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Processo n.º 268/2021
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data : 27 de Janeiro de 2022

Assuntos:

- Residência habitual e factos integradores


SUMÁRIO:

I – Em direito administrativo, residência habitual é um conceito impreciso classificatório, cujo preenchimento solicita a constatação de dados descritos-empíricos e a sua imprecisão se dissolve em sede de interpretação, logo o juiz pode repetir a interpretação feita pela Administração Pública.

II – Sem prejuízo do conceito legal de residência habitual fixado no artigo 30º/2 do CCM, a doutrina entende por residência habitual o local onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas (Mota Pinto. Teor. Ger. Dir. Civ., 3.ª ed.-258), sem prejuízo de ausência prolongada por motivos ponderosos.

III – Tratando-se de um conceito indeterminado, em circunstâncias especiais admitem-se desvios no que toca aos padrões normalmente seguidos para densificar o conceito de residência habitual, visto que em várias situações o/a interessado/a pode ausentar-se do local por motivos variados (ex. por motivo de reciclagem ou estudo profissional; ou por motivo profissional o interessado vai ser destacado para uma companhia filial situada fora de Macau para desempenhar determinada função altamente técnica durante 6 meses ou mais tempo; ou por motivo de doença prolongada e hospitalização em estabelecimento fora Macau para receber tratamentos adequados durante 6 meses ou mais tempo; ou porque tem filhos menores que carecem de cuidado especial fora de Macau por causa de doença ou saúde durante 6 meses ou mais tempo), o que demonstra que a presença física prolongada de uma pessoas ou pernoitar num determinado local não são critérios únicos e exclusivos para determinar a residência habitual de uma pessoa.

IV – Os factos alegados e provados demonstram que a Recorrente tem mantido a sua residência aqui em Macau, prosseguindo o seu estudo secundário na Escola Portuguesa aqui, e, antecipadamente informou a Entidade Competente que se vai ausentar de Macau durante alguns anos por ir frequentar um curso superior em Portugal, realidade esta que não permite concluir-se pela ideia de que a Recorrente deixou de residir em Macau, pelo contrário, tudo espelha que ela está integrada na comunidade de Macau, estando assim preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do conceito de residência habitual, o que é razão bastante para renovar a sua autorização de residência em Macau, por continuar a viver com a sua mãe adoptiva aqui em Macau. Eis a razão de anular a decisão negatória proferida pela Entidade Recorrida.



O Relator,

_______________
Fong Man Chong


Processo nº 268/2021
(Autos de recurso contencioso)

Data : 27 de Janeiro de 2022

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Senhor Secretário para a Segurança que lhe indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência, concluindo e pedindo:

a) Recorre-se do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança datado de 5 de Janeiro de 2021.
b) Estão reunidos os pressupostos processuais.
c) Dá-se aqui por reproduzido o breve relatório sobre os factos relevantes para apreciação do presente recurso.
d) O despacho recorrido é aquele que indefere a “renovação da autorização de residência” na R.A.E.M. à recorrente.
e) Baseado nos factos supra referidos, entende a recorrente que o despacho recorrido é ilegal por erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito; uma vez que, numa e outra situação, conclui que a recorrente não tem residência habitual na R.A.E.M.; logo, alegadamente, a finalidade pretendida, quando lhe foi concedida a autorização de residência - juntar-se à sua mãe na R.A.E.M. - mostra-se afastada, perante a situação de facto da recorrente, entre Fevereiro de 2020 e Fevereiro de 2021.
f) Com o devido respeito, o despacho recorrido analisa erradamente situações de facto e conceitos de direito, concluíndo (mal) que os motivos invocados para a renovação do estatuto de residente “não são suficientes”.
g) Quanto ao erro nos pressupostos de facto, a recorrente tem a sua vida estabilizada na R.A.E.M., desde os 10 anos de idade, não obstante a autorização de residência só lhe ter sido concedida em Fevereiro de 2016.
Foi aqui que a recorrente estudou, sempre na Escola Portuguesa de Macau, logo, num ensino direccionado ao Português, que é língua oficial da R.A.E.M..
h) E não é pelo facto de ter estado impedida de regressar à R.A.E.M., entre 20 de Fevereiro e 4 de Julho de 2020, pela situação pandémica que ainda hoje se vive; e por, presentemente, estar a estudar em Portugal, para onde direcciou os estudos universitários; ou seja, por, ter estado (e estar) ausente temporariamente da R.A.E.M.; que a recorrente deixou de residir habitualmente na R.A.E.M..
i) O despacho recorrido está ferido de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto por ter concluído que, por aquelas ausências da R.A.E.M., a recorrente deixou de aqui residir habitualmente.
j) Quanto ao erro nos pressupostos de direito, em causa está a (má) interpretação da expressão residência habitual na R.A.E.M..
k) Ora, da leitura do art.º 4° da Lei n° 8/1999, tendo em conta as situações de facto supra elencadas, no tocante à recorrente, ter-se-á que concluir que, não obstante as ausências temporárias que se lhe imputam como desviantes da sua residência habitual, é na R.A.E.M. que a recorrente sempre “residiu habitualmente”, desde os 10 anos de idade; é na R.A.E.M. onde residem os seus “principais familiares”; e o “motivo período e frequência das ausências” são perfeitamente justificáveis.
l) Não foi, por isso, que a recorrente, perante as situações descritas no despacho recorrido, deixou de ter residência habitual na R.A.E.M.
m) A recorrente ausentou-se temporariamente da R.A.E.M., por motivos, primeiro, excepcionais - que lhe não são minimamente imputáveis - e, depois, por motivos de frequência de curso universitário; mas é na R.A.E.M. que ela e os seus famíliares directos têm o centro da sua vida e não é intenção da recorrente fixar residência em qualquer outro lugar.
n) Os fundamentos invocados no despacho recorrido não podem, com o devido respeito, justificar o indeferimento da renovação da residência da recorrente na R.A.E.M..
o) O despacho recorrido está, por isso, viciado de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e por erro nos pressupostos de direito, este, por deficiente interpretação do disposto no art.º 9°, alínea 3) e 5) da Lei n° 4/2003; e do art.º 4º da Lei nº 8/1999.
p) Os vícios invocados geram a anulabilidade do acto, como resulta do art.º 124 ° do Código de procedimento Administrativo, o que se invoca para os respectivos efeitos legais.
  Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, anulado o despacho recorrido, com todas as consequências legias, nomeadamente.

Assim se fazendo JUSTIÇA.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Por despacho do Relator, foi indeferido o pedido da inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente.

Foram apresentaram alegações facultativas pela recorrente e pela entidade recorrida.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela improcedência do presente recurso.

