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Processo nº 28/2021
(Auto de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 27 de Janeiro de 2022

ASSUNTO:
- Renovação do BIRPM
- Exames de ADN
- Suspensão do processo

SUMÁRIO:
1. A emissão do BIR não constitui uma decisão no sentido do artigo 110º do CPA, mas, uma actuação material ou uma mera actuação administrativa, à qual não é aplicável o regime do artigo nº 1 do artigo 33º do CPA;
2. Face à norma do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 8/2002 basta que alguém tenha o estatuto de residente para que na sua esfera jurídica se constitua o direito subjectivo à emissão do BIR ficando a Administração constituída na obrigação de emitir o BIR, sem que se justifique ou sequer esteja prevista a prévia emissão de um acto administrativo definidor da situação jurídica do interessado uma vez que o seu conteúdo resulta imediatamente da própria lei;
3. A renovação do BIR motivada pela respectiva caducidade não carece de qualquer instrução documental uma vez que a situação se não enquadra em qualquer das alíneas do artigo 24º do Regulamento Administrativo nº 23/2002, daí que, confrontada com um pedido de renovação do BIR que lhe seja dirigido por um residente, à Administração não reste senão, cumpridas as formalidades de natureza burocrática que estão previstas nas normas legais e regulamentares aplicáveis (v.g. aqueles a que se refere o artigo 20º do Regulamento Administrativo nº 23/2002), proceder a essa renovação, emitindo o respectivo documento;
4. Não podem existir quaisquer dúvidas relativamente à paternidade da Recorrente, porquanto, como resulta do disposto no artigo 1652º do Código Civil, a mesma se encontra estabelecida e a prova da filiação se faz pela forma que se encontra prevista nas leis do registo civil, isto é através da respectiva certidão do assento de nascimento;
5. Como preceitua a norma do nº 1 do artigo 3º do Código do Registo Civil, «essa prova não pode sequer ser ilidida por qualquer outra, salvo nas acções de estado ou de registo»;
6. Perante um facto que se encontra plenamente provado pela única forma legalmente possível não são legítimas as dúvidas da Administração;
7. O exame de DNA que a Administração solicitou à Recorrente revela-se legalmente inadmissível, pois que a ilisão da prova resultante do registo só pode ser feita em acção judicial de estado ou de registo.

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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 28/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 27 de Janeiro de 2022
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Administração e Justiça
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Administração e Justiça em 17.11.2020 que indeferiu o recurso hierárquico da Recorrente e manteve a decisão da DSI de suspensão do processo administrativo de renovação do BIR da Recorrente, formulando as seguintes conclusões:
Erro nos pressupostos de facto, ofensa dos direitos fundamentos de natureza pessoal e violação da lei.
1. Em 23 de Setembro de 2020, a DSI tomou a decisão da suspensão do processo administrativo da renovação do BIR da recorrente.
2. Em 28 de Outubro de 2020, a recorrente interpôs recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Administração e Justiça.
3. Em 17 de Novembro de 2020, a entidade recorrida concordou com o parecer n.º 25/DAG/DJP/D/2020 e proferiu o despacho que indeferiu o recurso hierárquico necessário da recorrente e manteve a decisão da DSI da suspensão do processo administrativo da renovação do BIR da recorrente nos termos do art.º n.º 1 al. 1) da Lei n.º 8/1999, do art.º 28.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, ora o regulamento do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau e do art.º 33.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (Anexo n.º 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. Salvo o devido respeito, a recorrente entende que o acto administrativo recorrido deve ser declarado nulo e anulado por erro nos pressupostos de facto, ofensa dos direitos fundamentos de natureza pessoal e violação da lei.
5. Primeiro, a veracidade da filiação entre a recorrente e o pai B e a mãe C não suscitou dúvida.
6. Entende a recorrente que a entidade recorrida deve cumprir o regime jurídico previsto no Código Civil e no Código de Registo Civil quando verificou a veracidade da relação da filiação entre a recorrente e os pais, designadamente o disposto nos art.ºs 1650.º n.º 1 e 1652.º do Código Civil e nos art.ºs 1.º n.º 1 al. b) e n.ºs 2 e 3 do Código de Registo Civil.
7. Por isso, em conformidade com regime de ónus da prova previsto no art.º 87.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, a recorrente apresentou à entidade recorrida a certidão de narrativa de registo de nascimento emitida pela Conservatória do Registo Civil (junta-se a certidão de narrativa de registo de nascimento aos autos do processo administrativo).
8. De acordo com a certidão de narrativa de registo de nascimento emitida pela Conservatória do Registo Civil, é bastante provar que o pai da recorrente é B e a mãe é C, isto é, a filiação da recorrente já foi estabelecida nos termos legais e a veracidade da filiação não foi impugnada ou ilidida pelo tribunal.
9. Nos termos do art.º 28.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, ora o regulamento do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, a DSI exigiu à parte que fizesse o exame de ADN e apresentasse o certificado do exame, e entendeu que o certificado de ADN é “prova complementar necessária”.
10. O exame de ADN é um meio respeitante aos direitos fundamentos pessoais, incluindo o direito à reserva da intimidade e a liberdade pessoal da recorrente. Nos termos dos art.ºs 28.º e 30.º da Lei Básica, a liberdade pessoal dos residentes de Macau é inviolável, isto é, a recorrente e os seus familiares têm a liberdade de escolher de fazer ou não o exame de ADN conforme a vontade, ninguém pode forçar outros a fazer o exame.
11. Além disso, o exame de ADN não é o único meio para provar a relação da filiação entre a recorrente e B e C, existe ainda outro meio não respeitante aos direitos pessoais da recorrente para provar a filiação. Tal como se indicou acima, o facto de existência do registo de nascimento da recorrente na Conservatória do Registo Civil não foi impugnado nem ilidido no tribunal, assim, é bastante provar a veracidade da relação da filiação entre a recorrente e B e C.
12. Por outras palavras, mesmo que a DSI estivesse a exercer o poder discricionário consagrado pela lei quando exigiu à recorrente que fizesse o exame de ADN, o exercício do poder discricionário não é ilimitado, designadamente, no exercício do poder discricionário consagrado pela lei, a entidade administrativa deve ter em conta os interesses eventualmente em conflito.
13. Para além do exame de ADN, há outro meio em alternativa não respeitante aos direitos pessoais da recorrente para provar a relação da filiação entre a recorrente e B e C.
14. Portanto, a decisão da entidade recorrida que concordou com a DSI que exigiu à recorrente que fizesse o exame de ADN incorreu no erro nos pressupostos de facto, ofendeu os direitos fundamentais de natureza pessoal da recorrente e violou o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
15. Por enquanto, a recorrente satisfaz o disposto no art.º 1.º n.º 1 al. 1) da Lei n.º 8/1999 e tem qualidade de ser residente permanente de Macau. A recorrente adquiriu, pela primeira vez, o BIRPM em 23 de Março de 1998 nos termos dos art.ºs 20.º e 21.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, ora Regulamento do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, pelo que é indubitável que daí a recorrente gozava os direitos de residente consagrados e tutelados pela Lei Básica de Macau.
16. Nos termos do art.º 3.º da Lei n.º 8/2002 e do art.º 23.º n.º 1 al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, a recorrente é residente da RAEM com idade de mais de cinco anos e o BIR da recorrente caducou, pelo que a recorrente tem direito a requerer a substituição e renovação do novo BIR junto da DSI.
17. Desde o nascimento e a obtenção do BIRM, a recorrente cresce e vive em Macau, o BIRM é o seu único documento comprativo de identificação e nunca pensou em residir ou trabalhar em outro país ou região.
18. A recorrente não detém nenhum documento comprovativo de identificação em outro país ou região, nem consegue residir em outro pais ou região ou adquirir documento comprovativo de identificação em outro pais ou região.
19. Na pendência da acção da averiguação da paternidade, a recorrente não pode exibir o documento comprovativo de identificação legal aos serviços governativos, organismos particulares ou outros, nem pode estabelecer relação jurídica com essas entidades, por exemplo, a recorrente não pode abrir conta no banco, nem pode fazer os actos notariais ou trâmites governamentais carecidos da leitura do BIR.
