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Processo n.º 467/2021
(Autos de recurso contencioso)

Data: 24/Março/2022

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, titular do BIR não permanente, melhor identificada nos autos, inconformada com o despacho do Exm.º Secretário para a Segurança que indeferiu o pedido de renovação da sua autorização de residência na RAEM, recorreu contenciosamente para este TSI, tendo formulado na petição de recurso as seguintes conclusões:
“1. Recorre-se da decisão do Secretário para a Segurança de 01/04/2021 pelo qual indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência da Requerente.
2. O referido acto tem como parte integrante o parecer de 08/03/2021, do qual consta a fundamentação da decisão (bem como do parecer de 11/02/2021, também anexo).
3. A entidade recorrida fundamentou a decisão na falha do pressuposto relativo ao art. 9º, n.º 2, al. 3) da Lei 4/2003, ou seja, as finalidades pretendidas com a residência na RAEM e a respectiva viabilidade.
4. Essa conclusão decorre do suposto comportamento da Requerente nos 12 meses anteriores ao pedido, pois que esteve apenas na RAEM durante 31 dias (e o seu filho menor apenas 21 dias), pelo que seria inconsistente com a finalidade pretendida de coabitação da Requerente com o seu agregado familiar na RAEM.
5. A Requerente fez o pedido de residência para reagrupamento familiar com o seu marido e filhos (menores), todos residentes permanentes da RAEM.
6. A entidade recorrida erra na interpretação da lei ao avaliar uma situação de facto no futuro (portanto, de verificação incerta) com base no passado.
7. A finalidade enquanto pressuposto da atribuição da residência é a intenção da Requerente e a entidade recorrida não faz qualquer demonstração de que a Requerente não pretende cumprir com essa finalidade.
8. Muito pelo contrário, a Requerente até mostra toda a intenção de continuar a cumprir, desde logo mantendo o seu lar em Macau (e não obstante estar temporariamente no interior da China), apesar do custo inerente.
9. O que o requisito exige é que se avalie a viabilidade da finalidade declarada pelo requerente da autorização de residência.
10. De facto, aquando do pedido inicial, a entidade recorrida não podia certamente utilizar o mesmo argumento relativamente à viabilidade da finalidade pretendida com a residência porquanto anteriormente a Requerente não teria um título de residência na RAEM.
11. E não houve qualquer alteração da situação da Requerente e a qual ditou a conclusão da verificação do requisito da viabilidade para deferir a autorização de residência aquando tanto do pedido inicial bem como das subsequentes renovações.
12. A própria entidade recorrida admite a verificação da viabilidade da finalidade – ao referir que a Recorrente e a sua família podem entrar na RAEM e aqui permanecer fisicamente (embora nós discordamos que tal seja necessário para preencher o conceito de residência de um qualquer lugar).
13. A aferição do cumprimento da finalidade tem apenas interesse no âmbito do eventual cancelamento da autorização.
14. Até à data, não foi movido qualquer processo do cancelamento da autorização de residência anteriormente emitida à Requerente (ou melhor, da sua última renovação).
15. Ademais, a entidade recorrida avalia a finalidade pretendida num período escolhido arbitrariamente e sem expressão na lei.
16. Parece-nos até mais apropriado que a entidade recorrida tivesse atendido ao período da duração da última renovação da autorização de residência (dois anos) ou até mesmo todo o período dessa autorização (cinco anos).
17. Nos termos do art. 30º, n.º 3 do Cód. Civil, presume-se residente habitual quem tenha BIR, pelo que é a entidade recorrida que cabe provar que a Requerente, enquanto portador do BIR, não é residente habitual.
18. Não há nenhum requisito temporal mínimo na lei respeitante à qualificação de uma pessoa como residente habitual.
19. A residência habitual é o lugar onde o indivíduo tem o centro efectivo e estável da sua vida pessoal – cfr. art. 30º, n.º 2 do CCivil.
20. Refere a entidade recorrida que o filho menor da Requerente saiu da RAEM não esteve na RAEM por um período de 7 meses em 2020, pelo que concluiu que não foi residente durante este período.
21. Ora, são as próprias leis de Macau que admitem a existência de indivíduos que estejam ausentes e ainda assim tenham residência habitual na RAEM – vide art. 4º, n.º 4, al. 2) da Lei 8/1999.