Dos elementos constantes dos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* A recorrente é de nacionalidade mongol, a quem foi concedida em 03FEV2016 a autorização de residência temporária, com fundamento na convivência com a mãe adoptiva em Macau;

* A autorização foi sucessivamente renovada até 02FEV2021;

* Em 18AGO2020, a recorrente formulou o pedido de renovação da autorização;

* Alegou no pedido de renovação que iria frequentar um curso universitário, com duração de 3 anos, em Portugal, com início a partir de SET2021;

* Pelo seguinte despacho do Secretário para a Segurança proferido em 09ABR2020, foi-lhe indeferido o pedido de renovação da autorização de residência com fundamento na cessação da convivência e da coabitação com a sua mãe adoptiva em Macau, justificativas da autorização concedida:

“1. Em 3 de Fevereiro de 2016, à requerente Sr.ª A, foi concedida a autorização de residência, a fim de se juntar na RAEM à sua mãe adoptiva B.
2. Em 28 de Agosto de 2020, a requerente apresentou neste Departamento uma declaração, em que declarou que devido à deslocação a Portugal por motivo de estudo, pediu a proceder com antecedência (cerca de 5 meses) ao procedimento de renovação da autorização de residência em 3 de Setembro. O superior concordou com o respectivo pedido por despacho em 2 de Setembro de 2020.
3. Conforme os movimentos fronteiriços, de Fevereiro de 2019 a Fevereiro de 2020, a requerente e a sua mãe adoptiva permaneceram na RAEM por 288 dias e 296 dias. Contudo, durante os passados sete meses (de Fevereiro de 2020 a Setembro de 2020), a requerente e a sua mãe adoptiva permaneceram na RAEM apenas por 79 dias e 90 dias. Isto demonstra que a requerente e a sua mãe adoptiva não coabitam juntos na RAEM, assim, facto esse que afasta a finalidade inicial pela que lhe foi concedida a autorização de residência (junção com a mãe adoptiva na RAEM), pelo que, é de indeferir o presente pedido da renovação de autorização de residência.
4. Do conteúdo essencial da alegação apresentada pela mãe adoptiva da requerente no procedimento de audiência, consta que a requerente e a sua mãe adoptiva foram retidas fora da RAEM durante a pandemia, tendo sido cancelados os voos e não puderam regressar à RAEM. A requerente ia partir da RAEM em Setembro para frequentar o primeiro ano do curso universitário em Portugal. A sua mãe adoptiva ainda reside e vive na RAEM e ela pretende regressar à RAEM para viver.
5. Analisando este caso integralmente, da alegação apresentada pela mãe adoptiva da requerente, consta que a requerente e a sua mãe adoptiva deslocaram-se em conjunto à Mongólia em 20 de Fevereiro de 2020. Devido ao cancelamento repentino dos voos, não conseguíram regressar à RAEM. Mais, visto que o curso que a requerente pretendia frequentar não era ministrado na RAEM, deslocou-se a Portugal para frequentar o curso. Durante a pandemia, o governo da RAEM apela ao público a redução de saídas da RAEM, prevendo-se a existência de determinados riscos em movimentos fronteiriços e divulgação da pandemia durante a viagem ao exterior. A insistência da sua deslocação foi de escolha individual. Além disso, nunca se recusou a entrada dos residentes na RAEM no âmbito da prevenção da epidemia. A requerente e a sua mãe adoptiva são titulares de bilhete de identidade de residente da RAEM, podem entrar e sair da RAEM livremente sob a condição de cumprimento das respectivas medidas de prevenção da epidemia. Entretanto, se encontrassem dificuldades, podiam procurar apoio para regresso à RAEM junto da embaixada da China na Mongólia. Por outro lado, segundo os dados prestados, a requerente (que estudava na escola portuguesa desde criança) pretendia frequentar as unidades curriculares da Licenciatura de Marketing e Publicidade com a duração de três anos. Mas foi verificado que também existem na RAEM cursos relacionados/semelhantes ao referido curso que são ministrados em inglês e servem como alternativa. Portanto, não é como a requerente mencionou que não há este tipo de cursos ministrados na RAEM e isto não é suficiente para constituir o fundamento de necessidade de estudar fora da RAEM. Além disso, o respectivo curso dura três anos. É razoável inferir que a requerente não vai ficar em Macau durante a maior parte do tempo nos próximos três anos para coabitar com a sua mãe adoptiva. A referida situação afasta o pressuposto inicial pelo que lhe foi concedida a autorização de residência, portanto, os motivos não são suficientes. Pelo exposto, atento aos aspectos referidos no n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, nomeadamente na alínea 3), e às disposições do n.º 2 do artigo 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, propõe-se o indeferimento do presente pedido da renovação de autorização de residência.”

* Inconformada com o despacho que lhe foi notificado em 24FEV2021, veio a recorrente interpor recurso contencioso mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 26MAR2021.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o vertido nas conclusões na petição do recurso, o recorrente imputou ao acto recorrido o vício de erros nos pressupostos de facto e de direito e pediu com fundamento nesses vícios que fosse anulado o acto recorrido.