20. Além disso, na pendência da acção da averiguação da paternidade, a recorrente não pode sair da RAEM para outro país ou região, nem goza de regarias de residente de Macau, incluindo os serviços médicos gratuitos, subsídios eventuais (estudo, desemprego, casamento e subsídio de nascimento, etc.), comparticipações pecuniárias ou contribuições para regime de segurança social, etc.
21. É certo que o acto administrativo da entidade recorrida que concordou com a não autorização da substituição do BIR da recorrente por parte da DSI causou à recorrente danos irrecuperáveis dos direitos e interesses de residentes de Macau, designadamente, o direito à residência e à titularidade do BIRM (art.º 24.º da Lei Básica), a dignidade humana (art.º 30.º da Lei Básica), a liberdade de se deslocar em qualquer parte da RAEM (art.º 33.º da Lei Básica), a liberdade de escolha de profissão e de emprego (art.º 35.º da Lei Básica) e o direito a benefícios sociais (art.º 39.º da Lei Básica).
22. Como os danos não patrimoniais supracitados representam prejuízos enormes aos direitos fundamentais da recorrente, pelo que merecem ser tutelados pela lei devido à sua gravidade.
23. Ora, o registo de nascimento da recorrente não foi declarado cancelado pelo tribunal, do registo de nascimento da recorrente na Conservatória do Registo Civil consta que os pais são B e C, ou seja, a relação da filiação entre a recorrente e B e C ainda existe.
24. Desde nascimento da recorrente até hoje, B e C chamavam e tratavam a recorrente como filha, e a recorrente, por sua vez, também chamava e tratava B e C como pais, e os familiares e amigos também sabiam que B e C são pais da recorrente.
25. Considerando que a relação familiar é sempre estável e harmoniosa, a recorrente nunca pretendeu submeter-se ao exame de ADN e os três nunca requereram a impugnação contra a filiação dos mesmos junto do tribunal e da Conservatória do Registo Civil.
26. Nos termos do art.º 1697.º n.º 4 do Código Civil, conjugado com o art.º 1665.º n.ºs 3 e 4 do mesmo Código, existe a posse do estado entre a recorrente e o pai B por mais de 15 anos, pelo que é certamente improcedente a acção de impugnação da paternidade intentada contra a vontade comum dos mesmos.
27. E em conformidade com o princípio do inquisitório previsto no art.º 86.º do Código do Procedimento Administrativo, por enquanto a entidade recorrida ainda não consegue provar a não existência da relação da filiação entre a recorrente e B.
28. Por outro lado, a entidade recorrida concordou com a DSI, indicando que para defender os interesses públicos, designadamente, para defender a credibilidade dos respectivos documentos e os interesses da RAEM, a decisão desta Direcção da suspensão do processo administrativo da renovação do BIR da parte não violou o princípio da proporcionalidade.
29. Todavia, entendeu a recorrente que a continuação do processo administrativo da renovação do BIR não entra em conflito com a acção da averiguação da paternidade da recorrente.
30. In casu, desde a primeira emissão do BIRM à recorrente pela DSI até hoje, ninguém impugnar contra a titularidade do BIRM da recorrente e a recorrente não tem nenhuma culpa ou negligência sobre o sucedido.
31. Mesmo que o resultado da acção da averiguação da paternidade afectar a titularidade de residente de Macau da recorrente no futuro, a DSI ainda pode tomar diligência necessária.
32. Portanto, na pendência da acção da averiguação da paternidade da recorrente, a continuação da titularidade do BIRPM que a recorrente detinha quase 22 anos não afectará os interesses públicos procurados pela entidade recorrida.
33. Além disso, a mãe da recorrente, C, adquiriu o BIRM em 10 de Setembro de 2010 com fundamento de “filho de maior idade” da recorrente, na altura, a recorrente tinha apenas 12 anos, isto é, a recorrente já podia requerer a residência com a mãe com o salvo-conduto singular e consequentemente, podia adquirir o BIRM.
34. Por outras palavras, independentemente da realização ou não do exame de ADN e do resultado da acção da averiguação da paternidade da recorrente, é certo que a recorrente pode adquirir o BIRPM, uma vez que a recorrente já satisfaz a titularidade do BIRPM.
35. Devido à recusa da recorrente de fazer o exame de ADN, a decisão da entidade recorrida que suspendeu o processo administrativo da renovação do BIR da recorrente para aguardar o resultado da acção de averiguação da paternidade violou os direitos fundamentais de natureza pessoal da recorrente, e violou o princípio da legalidade previsto no art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo e o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 5.º n.º 2 do mesmo Código.
36. No exercício dos direitos fundamentais do residente de Macau, salvo as disposições legais, a administração não pode fazer acto administrativo que afecta directa ou indirectamente o exercício pela recorrente dos direitos fundamentais em Macau.
37. Assim, a entidade recorrida e a DSI devem cumprir o princípio da legalidade previsto no art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo, emitindo o novo BIR à recorrente, para a recorrente exercer os direitos fundamentos consagrados pela Lei Básica enquanto residente de Macau com o BIR legal e válido.
38. Todavia, a entidade recorrida, antes de ter proferido o despacho recorrido, incorreu no erro nos pressupostos de facto, por consequência, o acto administrativo recorrido ofendeu os direitos fundamentos de natureza pessoal e violou a lei.
39. Face ao exposto, o acto administrativo ora recorrido da entidade recorrida ofendeu os direitos e interesses da recorrente enquanto residente de Macau tutelados pela Lei Básica, designadamente, o direito à residência e à titularidade do BIRM (art.º 24.º da Lei Básica), a dignidade humana (art.º 30.º da Lei Básica), a liberdade de se deslocar em qualquer parte da RAEM (art.º 33.º da Lei Básica), a liberdade de escolha de profissão e de emprego (art.º 35.º da Lei Básica) e o direito a benefícios sociais (art.º 39.º da Lei Básica), pelo que padeceu do vício da violação da lei por violação do disposto no art.º 122.º n.º 2 al. d) do Código do Procedimento Administrativo. Além disso, o acto recorrido enfermou dos vícios da violação da lei por ter violado o princípio da legalidade e o princípio da proporcionalidade, devendo ser declarado anulado nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
  Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Administração e Justiça contestar apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente A nasceu em Macau em 03/03/1998, com o registo de nascimento n.º 947 emitido pela Conservatória de Nascimentos, segundo o qual seu pai é o residente de Macau B [titular do BIRM permanente n.º XXX], sua mãe a residente do Interior da China C [ora titular do BIRM permanente n.º XXX].
2. Nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 6/92/M de 27 de Janeiro vigente ao nascimento da recorrente, em conformidade com o registo de nascimento então entregue à Direcção e em observância ao preceito acima citado, emitiu pela primeira vez o BIRM n.º 1/318930/3 à recorrente em 23/03/1998.
3. Mais tarde, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 8/1999 e do art.º 2.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 8/2002, em 28/07/2005 a DSI emitiu o BIRM permanente n.º XXX à recorrente para substituir o velho.
4. Em 12/07/2010 e em 11/06/2015, pela mesma DSI foi autorizada a renovação do BIR nos termos do art.º 2.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 8/2002 e do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002.
5. Em conformidade com os preceitos jurídicos acima citados, a confirmação pela DSI da identidade da recorrente como residente permanente depende da autorização legal concedida a seus pais biológicos a residir em Macau ao tempo do nascimento da recorrente; por outras palavras, a existência ou não da paternidade entre B e a recorrente determina a titularidade ou não de identidade de residente permanente da RAEM pela recorrente.
6. Dos autos sabe-se que suspeitando o estado civil da C e a filiação entre a recorrente e B, a DSI invitou a B e C a apresentar-se na Direcção para prestar auto de declaração. Confrontando os autos de declaração feitos respectivamente por B e C na DSI, vê-se que as suas declarações sobre o estado civil não se coadunam um com o outro; e acima de tudo, ambos se declaravam incertos sobre quem era o pai biológico da recorrente.
7. Dada a existência de fortes indícios que sugeriam a falsidade de paternidade, a DSI, perante a suspeita inteiramente justificada sobre a filiação entre a recorrente, B e C, então nos termos do art.º 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, em 06/01/2020, a DSI exigiu à recorrente fornecer "certificado pericial de paternidade" dela com B e C através do ofício n.º 0324/DIR/2020, a fim de verificar a paternidade entre os três, de modo a certificar-se do preenchimento dos requisitos legais para ser residente permanente da RAEM no caso da recorrente.
