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Processo nº 100/2021 Data: 22.04.2022
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : “Cessação do Contrato de Trabalho”.
“Resolução do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do empregador”; (art. 69° da Lei n.° 7/2008).
“Resolução do contrato de trabalho independentemente de alegação de justa causa”; (art. 70° da Lei n.° 7/2008).
Abuso do direito.



SUMÁRIO

1. Ao empregador são facultados dois meios para obter a “resolução do contrato de trabalho” que mantém com um trabalhador:
- um, alegando – ou melhor, tendo que alegar – (uma) “justa causa”, (que a Lei n.° 7/2008, de forma não taxativa, exemplifica no n.° 2 do art. 69°);
- o outro, “independentemente de alegação de justa causa”, ou como se diz na epígrafe do preceito legal em questão, “sem justa causa”, (sendo esta a forma prevista e regulamentada no comando legal do art. 70° do mesmo diploma legal).

2. Para além da “necessidade”, ou não, da alegação da dita “justa causa”, constitui relevante “factor diferenciador” destas duas “modalidades de resolução” de um contrato de trabalho a “desnecessidade” de pagamento de uma “indemnização compensatória” na primeira delas, (desde que, se questionada, se venha a dar como verificada e adequada a alegada “justa causa”); (cfr., n.° 3 do art. 69°).

3. Assim, confrontando-se o empregador com uma sua “intenção”, (assente tanto em mera vontade própria ou necessidade), de (ter de) “dispensar”, (ou despedir), um seu trabalhador, ao mesmo caberá, (em face de tais “circunstâncias”), optar pela “via da resolução com – o ónus de alegar – justa causa” (que imputa ao trabalhador), com o inconveniente de, no caso de não a conseguir provar, sofrer o gravame de ter de pagar o “dobro da indemnização prevista para a resolução sem justa causa”, (cfr., n.° 4 do art. 69°), ou nada alegar ou invocar – especialmente, a dita “justa causa” da resolução (e correr o risco de não a conseguir provar) – tendo (então) apenas de pagar a “indemnização compensatória” e observar o “prazo de aviso prévio” nos termos previstos no art. 70°.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 100/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, A., com os restantes sinais dos autos, propôs e fez seguir no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, acção de processo comum do trabalho contra a “UNIVERSIDADE DE B”, (“乙大學”), R., pedindo que:
- se declare nula e de nenhum efeito a “cessação do contrato de trabalho” do Autor pela Ré operada, porque contrária e em violação ao disposto nos art°s 25°, 27° e 37° da Lei Básica da R.A.E.M., ou porque ilícita e em violação ao disposto nos art°s 6°, 7° e 10° da Lei n.º 7/2008, ou porque abusiva nos termos do art. 326° do C.C.M., visto o comportamento da Ré relevar um excesso manifesto e inadmissível da sua posição jurídica, ao ponto de ser intolerável à ideia de uma actuação justa, de um sentimento ético-jurídico de padrões de censura cívica e moral; e que, em consequência da procedência de qualquer dos pedidos referidos,
- fosse o Autor reintegrado no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, em respeito pelo princípio da reconstituição natural, nos termos do art. 556° do C.C.M.; e, ainda, que fosse a Ré condenada;
- no pagamento de uma quantia diária nunca inferior a MOP$10,000.00 a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na efectiva reintegração do Autor no seu posto de trabalho;
- no pagamento ao Autor, a título de danos patrimoniais, da quantia de MOP$885.015,00, acrescidas de juros legais até efectivo e integral pagamento;
- no pagamento ao Autor de uma compensação nunca inferior a MOP$500.000,00, a título de danos morais, em virtude do sofrimento, do abalo e da denegrição pública da imagem do Autor junto da comunidade local e internacional; e,
- a apresentar publicamente um pedido de desculpas ao Autor, a publicar num dos jornais mais lidos em Macau, em língua chinesa, em língua portuguesa e em língua inglesa, em virtude do seu comportamento abusivo e ofensivo para com o Autor; (cfr., fls. 2 a 66 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

O processo seguiu os seus normais termos, e, na sequência do decidido no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 03.04.2020, Proc. n.° 19/2019, por sentença do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base datada de 21.01.2021 foram os pedidos pelo A. deduzidos julgados (totalmente) improcedentes; (cfr., fls. 461 a 470).

*

Novamente inconformado, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 13.05.2021, (Proc. n.° 219/2021), negou provimento ao recurso; (cfr., fls. 536 a 547).

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Ainda inconformado, traz agora o presente recurso.

Nas suas alegações, apresenta as seguintes conclusões:

“1. Versa o presente Recurso sobre o douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, nos termos do qual se entendeu confirmar inteiramente o julgado em primeira instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, razão pela qual foi negado provimento ao Recurso oportunamente interposto pelo ora Recorrente;
2. Em apertada síntese, a questão fulcral do presente Recurso prende-se em saber se a "resolução" do contrato de trabalho do Recorrente pela Recorrida - em 4 de Junho de 2014, com efeitos a partir de 11 de Julho de 2014 - terá sido exercida em "abuso de direito", porque destinada a "encobrir" um afastamento por motivos políticos e/ou ideológicos e, como tal, "ilícita";
3. Neste particular, importa, atender a um ponto que, salvo o devido respeito, não terá sido devidamente tido em conta anteriormente: é que, não obstante o Tribunal a quo ter concluído que a "resolução" do contrato do Recorrente por iniciativa da Recorrida terá ocorrido" sem justa causa e com aviso prévio", as "razões" e os "motivos" para o "afastamento" do Autor foram "publicamente" dados a conhecer pelo responsável máximo da Recorrida (ainda) durante o prazo de "aviso prévio" e, como tal, num momento em que o contrato de trabalho estava plenamente em vigor, estando as partes obrigadas ao seu integral cumprimento;
4. De onde, está o Recorrente em crer que - esse pequeno pormenor - será quanto baste para se concluir que - diferentemente do alegado pela Ré e aceite pelo Tribunal a quo - não se tratou de uma "resolução sem justa causa e com aviso prévio". Pelo contrário, a Ré/Recorrida tinha uma" causa" para pôr fim ao contrato de trabalho com o Autor/Recorrente, mas que preferiu "omitir" tal" motivo", porque sabia que o mesmo seria ilícito e violador dos direitos do Recorrente enquanto trabalhador e, bem assim, enquanto residente permanente da RAEM;
5. De onde, salvo melhor opinião, está o Recorrente em crer que a actuação da Ré/Recorrida ao resolver o contrato de trabalho "aparentemente" "sem justa causa e com aviso prévio", mas tendo em vista disfarçar uma motivação ilícita, em caso algum pode deixar de configurar um manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto o mesmo extravasa claramente os limites da boa fé;
6. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer que a douta Decisão terá levado a cabo uma errada interpretação do disposto, entre outro, nos arts. 6.°, 7.° e 10.° da Lei n.° 7/2008, nos arts. 25.°, 27.° e 37.° da Lei Básica da RAEM, e, bem assim, do disposto no art. 326.° e 237.° do Código Civil, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula, por ter existido um manifesto erro na aplicação do Direito, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer;
Mais detalhadamente,
7. Resulta da matéria de facto assente e provada, com especial interesse para o que se aprecia no presente recurso, entre outra, a seguinte:
(…)
"14) Em 4 de Junho de 2014, a Ré comunicou ao Autor o seu propósito de por fim ao contrato de trabalho celebrado entre ambos, com efeitos a partir do dia 11 de Julho de 2014 (N)"
15) Na referida comunicação escrita, a Ré não adiantou qualquer razão ou qualquer fundamento (de facto ou de direito) que justificasse o motivo e/ou fundamento pela qual fazia cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor desde Setembro de 2007. (O)"
17) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: "Trata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada". (2.°)
18) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C afirmou que: "o contrato de A, que termina a 12 de Julho", "foi dado como terminado ", não sendo, portanto, renovado (3.°).
19) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: "Se há um docente com uma linha de investigação e intervenção pública [política], coloca-se uma situação delicada. Ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho" (4.°).
20) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: "Pode-se estudar os vários sistemas políticos ou a Lei Básica, mas não intervir na actual governação. É uma fronteira difícil de delinear, entre o comentário político e o académico" (5.°).
21) O Magnífico Reitor C enviou uma nota aos alunos e professores da Universidade de B, na qual sublinhou que: "Não foi alvo de procedimento disciplinar" (…) "as convicções do A se transformaram num "dilema" para si" (…) Estamos num mundo com um sistema político distinto, com critérios e contextos distintos e este caso teria, na Europa, outra forma de ser gerido e vivido" (…) "é uma instituição autónoma o que não significa falta de interesse sobre questões políticas".
22) O Autor (e os demais docentes e discentes da Ré) tinha uma forte expectativa de que a sua relação de trabalho com a Ré se iria manter para o futuro (6-a).
23) Desde que a Ré fez cessar o contrato de trabalho com o Autor, o Autor não mais conseguiu encontrar um outro emprego e/ou outra ocupação na sua área de formação académica numa qualquer outra Instituição de Ensino Superior na RAEM (7.°)
25) Desde que a Ré fez cessar o contrato de trabalho com o Autor, o Autor tem sofrido grande desgosto (10.°);
26) O Autor tem andado inseguro e angustiado (11.°);
27) A depressão, a instabilidade psicológica e emocional, fez com que o Autor tivesse necessidade de se isolar, tendo deixado de conviver com os seus amigos e familiares (13.°)":
8. Ora, conforme se deixa exposto, resulta da referida matéria de facto assente, entre outros, que "os verdadeiros motivos" para a extinção do contrato de trabalho com o Autor, e que "indiciavam" "uma conduta irregular e ilícita da Ré", foram assumidos "aquando da vigência e em virtude da relação laboral que mantinham", pelo que se impunha concluir, salvo, o devido respeito, que o comportamento da Recorrida se revela "ilícito", porque abusivo, contrariamente ao que terá sido o entendimento seguido pelo douto Tribunal a quo;
Vejamos,
9. Conforme se disse, a questão que importa trazer à apreciação do douto Tribunal de Recurso prende-se em saber que consequências - jurídicas - advêm para a Recorrida do facto de no dia 24 de Junho de 2014 - em pleno período de aviso prévio e numa altura em que o contrato de trabalho com o Recorrente estava (ainda) em pleno vigor - ter vindo "publicamente" anunciar as "razões" e os "motivos" (leia-se, as causas) pelas quais o contrato de trabalho com o Recorrente iria deixar de produzir efeitos a partir de 11 de Julho de 2014;
10. Em concreto, conforme avançado pelo Responsável máximo da Recorrida: "(…) há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada"; pelo que "Se há um docente (leia-se, o Recorrente) com uma linha de investigação e intervenção pública [política], coloca-se uma situação delicada: ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho";
11. Aparentemente, numa primeira leitura, nenhuma censura parece merecer o comportamento da Recorrida: ter-se-á limitado a exercer o seu direito à "resolução" do contrato, sem necessidade de alegação de justa causa, tal qual concluído pelas duas Instâncias;
12. Porém, salvo o devido respeito, a conclusão não pode ser tão precipitada: é que, contrariamente ao concluído, a Recorrida não se limitou a" exercer" o seu direito à "resolução" do contrato de trabalho "independentemente de alegação de justa causa". Pelo contrário, na comunicação enviada ao Recorrente, em 4 de Junho de 2014, a Recorrida" omitiu" deliberadamente as "razões" pelas quais iria pôr fim ao fim ao contrato de trabalho com o Recorrente, com efeitos a partir de 11 de Julho de 2014, mas num momento em que a relação contratual mantinha a plenitude dos seus efeitos;
13. Dito de modo mais simples, a Recorrida veio anunciar "publicamente" os verdadeiros "motivos" pelos quais a relação laboral com o Recorrente iria terminar, num momento em que a mesma relação ainda estava em vigor;
14. De onde, ao invés do que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, a Recorrida não se limitou a observar o período de aviso prévio e a pagar uma indemnização ao Recorrente, conforme lhe é permitido à luz do art. 68.° da Lei das Relações de Trabalho;
15. Isto é, a Recorrida tinha uma "causa" para pôr termo à relação de trabalho com o Recorrente. Porém, por saber tratar-se de um "motivo ilícito", preferiu "silenciar" num primeiro momento, o que veio a "revelar" depois e ainda em plena vigência da relação de trabalho;
16. E a ser assim, mesmo que se possa conceber que à luz do nosso Ordenamento laboral nada obriga(va) a Recorrida a lançar mão da "resolução por justa causa" - cabendo-lhe livremente optar pela forma de cessação que considere mais adequada - em caso algum se admite que, sob a aparência de uma resolução" sem justa causa e com aviso prévio" venha a Recorrida, logo de seguida e ainda no decorrer do contrato de trabalho, invocar à saciedade as "razões" e os "motivos" pelas quais iria fazer cessar a relação de trabalho com o Recorrente, com efeitos a partir de 11 de Julho de 2014;
17. O segundo acto da Recorrida - a declaração "pública" das "razões" pelas quais a relação de trabalho iria cessar - é, em si mesmo, revelador da "causa" que a Recorrida pretendeu" esconder" e/ou "omitir", por saber tratar-se de um motivo irrazoável e contrário aos direitos e liberdades garantidos ao Recorrente enquanto trabalhador e residente da RAEM;
18. E aqui reside, queira-se ou não, o abuso da Recorrida: ter propositadamente" omitido" na carta de resolução enviada ao Recorrente em 4 de Junho de 2014 as "razões" e os "motivos" pelos quais a relação de trabalho iria cessar com efeitos a partir de 11 de Julho de 2014, mas tendo invocado "publicamente" as mesmas razões em 24 de Junho de 2014 e, como tal, num momento em que o contrato de trabalho ainda estava em vigor;
19. De onde, contrariamente ao sufragado pelo Tribunal a quo, ainda que a Recorrida estivesse dispensada de "alegar justa causa", ao "dar a conhecer" ao Recorrente (e a toda a sociedade de Macau) as "razões" e os "motivos" pelos quais iria fazer cessar o contrato de trabalho, numa altura em que o mesmo estava plenamente vigente, em caso algum pode o comportamento da Recorrida deixar de se revelar manifestamente abusivo, porque contraditório, numa clara violação aos limites impostos pelo princípio da lealdade, correcção e da boa fé;
20. Com efeito, conforme tem vindo a ser sublinhado pelo douto Tribunal de Recurso para comportamento "similar" ao da Recorrida, um "(…) caso típico de comportamento abusivo no exercício de um direito considerado ilegítimo pelo atrás citado comando legal é a proibição de "venire contra factum proprium", que equivale a dar o dito por não dito, e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pressupondo duas atitudes da mesma, espaçadas no tempo, sendo a primeira delas (o "factum proprium") contrariada pela segunda, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da boa fé (Cfr. Ac. TSI, Proe. n.° 577/2006, pág. 20, itálicos e negritos do Autor);
21. E a ser assim, já se deixa ver que, em 24 de Junho de 2014, tendo a Recorrida vindo" dar o dito por não dito" - ao invocar as "razões" para a "resolução" aparentemente" sem justa causa e com aviso prévio", com vista a pôr fim ao contrato de trabalho com efeitos a partir de 11 de Julho de 2014 - a mesma revela uma conduta contraditória em si mesma, sendo a primeira delas (a comunicação enviada ao Autor em 4 de Junho de 2014) contrariada pela segunda (a comunicação pública das razões que motivaram o "afastamento" do Autor) o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da boa fé;
22. Num outro sentido, a Ré/Recorrida exerceu o seu comportamento em manifesto abuso do direito, porquanto, embora a mesma fosse detentora do direito à "resolução do contrato sem justa causa", válido em princípio, o terá exercitado, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e em termos, apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante porque motivado com a intenção de prejudicar ou de comprometer o Autor/Recorrente, criando uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do mesmo direito e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado, in casu, pelo Recorrente;