Ora, estas questões tidas por efectivamente colocadas pelo recorrente com motivação foram analisadas no Douto parecer emitido pelo Ministério Público em sede de vista final, que é o seguinte:
  Na petição inicial e na sua alegação facultativa, a recorrente pediu a anulação do despacho em escrutínio, assacando-lhe o erro nos pressu-postos de facto e o erro nos pressupostos de direito, sendo este traduzido na deficiente interpretação das disposições nas alíneas 3) e 5) do art.9.º da Lei n.º4/2003 bem como no art.4.º da Lei n.º8/1999.
*
  Exarado na Informação Complementar n.º 300130/SRDARPREN /2020P (doc. de fls.65 a 67 do P.A.), o despacho recorrido aponta concludentemente que “Indefiro nos termos e com os fundamentos do parecer constante des-ta informação”. Nos termos do n.º1 do art.115.º do CPA, este despacho absorve e chama a si o “parecer” por si referido.
  Ora, o n.º3 desse “parecer” dá a conhecer que a razão subjacente ao indeferimento da renovação da autorização da residência concedida à recorrente consiste em “根據出入境紀錄顯示,… 然而,在過去7個月 (2020年2月至2020年9月) 期間,申請人及養母居澳僅79天及90天,顯示出申請人及其養母沒有在澳共同生活,該種情況明顯與當初批准居留之目的 (在澳與養母團聚) 不符”.
  Por sua banda, o n.º5 do mesmo indica inequivocamente: 綜合分析本案,… 疫情期間特區政府呼籲市民減少出境,預告外遊存有一定出入境及傳播風險,其等仍堅持前往屬人選擇。此外,澳門在防疫方面一直處於相對平緩,亦從沒有對居民採取拒入境措施。雖然冠狀病毒疫情對出入境有一定不便及管制,然而申請人及養母均持澳門居民身份證,仍可在遵守有關防疫措施的前提下自由進出境。同時倘遇困難亦可向中國駐蒙古大使館尋求協助回澳。另一方面,根據所提供的資料顯示,申請人欲修讀的課程為市場及廣告學位課程 (為期3年),經查有關課程在澳門亦有相關/類似的替代課程 (英語授課,見附件),並非如申請人所陳述稱沒有開設,亦不足以成為必須離澳就讀理據;此外,有關課程為期3年,有理由推斷未來3年申請人大部份時間將不會留在澳門與其養母共同生活,有關情況與原獲批的前提 (在澳與養母團聚) 並不相符。故認為有關理由並不充份。因此,經考慮第4/2003號法律第9條第2款所指各因素,尤其3項,及第5/2003號行政法規第22條第2款之規定,建議不批准是次的居留許可續期申請。
  1. Nos termos da legislação vigente e de acordo com as pertinentes jurisprudências, inclinamos a colher modestamente que quando a autorização da residência tiver por base e finalidade a convivência familiar (家庭團聚) – o que acontece no caso sub judice, a sua renovação depende da verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber:
  - A manutenção do laço familiares no qual se alicerce a concessão da autorização da residência, o desaparecimento deste “laço” – por exem-plo, a ruptura do casamento – implica o decaimento do pressuposto da concessão da autorização de residência (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º66/2019);
  - O próprio interessado tem residência habitual em Macau (art.9.º, n.º3, da Lei n.º4/2003), por mesma razão, são-no também os seus familiares – pais ou cônjuge, etc., sob pena de que a autorização de residência concedida ao interessado perde a sua justificação teleológica.
   Vale ter presente que como pressuposto vinculativo da renovação da autorização de residência, a qualidade de “residente habitual” implica necessariamente uma “situação de facto” com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território) (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º182/2020).
  2. Sucede in casu que a recorrente e sua mãe saíram de Macau a Mongólia em 20/02/2020 (docs. de fls.33 e 34 do P.A.). Para os devidos efeitos, ca-be salientar que em 04/02/2020 foi publicado e divulgado nos meios de comunicação local o Despacho do Chefe do Executivo n.º27/2020. O que denota razoavelmente que ao sair de Macau em 20/02/2020, elas podiam prever a probabilidade séria do cancelamento do avião.
  E corresponde à verdade que “澳門在防疫方面一直處於相對平緩,亦從沒有對居民採取拒入境措施。雖然冠狀病毒疫情對出入境有一定不便及管制,然而申請人及養母均持澳門居民身份證,仍可在遵守有關防疫措施的前提下自由進出境。同時倘遇困難亦可向中國駐蒙古大使館尋求協助回澳。”
  Tudo isto aconselha-nos a extrair que não havia justo impedimento ou força maior capaz de justificar a ausência (da recorrente) no período de 20/02/2020 a 05/07/2020 que é a data da volta dela para Macau (doc. de fls.352 do P.A.), portanto, a consideração e valoração (pela Administração) do dito período para o indeferimento da pretendida renovação da autorização de residência temporária não é ilegal, sem enfermar o erro nos pressupos-tos de facto, nem infringir o preceito no art.4.º da Lei n.º8/1999.
  3. Na nossa óptica, não há mínima dúvida de ser legítima a opção da recorrente, no sentido de que desde Setembro de 2020 ela começou a frequentar o curso da Licenciatura em Marketing e Publicidade na Uni-versidade Europeia em Portugal (doc. de fls.337 do P.A.), mesmo que o mesmo curso se encontre aberto e ministrado nas Universidades de Macau.
  Todavia, convém destacar que o sobredito curso tem a duração de três anos lectivos. O que significa que a recorrente tem de ausentar-se de Macau e separar-se da sua mãe na dita duração de três anos lectivos. Daí decorre, segundo nos parece, que não é temporária nem incidental, pelo que ao caso sub judice não se aplica a douta jurisprudência, segundo a qual “A ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º106/2019).
  Repara-se que a frequência do supramencionado curso em Portugal não é inevitável, na medida em que a Universidade de Macau ministra e leciona o idêntico curso, e que o despacho atacado nos presentes autos não impede ou prejudica que a recorrente venha a requerer, no futuro, a autorização da residência com fundamento na convivência com sua mãe.
  Nesta linha de vista, afigura-se-nos que como opção voluntária, a frequência do dito curso em Portugal implica necessariamente a ausência de Macau e, deste modo, a inviabilidade do reagrupamento dela com a sua mãe na RAEM. Daí resultam o decaimento do pressuposto traduzido em reagrupamento familiar e a consequente caducidade da autorização de residência, caducidade que legitima a não renovação da mesma.
***
  Por todo o exposto acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

Para nós, as questões efectivamente colocadas com alegações devidamente motivadas já foram correcta e exaustivamente debatidas no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação.

Resumindo e concluindo:

Não se justifica a renovação da autorização de residência temporária, concedida ao abrigo do disposto no artº 9º/2-3) da Lei nº 4/2003, se entretanto deixarem de estar presentes as finalidades a que visa a obtenção da autorização inicial de residência e o modus vivendi do seu titular vier a tornar inviável a manutenção em Macau do seu centro de vida.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 13JAN2022


* * *
Submetido à discussão e votação, tal projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo, ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
* * *