8. É imprescindível indicar que no procedimento administrativo, o CPA prevê que os interessados têm o ónus da prova, para além do dever de instrução que cabe à Administração.
9. Nos termos do art.º 62.º, n.º 2 e do art.º 88.º, n.º 1 e n.º 2 do CPA também os interessados se obrigam a prestar colaboração e assistência à Administração, para que seja apurada e descoberta a verdade.
10. Pois bem, quanto à questão de a recorrente é ou não residente permanente da RAEM legítima, o ónus da prova cabe-lhe também a si própria. Quando considera que é residente permanente da RAEM legítima pois reúne todos os requisitos legais, então deve colaborar com a Administração, prestando informações ou aduzindo provas para demonstrá-lo.
11. Só que por várias vezes as carta mandadas pelo mandatário em nome da recorrente deixavam claro que esta se recusava a submeter-se a exame de paternidade.
12. Dadas as fundadas dúvidas suscitadas à DSI sobre os dados do pai no registo de nascimento da recorrente, por outro lado a recorrente nunca tinha fornecido à Direcção o resultado do exame de paternidade, para apreciar o pedido de renovação de BIR submetido pela recorrente em 29/05/2020 à DSI, esta devia forçosamente recorrer ao MP para que se instaurasse acção de impugnação de paternidade da recorrente, de forma que se pudesse verificar os dados de informação por intermédio de tribunais.
13. Nos termos do art.º 33.º, n.º 1 do CPA, visto que neste momento já se está perante indícios suficientes sinalizando uma paternidade falsa no caso da recorrente, e que a qualidade da recorrente enquanto legítima residente permanente da RAEM depende de tal paternidade, tendo em conta o facto que a apreciação do pedido de renovação de BIR à recorrente será determinada pela indagação da paternidade, por enquanto no entanto se aguarda que o tribunal se pronuncie sobre o assunto, a DSI, por seu turno, tomou a decisão de suspender o procedimento administrativo de renovação do BIR à recorrente, cumprindo quanto prescrito no Código acima citado.
14. Portanto, a DSI praticou o acto em observância ao Direito. Segundo a entidade recorrida, o acto recorrido é livre do erro de pressuposto factual que o mandatário lhe imputa.
15. Na petição inicial, o mandatário invoca o seguinte: logo desde quando lhe foi emitido o BIR pela primeira vez, a recorrente possui dali em diante direito à residência e os demais direitos conferidos pela Lei Básica aos residentes; tem, acima de tudo, direito de pedir à DSI substituir-lhe o BIR e de obter um novo, pelo que o acto recorrido constitui uma transgressão do art.º 3.º, do art.º 5.º, n.º 2 e do art.º 122.º, n.º 2, alínea d) do CPA, e em consequência enferme do vício de violação da lei.
16. Tal como dito atrás, a apreciação do pedido de renovação de BIR à recorrente será determinada pela indagação da paternidade, então a DSI deveu obrigatoriamente decidir suspender o procedimento administrativo enquanto se aguardava uma decisão por parte da autoridade competente sobre o assunto. O acto praticado pela DSI, sendo legal, tanto assim que foi subscrito e confirmado pela entidade recorrida, não violou o princípio da legalidade previsto pelo art.º 3.º do CPA.
17. Verdade seja dita, a inexistência duma suspeita anterior no passado relativamente à identidade da recorrente desde a obtenção do seu primeiro BIR não equivale à legalização automática da identidade.
18. É preciso saber que para obter o BIRM permanente, seja no caso dum primeiro pedido seja no caso de renovação, deve-se invariavelmente proceder à apreciação caso a caso na DSI. Preenchidos os requisitos legais, confirma-se a identidade de residente permanente da RAEM e autoriza-se a renovação do documento de identificação; caso contrário não se confirma a identidade e não se autoriza a renovação do documento.
19. Havendo dúvida sobre a veracidade dos dados de identificação, a DSI deve proceder à instrução nos termos legais.
20. Aliás, no que diz respeito ao pedido de renovação de BIR apresentado pela recorrente em 29/05/2020, tendo dúvida sobre a veracidade dos dados de identificação prestados pela recorrente, à luz do art.º 28.º, n.º 1 e do art.º 24.º, alínea 1) do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, a DSI tem direito de exigir à recorrente providenciar provas suplementares ao renovar o BIR, para que se possa apurar a paternidade que a vincula com o residente de Macau, a fim de em seguida confirmar-lhe a identidade como residente de Macau.
21. Então em 13/07/2020 mais uma vez a DSI mandou uma carta ao mandatário para que se entregasse o "certificado pericial de paternidade" da recorrente com B e C, de modo a certificar-se do preenchimento dos requisitos legais para a recorrente ser residente permanente da RAEM.
22. Munida dum "certificado pericial de paternidade" capaz de demonstrar a paternidade que vincula a recorrente com o residente de Macau, ou seja se o seu registo de nascimento é verídico, a DSI deve emitir-lhe o BIRM permanente; mas se o “certificado pericial de paternidade” prova pelo contrário que não existe qualquer paternidade que vincule a recorrente com o residente de Macau, esta deve entregar à DSI o certificado de registo de nascimento rectificado e a DSI, por sua vez, deve cancelar o BIRM permanente da recorrente nos termos legais.
23. A recorrente, contudo, tem sempre estado indisposta a providenciar o resultado de tal exame de paternidade, não estando confirmada a paternidade dela, a DSI não tem condições para apreciar o seu pedido de renovação do BIRM permanente.
24. Há-que se indicar que, seja como for, mesmo numa acção de impugnação de paternidade, deve-se igualmente recorrer ao resultado do exame de paternidade apresentado voluntariamente pela recorrente que servirá como prova da paternidade. A DSI, com efeito, exigiu à recorrente fornecer o "certificado pericial de paternidade" dela com B e C, para apreciar a paternidade entre os três. Trata-se de um procedimento adequado.
25. Subsistindo a dúvida fundada, se fosse verdade o que pretende o mandatário, então bastariam os dados constantes do registo de nascimento para a DSI emitir o BIR à recorrente, ou seja, sem rectificar tais dados de identificação, a recorrente obteria o BIR, o que esquivaria a contornar a previsão legal para obter o BIR, fornecendo dados de identificação falsos. Seria não apenas uma violação do art.º 24.º da Lei Básica e do previsto pela Lei n.º 8/1999, como também se desrespeitaria o "princípio da igualdade" consagrado no art.º 5.º do CPA, simultaneamente ficaria prejudicada a confiança da comunidade quanto à legalidade dos procedimentos na Administração.
26. De mais a mais, para outros dispostos a entregar "certificado pericial de paternidade", quando o resultado demonstra a falta de paternidade entre o titular e o pai ou a mãe como constam do registo de nascimento, a DSI procede imparcialmente a cancelar-lhes o BIR depois de ter rectificado o registo de nascimento. Ora, a recorrente não colabora recusando-se a fornecer o "certificado pericial de paternidade". Imagina-se que então se deve continuar a emitir-lhe o BIR com base num registo de nascimento eventualmente errado, obviamente aqueles dispostos a colaborar com a Administração nas diligências se veriam tratados injustamente.
27. Portanto, na fase actual a Administração, diante da dúvida fundada sem poder porém apurar a paternidade entre a recorrente, B e C, a Administração não pode fazer nada senão pedir intervir a tribunais para averiguar a veracidade de tal paternidade. Só se tem condições para apreciar o pedido de renovação da recorrente uma vez informada dum resultado final.
28. O mandatário sustenta que a decisão da DSI prejudica direitos da recorrente. Aqui é de chamar a atenção para o facto que a DSI, enquanto órgão da Administração Pública que persegue interesse público, deve tomar como premissa maior o “princípio da prossecução do interesse público”, assim como previsto pelo art.º 4.º do CPA, e acima de tudo defender a fé pública do documento em questão e interesses da RAEM. A decisão da DSI que consiste em suspender o procedimento administrativo de renovação do BIR à recorrente causa temporariamente sim algumas inconveniências ao exercício dos direitos de residente pela recorrente, é todavia adequada a finalidade que a Administração pretender atingir. Por este motivo não há improporcionalidade, nem violação do princípio da proporcionalidade.