22. A presença física na região (ou, neste caso, a falta dela), num certo período arbitrário e durante o qual se deu uma das maiores calamidades mundiais a nível de saúde pública das últimas décadas não permite concluir que a Requerente deixou de residir na RAEM.
23. A Requerente residia, pelo menos oficialmente, desde 03/02/2016 na RAEM.
24. Os filhos menores da Requerente e do seu marido nasceram em 31/10/2014 e 2012, em Macau e sendo ambos residentes permanentes.
25. Só em si a escolha do lugar do parto em Macau é por si reveladora de uma conexão com Macau.
26. O casal é proprietário desde 03/2014 de uma fracção habitacional em Macau.
27. A referida fracção apenas não serve de habitação própria do casal porque não tem a dimensão necessária e o pai do marido da Requerente adquiriu outra maior onde o casal tem a sua residência.
28. A aquisição da fracção pelo pai do marido da Requerente foi feito com recurso a empréstimo bancário, pelo que se não estivesse (até à data) afecta ao casal, sempre seria rentabilizada através do respectivo arrendamento a terceiros.
29. Desde 2016 que a Requerente e o seu filho menor têm permanecido na RAEM mais de metade do ano civil, tanto que os dois pedidos anteriores de renovação da residência foram deferidos (relativos ao período de 03/02/2016 a 02/02/2017 e 03/02/2017 a 02/02/2019).
30. A entidade recorrida devia ter atendido, pelo menos, ao período relativo à autorização de residência concedida no âmbito da última renovação e até apresentação do novo pedido, ou seja, 03/02/2019 até 30/12/2020.
31. Em virtude da pandemia, a Requerente e seu agregado familiar deslocaram-se temporariamente ao interior da China, o que se prendeu essencialmente o estado de saúde dos pais da Requerente e do pai do marido da Requerente (que vivem em Cantão e em Foshan, respectivamente, cidades adjacentes na província da Cantão).
32. A entidade recorrida considera que tal não é razão suficiente e que, portanto, a Requerente teria supostamente abandonado o propósito de residir na RAEM.
33. A decisão foi feita também atendendo ao emprego do marido da Requerente, o principal sustento da família, pois que o mesmo implicava frequentes deslocações ao interior da China.
34. A entidade recorrida admite que a nova epidemia do coronavírus causou “alguns inconvenientes à entrada e saída de pessoas”.
35. Dito isto, e apesar de efectivamente ser possível vir à RAEM do interior da China, a circulação não é feita com a mesma facilidade que anteriormente. Veja-se todos os momentos que antecederam a decisão da Requerente e que são de conhecimento público.
36. Em 22/01/2020 é diagnosticado o primeiro caso de coronavírus em Macau.
37. Em 24/01/2020 é anunciado que as aulas das crianças não iriam recomeçar até 10/02/2020 (posteriormente, sucessivamente adiado).
38. Em 25/01/2020 é reduzido o horário de funcionamento do posto de imigração com Zhuhai nas Portas do Cerco.
39. Em 26/01/2020, para viajantes da província de Hubei a quarentena passa a ser obrigatória e 2 dias depois são suspensos os vistos para as pessoas do interior da China para virem para Macau.
40. Em 28/01/2020 são detectados 3 novos casos e 2 dias depois é determinado o encerramento de vários estabelecimentos, incluindo casinos (inédito em Macau).
41. Em 07/02/2020, os trabalhadores públicos ficam dispensados de comparecer no serviço durante uma semana.
42. Toda esta situação criou tamanha incerteza sobre o futuro.
43. A normalidade actual aparenta não nos pode iludir sobre a apreensão e dúvida da altura.
44. Quando a RAEM lentamente recomeçou a actividade por volta de 19/02/2020, as pessoas que vinham do interior da China passavam a estar sujeitas a testes e caso desse positivo seriam colocadas em isolamento.
45. As escolas na RAEM continuaram fechadas até pelo menos 04/2020.
46. Face ao exposto, a Requerente concluiu que seria impossível deslocar-se com facilidade ao interior da China para cuidar dos seus pais e do pai do marido da Requerente.