23. Depois, dúvidas não existem quanto à aplicação do instituto do "abuso do direito" em matéria laboral. Basta ver que, ao tempo em que a denúncia unilateral (v.g., livre despedimento, despedimento ad nutum ou despedimento imotivado) era admissível na legislação portuguesa, desde cedo a melhor doutrina sublinhou que: "(…) Também no nosso direito pode, em princípio funcionar uma teoria de abuso de direito, quando tenham sido respeitados os prazos legais de pré-aviso, e não possa positivamente provar-se justa causa (…) Se a lei não permitisse o despedimento sem justa causa, afastada estaria a aplicação da teoria do abuso do direito" (Cfr., Raúl Ventura, Extinção das Relações de Trabalho, ROA, ano 10.°, n.° 1 e 2, pág. 272 e 273);
24. Ou que "(…) o controle dos motivos subjacentes à denúncia ou despedimento não é de todo impossível. Com efeito, pode ainda restar algum espaço para esse controlo ser realizado através da figura do abuso do direito. É conhecido que este foi o primeiro caminho a ser tentado quando se procurou limitar o poder de despedir nos sistemas que admitiam a figura do despedimento imotivado e que, como tal, em princípio, não possibilitariam uma verificação judicial ou extrajudicial dos motivos do despedimento" (Cfr. Pedro Furtado Martins, Despedimento ilícito, reintegração na empresa e dever de ocupação, 1992, pág. 49 e nota 95 e pág. 74, nota 162);
Acresce que,
25. Sabido que durante o chamado "período experimental" é igualmente conferido ao empregador a faculdade de "denunciar o contrato sem alegação de justa causa", em caso algum se deixa de recordar o que, a este concreto respeito, tem sido sublinhado: "(…) a denúncia durante o período experimental, poderá ser considerada abusiva, pense-se por exemplo, em casos em que o empregador denuncia o contrato no período experimental porque descobriu (…) que um determinado trabalhador é comunista ou homossexual". (Cfr. Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho - Em especial por iniciativa do trabalhador, Coimbra Editora, pág. 330);
26. Também Monteiro Fernandes é de opinião que: "(…) No entanto não pode excluir-se a hipótese de abuso de direito», e prossegue afirmando que "um despedimento realizado nesse período pode ser discriminatório, fundado em motivos ideológicos, ou em razões. estranhas às relações de trabalho, ou simplesmente arbitrário - e, sendo assim, não poderá considerar-se coberto pela "franquia" do artigo 114.° (…)" (Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 341);
27. Trata-se, de resto, de um entendimento que tem sido partilhado pela jurisprudência portuguesa, nos termos da qual tem sido sublinhado que: "(…) Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 55.°, n.° 1 da LCCT), mas esta ampla liberdade do empregador denunciar o contrato não pode redundar em práticas discriminatórias: assim se o mesmo se "aproveita" do período experimental para se desvincular de um trabalhador, devido às suas convicções ideológicas ou religiosas, orientação sexual ou filiação sindical - aí teremos práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (…)" (Cfr. Acórdão do TSJ, de 26 de setembro de 2012, Revista n.° 889/03.1TTLSB.L1.S1);
28. Com maior pertinência para a matéria em apreciação no presente Recurso, de uma Decisão do Tribunal da Relação do Porto, lê-se que: "(…) Apurando-se que o verdadeiro motivo da denúncia em período. experimental foram diferenças de partidos políticos, e só se apurando este motivo, a denúncia seria sempre exercida em abuso de direito" (…) "A diferença política, justamente por força do princípio constitucional da igualdade contido no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, não é um motivo válido. Nesse sentido, a denúncia corresponde ao aproveitamento de uma faculdade legal, mas concretamente dum direito de resolução sem justificação durante o período inicial do contrato, exercido manifestamente fora dos limites determinados pelo seu fim económico, e portanto em abuso de direito - artigo 334° do Código Civil (…) Assim, se durante entre esse período as partes são livres de pôr fim ao contrato, essa liberdade não é absoluta (pode esconder, por exemplo, práticas discriminatórias), podendo ser aferida à luz da teoria do abuso do direito" (Cfr. Ac. TRP, Proc n.° 247/10.1TTVRL.P1);
29. In casu, a Recorrida, ao "resolver" o contrato de trabalho com o Recorrente, aparentemente" sem justa causa e com aviso prévio" mais não fez do que procurar tirar proveito de uma faculdade legal que lhe é conferida - mas, claramente destinada a ocultar a verdadeira "razão" pelo qual o Recorrente. foi afastado: que a linha de investigação e de intervenção pública [política] seguida pelo Recorrente, não agradava os desígnios da Igreja Católica de "(…) não intervir no debate político dos locais onde está implementada";
30. E a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer que a Recorrida actuou em manifesto abuso de direito (art. 326.° do Código Civil), porquanto, ao resolver o contrato de trabalho (aparentemente) "sem justa causa e com aviso prévio", mas tendo a "verdadeira causa" sido dada a conhecer à saciedade ainda em plena vigência contratual, a Recorrida exerceu o seu "direito" à resolução sem justa causa, em manifesta oposição com os limites determinados pelo seu fim;
31. Num outro prisma, que se acredita ainda possível, está o ora Recorrente em crer que, aquando do envio da comunicação escrita, em 4 de Junho de 2014, a Recorrida agiu com manifesta reserva mental (art. 237.° do Código Civil), porquanto terá emitido de forma consciente uma "declaração discordante" com a sua vontade real, com o objectivo de "enganar" o Recorrente, ao "omitir" propositadamente os verdadeiros "motivos" pelos quais a relação de trabalho iria terminar após 11 de Julho de 2014, pelo que deve o comportamento da Recorrida ser julgado nulo e de nenhum efeito, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer;
32. Do mesmo modo, ao enviar ao Recorrente a comunicação escrita, em 4 de Junho de 2014, "omitindo propositadamente" as verdadeiras "razões" e os "motivos" pelos quais fazia cessar a relação de trabalho - criando no Recorrente (e na demais comunidade) a convicção natural e justificada de que o contrato se tinha extinguido" sem qualquer causa" - o comportamento da Recorrida revela-se em clara e em manifesta violação dos Princípios da boa fé e da não descriminação (Cfr. arts. 6.°, 7.° e 10.° da Lei n.° 7/2008), pelo que deve o mesmo ser julgado ilícito, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer;
Por último,
33. Uma vez concluído que a "resolução" do contrato de trabalho operada pela Recorrida foi motivada por razões de cariz político e traduzidas, entre outras, na necessidade de "afastar" o Recorrente "(…) de intervir na actual governação (…)", o comportamento da Recorrida revela-se em manifesta e grave violação dos direitos à liberdade de expressão, liberdade académica e liberdade de crítica do Recorrente, garantidos sob os arts. 25.°, 27.° e 37.° da Lei Básica da RAEM, pelo que em caso algum pode o mesmo deixar de ser julgado ilícito, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer;
Sem prescindir,
34. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Decisão deixa transparecer uma certa "contradição" entre a matéria de facto assente e a conclusão final;
35. É que, ao aceitar como válido o argumento trazido pela Recorrida - quando a mesma afirma que - "De forma a não violar a liberdade académica ou de opinião do Recorrente, a Recorrida nunca o pressionou ou obrigou a mudar de atitude - o que seria de facto atentatório dos direitos do Recorrente - mas para se manter fiel aos seus (da Recorrida) princípios, a Recorrida viu-se obrigada a despedi-lo sem justa causa (…) a Recorrida, como qualquer outra entidade tem os seus princípios e valores, que não impõe a ninguém, mas, como reverso, também não lhe pode ser imposto que contrate e/ou se relacione com quem não segue esses mesmos princípios ou valores" - a douta Decisão faz saltar à vista que o Recorrente foi efectivamente "afastado" pela Recorrida porque não aceitou seguir os princípios e valores da mesma (isto é, da Recorrida);
36. Dito de outro modo, a Recorrida viu-se "obrigada" a despedir o Recorrente "sem justa causa" (leia-se, sem qualquer motivo), porquanto a mesma "(…) não é obrigada a relacionar-se com quem não segue os seus princípios ou valores (…)";
37. Ora, é inequívoco que a Recorrida (como qualquer outro empregador da RAEM) é livre de fazer cessar o contrato de trabalho com o Autor (ou com qualquer outro trabalhador) sem necessidade de "alegação de justa causa". O que não se admite - e a Recorrida aparenta continuar a não querer perceber - é que, em pleno período de aviso prévio, numa altura em que o contrato de trabalho mantinha a plenitude dos seus efeitos, a Recorrida tivesse vindo a "revelar" os motivos do "afastamento" do Recorrente, porque tal acto, além de contraditório, revela-se abusivo e contrário ao fim social do direito de despedir" sem justa causa";
38. De modo mais simples: se a Recorrida não tinha uma qualquer "razão" e/ou "motivo" para fazer cessar o contrato de trabalho com o Recorrido; ou se tal "razão" ou "motivo" existia, mas a Recorrida não queria que o mesmo fosse revelado e/ou dado a conhecer, nada justifica que a Recorrida tivesse vindo a público "anunciar" as razões para o "afastamento" do Recorrente;
39. É que - quer se goste quer não - em 24 de Junho de 2014, ao anunciar "publicamente" as "razões" e os "motivos" pelos quais a relação de trabalho com o Autor iria terminar com efeitos a 11 de Julho de 2014 - a Recorrida deixou a nu a razão subjacente do despedimento do Recorrente: "Trata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada" (…) "Se há um docente com uma linha de investigação e intervenção pública [política], coloca-se uma situação delicada (…), num momento em que o contrato de trabalho com o Recorrente (ainda) se mantinha plenamente em vigor!
Uma última nota,
40. Salvo o devido respeito, a aceitar-se como válidos os argumentos avançados pela Recorrida - e aceites pelo douto Tribunal a quo - receia o Recorrente ter sido aberta uma "caixa de pandora" possibilitadora de todos e quaisquer abusos por parte de empregadores menos escrupulosos que, refugiando-se no princípio do "livre despedimento", poderão proceder ao "afastamento" dos seus trabalhadores por mero capricho, ou motivados em razão de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, instrução, origem ou condição social, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, ainda que tais motivos "discriminatórios" sejam dados a conhecer ao trabalhador (e a toda a sociedade) durante a vigência dos respectivos contratos de trabalho!
41. Pois, seja em Macau ou em Portugal, em caso algum se podem ter como "válidos" (leia-se, lícitos) despedimentos motivados por razões discriminatórias; ou, pelo menos, não se podem ter como admissíveis sempre que, apurado o verdadeiro "motivo", o mesmo se mostre exercido em abuso de direito, sabido que existem normas de ordem pública que limitam a vontade do "livre despedimento" (leia-se, da "resolução sem justa causa") por iniciativa do empregador, sempre que a mesma se destine a "esconder" uma prática discriminatória e/ou ilícita, devendo as mesmas ser judicialmente sindicáveis através da figura do abuso de direito, tal qual, nos presentes autos se requer;
42. E, ainda que se admita que na generalidade dos casos a prova da real motivação do empregador constitua uma dificuldade (quase) insuperável - uma vez que não existe obrigação de revelar a motivação que esteve subjacente à resolução, "sem justa causa" - está o Recorrente em crer que, nos presentes autos, a verdadeira "motivação" que presidiu ao seu "afastamento" das fileiras da Recorrida resulta de forma límpida da matéria de facto assente, razão pela qual deve o comportamento da Recorrida ser julgado nulo, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer;
A terminar,
43. Em face da factualidade provada (vd. pontos 10, 11 e 13 da matéria de facto assente) e concluído que a "resolução" do contrato de trabalho operada pela Recorrida se revela "ilícita" e "abusiva", está o Recorrente em crer que contrariamente ao que resulta da douta Decisão de que ora se recorre, se mostra plenamente justificado o pedido de condenação da Recorrida no pagamento ao Recorrente de uma quantia indemnizatória pelos danos não patrimoniais (danos morais) pela mesma causada - na medida em que os mesmos se revelem justos e equitativos - porque merecedores de tutela do Direito;
44. Ao não entender assim, a douta Decisão deixa revelar um outro erro na aplicação de direito, pelo que se impõe que a mesma seja julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, na sua Petição Inicial”; (cfr., fls. 553 a 589).