29. Bem pelo contrário, caso mesmo suspeitando que no caso se pretende obter o BIR usando dados de identificação falsos, a DSI contudo continuasse a emiti-lo à recorrente, assim é que se violaria o princípio da prossecução do interesse público previsto pelo art.º 4.º do CPA.
30. Apesar da afirmação da recorrente de que desde o nascimento tem sempre vivido em Macau e que não é titular de qualquer documento de identificação de qualquer outro país ou região, para a DSI não se trata de critérios principais ou factores que se devem obrigatoriamente considerar na emissão de documentos. Nem o mandatário pode solicitar à DSI autorizar o pedido da recorrente de renovar-lhe o BIRM permanente baseando-se em quejandos motivos.
31. Assim o acto recorrido não enferma, como indica o mandatário, do vício de violação da lei pela transgressão do art.º 3.º, do art.º 5.º, n.º 2 e do art.º 122.º, n.º 2, alínea d) do CPA.
32. Segundo o mandatário, a decisão da DSI de exigir à recorrente um exame pericial de paternidade viola direitos pessoais da recorrente; para além disso, não é o único método para provar a paternidade tal exame pericial. Por isso, o acto recorrido desacata o princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 5.º, n.º 2 do CPA.
33. Na RAEM, por exame pericial de paternidade entende-se um tipo de exame realizado pela PJ através de recolher amostra de saliva do indivíduo alvo.
34. Quanto à tese do mandatário, de que um exame pericial de paternidade violaria direitos pessoais da recorrente, é de indicar que mesmo quando se trata de um exame de sangue, no campo jurídico não se o considera uma violação da liberdade pessoal ou da integridade física (cf. o acórdão n.º 928/2018 proferido pelo TSI e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 42/19.2T8SRT-B.C1).
35. No presente caso, para provar o vínculo genético entre a recorrente, B e C realizar-se-á um exame pericial de paternidade através de recolha de amostra de saliva; assim tanto menos se violará a integridade física ou mental à recorrente, já para não mencionar a aceitação geral na comunidade do exame de paternidade através de recolha de saliva como meio de prova pericial. A entidade recorrida discorda, a fortiori, do mandatário que alega que o exame violará direitos pessoais da recorrente.
36. Quanto à opção pelo “certificado pericial de paternidade” como prova de paternidade, tal como afirmado atrás, nos termos do art.º 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, sempre que se suscitem dúvidas sobre a paternidade pode a DSI notificar a recorrente para apresentação de prova complementar que considere necessária.
37. Além disso, nos termos do art.º 86.º, n.º 1 do CPA, a Administração pode servir-se de todos os meios de prova admitidos em direito, para instruir factos que favoreçam a justa e rápida decisão do procedimento.
38. Servem aqui de referência o art.º 1651.º do CC, que prevê os meios probatórios para provar a paternidade, os acórdãos n.º 178/2012 e n.º 280/2016 ambos proferidos pelo TSI. Resulta que se bem que o exame de paternidade não seja o único meio para atestar a filiação, é incontestável que é o meio probatório mais fidedigno e exacto no actual estado da arte para averiguar a paternidade. Tal facto é consensual seja na doutrina seja na prática jurídica, embora não seja prova legal vinculativa, com a credibilidade inerente ao juízo científico enquanto tal, verdadeiramente é difícil que o juiz a confute com a lei de experiência ou com o senso comum.
39. Portanto, quanto ao requerimento da parte da DSI dirigido à recorrente de submeter-se ao exame de paternidade para averiguar se a recorrente se qualifica para ser residente permanente da RAEM, o modo de proceder que a DSI pretende adoptar é permitido pela lei e mostra-se adequado.
40. No entender do mandatário, não sendo o exame de paternidade o único modo com que atestar a filiação, a DSI devia ter adoptado antes outra medida que não implicasse direitos pessoais da recorrente para demonstrar a filiação da recorrente com B e C.
41. No entanto, no presente processo, para confirmar a identidade do pai biológico da recorrente, evidentemente são de importância mais crucial as declarações de seu pai e de sua mãe. Ora B não reconhece que ter uma filha com C, suspeita inclusivamente que o filho (D) não é dele; enquanto C, por sua vez, declara não estar certa quem é o pai biológico da recorrente –E ou B. Por isso, como nem o pai nem a mãe da recorrente tem a certeza quem é o seu pai biológico, sem sombra de dúvidas o exame de paternidade é a única maneira de atestar a filiação verdadeira da recorrente, ao mesmo tempo a mais conveniente e exacta.
42. Deve-se saber que relativamente à identidade do pai biológico da recorrente, na realidade apenas o pai e a mãe da recorrente a conhecem melhor do que ninguém; não é minimamente possível que a Administração esteja ao corrente. Digamos que seja como diz o mandatário, que se deveria adoptar outro meio para provar tal paternidade. Pois bem, quando seja o pai seja a mãe da recorrente acha difícil sabê-la, o mandatário crerá talvez na existência de outro meio que não seja o de exame pericial para uma pessoa que não seja nem B nem C ficar a saber com mais certeza quem são os pais biológicos da recorrente?
43. Além disso, em termos de economia e de celeridade, quando a PJ realiza o exame de paternidade, normalmente o resultado sai dentro de três semanas após o exame. Portanto, quando a Administração adopta tal meio probatório científico para indagar a paternidade verdadeira, na verdade demonstra que a Administração toma decisão de forma despachada, económica e eficiente, dá assim mostras do "princípio da desburocratização e da eficiência" previsto pelo art.º 12.º do CPA.
44. Se porventura o resultado final do exame de paternidade vem a desmentir a filiação entre a recorrente e B, a Administração, munida de provas admitidas pela lei, pode denunciar o caso ao MP que possui legitimidade de instaurar acção de impugnação de paternidade, aduzindo assim provas suficientes para uma acusação futura deduzida pela administração judicial, facilitando destarte o prosseguimento do processo.
45. Atendido às razões acima mencionadas, a entidade recorrida opina que não há erro evidente ou irrazoabilidade no raciocínio da DSI, de que tal meio probatório nos serve a averiguar a verdade com maior eficácia; para além disso, atendo-se ao princípio da economia e da celeridade, exerce o poder discriminatório para solicitar à recorrente providenciar o seu "certificado de paternidade" com B e C, com o objectivo de provar a existência ou não de tal paternidade e de confirmar se a recorrente se qualifica para ser residente permanente da RAEM.
46. Daí a convicção da entidade recorrida, de que a decisão em discussão não cometeu erro de pressuposto factual, sendo essa legal e condizente com o princípio da proporcionalidade, visto que a DSI decidiu adoptar um meio probatório com que visava provar com precisão a filiação da recorrente com B e C, a fim de confirmar a identidade da recorrente como residente de Macau; meio esse aliás inofensivo aos direitos pessoais da recorrente; não há aí violação do art.º 28.º ou do art.º 30.º da Lei Básica, nem do art.º 5.º, n.º 2 do CPA.
47. O mandatário pretende que na altura a recorrente bem podia ter pedido vir a residir em Macau para acompanhar sua mãe; e podia por fim obter o BIRM permanente em todo o caso.
48. Aqui diga-se a verdade. Caso fosse como diz o mandatário, que então a recorrente tivesse pedido vir a residir em Macau para acompanhar sua progenitora, ela devia ter apresentado requerimento na qualidade de residente do Interior da China; então caberia à competência das autoridade de segurança pública do Interior da China apreciar e autorizar o pedido de fixação de residência por parte dos residentes do Interior da China; devidamente autorizada pelas autoridades do Interior, só então é que a recorrente podia vir a residir em Macau com o Salvo-Conduto Singular para residir em Macau e em seguida ter-se-lhe-ia emitido o BIRM não permanente.
49. Só que se deve recordar que na altura a mãe da recorrente nunca apresentou qualquer pedido do género. Por outro lado, sendo a recorrente actualmente residente permanente da RAEM, o mandatário não pode razoar assim com uma mera hipótese para defender que também agora a recorrente se qualifica para obter o BIRM permanente.