47. Os familiares necessitam desse apoio da Requerente e não há outro familiar que possa prestar essa assistência - desde logo, o marido da Requerente, que aí inclusivamente se desloca, está muito ocupado com a sua actividade profissional.
48. Estando as escolas encerrada, e estava-se a começar a desenvolver o ensino à distância, não havia prejuízo maior para a educação dos filhos menores se não estivessem fisicamente na RAEM durante este período, sendo aliás mais importante que estivessem junto da mãe.
49. A permanência dos filhos menores na RAEM também poderia trazer o risco das crianças não verem o pai que tinha de vir ao interior da China por razões profissionais.
50. E passado pouco tempo dessa decisão, em 27/03/2020, foi determinado que quem viesse para o interior da China da RAEM ficaria sujeito a quarentena de 14 dias.
51. Ou seja, era impossível à Requerente prestar constantemente atenção aos familiares debilitados no interior da China e estar com os filhos simultaneamente em Macau.
52. Só em 15/07/2020 é que a dita quarentena obrigatória foi levantada, mas mesmo assim a circulação está sujeita a determinados constrangimentos.
53. A demonstrar isso é mesmo é o facto de recentemente um indivíduo considerado contacto próximo de um caso diagnosticado de covid em Cantão, ter sido interceptado no hotel onde se encontrava na RAEM e levado para isolamento, ainda que testando negativo para o vírus.
54. Ademais, as autoridades anunciaram quarentena obrigatória para indivíduos vindos de inúmeras partes da cidade de Cantão e Foshan (precisamente onde se encontram os familiares da Requerente).
55. Não obstante, não é por isso que a Requerente deixou de ter residência na RAEM.
56. Simplesmente está presentemente fisicamente ausente da região, sendo que tal está plenamente justificado atendendo à situação actual, a qual irá perdurar até ser normalizada a circulação entre Macau e as cidades de Cantão e Foshan.
57. A incerteza decorrente das sucessivas e repentinas alterações das políticas de entrada e saída da região é justificativo de decisões cautelosas sobre deslocações.
58. A Requerente tem toda a intenção de permanecer na RAEM, pois que os seus filhos cresceram em Macau.
59. A Requerente tem outras ligações com a RAEM, desde logo o facto de ter estado ao serviço de uma empresa imobiliária em Macau desde 05/2017 a 03/2018 e posteriormente de 16/2018 até 02/2021.
60. O facto de ter continuado empregada mesmo durante o período da pandemia demonstra que, mesmo trabalhando remotamente, em teoria qualquer pessoa pode continuar a exercer funções para uma sociedade situada noutro local.
61. Por cautela de patrocínio, note-se que um indivíduo pode ter mais do que uma residência habitual – vide art. 30º, n.º 3 do CCivil.
62. Ora, sendo considerados os dois anos relativos à última renovação da autorização de residência, se no primeiro é inequívoco (pelo menos a entidade recorrida não o contesta) que a Requerente teve residência em Macau, no segundo sempre se poderia dizer que tinha duas residências habituais, uma das quais Macau.
63. A lei relativa à atribuição da residência não determina como requisito uma residência habitual exclusiva na RAEM.
64. O facto da Requerente ser residente permanente da RAEHK é irrelevante pois que os direitos de permanência na RAEM daí decorrentes não são definitivos e muito menos permitem uma permanência ilimitada na RAEM.
65. O acto recorrido viola a lei por considerar que a ausência física da Requerente na RAEM durante um certo período revela uma inconsistência com a finalidade que sustenta o seu pedido de renovação da autorização de residência.
66. Essa violação da lei manifesta-se tanto na interpretação do próprio pressuposto da finalidade (que deve ler-se apenas viabilidade à luz da finalidade pretendia) e ao assumir que a Requerente deixou de ter intenção de residir na RAEM com base na sua ausência física da RAEM (e sem atender a outros elementos) num período arbitrariamente tido em conta pela entidade recorrida.
67. Como tal, deve o acto recorrido ser anulado e substituído por outro que permita a reposição da legalidade administrativa.
Nestes termos, e nos demais de direito, requer-se a anulação do acto de 01/04/2021 do Secretário da Segurança do Governo da RAEM de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência da Requerente, devendo-se ordenar a substituição por um acto de deferimento da referida pretensão.”