*

Respondendo, diz a R., ora recorrida (“Universidade de B”) que:

“1. A Recorrida entende que a douta decisão proferida não é passível de qualquer crítica, porquanto se mostra irrepreensível do ponto de vista da sua fundamentação tanto factual como jurídica.
2. O Recorrente fundamenta o presente recurso numa alegada actuação abusiva da Recorrida, porque levada a cabo em abuso de direito, e na violação de direitos e liberdades consagradas na Lei Básica.
3. O Tribunal a quo reproduziu o decidido pelo Tribunal Judicial de Base que, após uma análise exaustiva ao Direito Laboral de Macau, onde, além da análise da lei e dos trabalhos preparatórios, cita o ilustre advogado do Recorrente, conclui afirmando que "o vigente regime legal laboral de Macau autoriza a resolução do contrato, com ou sem justa causa, por parte do empregador ou do trabalhador, só que a falta da justa causa torna obrigatória a prestação de uma indemnização à contraparte" e que "independentemente da existência ou não da justa causa, a resolução do contrato entende-se como um poder potestativo atribuído pelo legislador às partes empregadora e trabalhadora, desde o início (ab initio), podendo ser exercido livremente (ad nutum)", apenas não sendo admissível em circunstâncias muito excepcionais e devidamente elencadas na lei, como o caso das trabalhadoras grávidas.
4. O Recorrente aparenta continuar a não querer perceber que o ordenamento jurídico-laboral de Macau, quer se goste quer não, está construído em moldes diferentes dos de muitos ordenamentos europeus, entre os quais o de Portugal, exigindo essa diferença que se interprete a lei tendo por base um paradigma completamente diferente.
5. É legítimo e legal à luz do ordenamento jurídico de Macau que o empregador faça cessar o contrato de trabalho sem invocar uma causa para essa cessação - o que a Recorrida fez.
6. Por outro lado, toda e qualquer forma de cessação do contrato de trabalho tem sempre uma causa, ou, por outras palavras, uma razão subjacente e nenhuma disposição legal obriga o empregador a lançar mão do despedimento por justa causa, cabendo-lhe optar livremente pela forma de cessação que considere mais adequada, ponderando os prós e os contras de cada uma, atendendo ao caso em concreto.
7. A entender a resolução sem justa causa por iniciativa do empregador como o Recorrente pretende, qualquer resolução sem justa causa seria ilícita, porque abusiva, uma vez que haveria sempre uma causa subjacente e, da mesma forma, haveria sempre um direito fundamental ofendido, quanto mais não fosse o direito à liberdade de escolha de profissão e de emprego.
8. Não há, consequentemente, qualquer abuso de direito, tal como foi decidido pelo Tribunal a quo, que afirma "A Ré resolveu o contrato, tendo principalmente como objectivo defender a sua missão constitutiva. Não se pode olvidar que a Ré cumpriu o estipulado no artigo 70.° da Lei n.° 7/2008, respeitando o prazo de aviso prévio fixado em 30 dias e procedendo ao pagamento integral da indemnização ao Autor. Por isso, não se apura qualquer infracção, por parte da Ré, dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, pelo que os actos da Ré não constituem abuso de direito".
9. Assim, pelos motivos expostos, falecem os argumentos do Recorrente no que se refere à qualificação do despedimento como ilícito porque abusivo.
10. Por outro lado, no que à violação de direitos e liberdades garantidos pela Lei Básica da RAEM diz respeito, ter-se-á que referir que, ao contrário do que o Recorrente quer fazer crer, truncando e retirando do contexto as citações do Reitor da Recorrida utilizadas nas suas alegações, nunca a Recorrida pretendeu cercear os direitos ou as liberdades de quem quer que seja.
11. Como foi dado por provado, o Reitor da Recorrida afirmou "Se há um docente com uma linha de investigação e intervenção pública, coloca-se numa situação delicada. Ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho"; "Pode-se estudar os vários sistemas políticos ou a Lei Básica, mas não intervir na actual governação. É uma fronteira difícil de delinear, entre o comentário político e o académico."; "As suas (leia-se do Recorrente) opções são respeitadas por mim e por muitos outros na Universidade de B e, de facto, eu sei que são admiradas por alguns"; "Estamos num mundo com um sistema político distinto, com critérios e contextos distintos e este caso teria, na Europa, outra forma de ser gerido ou vivido"; "A Igreja Católica não está alinhada com o estado, com o governo ou com a oposição. É uma entidade autónoma por direito próprio" (…) "Cabe aos leigos católicos, homens e mulheres, decidirem, à luz da sua fé (…) como devem intervir como cidadãos cuidadosos e responsáveis. Excepto em algumas situações limite em que a Igreja, como instituição, através dos Bispos ou até do Papa, confronta as instituições políticas em nome da defesa de direitos humanos essenciais, é esta a norma".
12. Assim, em lado algum foram violados quaisquer direitos ou liberdades do Recorrente, muito menos teve a Recorrida intenção de ""travar" o Recorrente a "intervir no debate cívico, social e político locai"", como é, por este, alegado.
13. Citando o douto acórdão recorrido, "De harmonia com os factos provados, a Ré não proibiu o Autor de continuar a fazer comentários sobre política. O Magnífico Reitor C afirmou, junto dos média, que "… ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho …". Parece que, entre as duas soluções expostas, a reitoria optou pela segunda. Se a Ré decidisse exercer pressão sobre o Autor, exigindo que este deixasse de comentar política, seria possível que fosse prejudicada a liberdade de expressão (…)" e que "Em suma, o acto da Ré não viola nenhuma disposição da Lei Básica." e afirmando mais à frente que "(…) Não se verificam factos que demonstrem a discriminação contra o Autor ou a não atribuição de oportunidades de trabalho idênticas às gozadas por outros trabalhadores. Na verdade, a Ré deu ao Autor mais oportunidades de educação, nomeadamente de investigação académica.
Por outro lado, cada empresa na sociedade (mormente empresas grandes) tem a sua própria cultura e valores próprios. A Ré, enquanto universidade católica, fica sujeita a um objectivo diferente do de empresas com fins lucrativos.
(…)
Segundo os factos provados, o Magnífico Reitor C disse aos média que: "Trata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implantada". Daí se observa a ideia do Reitor de que a Ré, como universidade católica, se rege pelo princípio da não intervenção no debate político local. Mesmo assim, a Ré não iniciou processo disciplinar contra o Autor, nem o despediu com justa causa, uma vez que os comentários políticos não foram emitidos durante as aulas ou na qualidade de docente da Ré. (…) Neste sentido, a Ré procedeu ao despedimento sem justa causa de modo a defender os seus valores inerentes."
14. Acresce que, não obstante o alegado pelo Recorrente, a verdade é que ele próprio não fundamenta nem demonstra a alegada discriminação ou limitação de direitos, diz apenas que esta aconteceu mas não a densifica, socorrendo-se em abono da sua posição de citações de doutrina e jurisprudência de Portugal, país, repete-se, cujo regime legal constitucional e laboral é substancialmente diferente do de Macau.
15. Não obstante, mesmo em Portugal, tem que ser demonstrado que os motivos subjacentes à denúncia foram contrários às finalidades da lei ou discriminatórios, veja-se a citação de Milena Silva Rouxinol, do Ac. do STJ de 26 de Setembro de 2012 e do Ac. Tribunal da Relação do Porto tirado no processo 247/10.1TTVRL.P1.
16. In casu, o Recorrente afirma que existe discriminação sem alegar os motivos ou os factos que fundamentam essa sua opinião, como se bastasse a sua alegação para que o por ele alegado se verificasse.
17. Apesar de não ter que justificar o despedimento do Recorrente - porque sem justa causa -, a Recorrida, fruto do presente processo e do interesse manifestado pela comunicação social local, teve de o explicar, e o que disse é evidente. De forma a não violar a liberdade académica ou de opinião do Recorrente, a Recorrida nunca o pressionou ou o obrigou a mudar de atitude - o que seria de facto atentatório dos direitos do Recorrente - mas, para se manter fiel aos seus (da Recorrida) princípios, a Recorrida viu-se obrigada a despedi-lo sem justa causa. Como foi dito pelo Tribunal a quo, a Recorrida, como qualquer outra entidade tem os seus princípios e valores, que não impõe a ninguém, mas, como reverso, também não lhe pode ser imposto que contrate e/ou se relacione com quem não segue esses mesmos princípios ou valores, sem que isso seja, de qualquer forma, violador do fim social ou económico do direito, nomeadamente do direito de livremente despedir qualquer trabalhador sem alegação de justa causa ou manifestação de qualquer reserva mental.
18. É o Recorrente quem, aparentemente, pretende abrir uma "Caixa de Pandora" pois, a ser considerado procedente o seu entendimento, o que não se concebe - porque estaria claramente em oposição ao regime legal vigente na RAEM -, faria com que todos os despedimentos sem justa passassem a ser sindicáveis, uma vez que o poder potestativo atribuído pelo legislador às partes empregadora e trabalhadora, desde o início (ab initio) e livremente exercitável (ad nutum), deixaria de existir.
19. Assim, não tendo existido qualquer motivo ilícito porque abusivo, discriminatório ou violadores de direitos consagrados na Lei Básica por parte da Recorrida nem esta actuado sob reserva mental, deve também o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais ser julgado improcedente, por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil”; (cfr., fls. 595 a 609).

*

Adequadamente processados os autos, e merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância está indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:

“1) Em 04 de Julho de 2007, a Ré – anteriormente designada D – celebrou com o Autor um contrato de trabalho. (A)
2) Nos termos do qual o Autor se obrigou a exercer para a Ré as funções de professor Assistente na Faculdade de Gestão, Liderança e Governação (“Lecturer in the School of Management, Leadership and Government”). (B)
3) Pelo período de 3 anos, com início em 01 de Setembro de 2007 e termo em 31 de Agosto de 2010, mediante a contrapartida de um salário anual de MOP$360.000,00. (C)
4) Em 20 de Setembro de 2010, a Ré celebrou com o Autor um “novo” contrato de trabalho. (D)
5) Nos termos do qual o Autor se obrigou a exercer para a Ré as funções de Professor Coordenador na Faculdade de Gestão liderança e Governação (“Coordinator in the Scholl of Management, Leadership and Government”). (E)
6) A partir de 01 de Setembro de 2010, mediante a contrapartida de um salário anual de MOP$472.000,00. (F)
7) O que perfaz a quantia de MOP$39.334,00, a título de salário base mensal. (G)
8) O Autor leccionou mais de 15 diferentes disciplinas, em diversos módulos e disciplinas dos Cursos de Licenciatura e de Mestrados promovidos pela Ré. (H)
9) Enquanto esteve ao serviço da Ré, o Autor recebeu elogios e elevada classificação por parte dos responsáveis da Ré e sus superiores hierárquicos. (I)
10) Enquanto esteve ao serviço da Ré, o Autor cumpriu com máxima diligência e sucesso todas as tarefas que lhe foram sendo confiadas. (J)
11) Tendo desenvolvido e concluído inúmeros trabalhos de investigação académica. (K)
12) O Autor foi membro do Conselho Editorial de três Jornais Académicos de renome Internacional, nas áreas da Ciência Política e de Estudos Políticos Chineses. (L)
13) O Autor foi responsável (director) de diversas publicações da Ré, tendo igualmente coordenado a publicação de vários Livros financiados pela Fundação Macau e pela Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia da RAEM. (M)
14) Em 04 de Junho de 2014, a Ré comunicou ao Autor o seu propósito de por fim ao contrato de trabalho celebrado entre ambos, com efeitos a partir do dia 11 de Julho de 2014. (N)
15) Na referida comunicação escrita, a Ré não adiantou qualquer razão ou qualquer fundamento (de facto ou de direito) que justiçasse o motivo e/ou o fundamento pelo qual fazia cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor desde Setembro de 2007. (O)
16) A Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$48.440,00, a título de compensação por resolução do contrato de trabalho sem justa causa. (P)
17) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: “Trata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada”. (2º)
18) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: “o contrato de A, que termina a 12 de Julho, ‘foi dado como terminado’, não sendo, portanto, renovado”. (3º)
19) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: “Se há um docente com uma linha de investigação e intervenção pública [política], coloca-se uma situação delicada. Ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho”. (4º)
20) Ao [Jornal], edição de 24 de Junho de 2014, o Magnífico Reitor C, afirmou que: “Pode-se estudar os vários sistemas políticos ou a Lei Básica, mas não intervir na actual governação. É uma fronteira difícil de delinear, entre o comentário político e o académico”. (5º)
21) O Magnífico Reitor C enviou uma nota aos alunos e professores da Universidade de B, na qual sublinhou que:
“não foi alvo de procedimento disciplinar”(…)
“As suas (lei-se do Autor) opções são respeitadas por mim e por muitos outros na Universidade de B e, de facto, eu sei que são admiradas por alguns”(…)
“as convicções de A se transformaram num ‘dilema’ para si” (…)
“Estamos num mundo com um sistema político distinto, com critérios e contextos distintos e este caso teria, na Europa, outra forma de ser gerido ou vivido” (…)
“é uma instituição autónoma o que não significa falta de interesse sobre as questões políticas” (…)
“Mas cabe aos leigos católicos e mulheres decidirem, à luz da sua fé (…) como devem intervir como cidadãos cuidadosos e responsáveis, (…) com algumas excepções em que há uma intervenção até de papas -- é a norma”. (6º)
22) O Autor (e os demais docentes e discentes da Ré) tinha uma forte expectativa de que a sua relação de trabalho com a Ré se iria manter para o futuro? (6-a))
23) Desde que a Ré fez cessar o contrato de trabalho com o Autor, o Autor não mais conseguiu encontrar um outro emprego e/ou uma outra ocupação na sua área de formação académica numa qualquer outra Instituição de Ensino Superior na RAEM. (7º)
24) Desde que o Autor viu cessado o seu contrato de trabalho, o Autor auferiu mensalmente apenas cerca de três mil patacas por escrever uma coluna no jornal “[Jornal(2)]”. (8º)
25) Desde que a Ré fez cessar o contrato de trabalho com o Autor, o Autor tem sofrido grande desgosto. (10º)
26) O Autor tem andando inseguro e angustiado. (11º)
27) A depressão, a instabilidade psicológica e emocional, fez como que o Autor tivesse necessidade de se isolar, tendo deixado de conviver com os seus amigos e familiares. (13º)”; (cfr., fls. 462 a 463-v e 538-v a 540-v).

Do direito

3. Insurge-se o A. contra a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 13.05.2021 que confirmou a sentença proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, alegando e concluindo nos termos que atrás se deixou transcrito.

Antes de mais, e expostos que já ficaram os entendimentos das partes – A. e R. – em confronto nos presentes autos, pertinente se nos apresenta atentar nos fundamentos da decisão recorrida.

Ora, como se deixou consignado, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância objecto do presente recurso, confirmou, em toda a sua extensão, a anterior decisão do Tribunal Judicial de Base.

Certo sendo também que acolheu, na íntegra, o decidido pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, (e que invocando o art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M., reproduziu a fundamentação exposta na aludida sentença), passa-se a transcrever o seu teor (na parte que agora interessa):

“(…)
Sabe-se que são vários os motivos que causam a extinção do contrato, sendo um deles a resolução.
Próprio como nos ensina o Prof. Dr. de Direito Pedro Pais de Vasconcelos, "A resolução consiste num modo de extinção do contrato e efectiva-se mediante uma declaração unilateral recipienda ou receptícia através da qual uma parte, dirigindo-se à outra, põe termo ao contrato." (cf Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, pág. 772).
Por outro lado, como todos sabem, distinguem-se duas categorias de direito jurídico em sentido lato: direitos no sentido próprio e direitos potestativos. Os direitos potestativos são "poderes jurídicos de, por um acto livre de vontade, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte.
Corresponde-lhes a sujeição, a situação de necessidade em que se encontra o adversário de ver produzir-se forçosamente uma consequência na sua esfera jurídica por mero efeito do exercício do direito pelo seu titular. Em certas situações afecta-se, assim, a esfera jurídica de outrem sem consentimento deste, consentimento que normalmente seria exigido.
Os direitos potestativos, consoante o efeito jurídico que tendem a produzir, podem ser constitutivos, modificativos ou extintivos.

