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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil
N.º 50 / 2007

Recorrente: A, B, C
Recorrido: D






   1. Relatório
   A e B, por si e em representação da sua filha C instauraram uma acção de despejo contra D, pedindo que seja declarado extinto o contrato de arrendamento por caducidade e ordenado o despejo do réu da fracção em causa, e que o réu seja condenado a pagar indemnização aos autores a vários títulos.
   O Tribunal Judicial de Base julgou improcedente a acção por falta de denúncia válida do contrato de arrendamento e absolveu o réu dos pedidos.
   Inconformados com a sentença, os autores recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 52/2007, foi negado provimento ao recurso.
   Deste acórdão vêm agora os autores recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. A denúncia do arrendamento pelo senhorio tem como única limitação temporal a limitação prevista no n.º 2 do art.º 1038.º do C. Civil.
   2. O n.º 2 do art.º 1038.º do C. Civil, não se reporta à comunicação da denúncia, mas ao gozo do direito de denúncia.
   3. Esta limitação visa impor uma duração mínima do arrendamento contra a denúncia exclusivamente derivada da vontade do senhorio.
   4. Por isso o legislador previu que o arrendamento esteja imune à simples vontade de cessação do contrato pelo senhorio pelo período de dois anos (dois anos é o dobro do período que o legislador considera o prazo normal ou supletivo de duração do contrato).
   5. Quando contrato tenha o prazo de duração de dois anos, e o senhorio comunique a sua vontade de denúncia do contrato no seu términus com a antecedência legal, (90 dias, nos termos do art.º 1039.º, n.º 1, al. b)), nenhum motivo nos parece que exista para que não o possa fazer.
   6. Nada no ordenamento jurídico de Macau permite supor ou inferir que o legislador quis estabelecer a favor do arrendatário contra o senhorio um prazo de duração mínimo de três anos para os contratos de arrendamento.
   7. O acórdão recorrido incorreu no erro de interpretação e aplicação ao caso sub judice da norma prevista no art.º 1038.º, n.º 2 do CCM.
   8. A demonstração deste erro de interpretação da norma prevista no n.º 2 do art.º 1038.º do CCM flui do raciocínio explanado na decisão de fls. 153 a 158 do Apenso e na declaração de voto do acórdão recorrido, donde se retiram em síntese, as seguintes conclusões:
   - em primeiro lugar, que o senhorio goza do direito de denunciar o contrato (resulta do n.º l expressamente “nenhuma das partes”, mas também do n.º 2 a contrario sensu “não goza do direito de denunciar … antes do decurso … ”);
   - em segundo lugar, que o senhorio goza do direito de denunciar o contrato para o seu termo ou para o termo da renovação;
   - em terceiro lugar, que a denúncia pelo senhorio só pode ser eficaz decorridos dois anos contados desde o início do arrendamento.
   9. Nesta interpretação da norma prevista no n.º 2 do art.º 1038.º do CCM o gozo do direito de denúncia não se confunde com a comunicação da denúncia.
   10. Assim, nada impede o senhorio de comunicar a denúncia antes de decorridos dois anos sobre o início do arrendamento, desde que o direito de denúncia só se torne efectivo após o prazo supra referido.
   11. O contrato de arrendamento do caso “sub judice” cessou, por denúncia dos senhorios no dia 24 de Junho de 2005, pelo que os ora recorrentes têm direito à devolução do locado livre e devoluto.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso.
   
   O recorrido não apresentou formalmente resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram considerados provados os seguintes factos pelas instâncias:
   “A) Encontra-se registada a favor dos autores A e mulher B e C, a aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção, por compra da fracção BAR/C, do prédio reconstruído n.º XXXXX, sito nas [Endereço].
   B) A 25 de Junho de 2003, a autora B declarou dar de arrendamento ao réu D, que declarou aceitar a loja melhor descrita em A), pelo período de dois anos, com início em 25 de Junho de 2003 e fim a 24 de Junho de 2005, contra o pagamento de renda mensal de HK$11.300,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 36, 37 e 38, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (com tradução a fls. 108 a 110).
   C) Por carta datada de 7 de Março de 2005, enviada por correio registado com aviso de recepção, e recebida pelo réu, os autores notificaram o réu de que não pretendiam a renovação do contrato de arrendamento celebrado e que, após o termo do prazo, a acorrer a 24 de Junho de 2005, deveria o mesmo entregar a fracção livre de pessoas e coisas.
   D) À data referida em C) o réu não desocupou a fracção melhor identificada em A).”
   
   
   2.2 Eficácia da comunicação da denúncia do contrato do arrendamento feita pelo senhorio nos dois anos sobre o início do contrato
   A única questão levantada pelos recorrentes consiste no erro de interpretação e aplicação imputado ao acórdão recorrido da norma constante do art.º 1038.º, n.º 2 do Código Civil (CC), considerando que tal disposição não se reporta à comunicação da denúncia, mas ao gozo do direito de denúncia.
   