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Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Digno Procurador Adjunto do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição, a recorrente solicitou a anulação do despacho exarado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança na Informação Complementar n.º 300017/SRDARPREN/2021P (doc. de fls. 160 a 162 do P.A.), arrogando que tal despacho viola a lei por entender que a ausência física (dela) da RAEM durante um certo período revela uma inconsistência com a finalidade que sustenta o seu pedido de renovação da autorização de residência.
Interpretada em conformidade com o preceito no n.º 1 do art. 115.º do CPA, a declaração de «Concordo» implica que o despacho in quaestio acolheu e chamou a si a supramencionada Informação Complementar na sua íntegra, sendo assim e nesta medida, esse despacho consubstancia-se em indeferir o seu pedido de renovação da autorização de residência.
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Antes de tudo, frisa-se que a concessão da autorização de residência à recorrente tem por fundamento e finalidade a convivência quotidiana dela com os seus familiares, nomeadamente com seu filho menor. Nestes termos e de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003, a renovação e manutenção da autorização de residência da recorrente dependem necessariamente de ela ter a residência habitual na RAEM.
Ora, os registos dos movimentos fronteiriços demonstram, de modo claro e firme, que no período compreendido desde Fevereiro de 2020 a Janeiro de 2021, a recorrente e o seu filho B permanecerem apenas 31 e 21 dias respectivamente. Convém lembrar que ela teve sido advertida de que “居留許可的續期取決於申請個案是否符合上述法律法規所規定的前提和要件,特別是居留許可申請人與其團聚對象是否在澳共同生活,即自獲批給之居留許可續期生效日(2019年2月3日)起計的每一周年裡以澳為生活中心,並在澳居留不少於183天,每次離澳連續不超過半年。” (doc. de fls. 113 do P.A.).
Proclama o Venerando TUI (cfr. aresto no Processo n.º 182/2020): 2. A qualidade de “residente habitual”, implica, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência. 3. Daí que se mostre de exigir não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social.
Ressalvado merecido e elevado respeito, o preceito no n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003 e a sensata jurisprudência do TUI acima aludida encoraja-nos a acreditar que é inconsistente a tese de que “A lei relativa à atribuição da residência não determina como requisito uma residência habitual exclusiva na RAEM.” (a conclusão 63 da petição)
Bem, recorde-se a autorizada jurisprudência (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 106/2019), segundo a qual “A ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau, como prevê o n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, impondo-se que a Administração verifique se, apesar da ausência, o interessado mantém residência habitual em Macau.”
Bem, entendemos tranquilamente que é criteriosa e prudente a jurisprudência que assevera (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 907/2016):  Não se mostra desrazoável o critério, consistente na exigência do mínimo de 183 dias por ano da estada em Macau, fixado e adoptado pela Administração para a qualificação como habitual a residência de um indivíduo em Macau na matéria de reconhecimento do estatuto de residente permanente.
Em esteira e tendo em conta a diminuta gravidade da pandemia em Macau no período de Fevereiro de 2020 a Janeiro de 2021, afigura-se-nos que não pode deixar de ser igualmente inconsistente a versão da recorrente, no sentido de que “22. A presença física na região (ou neste caso, a falta dela) num certo período arbitrário e durante o qual se deu uma das maiores calamidades mundiais a nível de saúde pública das últimas décadas não permite concluir que a Requerente deixou de residir na RAEM.”
De acordo com a ética e moral, inclinamos a colher que a prestação de cuidados aos pais idosos e doentes é, em princípio, dotada da virtude de justificar e legitimar a ausência temporária da RAEM. Nesta linha de valoração, parece-nos que seria atendível o argumento aduzido nas conclusões 46 a 47 da petição, caso fosse convincentemente provado.
No caso sub judice, sucede que a mãe da recorrente estava doente nos anos de 2017 e 2018 (docs. de fls. 121 a 132 do P.A.), sem alegar ou provar que a sua mãe estivesse doente em 2020. À luz da regra de normalidade, a recuperação da saúde em 2020 é mais estável do que em 2019, por isso a sua mãe carecia de mais cuidados em 2019 do que em 2020.