I - RELATÓRIO
    A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança, datada de 05/01/2021, dela veio, em 26/03/2021, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 12, tendo formulado as seguintes conclusões:
     a) Recorre-se do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança datado de 5 de Janeiro de 2021.
     b) Estão reunidos os pressupostos processuais.
     c) Dá-se aqui por reproduzido o breve relatório sobre os factos relevantes para apreciação do presente recurso.
     d) O despacho recorrido é aquele que indefere a “renovação da autorização de residência” na R.A.E.M. à recorrente.
     e) Baseado nos factos supra referidos, entende a recorrente que o despacho recorrido é ilegal por erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito; uma vez que, numa e outra situação, conclui que a recorrente não tem residência habitual na R.A.E.M.; logo, alegadamente, a finalidade pretendida, quando lhe foi concedida a autorização de residência - juntar-se à sua mãe na R.A.E.M. - mostra-se afastada, perante a situação de facto da recorrente, entre Fevereiro de 2020 e Fevereiro de 2021.
     f) Com o devido respeito, o despacho recorrido analisa erradamente situações de facto e conceitos de direito, concluíndo (mal) que os motivos invocados para a renovação do estatuto de residente “não são suficientes”.
     g) Quanto ao erro nos pressupostos de facto, a recorrente tem a sua vida estabilizada na R.A.E.M., desde os 10 anos de idade, não obstante a autorização de residência só lhe ter sido concedida em Fevereiro de 2016. Foi aqui que a recorrente estudou, sempre na Escola Portuguesa de Macau, logo, num ensino direccionado ao Português, que é língua oficial da R.A.E.M..
     h) E não é pelo facto de ter estado impedida de regressar à R.A.E.M., entre 20 de Fevereiro e 4 de Julho de 2020, pela situação pandémica que ainda hoje se vive; e por, presentemente, estar a estudar em Portugal, para onde direcciou os estudos universitários; ou seja, por, ter estado (e estar) ausente temporariamente da R.A.E.M.; que a recorrente deixou de residir habitualmente na R.A.E.M..
     i) O despacho recorrido está ferido de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto por ter concluído que, por aquelas ausências da R.A.E.M., a recorrente deixou de aqui residir habitualmente.
     j) Quanto ao erro nos pressupostos de direito, em causa está a (má) interpretação da expressão residência habitual na R.A.E.M..
     k) Ora, da leitura do art.º 4° da Lei n° 8/1999, tendo em conta as situações de facto supra elencadas, no tocante à recorrente, ter-se-á que concluir que, não obstante as ausências temporárias que se lhe imputam como desviantes da sua residência habitual, é na R.A.E.M. que a recorrente sempre “residiu habitualmente”, desde os 10 anos de idade; é na R.A.E.M. onde residem os seus “principais familiares”; e o “motivo período e frequência das ausências” são perfeitamente justificáveis.
     l) Não foi, por isso, que a recorrente, perante as situações descritas no despacho recorrido, deixou de ter residência habitual na R.A.E.M.
     m) A recorrente ausentou-se temporariamente da R.A.E.M., por motivos, primeiro, excepcionais - que lhe não são minimamente imputáveis - e, depois, por motivos de frequência de curso universitário; mas é na R.A.E.M. que ela e os seus famíliares directos têm o centro da sua vida e não é intenção da recorrente fixar residência em qualquer outro lugar.
     n) Os fundamentos invocados no despacho recorrido não podem, com o devido respeito, justificar o indeferimento da renovação da residência da recorrente na R.A.E.M..
     o) O despacho recorrido está, por isso, viciado de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e por erro nos pressupostos de direito, este, por deficiente interpretação do disposto no art.º 9°, alínea 3) e 5) da Lei n° 4/2003; e do art.º 4º da Lei nº 8/1999.
     p) Os vícios invocados geram a anulabilidade do acto, como resulta do art.º 124 ° do Código de procedimento Administrativo, o que se invoca para os respectivos efeitos legais.