   Está em discussão se, no presente processo, a comunicação de denúncia do contrato do arrendamento de dois anos pelos autores como senhorio com a antecedência de três meses e tal é válida, susceptível de impedir a renovação automática do contrato.
   
   Em princípio, o contrato do arrendamento caduca no fim do seu prazo se for denunciado nos termos legais. Mas para o senhorio, há mais uma restrição prevista no art.º 1038.º, n.º 2 do CC:
   “2. No entanto, o senhorio não goza do direito de denunciar o contrato para o seu termo ou para o termo das renovações antes do decurso de 2 anos sobre o início do arrendamento.”
   Isto é, o senhorio não pode denunciar o contrato do arrendamento sem que tenha passado dois anos sobre o início do contrato.
   A “Breve Nota Justificativa” do actual Código Civil permite-nos conhecer o pensamento legislativo da matéria em apreço: “... a reaproximação do instituto às suas raízes ou ortodoxia – de um contrato a termo – não foi feita sem que se mantivessem determinadas salvaguardas tendentes a oferecer um mínimo de estabilidade e tutela dos interesses do arrendatário – pelo que se teve o cuidado, nomeadamente, de manter o elenco taxativo de causas de despejo, bem como a previsão de prazos mínimos para que o arrendamento possa no seu termo ser denunciado pelo senhorio.”1
   Assim, o objectivo da disposição do n.º 2 do art.º 1038.º do CC consiste em proteger o arrendatário em ter uma certa estabilidade do vínculo de arrendamento, através da imposição de um período de dois anos dentro do qual o contrato de arrendamento não pode caducar por iniciativa do senhorio, sem o consentimento do arrendatário.
   Com esta restrição do gozo do direito de denúncia, o arrendatário pode contar com que o contrato do arrendamento vai manter pelo menos por dois anos, mesmo que tenha estipulado um prazo do arrendamento inferior a esta duração.
   
   Para o senhorio, tal norma implica que ele só pode denunciar o contrato do arrendamento ao fim de dois anos sobre o início do contrato. Após o decurso do tal prazo de dois anos, a restrição ao gozo do direito de denúncia deixa de ter aplicação. Assim, depois de passar dois anos sobre o início do contrato do arrendamento, este pode caducar livremente por iniciativa do senhorio, no fim da respectiva duração, observadas as formalidade legalmente prescritas.
   
   A antecedência mínima da comunicação de denúncia prevista no art.º 1039.º do CC constitui uma condição de realização do direito de denunciar o contrato e ver o seu efeito a cessar no fim da respectiva vigência.
   O cumprimento da referida disposição pelo senhorio não está impedido pelo n.º 2 do art.º 1038.º do CC. Do mesmo modo, esta norma não retira a eficácia da comunicação antecedente de denúncia feita pelo senhorio durante o prazo restritivo de dois anos.
   A restrição ao direito de denunciar o contrato do arrendamento pelo senhorio reporta ao gozo do próprio direito, mas já não às formalidades tendentes à sua realização. Ao retirar a eficácia de comunicação de denúncia feita durante os dois anos depois de começar a vigorar o contrato, tal como entendem as instâncias, deixa prolongar o prazo de restrição legalmente prescrito em razão do prazo estipulado no contrato em causa, bem como aumentar o tempo de garantia da estabilidade do contrato para superior a dois anos, o que não é intenção do legislador.
   
   Segundo a factualidade apurada, o prazo do contrato do arrendamento em causa foi dois anos, com o fim previsto para o dia 24 de Junho de 2005. Por carta datada de 7 de Março de 2005, enviada por correio registado com aviso de recepção e recebida pelo réu, os autores notificaram o réu de que não pretendiam a renovação do contrato e que, após o termo do prazo deveria o mesmo entregar a fracção livre de pessoas e coisas.
   Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 1039.º do CC, é de 90 dias a antecedência mínima de comunicação escrita da denúncia ao outro contraente.
   Cumprida esta formalidade e respeitada a limitação ao gozo do direito de denúncia pelo senhorio prevista no n.º 2 do art.º 1038.º do CC, é de considerar que o contrato em causa foi validamente denunciado e caducou no respectivo termo. Em consequência, deve ser decretado o despejo do réu da fracção em causa.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido e a decisão final constante do despacho a fls. 114 a 117, e considerar definitivamente caducado o contrato do arrendamento em causa no seu termo e consequentemente ordenar o despejo do réu da respectiva fracção, ficar assim procedente o respectivo pedido dos autores; devendo o juiz do Tribunal Judicial de Base elaborar novo despacho saneador, com a manutenção dos factos já considerados assentes, tendo em vista os restantes pedidos dos autores, se para tal nada obste.
   Em relação ao referido pedido dos autores, custas das três instâncias pelo réu recorrido.
   
   Aos 26 de Novembro de 2008


Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Código Civil, versão portuguesa, Imprensa Oficial, 1999, p. XXIII.
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Processo n.º 50 / 2007 8