No entanto, repare-se que no período de 03/02/2019 a 02/02/2020 a sua estadia em Macau é de 172 dias (doc. de fls. 145 do P.A.), e é apenas de 31 dias desde Fevereiro de 2020 a Janeiro de 2021. O que faz entender que o argumento aludido nas conclusões 46 a 47 da petição desvia da regra de normalidade e é inexplicável, e nesta medida, não é convincente.
Chegando aqui, e com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido diverso, afigura-se-nos que não se descortina in casu o assacado vício de violação de lei.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existe nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
A recorrente obteve, por despacho de 3.2.2016, do Secretário para a Segurança, autorização de residência para se juntar do seu filho menor, residente permanente da RAEM. (fls. 67 do P.A.)
Em 18.2.2016, foi dado a conhecer à recorrente que a renovação dessa autorização está condicionada pelo cumprimento dos requisitos previstos na Lei n.º 4/2003 e no Regulamento Administrativo n.º 5/2003, designadamente, a coabitação da requerente e do agregado familiar a quem se junta na RAEM e a necessidade de permanência de 183 dias por cada ano. (fls. 69 do P.A.)
Por despacho de 2.2.2017, foi deferido o pedido de renovação da autorização de residência da recorrente. (fls. 90 do P.A.)
Por despacho de 22.1.2019, foi deferido o pedido de renovação da autorização de residência da recorrente. (fls. 111 do P.A.)
Terminado em 2.2.2021 a validade dessa autorização, a recorrente veio solicitar nova renovação da autorização de residência. (fls. 158 do P.A.)
A 8.2.2021, foi elaborada a seguinte proposta registada sob o n.º 300017/SRDARPREN/2021P: (fls. 160 a 162 do P.A.)
“事由: 居留許可續期申請
1. 關於A女士於2020年12月30日申請居留許可續期一事,我們繕寫了第200122/SRDARPREN/2021P號報告書;而本廳擬定的意見,是建議上級不批准上述申請。
2. 於2021年1月27日,因在過去一年(2020年2月至2021年1月)期間,申請人居澳僅31天,其兒子居澳僅21天(其兒子於2020年2月26日離開澳門,於2020年10月6日返澳,期間超逾7個月,沒有於澳門生活)。顯示出申請人及其兒子B沒有在澳共同居住及生活,故根據「行政程序法典」第93及第94條的規定,我們以“書面聽證”形式,將本廳擬定的意見正式通知了申請人;而她可在收到通知後的十天內,對有關內容以書面表達意見,詳情參閱通知書第200122/SRDARPREN/2021P號。(P. 138)
3. 於2021年1月27日,申請人向本廳遞交以下文件:
- 申請人的聲明書,內容大意是聲稱: “… 本人丈夫之父親因患有腰椎間盤凸出二十多年,於2015年11月進行第一次手術。但術後失敗不能走動,於次年2016年8月進行二次腰椎手術也未能成功,至今行動不便。另本人母親C,患有頸椎間盤凸出,頸動脈硬化,在家中多次暈倒送院,於2017年及2018年多次住院;加上本人父親D,患有糖尿病,長期注射胰島素等原因。現丈夫之父親,長期居住在佛山及本人之父母長期居住在廣州,基於雙方父母身體不適原因,丈夫又是家中經濟支柱,經與家人商量,決定在此段期間需兩邊奔波照顧雙方父母。本人知悉申請期間需在澳居住滿180天,但基於現實原因,又不能將兒子放在澳門留給家佣照顧,所以在此期間帶上兒子回國內照顧雙方父母,望給予理解,特許本人批准澳門居留續期。”(詳見該聲明書)(P. 136、137)
- 申請人提供的家人證件影印本。(P. 135)
- 申請人提供E的出院須知影印本。(P. 134)
- 申請人提供的E的醫療光碟。(附件)
4. 於2021年2月1日,申請人向本廳遞交以下文件:
- 申請人的聲明書,內容大意是聲稱: “… 本人於2016年提出申請居留權,期間2016年8月底陪同丈夫父親前往香港做腰椎2次手術,至今一直行動不便。在2017年母親C在家中暈倒沒有人知道,直至本人爸爸D多次致電沒有人接聽,感到奇怪上門尋找,破門而入將母親搶救。2018年母親再次在家中暈到,被朋友送醫救治。同年得知父親患上糖尿病。因此在2016年至今一直奔波兩地,兼顧起照顧小朋友及雙方父母責任,內心甚是崩潰。2020年2月至2021年1月期間,本人帶上兒女返回國內,突然遇上新冠疫情,澳門政府實施封關,與家人商量後,以年幼子女生命和健康為前提,所以在此期間沒有返澳。本人交一切有關母親住院記錄,交費憑證及診斷報告。另外丈夫父親住院記錄,交費憑證正本由於交付社保進行術後報銷。未能一一提供。因此只能提交出院記錄和手術光碟。本人已申請居留權的第六年,望給予本人一個在澳門照顧兒女和工作機會,以至承擔照顧家人經濟的能力。”(詳見該聲明書)(P. 133)
- 申請人母親C的醫療收費單據、住院費用明細清單、診斷證明書、出院紀錄,病歷等影印本。(P. 121-132)
5. 根據出入境紀錄顯示,在過去約一個月(2021年1月5日至2021年2月2日)期間,申請人居澳2天,兒子居澳0天。仍維持沒有在澳共同生活。(P. 118-120)