*
    Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 27 a 36, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Nos presentes autos vem pedida a anulação do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança, em 05.01.2021, através do qual, confirmando a proposta do CPSP, foi indeferido o pedido de renovação da autorização de residência que havia sido concedida à ora Recorrente, a fim de se reunir com a sua mãe (adoptiva) em Macau.
     2. Para tanto alega a Recorrente que esse despacho enferma de erro nos pressupostos de facto, ao concluir que por ter estado e estar a estudar em Portugal, para onde direccionou os estudos universitários, deixou de residir habitualmente na RAEM.
     3. Considera, ainda, que a decisão é ilegal por erro nos pressupostos de direito, por deficiente interpretação da expressão "residência habitual na RAEM" e do disposto no art.9°, alíneas 3) e 5) da Lei nº4/2003 e do art.4º da Lei nº8/1999.
     Vejamos.
     -DOS FACTOS-
     4. A ora Recorrente obteve, por despacho do Secretário para a Segurança de, 03.02.2016, autorização de residência para se juntar à sua mãe (adoptiva) B - cfr. fls.207-209 do processo administrativo (doravante "PA").
     5. Em 17.02.2016 o marido da mãe (adoptiva) da ora Recorrente foi notificado dessa decisão, tendo-lhe, ainda, sido dado a conhecer que a renovação dessa autorização está condicionada pelo cumprimento dos requisitos previstos na Lei nº4/2003 e no Regulamento Administrativo nº5/2003, designadamente, a coabitação da Requerente e do agregado familiar a quem se junta na RAEM e a necessidade de permanência de 183 dias por cada ano - cfr. fls. 239 do PA.
     6. O pedido de renovação da autorização de residência da Recorrente apresentado em 19.01.2017 foi deferido, ao abrigo da subdelegação do Comandante do CPSP, por despacho de 23.03.2017 do Chefe do Serviço de Migração - cfr. fls.262, 264, 266 e 268 do PA.
     7. Em 18.02.2019, por despacho do Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência Substituto, ao abrigo da subdelegação do Comandante do CPSP, foi deferido o pedido de renovação da autorização de residência da Recorrente apresentado em 16.01.2019 - cfr. fls.279, 281, 283 e 285 do PA.
     8. Terminando em 02.02.2021 a validade dessa autorização, a Recorrente, por ir para Portugal no dia 04.09.2020 iniciar o primeiro ano da Universidade, veio antecipadamente, em 03.09.2020, solicitar nova renovação, nos termos do art.22º do Regulamento Administrativo nº5/2003 - cfr. fls.295 e 363 do PA.
     9. No decurso do respectivo procedimento, apurou-se que, de acordo com os registos dos movimentos fronteiriços, a Requerente e a sua mãe no período de Fevereiro a Setembro de 2020 permaneceram na RAEM apenas por 79 e 90 dias, respectivamente - cfr. fls. 347-348 e 351-352 do PA.
     10. Em face de tal situação, em 08.10.2020, após ter sido notificada da intenção de indeferimento daquele pedido de renovação da autorização de residência, a Requerente veio informar que ela e a sua mãe (adoptiva) deslocaram-se em 20.02.2020 à Mongólia e que devido à pandemia o voo de regresso, agendado para dia 29.02.2020, havia sido cancelado, razão pela qual não conseguiram regressar à RAEM - cfr. fls.301-344 e 345 do PA.
     11. A Requerente divulgou também, ainda em sede de audiência prévia, que se inscreveu numa Universidade em Portugal a fim de frequentar a licenciatura em Marketing e Publicidade, com a duração prevista de 3 anos e início em Setembro de 2020 - cfr. fls.301.-344 do PA.
     12. Em concordância com a informação nº300133/SRDARPREN/2020P, de 09.11.2020, e com o Director do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, foi proposto pelo CPSP, em 03.12.2020, o indeferimento da renovação da autorização de residência de que a Requerente beneficiava, ao abrigo da alínea 3) do nº2 do art.9° da Lei nº4/2003 e do nº2 do art.22° do Regulamento Administrativo nº5/2003. - cfr. fls.365-367 do PA.
     13. Tal proposta foi submetida à consideração do Secretário para a Segurança, o qual proferiu, em 05.01.2021., o seguinte despacho:
     "INDEFIRO nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação." - cfr. fls.365-367 e 375-376 do PA.
     - DO DIREITO -
     14. No caso sub judice, o despacho recorrido, confirmando a proposta do CPSP, indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência que havia sido concedida à ora Recorrente, a fim de se reunir com a sua mãe (adoptiva) em Macau.
     15. A Recorrente começa por imputar ao acto sindicado o vício que a própria apelida de erro nos pressupostos de facto, fundando-se, essencialmente, no facto de não se poder concluir que deixou de residir habitualmente na RAEM por ter estado impedida, pela situação pandémica, de regressar entre 20 de Fevereiro e 4 de Julho de 2020 e por presentemente estar a estudar em Portugal.
     16. Para além de entender que a decisão é ilegal, por erro nos pressupostos de direito, por deficiente interpretação da expressão "residência habitual na RAEM" e do disposto no art.9°, alíneas 3) e 5) da Lei nº4/2003 e do art.4º da Lei nº8/1999.
     Vejamos.
     17. Ora, no caso em apreço, urge, desde já, referir que o acto sindicato nem sequer apelou ao art.4° da Lei nº 8/1999.
     18. Recorde-se que a renovação da autorização de residência da Recorrente foi indeferida por ter cessado a finalidade invocada para a autorização de residência inicialmente pretendida, ou seja, a reunião com a sua mãe (adoptiva).
     19. Tal como a lei está redigida quanto a este aspecto, o que, verdadeiramente, importa indagar é se houve alteração do condicionalismo fáctico específico que esteve na base do acto administrativo inicial que concedeu a autorização de residência.
     20. E, pelo que foi apurado no procedimento administrativo, a reunião familiar da Recorrente com a sua mãe (adoptiva) deixou de existir, já que aquela decidiu continuar os seus estudos no estrangeiro e frequentar um curso universitário em Portugal.
     21. Circunstância que preenche a causa do decaimento do pressuposto que tinha fundado a autorização de residência concedida em 03.02.2016 à Recorrente.
     22. A ponderação a fazer pela Administração, em sede de renovação da autorização de residência, passa pela avaliação em termos comportamentais do interessado, face ao seu interesse em residir em Macau e projecção das suas atitudes, comportamentos e vivências em termos de conformação com o ordenamento jurídico.
     23. Tal ponderação é feita no âmbito do poder discricionário, que só fica sujeita ao controlo judicial no caso de erro manifesto ou desrazoabilidade total, o que, de todo, não sucede.
     24. O acto recorrido tomou em linha de conta a comprovada ausência da Recorrente da RAEM, a qual se perpetuará, previsivelmente, por um período de vários anos (pelo menos, os da duração do curso).
     25. Ora, para efeitos de concessão da autorização de residência deve atender-se, nomeadamente, aos aspectos enunciados nas várias alíneas do nº2 do art.9º da Lei nº4/2003, onde se incluem “as finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade" [alínea 3)]
     26. Enquanto, o nº3 do art.9º da Lei nº4/2003 esclarece que: “A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência".
     27. Por sua vez, nos termos do art.22º, nº2) do Regulamento Administrativo nº5/2003, que desenvolve a supra referida Lei nº4/2003, determina que a renovação da autorização de residência depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos nessa Lei e neste Regulamento.
     28. Atento o assim preceituado, e tendo a Administração entendido - e como se viu, adequadamente - que a ora Recorrente deixou de estar junto da sua mãe (adoptiva) e fundamento da sua autorização de residência NA RAEM, apenas uma (só) solução lhe era possível adoptar: indeferir o pedido de renovação dessa autorização.
     29. Com efeito, nada impede que, descoberto que o motivo que serviu de suporte à concessão da autorização da residência da Recorrente deixou de ocorrer, a situação se inverta.
     30. Sendo certo que, verificado que o requerente de uma renovação da sua autorização de residência temporária, não tem a sua "residência habitual" na RAEM, necessária é a decisão do seu indeferimento por parte da Administração.
     31. Em suma, o acto em crise assenta em factos verdadeiros reveladores da falta de manutenção do pressuposto que esteve na base da concessão de autorização de residência, nomeadamente a reunião com a mãe adoptiva, o que legitima a Administração a agir nos termos em que o fez, face à previsão dos arts.9º, nº2, al. 3) da Lei nº 4/2003 e 22º, nº2, do Regulamento Administrativo nº5/2003.
     32. Portanto, não se pode aceitar que a Entidade Recorrida tenha errado nos pressupostos de facto na prática do acto sindicado.
     33. Ao agir, da forma descrita, no cumprimento do legalmente estatuído e no exercício de um poder discricionário em sentido técnico-jurídico administrativo, não se descortina que o acto recorrido padeça de qualquer erro, muito menos ostensivo ou grosseiro.
     34. Com efeito, o acto em crise nos presentes autos não pode ser anulado com fundamento nos dois vícios apontados pela Recorrente, na medida em que não restam dúvidas - tal como a própria reconheceu e confirmou no procedimento administrativo - que, realmente, além de ter estado ausente do território durante vários meses, se encontra actualmente a estudar numa universidade em Portugal.
     35. Verificando-se este circunstancialismo, está logo integrado, inequivocamente, o decaimento do pressuposto (positivo) da reunião familiar que esteve na base da concessão de autorização de residência à Recorrente em 03.02.2016.
     36. Na verdade, insiste-se, foi a verificação desse pressuposto positivo que realmente alicerçou o despacho em crise.
     37. É por este conjunto de razões que, não merecendo o acto em apreço qualquer censura, é de concluir pela manifesta improcedência dos vícios apontados pela Recorrente.
*
    O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 66 a 68, pugnando pelo improvimento do recurso.
    
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS:
    São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
    
    São reproduzidos aqui os factos considerados relevantes para a decisão da causa os constantes do vencido projecto da decisão acima integralmente transcrito.

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
    Neste recurso, a Recorrente imputa à decisão recorrida os vícios de erro nos pressupostos de facto e de Direito.
    Bem vistas as coisas, não é difícil verificar-se que os factos alegados por ambas as partes não suscitam grande divergência, o que marca a divergência da posição das partes é mais uma questão da interpretação dos factos em causa.
    São essencialmente 2 ordens de factos tangentes à Recorrente que determinaram que, à luz do entendimento da Entidade Recorrida, a Recorrente não está a reunir as condições para ser renovada a sua autorização de fixação de residência em Macau, ou seja:
“(…)
5. Analisando este caso integralmente, da alegação apresentada pela mãe adoptiva da requerente, consta que a requerente e a sua mãe adoptiva deslocaram-se em conjunto à Mongólia em 20 de Fevereiro de 2020. Devido ao cancelamento repentino dos voos, não conseguíram regressar à RAEM. Mais, visto que o curso que a requerente pretendia frequentar não era ministrado na RAEM, deslocou-se a Portugal para frequentar o curso. Durante a pandemia, o governo da RAEM apela ao público a redução de saídas da RAEM, prevendo-se a existência de determinados riscos em movimentos fronteiriços e divulgação da pandemia durante a viagem ao exterior. A insistência da sua deslocação foi de escolha individual. Além disso, nunca se recusou a entrada dos residentes na RAEM no âmbito da prevenção da epidemia. A requerente e a sua mãe adoptiva são titulares de bilhete de identidade de residente da RAEM, podem entrar e sair da RAEM livremente sob a condição de cumprimento das respectivas medidas de prevenção da epidemia. Entretanto, se encontrassem dificuldades, podiam procurar apoio para regresso à RAEM junto da embaixada da China na Mongólia. Por outro lado, segundo os dados prestados, a requerente (que estudava na escola portuguesa desde criança) pretendia frequentar as unidades curriculares da Licenciatura de Marketing e Publicidade com a duração de três anos. Mas foi verificado que também existem na RAEM cursos relacionados/semelhantes ao referido curso que são ministrados em inglês e servem como alternativa. Portanto, não é como a requerente mencionou que não há este tipo de cursos ministrados na RAEM e isto não é suficiente para constituir o fundamento de necessidade de estudar fora da RAEM. Além disso, o respectivo curso dura três anos. É razoável inferir que a requerente não vai ficar em Macau durante a maior parte do tempo nos próximos três anos para coabitar com a sua mãe adoptiva. A referida situação afasta o pressuposto inicial pelo que lhe foi concedida a autorização de residência, portanto, os motivos não são suficientes. Pelo exposto, atento aos aspectos referidos no n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, nomeadamente na alínea 3), e às disposições do n.º 2 do artigo 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, propõe-se o indeferimento do presente pedido da renovação de autorização de residência.”
     
