designados por declarantes, declaramos, em nome próprio e de todos os sócios da [Sala de VIP(1)], que no dia 24 de Outubro de 2013, esta Sala de VIP emite os recibos de depósito de fichas n.º 1357 e n.º 1358, no valor total de HKD$20.000.000,00, que poderão ser trocados por dinheiro em numerário, livre de qualquer condição adicional, respetivamente nos dias 8 e 23 de Novembro de 2013.
Os declarantes confirmam que, por ter prometido a restituir, por conta do Sr. H (辛), ao Sr. C (丙) a quantia anteriormente depositada na [Sala de VIP(2)], situada no 4º andar de [Hotel(1)], vêm emitir os dois recibos de depósito acima referidos ao Sr. C; os declarantes concordam e prometem que, sem o consentimento escrito do Sr. C (titular do Passaporte da RPC n.º GXXXXXXXX), não podem cancelar ou cessar, ou impedir por qualquer forma o Sr. C de trocar os supracitados dois recibos de depósito, sob pena de incorrer em toda a responsabilidade pela sua recuperação.
Os declarantes estão bem cientes do conteúdo acima exposto, concordam expressamente com o mesmo, assinam para confirmar e assumem voluntariamente toda a responsabilidade pela sua violação.
Assinatura do 1º declarante: (A) Data: 24.10.2013
Assinatura do 2º declarante: (G) Data: 24.10.2013
Assinatura do 3º declarante: (B) Data: 24.10.2013”.

Ora, em face do que se deixou transcrito, e a não se entender a “declaração” pelos embargantes ora recorrentes com o “documento de fls. 31” efectuada como uma (clara e efectiva) “assunção de dívida” perante o embargado – e assim, que nos termos do atrás transcrito art. 677°, al. c) do C.P.C.M. importe a “constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária” – nenhum sentido útil (e minimamente aceitável) se lhe pode reconhecer e atribuir.

Com efeito, mostra-se de ter presente que nos termos do art. 228° do C.C.M.:

“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

Por sua vez, não se pode igualmente olvidar o estatuído no art. 230° do mesmo código, onde se preceitua que:

“1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

E, nesta conformidade, atento o teor do dito “documento de fls. 31” – e, muito especialmente, que nele se fez expressamente constar, (por escrito), que se declara que “(…) em nome próprio (…) se emite os recibos de depósito de fichas n.º 1357 e n.º 1358, no valor total de HKD$20.000.000,00, que poderão ser trocados por dinheiro em numerário, livre de qualquer condição adicional, respetivamente nos dias 8 e 23 de Novembro de 2013 (…) por ter prometido a restituir, por conta do Sr. H (辛), ao Sr. C (丙) a quantia anteriormente depositada (…), e que (…) prometem que, sem o consentimento escrito do Sr. C (titular do Passaporte da RPC n.º GXXXXXXXX), não podem cancelar ou cessar, ou impedir por qualquer forma o Sr. C de trocar os supracitados dois recibos de depósito (…)” – pouco mais se mostra de acrescentar.

Aliás, cabe salientar que, como o próprio recorrido (exequente) o declara na petição inicial apresentada em sede dos autos de execução, pelos ora recorrentes até já foi pago o “talão n.° 1357”, (no valor de HKD$10.000.000,00), o que, também por aí, se não deixa de consignar que se estranha o “esforço na distorção” do (claro) sentido (do teor) da dita “declaração” que, para além de se nos apresentar sem o mais pequeno apoio na (própria) “letra do documento”, constituiu, apenas, o resultado de um exercício interpretativo enviesado e em sentido totalmente contrário ao que se nos mostra dever ser atentas as atrás citadas disposições legais; (cfr., em especial, o art. 228°, n.° 1 e 230°, n.° 1 do C.C.M.).

Nesta conformidade, (e ociosas nos parecendo mais alongadas considerações), impõe-se concluir que, na parte em questão, bem decidiu o Tribunal de Segunda Instância quando ao referido “documento de fls. 31” atribuiu o valor de um “reconhecimento de dívida”, reconhecendo-lhe assim a qualidade de “título executivo” bastante para servir de base à execução pelo ora recorrido proposta.