50. Tanto mais que no enquadramento jurídico vigente, é de sentenciar conforme o art.º 24.º da Lei Básica e o art.º 1.º da Lei n.º 8/1999 para o efeito de confirmar à recorrente a identidade de residente permanente da RAEM.
51. Ou seja, não constitui requisito legal para a DSI apreciar se agora a recorrente está qualificada para ser residente permanente da RARM o ser residente não permanente ou não a outrora recorrente por reunir os requisitos previstos pelo Interior para vir a residir em Macau.
52. Também por este motivo é falaciosa a tese do mandatário na petição inicial de que o resultado do exame de paternidade não prejudicaria a identidade da recorrente como residente permanente da RAEM.
53. Citando o art.º 1697.º, n.º 4 do CC, conjugado com o art.º 1665.º, n.º 3 e n.º 4 do mesmo Código, o mandatário invoca a existência da posse de estado entre a recorrente e B, e por isso malogra-se necessariamente a acção de impugnação de paternidade instaurada contra a sua vontade conjunta.
54. No aspecto da posse de estado, à luz do preceito jurídico acima citado, no intuito de evitar consequências graves provocadas ao afecto e à relação já estabelecidos graças ao elo de paternidade já existente por uma impugnação de paternidade já consolidada, os legisladores, partindo de considerações de ordem familiar e social, impõem restrições à acção de impugnação de paternidade, permitindo ao progenitor pretenso e aos progénitos, sempre dentro dos limites fixados pelo direito, opor-se com motivo de posse de estado, com vista a manter a paternidade actual.
55. Agora a recorrente pretende objectar à impugnação com motivo de posse de estado, para manter a sua filiação com B. Só que no pressente caso está excluída uma posse de estado entre a recorrente e B, eis o motivo:
56. Resulta das declarações prestadas na DSI por C em 21/07/2014 e em 18/12/2019, bem como as realizadas por B em 12/09/2019, desde o seu nascimento tem sempre sido a mãe que toma conta da recorrente, que nunca viveu com B. Ele, aliás, reconhece que tem apenas um filho com C (segundo mostram as informações junto da DSI, o filho chama-se D, residente permanente da RAEM) e que não tem outro filho. Por outras palavras, B nem sabia da existência desta filha, então está desde já excluída uma posse de estado entre a recorrente e B. Por este motivo, é difícil para a entidade recorrida perceber quanto invocado pela recorrente, de que B tomou conta dela como uma filha e que os dois se tratavam como pai e filha, tanto menos que reinavam sempre a estabilidade e a harmonia na família dela.
57. Assim pode-se ver que não corresponde à verdade o que afirma o mandatário no ponto 55 da petição inicial, de que desde o nascimento da recorrente, B tem-lhe sempre chamado filha e tomado conta dela como filha; que a recorrente tem tratado B como seu pai, que tanto os familiares como os amigos sabem que B e a recorrente são pai e filha.
58. É preciso realçar que conforme a disposição legal a respeito, a vontade conjunta de manter a paternidade já estabelecida deve ser apresentada na acção de impugnação ou em outro processo, mas seja como for, a vontade conjunta deve ser expressa de forma explícita. Só assim é que se pode opor-se à impugnação da paternidade já estabelecida com motivo de posse de estado.
59. Segundo o mandatário, nem a recorrente, nem B, nem C pediu ao tribunal e à Conservatória do Registo Civil impugnar e confutar a paternidade entre si. É contudo preciso frisar que dos autos de declaração de B e de C resulta que tanto B como C estão dispostos a submeter-se ao exame de paternidade para apurar a paternidade com a progénita em questão. Ora só a recorrente não colabora com a Administração para realizar tal exame.
60. Em suma, falha a tese do mandatário de que B partilha da vontade conjunta de manter a paternidade já estabelecida e que nem a recorrente nem seus pais querem rebater tal paternidade.
  
  Notificadas as partes para querendo apresentarem alegações facultativas, ambas o fizeram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) Em 3 de Março de 1998 nasceu em Macau A filha de B e de C – cf. fls. 1 do PA apenso -;
b) B é residente de Macau tendo o seu Bilhete de Identidade sido emitido pela primeira vez em 07.01.1988 – cf. fls. 5 do PA apenso -;
c) Em 25.03.1998 foi autorizada a emissão de Bilhete de Identidade de Residente de Macau a A, o qual foi emitido pela primeira vez em 23.03.1998, vindo posteriormente a ser renovado até 11.06.2015 com validade até 11.06.2020 – cf. fls. 3 e 15 do PA apenso - ;
d) Em 29.05.2020 A pediu a renovação do seu Bilhete de Identidade de Residente de Macau – cf. fls. 24 do PA apenso -;
e) Por despacho de 23.09.2020 do Director dos Serviços de Identificação foi ordenada a suspensão do processo nos termos que constam de fls. 44 e 45 do PA apenso e aqui se dá por reproduzido;
f) Pela agora Recorrente foi interposto recurso hierárquico daquele despacho – cf. fls. 48 e sgts. do PA apenso -.
g) Por despacho do Senhor Secretário para a Administração e Justiça de 17.11.2020 foi indeferido o recurso hierárquico interposto pela agora Recorrente contra a decisão da DSI de suspensão do processo administrativo de renovação do BIR da Recorrente com os fundamentos constantes do Parecer nº 25/DAG/DJP/D/2020 de cujo teor consta que:
“Em relação ao recurso hierárquico necessário interposto pela advogada de A (adiante designado por “parte”) ao Secretário da decisão desta Direcção relativa à suspensão do processo administrativo da renovação do BIR da parte, a Direcção emitiu o seguinte parecer nos termos do art.º 159.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo:
I. Contexto
1. A parte nasceu em Macau em 3 de Março de 1998, titular do registo de nascimento da Conservatória do Registo de Nascimentos n.º 947, do registo constam o pai, residente de Macau, B (titular do BIRPM n.º XXX) e a mãe, residente do Interior da China, C (ora titular do BIRPM n.º XXX).
2. Em 23 de Março de 1998, a mãe da parte, C, em representação da parte, pediu, pela primeira vez, o BIRM, segundo o registo de nascimento, o pai da parte, no momento do seu nascimento, é residente de Macau, assim, esta Direcção emitiu, pela primeira vez, o BIRM n.º 1/318930/3 à parte nos termos do art.º 5.º n.º 1 do D.L. n.º 6/92/M, que regula a emissão do novo bilhete de identidade de residente de Macau, “consideram-se residentes no Território os menores, naturais de Macau, filhos de indivíduos autorizados, nos termos da lei, a residir em Macau ao tempo do seu nascimento”.
3. E nos termos do art.º 9.º n.º 2 da Lei n.º 8/1999, ora a Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência da Região Administrativa Especial de Macau, são considerados residentes permanentes da RAEM, os cidadãos chineses titulares do BIR emitido antes de 20 de Dezembro de 1999 que preencham um dos seguintes requisitos: 1) constar do BIR que o local de nascimento é Macau. E nos termos do art.º 2.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 8/2002, ora o Regime do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, os BIR são de dois tipos: 1) Bilhete de identidade de residente permanente da RAEM, que é concedido aos residentes permanentes da RAEM, em 28 de Julho de 2005, a parte substituiu o BIRPM n.º XXX.
4. E ao abrigo do art.º 2.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 8/2002, ora o Regime do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, e do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, ora o regulamento do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, foram autorizadas as renovações em 12 de Julho de 2010 e 11 de Junho de 2015 respectivamente.
5. Em seguida, B pediu a fixação da residência em Macau da sua cônjuge no Interior da China por motivo da reunião familiar. Para verificar o estado civil de B, esta Direcção procedeu ao auto de declaração (n.º 856/DIR/2019) de B em 12 de Setembro de 2019, ele declarou que “…… 2. Eu e C são cônjuges, casámo-nos em Macau há mais de dez anos e divorciámo-nos há mais de dez anos. Temos um filho, na constância, vivemos em separação, temos um filho, mas esqueci o nome, julgo que o filho não é meu, eu e C temos só um filho, não temos mais filhos. C tem filho com outro …… 6. Em relação à questão da filiação do filho(a), concordo com a realização do exame de ADN……” (sublinhado nosso).