    Perante este quadro factual, a Entidade Recorrida invocou duas normas de conteúdo vago, nomeadamente a constante do artigo 22º/2 do Lei nº 5/2003, de 14 de Abril, que dispõe:
    “2. A renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e no presente regulamento.”

    A questão fundamental reside em saber se a Recorrente continua a ter a sua residência habitual em Macau quando ela se ausentou de Macau e vai ausentar-se também no próximo futuro para fins de estudo universitário, que são justificativos no entender da Recorrente!
    Com isso passemos a ver a questão da aplicabilidade do artigo 9º/3 da Lei nº 4/2003 e densificação do conceito de residência habitual.
    
O artigo 9º (Autorização) da citada Lei dispõe:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
    Nesta óptica, urge saber o que se deve entender por residência habitual. Este Tribunal tem sido chamado a pronunciar-se sobre o seu sentido e limites em vários casos ou em situações semelhantes (cfr. acórdão do Processo nº 473/2019, de 2/7/2020). Nesta óptica, importa saber o que ele é e se é possível controlar pelo tribunal quanto ao seu preenchimento.
    À primeira vista, parece que tal conceito confere ao poder discricionário à entidade competente para o densificar. Mas, bem interpretadas as coisas, a realidade é talvez outra.
    A este propósito, recordem-se os ensinamentos do Prof. Rogério Soares:
    “(…)
    29. Mais recentemente, porém, verifica-se uma tendência para afastar a discricionariedade dos conceitos imprecisos e isso por formas extremamente variadas, expressas numa doutrina muito rica e cheia de matizes, que por razões didácticas procuraremos reconduzir a alguns momentos mais significativos.
    Uma primeira restrição nos conceitos imprecisos como fonte de discricionariedade foi a que a doutrina empreendeu a partir duma diferente natureza da imprecisão.
    Assim podemos encontrar um primeiro grupo de conceitos imprecisos, conceitos descritivo-empíricos, em que apesar de o conteúdo do conceito não se apresentar imediatamente ao intérprete, é possível fixa-lo objectivamente com recurso à experiência comum ou a conhecimentos científicos ou técnicos de um ceno ramo. É o que se passa em certas circunstâncias com o conceito de noite. Se a lei determina que durante a noite os veículos devem transitar na via pública com uma certa iluminação, com isso teve em vista o período do dia em que a iluminação solar é insuficiente. E então a aplicação do preceito terá de ser diferente consoante a época do ano. Num país do Norte a noite pode ser de uma hora ou de quase vinte e quatro se se tratar de verão ou de inverno. De qualquer modo o preenchimento do conceito é possível com recurso a um dado experimental.
    O exemplo apontado de "primavera" para efeitos de protecção fitosanitária cabe também aqui. Primavera não significará neste contexto o período do ano que começa no primeiro equinócio, mas a época em que segundo os dados técnicos devem ter lugar os primeiros tratamentos.
    Identicamente se passam as coisas se a lei se refere à incapacidade de trabalho provocada por um acidente. Com a aplicação de conhecimentos médicos objectivos, é fácil de determinar se se verifica ou não o preenchimento do quadro.
    Todos os conceitos deste tipo apresentam uma indeterminação que se dissolve numa sede de interpretação. O legislador conduz o intérprete para uma tarefa de preenchimento do preceito que pode igualmente ser repetida por outro órgão; e, particularmente, que deve ser renovada pelo juiz chamado a avaliar da boa aplicação da norma. Invoca-se frequentemente a este propósito a ideia de que, apesar da indeterminação do conceito, o legislador aceita como possível uma só solução. Donde resultaria que tivesse de aceitar-se a interpretação do tribunal como a única definitivamente válida.
    Devemos dizer que a justificação invocada não nos parece pertinente, pois pode compreender-se que o legislador aceite várias soluções possíveis do ponto de vista do tribunal, isto é, qualquer que seja o conteúdo encontrado pelo agente o tribunal deve recebê-lo como bom, sem que, todavia, tal represente várias soluções possíveis no plano do agente. Precisamente deve ter-se hoje como mais correcto afirmar que o agente é, pela sua especial posição, encarregado, numa hipótese de discricionariedade, de encontrar a melhor solução possível, o que equivale, obviamente, a uma só. A impossibilidade de o tribunal controlar a bondade material dessa solução e, portanto, de ter de conformar-se com ela como com qualquer outra, não significa remeter o agente para um leque de soluções iguais. O que imediatamente se torna plástico quando há a possibilidade de um controlo de mérito por outra autoridade. Se fosse indiferente a solução encontrada, o órgão controlante não teria razão para substituir o seu juízo ao do agente primário,
    O ponto de vista criticado exprime uma concepção de discricionariedade que deve ter-se por ultrapassada: a de que a discricionariedade é equivalente a uma liberdade completa no quadro legal. Esta maneira de ver representa na verdade a perduração de atitudes residuais do Estado de polícia que se mantiveram encobertas durante o século XIX. Aí continuava a pensar-se que a Administração, onde não deparava com uma pré-ocupação legislativa, conservava uma liberdade originária absoluta. Então, sim, qualquer solução que viesse a dar era igual em merecimento a todas as outras. Ora, em vez disso temos de reconhecer que a Administração conhece uma vinculação total ao Direito, que lhe impõe o dever de encontrar uma única solução de acordo com os princípios gerais. Daqui resulta, como mais adiante teremos ocasião de verificar, que os tribunais, se não podem controlar a qualidade material da solução encontrada, podem, todavia, sindicar o cumprimento pela Administração do dever de bem administrar.
    De qualquer modo, parece hoje mais ou menos assente que em todas as hipóteses do uso pelo legislador de conceitos imprecisos do tipo considerado não se deve entender ter ele querido atribuir uma faculdade de escolha discricionária.
    30. Em segundo lugar encontramos conceitos imprecisos em que a indeterminação se traduz na remissão para figuras jurídicas de limites elásticos. Sucede assim quando a lei, por exemplo, usa o conceito de ''funcionário público" ou de "legítimo possuidor". Estes conceitos não reclamam conhecimentos da experiência comum ou especializada, mas podem ser preenchidos com um elevado grau de objectividade por qualquer jurista. É por isso que também aqui o conceito implica uma interpretação que o tribunal pode refazer. Tal significa então que não devemos considera-los como fonte de discricionariedade.
    31. Um terceiro grupo de conceitos imprecisos é formado por aqueles que se referem a situações definíveis em consideração de circunstâncias de tempo e lugar.
    Se a lei remete para os "usos da terra" ou para a "praxe administrativa" não concede com isso uma liberdade (mesmo condicionada no modo de exercício) à Administração. O tribunal, socorrendo-se de meios de investigação vários, está à altura de realizar a determinação do conceito. Igualmente se passam as coisas quando o preceito contem expressões como "noite" para efeitos diferentes dos atrás apontados. Se o que está em vista é a proibição de ruídos nocturnos ou a limitação da venda de porta em porta (o clássico vendedor de escovas da vida americana) ao período do dia, com isto pretende-se assegurar a tranquilidade das pessoas num período reservado ao descanso, o qual não coincide com a luminosidade natural. O preenchimento do conceito depende do conhecimento dos hábitos da terra e da época do ano: nas cidades o período de descanso começa duma forma mais ou menos uniforme a uma hora tardia, enquanto no campo esse período é no inverno muito maior e no verão relativamente curto.
    À semelhança dos conceitos imprecisos anteriores, se bem que com recurso a experiências de tipo diferente, é possível ao juiz determinar-lhe o conteúdo.
    Todas as situações consideradas nos três grupos considerados não concedem uma discricionariedade. Os conceitos imprecisos que envolvem são conceitos classificatórios: referem-se a situações individualizáveis como constitutivas duma classe, isto é, uma soma de acontecimentos substancialmente idênticos. (Cfr. DIREITO ADMINISTRATIVO I, Lições sem data, dactilografadas para apoio dos alunos do 2º Ano Jurídico da Universidade Católica – Centro Regional do Porto).
     