–– Isto dito, passemos para segmento decisório com o qual se anulou a decisão da matéria de facto.

Aqui, cremos que tem os recorrentes razão.

Vejamos.

Nos termos do atrás referido (e na decisão recorrida invocado) art. 452° do C.C.M.:

“1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental”.

E, atento o assim preceituado, (e sem prejuízo do muito respeito por diverso entendimento), não nos parece que este comando legal seja aplicável à situação dos autos, (para os efeitos pelo Tribunal de Segunda Instância pretendidos).

Com efeito, do mesmo retira-se que a lei admite que através de um “acto unilateral” se possa efectuar uma “promessa de uma prestação” ou o “reconhecimento de uma dívida”, sem que o devedor tenha que indicar as “razões” e/ou o “fim (jurídico)” que o levam a obrigar-se, presumindo-se a “existência” e a “validade” da relação fundamental.

Porém, (e como se mostra de concluir), trata-se de uma simples presunção cuja prova em contrário produzirá as consequências próprias da “falta de licitude ou da imoralidade da causa do negócio”, ou seja: (em síntese que se nos mostra adequada), presume-se que a dívida tem fonte idónea e legal, (seja ela qual for), até prova em contrário; (cfr., v.g., Menezes Cordeiro in, “Direito das Obrigações”, 1980, Vol. I, pág. 565).

Isto é, a “promessa” e o “reconhecimento” não deixam de ser “causais”, pelo que pode o devedor, (executado), provar que a relação fundamental não existe ou é nula.

Com efeito, o preceito em questão não consagra a figura das “obrigações abstractas”, apenas dispensa o credor de provar a existência da relação fundamental, invertendo o ónus da prova.

In casu, em face do teor da “declaração” aqui em questão, (e, independentemente do demais), cremos que (bem) esclarecida e expressamente indicada está a sua “causa”, (não se tratando de um acto unilateral de reconhecimento de dívida “sem indicação da respectiva causa”).

Com efeito, a mesma “declaração” tem expressa e precisamente como “causa” o (anterior) depósito de HKD$24.000.000,00 que C, (exequente), tinha efectuado no “[Sala de VIP(2)]”, e, nesta conformidade, (aplicável não se mostrando ser o referido preceito do art. 452° do C.C.M.), não nos parece que motivos existam para a conclusão a que se chegou no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, (aliás, a detectada “contradição” também apenas ocorre após o “sentido” no Acórdão recorrido atribuído ao referido “documento de fls. 31”).

*

Nesta conformidade, e não obstante resolvidas que se nos apresentam as (2) “questões” pelos recorrentes colocadas, necessário se apresenta de consignar o seguinte.

Como resulta da petição inicial apresentada em sede da execução pelo ora recorrido instaurada, com a mesma pretendia o mesmo obter o pagamento do valor de HKD$10.000.000,00 – referenciado no “talão n.° 1358” – e os seus juros, calculados no montante total de MOP$14.531.606,85; (cfr., fls. 2 a 4 do processo de execução).

Por sua vez, e como se viu, em sede dos embargos que em oposição à referida execução deduziram os ora recorrentes, pelos mesmos foi invocado o “parcial pagamento da dívida exequenda”.

Não tendo o Tribunal Judicial de Base apreciado tal questão por a ter por prejudicada, outra solução não se nos apresenta que não seja pois a devolução dos autos para, aí, e outro motivo não obstando, se apreciar e decidir do pelos ora recorrentes invocado “pagamento parcial” da dívida.

*

Outra questão não havendo a apreciar em sede do presente recurso, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao Tribunal Judicial de Base nos exactos termos consignados.

Pagarão recorrentes e recorrido as custas pelos respectivos decaimentos.

Registe e notifique.

Macau, aos 24 de Novembro de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 149/2020 Pág. 12

Proc. 149/2020 Pág. 13