c) Os direitos potestativos extintivos tendem a produzir a extinção de uma relação jurídica existente.
…; o direito de rescisão com justa causa ou de denúncia com pré-aviso do contrato de trabalho." cf. «Teoria Geral do Direito Civil», de autoria Carlos Alberto da Mota Pinto, tradução chinesa, publicada pela Faculdade de Direito da Universidade de Macau e pela DSAJ, edição de Dezembro de 2001, págs. 90-92)
O Prof. Dr. Vasconcelos mais indica, "Os poderes protestativos traduzem se na possibilidade de unilateralmente produzir um efeito jurídico, de provocar uma modificação na esfera jurídica de outra pessoa, sem a sua cooperação, sem o seu consentimento e até contra a sua vontade. (…) Aos poderes potestativos correspondem, no lado passivo, as sujeições. Estas caracterizam-se, como a sua designação indica, por a esfera jurídica da pessoa sujeita poder ser modificada pelo titular do direito potestativo, sem que o possa impedir. Os titulares das sujeições encontram-se em situações francamente passivas." (op. cit. de Pedro Pais de Vasconcelos, pág. 248).
De resto, apesar do facto de que o douto mandatário do autor fustiga energicamente na sua obra uma série de maus de conceder ao empregador a liberdade de revolver o contrato sem justa causa (trata-se aqui de "ius constituendum" que versa sobre assuntos legislativos, pelo que excede do âmbito de conhecimento da presente acção), reconhece todavia que "Em suma, consagra-se uma causa comum de cessação do contrato de trabalho, que coloca cada uma das partes da relação laboral na posição potestativa de, a todo o tempo, poder impor à outra a extinção dessa mesma relação" (cf. Miguel Pacheco Arruda Quental, «Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau: Novo Regime das Relações de Trabalho», Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2012-03, págs. 422-425).
Segue daqui que a resolução de contrato é um direito potestativo. Ao titular do direito concede-se uma espécie de poder potestativo, ou seja, de produzir o efeito jurídico de fazer cessar o contrato que inelutavelmente se impõe à contraparte, por um acto libre de vontade.
Na doutrina, para resolver o contrato, às vezes há-se que especificar os motivos, apreciáveis pelo tribunal de maneira de poder julgar se são procedentes ou não os motivos invocados por quem procede à resolução. Outras vezes não é preciso justificar-se.
Mais concretamente, nos termos do art.º 68.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008 – Lei das relações de trabalho, a resolução do contrato de trabalho pode ocorrer, com ou sem justa causa, por iniciativa do empregador ou do trabalhador.
Nos termos do art.º 69.º, n.º 1, "havendo justa causa para a resolução do contrato, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito e no prazo de trinta dias contados da data do conhecimento do facto, a decisão de cessação da relação de trabalho, descrevendo sumariamente os factos que lhe são imputados.".
Nos termos do art.º 70.º, n.º 1, "O empregador pode resolver o contrato, independentemente de alegação de justa causa, tendo o trabalhador direito a uma indemnização de montante equivalente a: O empregador pode resolver o contrato a todo o tempo, independentemente de alegação de justa causa, tendo o trabalhador direito a uma indemnização de montante equivalente a…". (sic - N. T.)
Enquanto nos termos do art.º 71.º, n.º 1, "Havendo justa causa para a resolução do contrato, o trabalhador comunica ao empregador, por escrito e no prazo de trinta dias contados da data do conhecimento do facto, a decisão de cessação da relação de trabalho, descrevendo sumariamente os factos que lhe são imputados."; nos termos do seu n.º 7, "Considera-se cessação da relação de trabalho sem justa causa, a falta da comunicação escrita referida no n.º 1 ou a falta de fundamento na justa causa invocada, sendo o trabalhador obrigado a indemnizar o empregador em montante correspondente à remuneração de base dos dias de aviso prévio, calculado nos termos do artigo seguinte.".
Dos artigos acima citados resulta logo que no regime jurídico laboral de Macau ora vigentes, tanto o empregador como o trabalhador podem resolver o contrato com ou sem justa causa, com a diferença de, ao resolver o contrato sem justa causa, deve-se indemnizar a contraparte.
No decurso da legislação da Lei n.º 7/2008 – Lei das relações de trabalho, a 3.ª Comissão Permanente indica no seu parecer, "7.4.1. Tanto o empregador como o trabalhador podem, a todo o tempo e independentemente da razão que o fundamente, decidir pôr fim à relação de trabalho, exigindo-se apenas a comunicação antecipada do propósito de desvinculação em certa data. O aviso prévio destina-se a dar tempo à contraparte para se preparar para os efeitos da decisão unilateral de pôr fim ao contrato.
Quando é o trabalhador que decide pôr fim à relação laboral, fá-lo no exercício do direito à liberdade, consagrado no n.° 6 do artigo 72.° do Código Civil, nos termos do qual ninguém pode ser obrigado a uma vinculação por um contrato de trabalho contra a sua vontade (o que a acontecer poderia constituir uma forma de servidão ou escravidão). Este mecanismo, próximo da denúncia, exige apenas que o trabalhador cumpra o prazo de aviso prévio previsto no contrato ou o prazo supletivo de sete dias (artigo 72.°, n.°s 2 e 3). Caso o trabalhador não cumpra o prazo de aviso prévio, o empregador «tem o direito a receber uma indemnização de montante igual ao da remuneração de base correspondente ao número de dias do aviso prévio em falta» (artigo 72.°, n.° 4).
Quando é o empregador que decide pôr fim à relação laboral, o regime legal exige, em nome da segurança do trabalho reconhecido ao trabalhador, que este seja compensado pela decisão unilateral da outra parte. Assim, não só o empregador tem de cumprir o prazo de aviso prévio previsto no contrato ou o prazo supletivo de quinze dias (artigo 72.°, n.°s 2 e 3), como tem de pagar ao trabalhador uma indemnização pela cessação do contrato, nos termos do artigo 70.°. Caso o empregador não cumpra o prazo de aviso prévio, o trabalhador «tem o direito à remuneração de base correspondente ao número de dias do aviso prévio em falta» (artigo 72.°, n.° 4)." (vd. o parecer da 3.ª Comissão Permanente, págs. 53-54)
Então pode-se tirar a conclusão de que independentemente de haver justa causa ou não, a resolução de contrato é um poder potestativo concedido pelos legisladores que tanto o empregador como o trabalhador possuem ab initio e exercível ad nutum.
Sem dúvida, uma resolução operada licitamente é certamente válida e eficaz.
Então é precisa examinar se a denúncia ilícita é inválida e ineficaz.
Na doutrina, segundo o Prof. Dr. Vasconcelos, "A ilicitude da resolução não a priva, em princípio, da sua eficácia típica de destruir retroactivamente a relação contratual, mas constitui um caso de violação, de incumprimento definitivo do contrato, com as respectivas consequências. A resolução do contrato sem fundamento lícito corresponde à recusa definitiva do seu cumprimento.”, sem prejuízo de “Em casos excepcionais, a ilicitude da resolução pode ter como consequência a sua ineficácia, deixando em vigor a relação contratual. São casos em que a relação contratual tem uma especial relevância social de tal modo que importa não permitir a sua destruição ilícita. Entre estes casos, encontram-se designadamente, o despedimento ilícito que dá lugar, em princípio, à reintegração do trabalhador (artigo 389.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho." (Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., pág. 773-774. Merece uma menção que parece que há um lapso na última parte da opinião atrás citada – devia ser a alínea b) a que se refere em vez da alínea a) do n.º 1 do art.º 389.º do Código do Trabalho de Portugal).
Daqui resulta que à excepção de alguns casos extremos, os legisladores, intolerantes à denúncia unilateral, fazem daquela um acto nulo e ineficaz.
Ora examinamos a Lei n.º 7/2008. Não só é assente tal disposição acima referida no Código do Trabalho de Portugal, os números 2 e 3 do art.º 56.º (Garantias da trabalhadora) até prescrevem o seguinte:
“2. O empregador não pode cessar unilateralmente a relação de trabalho com uma trabalhadora durante a gravidez ou nos três meses depois do parto, salvo com justa causa.
3. A violação do disposto no número anterior faz o empregador ficar obrigado a pagar à trabalhadora despedida uma indemnização equivalente a setenta dias de remuneração de base, sem prejuízo de outras indemnizações que lhe sejam devidas.”
Para com o artigo, eis o parecer da 3.ª Comissão Permanente: "Importa notar que leis avulsas prevêem situações de resolução do contrato sem justa causa imputáveis ao empregador, as quais operam por força da lei e implicam o pagamento de indemnização ao trabalhador.
A liberdade do empregador em fazer cessar o contrato de trabalho independentemente de justificação, mediante o pagamento de uma indemnização está cerceada pelas garantias dispensadas às trabalhadoras. Determina o n.º 2 do artigo 56.° que «o empregador não pode cessar unilateralmente a relação de trabalho com uma trabalhadora durante a gravidez ou nos três meses depois do parto, salvo com justa causa». Caso o faça, incorre nas consequências civis previstas no n.º 3 do artigo 56.°, segundo o qual «o empregador ficar obrigado a pagar à trabalhadora despedida uma indemnização equivalente a cinquenta e seis dias de remuneração de base, sem prejuízo de outras indemnizações que lhe sejam devidas»." (vd. o parecer da 3.ª Comissão Permanente, pág. 54)
Do comando legal e do parecer legislativo deduz-se que é acto resolutório ilícito se o empregador cessa unilateralmente a relação de trabalho com uma trabalhadora durante a gravidez ou nos três meses depois do parto; no entanto, a consequência não "passa de" ser indemnizar a trabalhadora despedida. Ou seja, não é que o acto seja inválido e ineficaz.
Nestes termos, salvo o devido respeito por opiniões divergentes, pensamos que no regime vigente da Lei n.º 7/2008, a resolução do contrato de trabalho por parte do empregador, mesmo ilícita, não faz com que o acto seja nulo e ineficaz.
Com base no acima dito, os pedidos processuais a), b), c) e d) do autor são todos improcedentes.
*
Não se concordando, queira deixar-nos analisar se a resolução do contrato de trabalho com o autor operada pela ré é contrária à lei.
*
Nos termos dos artigos 25.º, 27.º e 37.º da LEI BÁSICA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
Artigo 25.º
Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social.
Artigo 27.º
Os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves.
Artigo 37.º
Os residentes de Macau gozam da liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica, criação literária e artística e outras actividades culturais.
Com o art.º 25.º acima citado consagra-se o princípio da igualdade, enquanto com os artigos 27.º e 37.º, a liberdade de expressão, de educação e de investigação académica.
Por princípio de igualdade entende-se pelo seguinte: são todos iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social.
A liberdade de educação e de investigação académica quer dizer que o corpo docente e os investigadores, ao leccionar e ao investigar aproveitando a sua competência profissional e o conhecimento académico, não se sujeitam à restrição ou à interferência vinda do regime ou da força tanto dentro como fora da academia, a fim de poder-se garantir aos académicos uma livre exploração de tudo o que há para saber, a imparcialidade e a credibilidade do resultado de investigação.
Resulta do facto provado que a ré revelou aos meios de comunicação social que o motivo pelo qual tinha feito cessar a relação de trabalho com o autor era que o autor tinha comentado sobre a política de Macau em público. Segundo a ré, o autor, na qualidade de docente da universidade, entrou em conflito com o princípio do instituto.
Verdadeiramente não se enxerga qualquer violação do princípio da igualdade, da liberdade de educação e de investigação académica por parte da ré ao despedir o autor.
Quanto à liberdade de expressão, nos termos do art.º 19.º nos 1 e 2 do Pacto Internacional sobra os Direitos Civis e Políticos: “1 - Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões.
2 - Toda e qualquer possa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob forma oral ou escrita, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio à sua escolha.”
Será que o despedimento operado pela ré infligiu o direito da liberdade de expressão do autor?
Vamos ver.
Em primeiro lugar, segundo os factos provados, a ré nunca proibiu o autor de continuar a emitir comentários políticos.
O Magnífico Reitor C afirmou à imprensa, “…Ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho…”. Aparentemente entre exercer pressão e despedir, a Universidade escolheu o segundo. Se a ré tivesse escolhido pressionar o autor, exigindo-lhe não continuar a emitir comentários políticos, como não foi durante as aulas nem enquanto professor da ré que o autor comentou a política, então provavelmente a exigência da ré teria constituído uma violação da liberdade de expressão.
Nestes termos, o acto da ré não é contrário à Lei Básica.
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Nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 10.º da Lei n.º 7/2008:
Artigo 6.º
1. Todos os residentes da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) têm direito às mesmas oportunidades de acesso ao emprego, em condições não discriminatórias.
2. Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser injustificadamente beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, da origem nacional ou social, ascendência, raça, cor, sexo, orientação sexual, idade, estado civil, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação associativa, instrução ou situação económica.
3. Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior sempre que, em virtude da natureza do trabalho em causa ou do contexto da sua execução, esse factor se apresente como um requisito justificável e determinante para a prestação do trabalho.
4. O disposto nos números anteriores não prejudica o tratamento privilegiado de grupos sociais necessitados de protecção específica, desde que legítimo e proporcional.
Artigo 7.º
1. Na negociação e formação do contrato de trabalho, as partes devem proceder segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento das suas obrigações e no exercício dos seus direitos, o empregador e o trabalhador devem proceder segundo as regras da boa fé.
Artigo 10.º
É proibido ao empregador:
1) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos;
2) Obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho;
3) Ceder o trabalhador, sem o seu consentimento escrito, a outro empregador que sobre aquele exerça poderes de autoridade e direcção;
4) Baixar injustificadamente a categoria do trabalhador;
5) Diminuir a remuneração de base do trabalhador, salvo nos casos previstos na presente lei;
6) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada;
7) Reter documentos de identificação do trabalhador.
Tal como dito atrás, segundo os factos provados, este juízo entende que ao despedir o autor, a ré não violou a liberdade de expressão, a liberdade académica e a liberdade de cátedra, entre outros seus direitos básicos. Não há factos demonstrando que a ré tenha alguma vez discriminado o autor ou não lhe tenha concedido oportunidade em pé de igualdade como aos outros funcionários. Verdade seja dita, a ré ofereceu mais oportunidades ao autor para que este leccionasse, por exemplo de realizar investigações académicas.
Alias, todas as sociedades na comunidade (particularmente as de grande dimensão) têm as próprias visões culturais e valores. Enquanto universidade católica, a ré distingue-se das empresas comuns com fim lucrativo pela sua finalidade de fundação.
Nos termos do art.º 3.º, n.º 2, alínea f) do anexo da Portaria n.º 207/96/M – Estatutos da Universidade de B, "Oferecer à Igreja de Macau a possibilidade de colaboração — mediante o contributo específico de uma instituição universitária — no desempenho da sua missão." O art.º 13.º, n.º 1 prevê as competências principais do reitor, cuja alínea c) se lê "velar pela observância das leis e orientações da Igreja, da legislação aplicável ao D, dos presentes Estatutos e dos regulamentos próprios".
Enquanto os factos provados mostram que o Magnífico Reitor C revelou aos meios de comunicação social que, "Trata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada". Daqui se sabe que segundo o reitor, no caso da ré, enquanto universidade católica, um dos princípios é não intervir no debate político do local onde se encontra. No entanto, a ré não abriu processo disciplinar contra o autor por isso, nem despediu o autor com justa causa, porque não foi durante as aulas nem enquanto professor da ré que o autor comentou a política. Então não se podia avaliar o autor com base no desempenho dele fora do trabalho. Deste modo, a ré optou por despedi-lo sem justa causa para defender o seu valor inerente. Segundo nós não se trata de violação do disposto na Lei n.º 7/2008.
*
Para além das acusações acima referidas, o autor afirma ainda que a decisão tomada pela ré a 04/06/2014 de fazer cessar o contrato de trabalho a 11/07/2014 constituiria um abuso de direito.
Segundo o autor, desde sempre a atitude da ré tinha-lhe transmitido sinais positivos de renovar-lhe o contrato de trabalho. No entanto, em 04/06/2014, ao comunicar ao autor a resolução do contrato de trabalho com o autor 30 dias depois, a ré não lhe avançou qualquer justificação, enquanto foi aos meios de comunicação social que revelou o motivo verdadeiro de despedimento. Então o acto da ré desenganou o autor da sua confiança nela e era um caso de "venire contra factum proprium".
Nos termos do art.º 326.º do CC: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Eis a jurisprudência de Macau em relação ao artigo acima citado:
“Caso típico de comportamento abusivo no exercício de um direito considerado ilegítimo pelo atrás citado comando legal é a proibição de “venire contra factum proprium”, que equivale a dar o dito por não dito, e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pressupondo duas atitudes da mesma, espaçadas no tempo, sendo a primeira delas (o “factum proprium”) contrariada pela segunda, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da boa fé.” (cf. o acórdão n.º 57/2006 do TSI)
“Quando o exercício de um direito subjectivo pelo seu titular” exorbita dos fins próprios desse mesmo direito ou das razões justificativas da atribuição desse direito, ou está fora do normal contexto em que deve ser exercido, estamos perante abuso de direito, desde que seja reprovável a exorbitação, face aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito.” (cf. o acórdão n.º 825/2009 do TSI)
De acordo com um acórdão mais recente “O abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que e le dever ser exercido.” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição p.300).
Sobre a noção do abuso do direito, a doutrina vária no tocante à delimitação da actuação abusiva. Manuel de Andrade fala se "dos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça". Para Vaz Seria, "há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante"
Hoje em dia, uma das manifestações mais corrente do abuso de direito na doutrina e jurisprudências é "venire contra factuam proprium". O venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo. A primeira o factum proprium é contrariada pela segunda."
Nas palavras do Prof. Baptista Machado, "o ponto de partida é uma anterior conduta de um sujeito jurídico que "objectivamente considerada é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira". (Tutela da confiança e "venire contra factum proprium" in RLJ, ano 117 e ss)
O abuso do direito pressupõe uma conduta anterior do abusante que criará na contraparte a legítima confiança, e uma conduta posterior daquela contrária à sua conduta anterior pelo abusante, frustrando a confiança que gerada pelo seu comportamento.” (cf. o acórdão n.º 593/2017 do TSI)
Os factos provados demonstram que a ré, ao exercer o direito/poder concedido pela lei, apesar de ter estragado uma expectativa legítima da ré (sic –N. T.), tal como dito atrás um dos motivos pelos quais a ré resolveu o contrato era para defender a sua finalidade de fundação. Segundo nós, trata-se de um "método" legítimo. Não se pode esquecer do facto de que a ré já avisou o autor com 30 dias de antecedência e lhe pagou integralmente a indeminização nos termos do art.º 70.º da Lei n.º 7/2008. Realmente não se apercebe de qualquer violação por parte da ré dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” Portanto, é de julgar que o acto da ré não constitui abuso e direito.
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Para além disso, na sede de contestação a ré indica ainda que ao resolver o contrato de trabalho com o autor, a ré violou o disposto nas Convenções Internacionais de Trabalho (ILO No. 158). A Convenção mostra-se, grosso modo, idêntico ao Código de Trabalho de Portugal, que proíbe o empregador de denunciar o contrato de trabalho com causa injusta.
Nos termos do art.º 40.º da Lei Básica, as disposições, que sejam aplicáveis a Macau, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como das convenções internacionais de trabalho, continuam a vigorar. No entanto, o mesmo art.º 40.º da Lei Básica prevê que todos os pactos, incluindo as convenções internacionais de trabalho são aplicados mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau. Daqui segue que não é que as convenções internacionais de trabalho vigorem automaticamente em Macau.
Neste momento em Macau não há legislação que regule a convenção de trabalho acima referida. É por isso que a convenção de trabalho não pode vigorar directamente em Macau, pelo que se deve julgar improcedente a parte em discussão. Merece notar que não é que nenhuma das convenções internacionais de trabalho vigore na RAEM. A título de exemplo, mediante os avisos n.º 27/2003 e n.º 16/2006 do Chefe do Executivo, a Convenção n.º 167 (ILO No. 167) e a Convenção n.º 22 (ILO No. 22) entraram em vigor em Macau, enquanto não há legislação local correspondente à Convenção n.º 158, aliás parece que a preferência dos legisladores transparece da disposição da Lei n.º 7/2008 sobre a resolução do contrato pelo empregador.
Com base no acima dito, este juízo julga improcedentes toda a acção bem como os pedidos processuais a), b), c) e d) do autor.
*
Por outro lado, como se sabe, a constituição de responsabilidade civil pressupõe o preenchimento simultâneo dos seguintes requisitos: 1) acto controlável pela vontade do agente; 2) a ilicitude do acto; 3) a culpa do agente (dolo ou negligência); 4) dano e 5) nexo de causalidade com os factos.
No processo em apreço, com base na análise atrás feita, não é ilícita a resolução de contrato de trabalho com o autor operada pela ré. Sendo então ocioso examinar se os outros requisitos estão satisfeitos, julgam-se improcedentes os pedidos processuais e) e f) do autor.
3. Decisão
Face ao exposto, este Juízo julga improcedentes a motivação e os requerimentos da acção intentada pelo autor contra a ré. Rejeitam-se todos os requerimentos processuais apresentados pelo autor A contra a ré Universidade de B.
Custas pelo autor.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 464 a 470 e 11 a 29 do Apenso).