    Acerca de indeterminações conceituais (conceitos imprecisos), importa distinguir entre (considerações já tecimos no acórdão do Processo nº. 473/2019, de 2/7/2020):
    1) - Conceitos imprecisos classificatórios:
    a) Noção: conceitos que se referem a situações individualizáveis como constitutivas de uma classe, quer dizer, soma de acontecimentos substancialmente idênticos. Exemplos: "noite", "legítimo possuidor", "primavera", "usos da terra", etc.
    b) Os conceitos imprecisos classificatórios não concedem discricionariedade: são conceitos em que a imprecisão se dissolve mediante o recurso à experiência comum ou a conhecimentos científicos (conceitos descritivo-empíricos), que remetem para figuras de contornos elásticos (ex. "legítimo possuidor", "funcionário") ou que se referem a situações definíveis por circunstâncias de tempo e lugar (ex. "usos da terra"). Quer dizer, a imprecisão dissolve-se em sede de interpretação, logo o Juiz pode repetir a interpretação feita.
    2) - Conceitos imprecisos-tipo:
    a) Noção: conceitos que invocam um tipo difuso de situações da vida, em relação ao qual os acontecimentos concretos se projectam como manifestações ou expressões (não pretendem referir-se à totalidade do grupo de situações mas só dar uma imagem significativa). Exemplos: "medidas necessárias", "inundação grave", "publicações perigosas", etc.
    b) Os conceitos imprecisos-tipo são uma forma de conceder discricionariedade. E é irrelevante que a imprecisão apareça na hipótese (“publicações perigosas”, “inundação grave”, etc.) ou na estatuição ("medidas necessárias", “agir em conformidade”, etc).
    Nestes termos, não nos parece existir dúvida que o conceito de residência habitual é um conceito indeterminado classificatório e como tal não confere à Administração Pública poder discricionário em sentido técnico-jurídico administrativo.
    Ou seja, as considerações produzidas pela Entidade Recorrida nestes termos são sempre controláveis e controladas pelo Tribunal.
    Ora, nesta parte, importa ver o que a Recorrente invocou para tentar mostrar que preencheu os requisitos da residência habitual.
    A Recorrente invocou essencialmente o seguinte:
    “(…)
     
     g) Quanto ao erro nos pressupostos de facto, a recorrente tem a sua vida estabilizada na R.A.E.M., desde os 10 anos de idade, não obstante a autorização de residência só lhe ter sido concedida em Fevereiro de 2016. Foi aqui que a recorrente estudou, sempre na Escola Portuguesa de Macau, logo, num ensino direccionado ao Português, que é língua oficial da R.A.E.M..
     h) E não é pelo facto de ter estado impedida de regressar à R.A.E.M., entre 20 de Fevereiro e 4 de Julho de 2020, pela situação pandémica que ainda hoje se vive; e por, presentemente, estar a estudar em Portugal, para onde direcciou os estudos universitários; ou seja, por, ter estado (e estar) ausente temporariamente da R.A.E.M.; que a recorrente deixou de residir habitualmente na R.A.E.M..
    (…)”.
    Considerando todo o circunstancialismo factual alegado e devidamente comprovado, não ficou demonstrado que a Recorrente deixou de ter o seu centro de vida em Macau, pelo contrário, os factos alegados vieram a confirmar que a Recorrente tem mantido sempre o seu centro de convivência (com a mãe adoptiva) em Macau, não obstante se ausentar temporariamente de Macau por motivos que lhe não podiam ser imputados.
    Vistas as coisas noutra vertente, não ficou demonstrado mediantes factos contrários, cujo ónus recai sobre a Entidade Recorrida, que a Recorrente deixou de ter a sua residência (centro de vida) em Macau.
    Isto por um lado, por outro,
    Importa saber como se deve entender por residência habitual e se ele admite ou não alguns desvios.
    Residência habitual - é onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas (Mota Pinto. Teor. Ger. Dir. Civ., 3.ª ed.-258).
    Residência permanente – é o local de residência habitual, estável e duradouro de qualquer pessoa, ou seja a casa em que a mesma vive com estabilidade e em que tem instalada e organizada a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da respectiva organização doméstica referida (Ac. R.L. de 17-1-78: Col. Jur., 3.º -42).
    É de ver que existe alguma diferença entre residência habitual e residência permanente.
    Para densificar o conceito de residência habitual, não basta o critério de presença física da pessoa em causa, porque podem existir vários motivos que determinam a ausência prolongada de Macau por parte da interessada, por exemplo (considerações por nós tecidas também constam do acórdão do Processo nº 473/2019, de 2/7/2020):
    a) – Por motivo de reciclagem ou estudo profissional (ou, no caso de ser empregado, pode ser mandado pela companhia que recrutou o requerente) para frequentar qualquer curso de especialidade fora de Macau durante 6 ou mais tempo;
    b) – Ou, no caso de ser empregado, por motivo profissional o interessado vai ser destacado para uma companhia filial situada fora de Macau para desempenhar determinada função altamente técnica durante 6 meses ou mais tempo;
    c) – Ou por motivo de doença prolongada e internada em estabelecimento hospitalar fora Macau para receber tratamentos adequados durante 6 meses ou mais tempo;
    d) – Ou porque a interessada tem filhos menores ou ascendentes que carecem de cuidado especial fora de Macau por causa de doença ou saúde durante 6 meses ou mais tempo, e a interessada precisa de ficar lá para cuidar deles.
    Tudo isto pode acontecer e que obriga a ausência prolongada de Macau por parte da interessada
    Nestas circunstâncias, pergunta-se, a interessada não tem residência habitual em Macau?
    Não nos parece que seja correcta a resposta negativa, tendo em conta todas as circunstâncias concretas rodeadas do caso em apreço.
    