6. 綜合分析本案,申請人陳述內容,聲請其丈夫父親及其本人父母皆患病,需要其照顧,故此需帶兒子回國內生活,以便照顧。有關行為純為個人選擇,理由並不充份。另一方面,澳門在防疫方面一直處於相對平緩,亦從沒有對居民採取拒入境措施。雖然冠狀病毒疫情對出入境有一定不便及管制,然而申請人持澳門居民身份證,仍可在遵守有關防疫措施的前提下自由進出境。並不影響其倘有意留澳生活的情況。此外,其持有香港永久性居民身份證,幾乎可以無限制於本澳逗留,並不影響其以目前方式在澳逗留。因此,經考慮第4/2003號法律第9條第2款所指各項因素,尤其3項,及第5/2003號行政法規第22條第2款之規定,建議不批准是次的居留許可續期申請。
7. 呈上級審批。”
Submetida a proposta à consideração do Secretário para a Segurança, este lavrou em 1.4.2021 o seguinte despacho: (fls. 162 do P.A.):
“Concordo. Proceda-se conforme proposto.”
*
No caso dos autos, foi indeferido o último pedido de renovação da autorização de residência apresentado pela recorrente.
Prevê o do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 o seguinte:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.” – sublinhado nosso
Em boa verdade, a Lei n.º 4/2003 estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência na RAEM, sendo esta uma lei geral aplicável a todas as situações em que lidam com pedidos de entrada, permanência ou autorização de residência, tal como pedidos de concessão de autorização de residência para efeito de reagrupamento familiar.
Mais determina o n.º 2 do artigo 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 que “A renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e no presente regulamento.”
Sendo assim, dúvidas de maior não existe de que a residência habitual na RAEM constitui condição necessária para a renovação da sua autorização de residência.
Tal como se referiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 182/2020:
«Na verdade, a “residência habitual”, (e como cremos que a própria expressão o diz), não pode deixar de implicar um “local” que, com a necessária e imprescindível estabilidade, constitua o “centro – habitual – de interesses” de uma pessoa (e da sua família), não nos parecendo que possa ser um “local de passagem”, de permanência ocasional ou esporádica, sob pena de se converter em “residência temporária e/ou acidental”.
Isto, como é óbvio, não se traduz numa (absoluta) impossibilidade de “ausência” – como pode suceder, por determinados períodos, como por exemplo, em resultado de compromissos profissionais, para férias ou visita de familiares e amigos – porém, (e recordando-se que só a “situação” em concreto o poderá esclarecer), no caso dos autos, constatando-se que correctas são as “considerações” pela recorrente efectuadas, (porque coincidentes com o que em sede de factualidade se apurou), inviável é dizer-se que o recorrido tem a sua “residência habitual” em Macau.
(…)
Porém, apresenta-se imprescindível que a qualidade – ou estatuto – de “residente habitual”, implica, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também a natureza de um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência. Daí que, muitas vezes – e em nossa opinião, adequadamente – se mostre de exigir não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social, sendo de se notar que, nada disto se verifica in casu.»
De facto, a questão de saber se alguém tem ou não residência habitual em Macau, é um “conceito indeterminado” sindicável pelos Tribunais.
No caso vertente, foi concedida a autorização de residência à recorrente para reagrupamento familiar em 2016.