Aqui chegados, que dizer?

Mostra-se de se começar por consignar que se compreende – e obviamente se respeita – o “entendimento” que pelas partes em litígio vem exposto nas suas peças processuais, pois que, sem esforço se alcançam as (respectivas) “razões” (e convicções pessoais, profissionais e institucionais) que os impulsionam.

Não obstante assim ser – sem perder de vista o preceituado no art. 7° do C.C.M., e a este Tribunal de Última Instância cabendo agora decidir a qual das partes em confronto assiste razão – mostra-se de atentar (especialmente) que, em síntese que se tem como adequada, entende o ora recorrente que o seu “despedimento” foi “abusivo” e, por isso, “ilícito”, considerando, por sua vez, a recorrida, que a “resolução do contrato” com o dito recorrente ocorreu de forma “legalmente adequada” e “legítima”.

Pois bem, antes de mais, (e começando-se pelo fim), dir-se-á que não se vislumbra a pelo recorrente assacada “contradição entre a matéria de facto assente e a conclusão final” na decisão recorrida; (cfr., concl. 34 a 39).

O “momento”, (ou “oportunidade”), do que pelo recorrente vem apelidado de “revelação do seu afastamento” não se apresenta de forma alguma bastante para justificar o “efeito” que parece pretender alcançar com o que nesta sede alega, ociosas se nos apresentando mais considerações sobre a questão.

Por sua vez, e em relação ao “receio – de futuros – abusos”, (cfr., concl. 40 a 42), cabe também dizer que ainda que se possa considerar constituir este um “argumento que impressiona”, importa consignar (e até acentuar) que a decisão a proferir em sede do presente recurso não poderá deixar de ter como referência a “situação fáctica” (concreta e objectiva) nestes autos dada como “provada” e o regime legal à mesma relevante e aplicável.

Isto dito, mostra-se ainda de consignar que em face do pelo recorrente (agora) alegado se nos apresenta de concluir que o mesmo “desiste” do seu “pedido de reintegração”, sendo de referir, desde já, (e de qualquer forma), que a decisão da sua improcedência nos termos decididos – e que aqui se acolhem – nenhuma censura merece, apresentando-se assim de se avançar para a decisão da (verdadeira) “questão” trazida à nossa apreciação, (e que em face do que decidido está, muito não se mostra de acrescentar).

Vejamos.

Sem se querer aqui entrar em considerações (teóricas) relacionadas com as “origens” e/ou “razões de ser” do “Direito do Trabalho” – como ramo autónomo do Direito, e que muitos autores indicam como sendo a “Revolução Industrial”, mas sendo também possível de se relacionar com a “abolição da escravatura” – o mesmo sucedendo quanto a (outros) desenvolvimentos relativamente à matéria da “cessação do contrato de trabalho”, adequado se mostra de começar por ponderar (desde já) no “dispositivo legal” que de maior importância se nos apresenta ter para a solução a dar ao presente recurso, e que se considera ser o art. 70° da Lei n.° 7/2008, (“Lei das Relações de Trabalho”), onde, com a epígrafe “Resolução sem justa causa por iniciativa do empregador” se preceitua que:

“1. O empregador pode resolver o contrato a todo o tempo, independentemente de alegação de justa causa, tendo o trabalhador direito a uma indemnização de montante equivalente a:
1) Sete dias de remuneração de base, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior ao período experimental e até um ano;
2) Dez dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a um ano e até três anos;
3) Treze dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a três anos e até cinco anos;
4) Quinze dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a cinco anos e até sete anos;
5) Dezasseis dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a sete anos e até oito anos;
6) Dezassete dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a oito anos e até nove anos;
7) Dezoito dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a nove anos e até dez anos;
8) Vinte dias de remuneração de base por cada ano, para a relação de trabalho que tiver uma duração superior a dez anos.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, a antiguidade do trabalhador no ano civil em que cessa a relação do trabalho é calculada por meses, na proporção de um doze avos para cada mês ou período inferior a um mês mas superior a quinze dias.
3. O valor máximo da indemnização referida no n.º 1 é limitado a doze vezes a remuneração de base do trabalhador no mês da resolução do contrato, qualquer que seja a duração da respectiva relação de trabalho.
4. Para efeitos do disposto nos n.os 1 e 3, o montante máximo da remuneração de base mensal utilizado para calcular a indemnização é de 21 000 patacas, salvo valor mais elevado acordado entre o empregador e o trabalhador.
5. O montante previsto no número anterior deve ser revisto de dois em dois anos, podendo ser actualizado de acordo com a evolução do desenvolvimento económico.
6. No caso de resolução do contrato a termo certo sem justa causa por iniciativa do empregador antes da verificação do seu termo, o empregador é obrigado ao pagamento ao trabalhador de uma indemnização calculada segundo o período de tempo que medeia entre a data da resolução e o termo acordado, correspondente a três dias de remuneração de base por cada período igual ou inferior a um mês.
7. No caso de resolução do contrato sem justa causa por iniciativa do empregador antes de decorridos dois anos desde a comunicação à DSAL do acordo de diminuição da remuneração de base previsto no n.º 5 do artigo 59.º, a indemnização prevista no n.º 1 do presente artigo e no n.º 4 do artigo 72.º é calculada com base no montante da remuneração de base auferida pelo trabalhador antes da celebração do referido acordo”; (sub. nosso, cabendo referir que já no anterior “Regime das Relações Laborais” do D.L. n.° 24/89/M se estatuía no n.° 1 do art. 47° que “A todo o tempo, independentemente da razão que o fundamente tanto o empregador como o trabalhador podem pôr termo à relação de trabalho, desde que cumpram os prazos mínimos de aviso prévio constantes dos números seguintes”).