    Se o conceito de residência habitual é um conceito jurídico, cujo preenchimento solicita constatação de dados empíricos e circunstanciados, pergunta-se então, admitem-se algumas circunstâncias em que a interessada, tendo ligação afectiva e duradoura com a comunidade de Macau, mas não pernoita aqui (temporariamente), pode considerar-se que ela preenche este requisito?
    
    Repare-se, a Recorrente tem mantido a sua residência aqui em Macau, prosseguindo o seu estudo secundário na Escola Portuguesa aqui, e antecipadamente informou a Entidade Competente que se vai ausentar de Macau durante alguns anos por ir frequentar um curso superior em Portugal, não nos parece que tudo isto seja bastante para chegar à conclusão de que ela deixou de ter o seu centro de vida aqui, em Macau,
    O factos alegados demonstram que a Recorrente está integrada na comunidade de Macau, estando assim preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do conceito de residência habitual. Pelo menos nestas circunstâncias.
    Finalmente, importa analisar ainda dois pontos, objecto da reflexão por parte da Entidade Recorrida:
    a) – Relativamente à questão da permanência da Recorrente com a sua mãe na Mongólia no período de 20/02/2020 a 07/05/2020, por motivo de epidemia eles não conseguiram ter voo para regressar a tempo, motivo pelo qual alteraram o plano inicial de volta, passando a permanecer mais tempo naquele país. Ora, tendo em conta a situação da expensão da epidemia em todo o mundo, não nos parece que a decisão da Recorrente (e conjuntamente com a sua mãe) foi uma decisão ilógica ou anormal, porque nestas circunstâncias é perfeitamente normal que as pessoas pensem em primeiro lugar na saúde e na sua segurança. Recorrer eventualmente à embaixada para conseguir voo para regressar a tempo não nos parece ser uma medida razoável ou normal. Pelo que, entendemos que está justificada a ausência da Recorrente de Macau durante aquele período. Ou pelo menos, a Entidade Recorrida não conseguiu apresentar provas bastantes para nos convencer que tal facto não seja verdadeiro.
    b) – Um outro ponto tem a ver a opção pela Recorrente de frequentar um curso universitário fora de Macau, igualmente não nos parece ser argumento bastante para dizer que a Recorrente não tenha razão o de que existem vários cursos universitários em Macau e como tal ela pode escolher um deles para frequentar, evitando assim a sua deslocação a Portugal. Está em causa o direito de acesso ao ensino superior, cada um tem a liberdade e o direito de escolher, não se pode dizer que porque em Macau existem cursos para escolher então as pessoas devem estudar aqui. O que releva é a causa da ausência de Macau, e a alegada pela Recorrente é receber instrução superior fora de Macau, o que é uma causa legítima e justificativa, que cai numa das várias hipóteses acima por nós construídas analisadas. Pelo que, este ponto também não é razão bastante para defender a posição da Entidade Recorrida.
    Pelo expendido, procedendo os argumentos da Recorrente neste recurso, é de julgar pocedente o recurso e anular a decisão recorrida.
*
    Síntese conclusiva:
    I – Em direito administrativo, residência habitual é um conceito impreciso classificatório, cujo preenchimento solicita a constatação de dados descritos-empíricos e a sua imprecisão se dissolve em sede de interpretação, logo o juiz pode repetir a interpretação feita pela Administração Pública.
    II – Sem prejuízo do conceito legal de residência habitual fixado no artigo 30º/2 do CCM, a doutrina entende por residência habitual o local onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas (Mota Pinto. Teor. Ger. Dir. Civ., 3.ª ed.-258), sem prejuízo de ausência prolongada por motivos ponderosos.
    III – Tratando-se de um conceito indeterminado, em circunstâncias especiais admitem-se desvios no que toca aos padrões normalmente seguidos para densificar o conceito de residência habitual, visto que em várias situações o/a interessado/a pode ausentar-se do local por motivos variados (ex. por motivo de reciclagem ou estudo profissional; ou por motivo profissional o interessado vai ser destacado para uma companhia filial situada fora de Macau para desempenhar determinada função altamente técnica durante 6 meses ou mais tempo; ou por motivo de doença prolongada e hospitalização em estabelecimento fora Macau para receber tratamentos adequados durante 6 meses ou mais tempo; ou porque tem filhos menores que carecem de cuidado especial fora de Macau por causa de doença ou saúde durante 6 meses ou mais tempo), o que demonstra que a presença física prolongada de uma pessoas ou pernoitar num determinado local não são critérios únicos e exclusivos para determinar a residência habitual de uma pessoa.
    IV – Os factos alegados e provados demonstram que a Recorrente tem mantido a sua residência aqui em Macau, prosseguindo o seu estudo secundário na Escola Portuguesa aqui, e, antecipadamente informou a Entidade Competente que se vai ausentar de Macau durante alguns anos por ir frequentar um curso superior em Portugal, realidade esta que não permite concluir-se pela ideia de que a Recorrente deixou de residir em Macau, pelo contrário, tudo espelha que ela está integrada na comunidade de Macau, estando assim preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do conceito de residência habitual, o que é razão bastante para renovar a sua autorização de residência em Macau, por continuar a viver com a sua mãe adoptiva aqui em Macau. Eis a razão de anular a decisão negatória proferida pela Entidade Recorrida.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
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    Sem custas por isenção subjectiva.
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    Notifique e Registe.
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RAEM, 27 de Janeiro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng

    Vencido nos termos do projecto do Acórdão por mim apresentado à conferência.
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng
36
2021-268-autorização-permanência-justificada