6. Em 18 de Dezembro do mesmo ano, C dirigiu-se à Direcção para prestar declaração n.º 2187/DIR/2019, ela declarou que “1. Eu e E casámo-nos em Fujian nos anos 1994 a 1995 …… eu e o meu colega B conhecemo-nos quando eu trabalhava em Macau na fábrica. Vivemos juntos na Praia Preta, mas esqueci o endereço. Ele disse-me que era solteiro. Não registámos o casamento nem realizámos cerimónia com os amigos e familiares. 2. Tenho um filho e uma filha: D e A, eu trabalhava em Macau, mas voltou às vezes para terra natal e teve contacto com E, pelo que não tenho certeza do pai biológico dos filhos (E ou B) ……3. Concordo com a realização do exame da filiação com D, A e E……” (sublinhado nosso)
7. Esta Direcção suscitou dúvida sobre a relação da filiação entre a parte e B e C, pelo que em 2020 (dia e mês ilegíveis), notificou, por ofício n.º 0324/DIR/2020, a parte de apresentar o certificado de exame de ADN entre ela e B e C.
8. Todavia, o referido ofício da Direcção foi restituído pelos Correios por ninguém ter levantado e a presente Direcção tentou contactar a parte por várias vezes, mas falhou, pelo que em 7 de Maio de 2020 pediu o auxílio ao CPSP através do ofício para contactar a parte.
9. Em 29 de Maio de 2020, a parte pediu a renovação do BIRPM junto desta Direcção.
10. Para verificar os elementos de identificação da parte, em 5 de Junho de 2020 esta Direcção notificou, por via telefónica, a parte de fornecer o certificado de exame de ADN entre ela e B e C.
11. Em seguida, a advogada da parte pediu, através da carta, à presente Direcção a emissão do BIR em 1 de Julho de 2020 e indicou que a parte não quis fazer o referido exame de ADN.
12. Por isso, esta Direcção notificou novamente, através do ofício n.º 3984/DSI-DIR/OFI/2020, a parte de fornecer o certificado de exame de ADN entre ela e B e C em 13 de Julho de 2020.
13. Em 1 de Setembro de 2020, a advogada da parte pediu novamente, através da carta, a emissão do BIR e indicou que a relação da filiação entre a parte e B e C é verdadeira e foi estabelecida nos termos da lei e o acto desta Direcção violou os direitos fundamentais da parte, avançou novamente que a parte não quis fazer o referido exame de ADN.
14. Dado que esta Direcção suscitou dúvida sobre a relação da filiação entre a parte e B e C, e a parte recusou-se a fazer o exame de ADN por várias vezes, esta Direcção solicitou, através do ofício, em 16 de Setembro de 2020 ao MP para intentar a acção da averiguação da paternidade e apresentou a denúncia sobre a situação penal envolvida no caso.
15. Em 23 de Setembro do mesmo ano, esta Direcção respondeu à advogada da parte sobre o referido assunto de notificação através do ofício n.º 5483/DSI-OFI/2020 e suspendeu o processo administrativo da renovação do BIR da parte.
16. Em 30 de Outubro de 2020, esta Direcção recebeu o recurso hierárquico necessário interposto pela advogada da parte ao Secretario para a Administração e Justiça da referida decisão transferido pelo Secretário.
II. Análise das alegações do recurso hierárquico
(I) A advogada indicou no requerimento que a relação da filiação entre a parte e B e C nunca foi ilidida pelo tribunal, a parte já adquiriu a titularidade de residente permanente e a Direcção deve autorizar o seu pedido da renovação e emitir o BIR, assim, a decisão desta Direcção ofendeu os direitos da parte, violando o princípio da legalidade previsto no art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo e o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 5.º n.º 2 do mesmo Código (os pontos 1 a 13 e 28 a 46 do requerimento).
17. No momento de nascimento da parte, ela adquiriu a titularidade de residente de Macau conforme o registo de nascimento apresentado à presente Direcção nos termos do art.º 5.º n.º 1 do D.L. n.º 6/92/M, de 27 de Janeiro.
18. Em seguida, a parte adquiriu a titularidade de residente permanente nos termos do art.º 9.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 8/1999 e consequentemente, substituiu o BIRPM nos termos do art.º 2.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 8/2002, e adquiriu a renovação do BIR nos termos do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002.
19. É de frisar que esta Direcção confirmou que a titularidade de residente permanente da parte depende da questão de saber se os pais biológicos da parte, no momento do seu nascimento, tinham ou não residência legal em Macau, assim, a titularidade de residente permanente de Macau da parte depende da relação da filiação entre a parte e B.
20. Não obstante do registo de nascimento da parte consta que os pais da parte são B e C, de acordo com os autos de declaração de B e C na presente Direcção, ambos os dois declararam não ter confirmado a qualidade do pai biológico da parte, e B reconheceu que tem apenas um filho com C (de acordo com os elementos da Direcção, este filho é D, residente permanente de Macau), não tem outro filho, isto é, B não tinha conhecimento da existência da parte.
21. Verifica-se fortes indícios da relação da filiação falsa neste caso, daí, é razoável que esta Direcção tenha dúvida sobre a relação da filiação entre a parte e B e C, e nos termos do art.º 28.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, sempre que se suscitem dúvidas sobre a exactidão de qualquer dos dados de identificação apresentados pelo requerente, pode a DSI notificar o mesmo, através de carta registada com aviso de recepção, para apresentação de prova complementar que considere necessária, pelo que notificou, através do ofício n.º 0324/DIR/2020, a parte em 6 de Janeiro de 2020 de apresentar o certificado de exame de ADN entre ela e B e C, para verificar a questão de saber se a parte corresponde à titularidade de residente permanente de Macau nos termos legais.
22. É de indicar que no processo administrativo, para além do dever de instrução da Administração, o Código do Procedimento Administrativo estipula ainda o ónus da prova que incide sobre os interessados.
23. Nos termos do art.º 62.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, os interessados têm também o dever de prestar a sua colaboração para o conveniente esclarecimento dos factos e a descoberta da verdade.
24. E nos termos do art.º 88.º n.ºs 1 e 2 do mesmo Código, 1. o órgão que dirigir a instrução pode determinar aos interessados a prestação de informações e a colaboração noutros meios de prova. 2. Quando seja necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados, são estes notificados para o fazerem, por escrito ou oralmente, no prazo e condições que forem fixados.
25. Daí, podemos ver que os interessados têm o dever de prestar cooperação à Administração, a fim de apurar a verdade.
26. Todavia, a parte recusou-se a realizar o exame de ADN por várias vezes através da sua advogada.
27. Para apreciar o requerimento da renovação do BIR apresentado pela parte em 29 de Maio de 2020, esta Direcção pediu ao MP para intentar a acção da averiguação da paternidade, a fim de verificar os elementos de identificação da parte.
28. Nos termos do art.º 33.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, 1. Se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos.
29. Esta Direcção só pode apreciar e autorizar o requerimento da renovação do BIR da parte até ao resultado final do tribunal sobre o assunto e o tribunal é competente para decidir o referido assunto, pelo que esta Direcção suspendeu o processo administrativo da renovação do BIR da parte, para aguardar o resultado final do tribunal sobre o respectivo assunto.
30. Como na fase actual há fortes indícios da relação da filiação falsa da parte no caso em causa e a relação da filiação é determinante para decidir a titularidade de residente permanente de Macau da requerente, considerando que a autorização do requerimento da renovação do BIR da parte depende do reconhecimento da respectiva filiação, pelo que esta Direcção decidiu suspender o respectivo processo nos termos da lei para aguardar a decisão do respectivo serviço, daí, a decisão desta Direcção não violou o princípio da legalidade.
31. Além disso, a advogada indicou que a decisão desta Direcção ofendeu os direitos da parte, não obstante a decisão da suspensão causou alguma influência sobre o exercício dos direitos da parte, se esta Direcção ainda emitisse o BIR à parte quando a parte estava suspeita de utilizar os elementos falsos para obter o BIRM, o que violou o princípio da prossecução do interesse público previsto no art.º 4.º do Código do Procedimento Administrativo, nestes termos, para defender os interesses públicos, designadamente, para defender a credibilidade dos respectivos documentos e os interesses da RAEM, a decisão desta Direcção da suspensão do processo administrativo da renovação do BIR da parte não é improporcional, não violando o princípio da proporcionalidade.