E, em face do assim preceituado, (especialmente, no n.° 1 do transcrito art. 70°), desde logo se mostra de constatar, (dúvidas não se afigurando haver), que a par da “resolução do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do empregador”, (prevista e regulamentada no art. 69° da dita Lei n.° 7/2008), confere (também) o ordenamento jurídico da R.A.E.M. ao empregador a possibilidade de “resolução do contrato de trabalho independentemente de alegação de justa causa”.

Isto é, ao empregador são facultados dois meios para obter a “resolução do contrato de trabalho” que mantém com um trabalhador:
- um, alegando – ou melhor, tendo que alegar – (uma) “justa causa”, (que a Lei, de forma não taxativa, exemplifica no n.° 2 do referido art. 69°);
- o outro, “independentemente de alegação de justa causa” – ou como se diz na epígrafe do preceito legal em questão, “sem justa causa” – sendo, precisamente, esta a forma prevista e regulamentada no transcrito comando legal do art. 70°, (e pela ora recorrida invocada para por termo ao contrato de trabalho que com o recorrente mantinha).

Assim, e em conformidade com o que se deixou exposto, oportuno se considera aqui notar que, para além da “necessidade”, ou não, da alegação da dita “justa causa”, constitui relevante “factor diferenciador” destas duas “modalidades de resolução” de um contrato de trabalho a “desnecessidade” de pagamento de uma “indemnização compensatória” na primeira delas, (desde que, se questionada, se venha a dar como verificada e adequada a alegada “justa causa”); (cfr., n.° 3 do art. 69°).

Portanto, (e como que simplificando), é caso para dizer que confrontando-se o empregador com uma sua “intenção”, (assente tanto em mera vontade própria, oportunidade, conveniência, ou necessidade), de (ter de) “dispensar”, (ou despedir), um seu trabalhador, ao mesmo caberá (em face de tais “circunstâncias”) optar, seguindo a “via da resolução com – o ónus de alegar – justa causa” (que imputa ao trabalhador), com o inconveniente de, no caso de não a conseguir provar, sofrer o gravame de ter de pagar o “dobro da indemnização prevista para a resolução sem justa causa”, (cfr., n.° 4 do art. 69°), ou nada ter que alegar ou invocar – especialmente, a dita “justa causa” da resolução (e correr o risco de não a conseguir provar) – tendo (então) apenas de pagar (simplesmente) a “indemnização compensatória” nos termos previstos no art. 70°, e ficando assim com o “assunto resolvido”…

Como se mostra evidente, claro se apresenta que, a primeira modalidade é, (à partida), “mais trabalhosa”, e que, a segunda, (também, e, pelo menos, em princípio), “mais dispendiosa”.

Não se ignorando porém que o reconhecimento legal de um tal (incontestado) “direito (potestativo)” de extinguir “sem necessidade de alegação de (qualquer) causa”, (ou seja lá o que for), uma relação jurídica laboral – “bilateral”, livre e voluntariamente instituída com a válida celebração de um contato de trabalho (ainda que não sujeito a “forma especial”; cfr., art. 17° da Lei n.° 7/2008) – não corresponde a uma “solução pacífica”, (sendo mesmo, em alguns sistemas e diplomas, “proibida”, como v.g. sucede com o art. 4° da “Convenção n.° 158 da Organização Internacional do Trabalho” que não vigora em Macau, cfr., sobre tal matéria, o exposto aquando da discussão e votação na especialidade da então proposta de Lei, in, Diário da Assembleia Legislativa da R.A.E.M. n.° III-102, o mesmo sucedendo com a Lei Constitucional e o Código de Trabalho de Portugal, cfr., respectivamente, o art. 53° e art. 338°), dúvidas não parecem existir que a sua (expressa) previsão no ordenamento jurídico local corresponde(u) à (real) vontade do legislador, (aliás, como se pode ver, e constatar, do debate ocorrido por ocasião da discussão do então projecto de Lei no citado Diário da A.L.).

Dest’arte, resultando da matéria de facto dada como assente (e atrás retratada) que pela (decidida) resolução do contrato de trabalho que com o recorrente mantinha pagou efectivamente a recorrida a “indemnização compensatória” legalmente prevista e estatuída, assim como observado igualmente foi o “prazo de aviso prévio”, (para a situação em causa prescrito nos art°s 70° e 72°), apresenta-se pois de se dizer que o “procedimento” pela dita recorrida encetado e levado a cabo se apresenta em total e perfeita harmonia com o (seu) referido legítimo “direito (potestativo)” que por Lei lhe assistia, nenhuma censura merecendo as Instâncias recorridas na apreciação e enquadramento jurídico-legal que efectuaram da “matéria de facto” e “questão”, pois que totalmente adequadas e válidas se apresentam as considerações tecidas e atrás reproduzidas, e que aqui se adoptam integralmente para a decisão de improcedência dos pedidos pelo A., ora recorrente, deduzidos, e, com tal, do presente recurso.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo A. com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 22 de Abril de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) [Segue declaração]
Sam Hou Fai
Song Man Lei


Processo nº 100/2021
(Autos de recurso civil e laboral)
Declaração de voto
   Como relator dos presentes autos, e em conformidade com o mui douto entendimento dos meus Exmos. Colegas, relatamos o veredicto que antecede.
   
   Notamos, porém, que no que diz respeito (ao concreto) sentido e alcance do preceituado no art. 70° da Lei n.° 7/2008 quanto à “resolução sem justa causa por iniciativa do empregador”, outra é a nossa – modesta – opinião, já que se nos afigura que o dispositivo legal em questão tem tão só e apenas como finalidade dispensar o empregador de eventuais “conflitos laborais e pessoais”, permitindo-lhe que ponha termo a uma relação de trabalho que mantém sem ter de revelar – e especialmente, justificar, (e provar) – a “licitude” da sua causa, (como é exigido pelo art. 69° da mesma Lei), pois que não cremos que com o mesmo se tenha pretendido atribuir um “direito absoluto”, de exercício incondicional, inconsequente e insindicável, reconhecendo-se à entidade patronal uma total imunidade e irresponsabilidade em relação a uma eventual ilegalidade cometida no seu exercício (e efeitos) se, por qualquer forma ou meio a revelar ou vier a ser conhecida, tida como adquirida e considerada abusiva.
   
   In casu, em face do que “provado” ficou, apurada está a (verdadeira) “causa” que deu origem à “cessação do contrato de trabalho” que o recorrente mantinha com a recorrida, (cfr., os factos provados com os n°s 17, 19 e 20), e, em ponderação quanto à sua conformidade legal, apresenta-se-nos de a considerar (profundamente) arbitrária, e, assim, legalmente inadequada (nomeadamente) em face do estatuído no art. 326° do C.C.M. em relação ao instituto do “abuso do direito”, assim como ao preceituado no art. 7° e 8° da aludida Lei n.° 7/2008.
   
   Com efeito, se a dita factualidade provada até demonstra uma evolução favorável e meritória do desempenho profissional e académico do ora recorrente – tendo, nomeadamente, progredido de “Professor Assistente”, para “Professor Coordenador”, (cfr., os factos provados com os n°s 2 a 13) – então, claro se nos apresenta de considerar que “justa” não se mostra ser a resolução do seu contrato de trabalho por “motivos” que se vieram a apurar constituir uma – súbita – discordância e – mera – intolerância em relação ao simples exercício de direitos fundamentais, expressamente consagrados, (até mesmo na L.B.R.A.E.M.), e que a todo e qualquer um assistem (na sua vida particular), sem que, (pelo menos), comprovada estivesse qualquer colisão, desrespeito ou desvio ao (objectivamente) previsto nos “Estatutos” que regulam a actividade institucional da recorrida, (cfr., os “Estatutos da Universidade de B”, in B.O. n.° 33/1996, pág. 1428 e segs. e B.O. n.° 31/2019, pág. 2071 e segs.), sendo ainda de notar que, aliás, tanto quanto julgamos saber, pública e notória é a existência de personalidades locais profissionalmente ligadas a Universidades e Academias com (diversas) funções públicas e políticas, mostrando-se-nos, também assim, muito infelizmente, legalmente inadequada a “causa” subjacente e que resultou apurada para a medida pela recorrida adoptada, e que, pelos expostos motivos, leva-nos a considerá-la abusiva, e, por isso, ilícita.
   
   Dest’arte, e sem prejuízo do muito respeito devido a melhor entendimento sobre a questão, afigura-se-nos que outra podia ser a solução para esta parte da pretensão do recorrente.
   
   Daí, a presente declaração.

Macau, aos 22 de Abril de 2022

José Maria Dias Azedo
Proc. 100/2021 Pág. 32

Proc. 100/2021 Pág. 33