Provado que a validade da última renovação da autorização de residência terminou em 2.2.2021.
E verificado está que entre Fevereiro de 2020 e Janeiro de 2021 (em menos de um ano), a requerente e o seu filho apenas permaneceram na RAEM, por 31 e 21 dias, respectivamente.
Em nossa opinião, é este facto objectivo que nos leva a concluir não ter a recorrente residência habitual na RAEM nem querer manter cá a sua residência habitual.
Ou fazemos a pergunta por outra forma, se a recorrente pretendesse manter a residência habitual na RAEM, por que razão só cá permaneceu por 31 dias em menos de um ano? Alega a recorrente que foi por causa da pandemia.
A nosso ver, sem razão.
Em primeiro lugar, o motivo que levou a Administração a conceder autorização de residência à recorrente foi a reunião familiar da recorrente com o seu filho na RAEM. Todavia, esta circunstância deixou de existir por que ambos se deslocaram para o interior da China.
Em segundo lugar, não podemos desconsiderar o facto de que a recorrente foi devidamente advertida da necessidade de permanecer na RAEM, lugar onde ela teria que manter o centro efectivo e estável da sua vida pessoal, por 183 dias ao ano (período mínimo) mas, se a recorrente não atendeu a essa advertência, porque não quis.
É verdade que naquela altura existia, ainda hoje continua a haver, o problema da pandemia Covid-19, mas não é menos verdade que tanto a recorrente como o seu filho não estavam inibidos de regressar à RAEM, isto é, não obstante haver algumas inconveniências quanto à entrada e saída de pessoas (por ter que sujeitar-se, nomeadamente, a testes e quarentena), a verdade é que o Governo da RAEM nunca proibiu a entrada dos seus residentes durante todo o período de pandemia.
Mais alega a recorrente que a ausência da RAEM se prendeu com o estado de saúde dos seus pais e do pai do marido.
Quanto a este aspecto, somos a entender que igualmente não assiste razão à recorrente, e aderimos à opinião defendida pelo Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público que a seguir se transcreve e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais:
“Em esteira e tendo em conta a diminuta gravidade da pandemia em Macau no período de Fevereiro de 2020 a Janeiro de 2021, afigura-se-nos que não pode deixar de ser igualmente inconsistente a versão da recorrente, no sentido de que “22. A presença física na região (ou neste caso, a falta dela) num certo período arbitrário e durante o qual se deu uma das maiores calamidades mundiais a nível de saúde pública das últimas décadas não permite concluir que a Requerente deixou de residir na RAEM.”
De acordo com a ética e moral, inclinamos a colher que a prestação de cuidados aos pais idosos e doentes é, em princípio, dotada da virtude de justificar e legitimar a ausência temporária da RAEM. Nesta linha de valoração, parece-nos que seria atendível o argumento aduzido nas conclusões 46 a 47 da petição, caso fosse convincentemente provado.
No caso sub judice, sucede que a mãe da recorrente estava doente nos anos de 2017 e 2018 (docs. de fls. 121 a 132 do P.A.), sem alegar ou provar que a sua mãe estivesse doente em 2020. À luz da regra de normalidade, a recuperação da saúde em 2020 é mais estável do que em 2019, por isso a sua mãe carecia de mais cuidados em 2019 do que em 2020.
No entanto, repare-se que no período de 03/02/2019 a 02/02/2020 a sua estadia em Macau é de 172 dias (doc. de fls. 145 do P.A.), e é apenas de 31 dias desde Fevereiro de 2020 a Janeiro de 2021. O que faz entender que o argumento aludido nas conclusões 46 a 47 da petição desvia da regra de normalidade e é inexplicável, e nesta medida, não é convincente.”

Face ao acima expendido, por no período compreendido entre Fevereiro de 2000 e Janeiro de 2021, ou seja, no ano anterior ao termo de validade da autorização de residência, a recorrente apenas ter permanecido na RAEM por 31 dias, pelo que, nenhum reparo merece o acto recorrido quando considera que a recorrente deixou de ter a sua residência habitual na RAEM.
Isto posto, não se vislumbrando o alegado vício de violação de lei, há-de julgar improcedente o presente recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
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RAEM, aos 24 de Março de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 467/2021 Pág. 25