(II) A advogada adiantou que esta Direcção exigiu à parte que fizesse o exame de ADN, o que ofendeu os direitos pessoais da parte e o exame de perícia não é o meio único para provar a relação da filiação, pelo que o acto desta Direcção violou o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo. (pontos 14 a 27 do requerimento)
32. Tal como se referiu acima, ao abrigo do art.º 28.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, sempre que se suscitem dúvidas sobre a relação da filiação, pode a Direcção notificar a parte para apresentação de prova complementar. Tal como disse a advogada que “o legislador consagrou à DSI o poder de verificação para assegurar a veracidade dos elementos de identificação, a DSI, ao aplicar esta disposição legal, está a exercer um poder discricionário, podendo decidir, por si, as provas necessárias.”
33. Além disso, nos termos do art.º 86.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito. A Administração pode aproveitar todos os meios de prova admitidos em direito para procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento.
34. In casu, esta Direcção exigiu à parte que fizesse o exame de ADN, para assegurar a titularidade enquanto residente permanente de Macau, o exame de ADN não é o único meio para provar a filiação, mas não é negável que o exame de ADN é um meio de prova mais fiável e correcto e corresponde ao princípio da economia e celeridade. Tendo em conta aa razões supracitadas, esta Direcção entendeu que este meio é mais conveniente para apurar a verdade, pelo que exigiu à parte que apresentasse o certificado do exame de ADN entre ela e B e C, para provar a existência da filiação e verificar que a parte satisfaz a titularidade de residente permanente de Macau nos termos da disposição legal supracitada.
35. Além disso, em relação à perícia de filiação, o TSI indicou no acórdão do Processo n.º 928/2018, em 23 de Maio de 2019, que:
“Sinceramente, a recusa de colaboração por parte do Réu apenas é legítima se esta implicar a violação da integridade física ou moral das pessoas (art.ºs 442.º n.º 3 al. a) do CPC), mas deve entender-se que tal não sucede nos exames de ADN feitos através da colheita de saliva usados nas acções relativas à investigação de maternidade ou paternidade ......”.
36. Daí, podemos ver que o exame de ADN feito através da colheita de saliva não ofendeu a integridade físico ou moral da pessoa, pelo que não concordou com a alegação da advogada de que o respectivo exame ofendeu os direitos pessoais da parte.
37. Portanto, para verificar a titularidade de residente de Macau da parte, esta Direcção utilizou um meio de prova para provar a relação da filiação entre a parte e B e C e este meio de prova não ofendeu os direitos pessoais da parte, nem prejudicou os direitos da parte previstos nos art.ºs 28.º e 30.º da Lei Básica, nem violou o princípio da proporcionalidade previsto no Código do Procedimento Administrativo, assim, não existe vício da ilegalidade indicado pela advogada.
(III) A advogada avançou que existe posse de estado entre a parte e B, e a parte, B e C nunca pretenderam fazer o exame de perícia (os pontos 36 a 38 do requerimento)
38. De facto, de acordo com os elementos dos autos, B declarou na DSI em 12 de Setembro de 2019 que: “...... eu e C temos só um filho, não temos mais filhos. C tinha filho com outro ……”, daí, podemos ver que não é verdade a indicação da advogada de que desde nascimento da parte até hoje, B chamava e tratava a parte como filha e a parte, por sua vez, também chamava e tratava B como pai, e os parentes e amigos também sabiam bem a relação da filiação entre a parte e B.
39. Apesar da existência da posse do estado entre a parte e B, é de indicar que nos termos do art.º 1697.º n.º 4 do Código Civil, combinando com o art.º 1665.º n.ºs 3 a 5 do mesmo Código, a vontade comum da manutenção do estabelecimento da filiação deve ser indicada no processo da averiguação da filiação, pelo que o respectivo facto não é matéria discutida no presente processo administrativo.
(IV) A advogada entendeu que na altura, a parte pode requereu a residência em Macau com a sua mãe e por este meio também pode adquirir o BIRPM. (os pontos 42 a 44 do requerimento)
40. Como se referiu a advogada acima, se a parte requeresse a fixação da residência em Macau com a sua mãe, a parte devia fazer tal requerimento na qualidade de residente do Interior da China, a apreciação e a autorização da fixação da residência dos residentes do Interior da China competem ao órgão da segurança pública do Interior da China, daí, a parte só podia requerer a fixação de residência em Macau com o salvo-conduto singular, após a autorização dos serviços do Interior da China, para obter o BIRNPM.
41. Aliás, é de indicar que na altura a mãe da parte não apresentou tal requerimento e actualmente a parte é residente permanente de Macau, pelo que a advogada não pode deduzir mera hipótese para provar que a parte tem qualidade de adquirir o BIRPM.
42. Além disso, no regime jurídico vigente, para verificar se a parte tem titularidade de residente permanente de Macau, devem seguir o disposto no art.º 24.º da Lei Básica e do art.º 1 da Lei n.º 8/1999, isto é, a questão de saber se na altura a parte satisfaz ou não à lei do Interior da China para fixar a residência em Macau e adquirir a titularidade de residente não permanente não é requisito legal para a Direcção apreciar a titularidade de residente permanente de Macau.
43. Sendo assim, não é correcta a invocação da advogada constante do ponto 44 do requerimento de que o resultado do exame de ADN não afectará a titularidade de residente permanente de Macau da parte.
III. Resumo e sugestões
Face ao exposto, a decisão desta Direcção da suspensão do processo administrativo da renovação do BIR da parte não enfermou de nenhum vício indicado pela advogada da parte, pelo que, sugere-se ao Exm.º Director que emita a sugestão ao Exm.º Secretário da manutenção da decisão desta Direcção relativa à suspensão da renovação do BIR da parte e indefira o recurso hierárquico necessário deduzido pela advogada da parte......” – cf. fls. 65 a 75 do PA apenso -;.
h) Aquele despacho foi notificado à Recorrente em 26.11.2020- cf. fls. 80 do PA apenso -;
  
  b) Do Direito
  
  Do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público consta que:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, vem interpor recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça que indeferiu o recurso hierárquico do acto da Directora dos Serviços de Identificação que determinou a suspensão do procedimento de renovação do Bilhete de Identidade de Residente (BIR) da Recorrente, pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do presente recurso.
  2.
  (i)
  A questão que se discute nos presentes autos é, no essencial, a da legalidade do acto que, ao abrigo da norma do artigo 33.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), suspendeu o procedimento de renovação do BIR da Recorrente até que se mostre judicialmente decidido se a mesma é ou não filha biológica da pessoa que figura como seu pai no Registo Civil.
  O acto administrativo recorrido fundou-se juridicamente, a título principal, na norma do artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002 e na norma do artigo 33.º, n.º 1 do CPA. Com efeito, a Administração considerou, ao abrigo daquela primeira norma, que havia dúvidas sobre a exactidão de um dos dados de identificação apresentados pela Recorrente e depois, com fundamento na segunda, determinou a suspensão procedimental nos termos acima referidos.
  Salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, parece-nos que a Administração incorreu na violação de ambas as normas, o que justificará a procedência da pretensão impugnatória da Recorrente. Pelo seguinte.
  (ii)
  De acordo com o artigo 33.º, n.º 1 do CPA, «se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos».
  Esta norma, como se sabe, transpõe para o procedimento administrativo uma solução que tem larga tradição no processo civil português e que o nosso Código de Processo Civil acolhe no seu artigo 27.º, e reporta-se a situações em que a decisão final de determinado procedimento está condicionada por questões de facto ou de direito cuja apreciação é da competência ou da jurisdição de um outro órgão administrativo ou de um tribunal. São as chamadas questões prejudiciais.
  A suspensão prevista no n.º 1 do artigo 33.º do CPA abrange apenas os procedimentos que culminam com uma decisão, maxime, com um acto administrativo uma vez que, como resulta do artigo 110.º do CPA, um dos seus elementos definidores é, justamente, o de se tratar de uma decisão que implique, portanto, uma prévia actividade instrutória mais ou menos extensa tendente ao apuramento dos factos integradores dos pressupostos da actuação administrativa abstractamente previstos na norma habilitante.
  Ora, a emissão do BIR não constitui uma decisão no sentido do artigo 110.º do CPA, mas, em rigor, uma actuação material ou uma mera actuação administrativa, à qual, portanto, não será aplicável o regime do artigo n.º 1 do artigo 33.º do CPA.
  Na verdade, a lei não configura a emissão do BIR como um acto administrativo. É que, como resulta expressamente do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2002, a emissão do BIR é um direito dos residentes e como tal, verificando-se os respectivos pressupostos, a Administração fica constituída no correspectivo dever ou obrigação de facere que é, precisamente, a de emitir o BIR, sem que se justifique ou sequer esteja prevista a prévia emissão de um acto administrativo definidor da situação jurídica do interessado uma vez que o seu conteúdo resulta imediatamente da própria lei. Face àquela norma do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/20021, bastará, pois, que alguém tenha o estatuto de residente para que na sua esfera jurídica se constitua o direito subjectivo à emissão do BIR, não cabendo à Administração, previamente, declarar de forma unilateral e autoritária, como é próprio dos actos administrativos, que o interessado tem direito à emissão do BIR.
  Naturalmente que isto que se diz para a emissão vale, por maioria de razão, para a renovação do BIR.
  (iii)
  Nos termos da alínea 1) do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, o BIR é obrigatoriamente renovado nas situações de caducidade, ou seja, quando é atingido o prazo da respectiva validade a que se reporta a artigo 6.º desse mesmo instrumento normativo.
  Significa isto que, quando a caducidade ocorra, o interessado que tem o direito à renovação do BIR, nos termos que decorrem do já referido n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2002, tem também a obrigação de o renovar, sem que, no entanto, isto altere a natureza da actuação administrativa devida na sequência do pedido de renovação.
  De resto, a renovação do BIR motivada pela respectiva caducidade não carece de qualquer instrução documental uma vez que a situação se não enquadra em qualquer das alíneas do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 23/20022. Daí que, confrontada com um pedido de renovação do BIR que lhe seja dirigido por um residente, à Administração não reste senão, cumpridas as formalidades de natureza burocrática que estão previstas nas normas legais e regulamentares aplicáveis (v.g. aqueles a que se refere o artigo 20.º do Regulamento Administrativo n.º 23/20023), proceder a essa renovação, emitindo o respectivo documento.
  Demonstra-se, portanto, ser manifestamente desadequada, com todo o respeito o dizemos, a suspensão do procedimento decretada pela Administração dada a inaplicabilidade da norma do n.º 1 do artigo 33.º do CPA à situação, consubstanciando uma tal actuação uma violação não só dessa norma, mas também da do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2002, violação essa que não pode deixar de se projectar de modo invalidante sobre o acto recorrido.
  (iv)
  Mas não só por isso o acto padece de vício gerador da respectiva anulabilidade.
  Vejamos.
  No caso em apreço, a Recorrente, pediu a renovação do seu BIR em resultado da respectiva caducidade. Todavia, a Direcção dos Serviços de Identificação, invocando a existência daquilo que entende serem fortes indícios de que a relação de filiação da Recorrente com o seu pai é falsa, num primeiro momento, com fundamento na norma do n.º 1 do artigo 28.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, solicitou à Recorrente que apresentasse um exame de ADN tendente a comprovar essa relação de filiação e, depois, perante a recusa da Recorrente em sujeitar-se a tal exame, determinou a suspensão do procedimento de renovação do BIR nos termos do n.º 1 do artigo 33.º do CPA até que o tribunal competente decida a questão da filiação da Recorrente.
  Estamos em crer que a Administração, salvo o devido respeito, ao assim proceder também incorreu em manifesta violação daquela norma como, de seguida, em termos necessariamente breves, procuraremos demonstrar.
  Como vimos, a emissão e a renovação do BIR são direitos de quem é detentor do estatuto de residente da Região e a Recorrente detém esse estatuto uma vez que, como é pacífico, ela é residente permanente de Macau.
  Tal estatuto, como resulta do disposto no artigo 24.º da Lei Básica, tem natureza fundamental e enquanto se mantiver impõe-se à própria Administração.
  Não nos parece, por isso, que a norma do n.º 1 do artigo 28.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002 dê o suficiente suporte à agora sindicada actuação da Administração.
  Aí se estabelece que «sempre que se suscitem dúvidas sobre a exactidão de qualquer dos dados de identificação apresentados pelo requerente, pode a DSI notificar o mesmo, através de carta registada com aviso de recepção, para apresentação de prova complementar que considere necessária». A verdade, porém, é a de que não podem, legitimamente, existir quaisquer dúvidas relativamente à paternidade da Recorrente, porquanto, como resulta do disposto no artigo 1652.º do Código Civil, a mesma se encontra estabelecida e a prova da filiação se faz pela forma que se encontra prevista nas leis do registo civil.
  Ora, a certidão do assento de nascimento da Recorrente prova plenamente a sua filiação. Mais. Como preceitua a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Civil, «essa prova não pode sequer ser ilidida por qualquer outra, salvo nas acções de estado ou de registo». Por isso dizemos que, perante um facto que se encontra plenamente provado pela única forma legalmente possível não são legítimas as dúvidas as Administração. Pelo contrário.
  O exame de DNA que a Administração solicitou à Recorrente, não só se revela legalmente inadmissível, pois que a ilisão da prova resultante do registo só pode ser feita em acção judicial de estado ou de registo, como, além disso, é, na prática, redundante, uma vez que a Recorrente não tem de provar através de um exame pericial um facto que já se encontra plenamente provado. Como é evidente, o exame de DNA, se vier a realizar-se no âmbito de uma acção judicial destinar-se-á a afastar, enquanto meio de prova, a paternidade estabelecida e a permitir estabelecer uma outra, de forma a que a verdade registral coincida com a verdade biológica se se provar que entre ambas não existe essa coincidência.
  A Recorrente não tinha, pois, qualquer ónus ou dever de se sujeitar a um exame de DNA no âmbito de um procedimento de renovação do seu BIR, a qual, em bom rigor, depende apenas da demonstração do seu estatuto de residente de Macau e esse, no caso, é indiscutível.
  De resto, mesmo que, por mera hipótese, a Recorrente se tivesse sujeitado ao exame de DNA e dele tivesse resultado que a pessoa que no registo figura como seu pai não é o seu pai biológico, não seria por isso que a mesma, de forma automática, perderia o seu estatuto de residente, que, como vimos, constitui o pressuposto do direito à emissão e à renovação do BIR.
  Concluindo, podemos dizer que, estando a paternidade da Recorrente estabelecida e plenamente provada nos termos legalmente previstos através do único meio legalmente admissível, a Administração incorreu em violação da norma do artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002 quando considerou que se suscitam dúvidas quanto à filiação da Recorrente.
  Isso mesmo acarretou, ademais, uma acrescida violação da norma do n.º 1 do artigo 33.º do CPA e bem assim da norma do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2002 por parte da Administração ao suspender o procedimento de renovação do BIR da Recorrente por considerar, erradamente, que tal renovação dependia da decisão de uma acção de impugnação de paternidade que, ao que se sabe, ainda nem sequer foi instaurada, quando, na verdade, a paternidade da Recorrente se encontra, como dissemos, estabelecida e plenamente provada, não se justificando, como é evidente, qualquer suspensão procedimental.
  Como é sabido, a violação de lei gera a anulabilidade acto administrativo, pelo que, com tal fundamento, estamos modestamente em crer que o presente recurso deve proceder com a consequente anulação do acto recorrido.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado procedente devendo, em consequência, ser anulado o acto recorrido.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que procedem os fundamentos de recurso quanto aos vício de violação de lei imputado ao acto impugnado, o qual nos termos do artº 124º do CPA implica que o mesmo seja anulável, sendo de proceder o recurso com este fundamento.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, anula-se o acto impugnado.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 27 de Janeiro de 2022
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  
  Mai Man Ieng
1 Correcção nossa uma vez que por manifesto erro de escrito constava 3/2002
2 Correcção nossa uma vez que por manifesto erro de escrito constava 23/2000
3 idem
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28/2021 REC CONT 38