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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A (甲), melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário (Processo n.º CV1-17-0034-CAO) contra B (1.ª Ré) e C (2.ª Ré), pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de MOP$6.189.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal contados a partir da data da citação até ao integral pagamento da quantia.
Por sentença constante de fls. 283 a 290v dos autos, o Tribunal julgou a acção procedente e, em consequência, condenou solidariamente as Rés a devolver ao Autor a quantia de MOP$6.180.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da citação da 1.ª Ré té efectivo e integral pagamento.
Dessa sentença recorreram as Rés para o Tribunal de Segunda Instância, que por acórdão proferido no Processo n.º 749/2019 negou provimento aos recursos interpostos pelas Rés, mantendo a decisão recorrida (fls. 365 a 377v dos autos).
Vêm agora as duas Rés recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- Do recurso da 1.ª Ré B
1) O acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, e do qual se recorre negou provimento ao recurso da ora Recorrente, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
2) De acordo com o douto acórdão recorrido, o Tribunal da Primeira Instância “… da factualidade apurada nas alíneas j) a q) o que resulta ter acontecido foi que mediante acordo celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré aquele entregou a esta o valor de HKD$6,000,000.00.”
3) Referindo também que, “Assim sendo, face à factualidade apurada impõe-se concluir que a situação sub judice se enquadra nos depósitos irregulares, estando sujeita ao regime do mútuo nos termos do art.º 1132.º do C. Civ.”
4) Ora, com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo.
5) Nos presentes autos, está em crise a relação de depósito existente entre 1.ª Recorrente e o Recorrido e responsabilização da primeira, regulada nos termos do artigo 1111.º do Código Civil e ss.
6) Entendeu o Tribunal de Primeira Instância e confirmou o Tribunal a quo que existiu uma entrega do Recorrido à ora Recorrente, e que o levantamento que sucedeu, cabia à ora Recorrente tê-lo provado.
7) Por meio de certidão junta ao processo pelo Recorrido, a fls. 160 e 161, consta, o extracto dos movimentos da conta em nome do Recorrido com o n.º XXXXXXXX, nomeadamente os depósitos supra melhor identificados, assim como o levantamento daquelas quantias, titulados pelos talões de depósito com o n.º DAXXXXXX e DAXXXXXX.
8) Documentação que não foi atendida pelo Tribunal de Primeira Instância nem pelo Tribunal a quo.
9) A admitir a relação de depósito que se fundou num talão, e, estando esses depósitos consubstanciados num registo informático interno da ora Recorrente, também há que aceitar quando o mesmo documento interno pertence à ora Recorrente demonstra que houve um levantamento dessa mesma quantia.
10) Na verdade, e com o devido respeito, não se concorda com o Tribunal a quo quando refere que o ónus de prova de levantamento compete à Recorrente, pois, foram apresentadas razões plausíveis para a sua desoneração, pois, a ora Recorrente viu-se privada de inúmeros documentos e informação atinentes ao funcionamento enquanto sociedade promotora de jogos de fortuna e de azar.
11) Já para não dizer, que o avultado desvio de fundos nas instalações da Recorrente foi notícia em todos os meios de comunicação de Macau. Pelo que, é um facto notório e conhecido.
12) Assim, não se concede quando o Tribunal a quo refere que: “Sem dúvida cabe à Recorrente porque é um facto extintivo do direito alegado pelo Recorrido/Autor. Pela vista, a Recorrente não o cumpriu”.
13) Ora, se de uma banda o documento interno a fls. 160 a 161 regista o depósito e um levantamento da quantia em questão nos presentes autos, de outra, o tribunal entende que a Recorrente teria em seu poder meios que permitissem apurar quem procedeu ao levantamento.
14) Contudo, e como já dito, a informação de que a Recorrente dispõe é somente a que consta dos autos.
15) Ora, se há uma obrigação de zelo por parte da Recorrente enquanto depositária, tal obrigação também é extensível ao Recorrido, depositante.
16) Entendemos, pois, por a Recorrente ter sido alvo de um desfalque na sua tesouraria, e terem desaparecido inúmeros documentos internos, tal constitui uma razão de desoneração da Recorrente perante o Recorrido.
17) Acresce que, na medida em que, face ao supra exposto, a ora Recorrente se encontra desonerada da obrigação de restituição, também não poderão ser devidos quaisquer montantes a título de juros.
- Do recurso da 2.ª Ré C
(i) O Tribunal Judicial de Base condenou a B no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(ii) O Acórdão recorrido confirmou essa decisão sem reservas;
(iii) O Acórdão recorrido condenou a Recorrente com base no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) o depósito em numerário realizado pelo Recorrido junto da B subsumia-se no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, e (c) a omissão pela Recorrente do seu dever de fiscalização da actividade da 1.ª Ré, consagrado no artigo 30.º, alínea 5), do dito Regulamento, é o factor que precipitou a sua responsabilização pelo incumprimento por banda da 1.ª Ré do contrato de depósito que celebrara com o Recorrido;
(iv) O Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(v) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(vi) A interpretação do referido artigo 29.º professada no Acórdão recorrido importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(vii) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(viii) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
(ix) Por conseguinte, o artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(x) Se o legislador tivesse querido instilar-lhe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(xi) O Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29.º e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
(xii) Não há relação de causa – efeito entre a fiscalização pela concessionária ou subconcessionária da actividade do promotor de jogo e o cumprimento por este das suas obrigações contratuais; pode haver fiscalização, seguida de incumprimento, como pode haver falta de fiscalização seguida de cumprimento;
(xiii) Daqui resulta que a omissão do dever da concessionária ou subconcessionária, estabelecido pelo artigo 30.º, alínea 5), do Regulamento, de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais do seu promotor de jogo, não explica, justifica, legitima, confere fundamento ou precipita a responsabilização solidária da concessionária ou subconcessionária com o promotor pelo incumprimento das obrigações contratuais deste;
(xiv) Tendo decidido em contrário, o Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação de lei substantiva, a saber, os referidos artigos 29.º e 30.º, alínea 5), do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.

Contra-alegando, aponta o Autor para sentido de negar provimento aos recursos, mantendo-se o acórdão ora recorrido.
Foram corridos vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos
Nos autos deu-se como provada a seguinte factualidade:
a) A 1ª R. foi estabelecida no dia 12 de Julho de 2006 em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau no dia 22 de Agosto de 2006, sob o nº 25221(SO); (alínea a) dos factos assentes)
b) O objecto da 1ª R. é a exploração das actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea b) dos factos assentes)
c) A 2ª R. foi estabelecida no dia 17 de Outubro de 2001 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau nesse mesmo dia, sob o nº 14917(SO); (alínea c) dos factos assentes).
d) O objecto da 2ª R. é a exploração dos jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea d) dos factos assentes)
e) No dia 24 de Junho de 2002, a 2ª R. assinou o “Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau” com a RAEM; (alínea e) dos factos assentes)
f) No dia 8 de Setembro de 2006, a 2ª R. assinou a “Primeira Alteração ao Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau” com a RAEM; (alínea f) dos factos assentes)
g) A 1ª R. é promotora de jogo desde 2005, com o nº E089; (alínea g) dos factos assentes)
h) Em função do “Contrato de promoção de jogos” e do “Acordo de autorização para concessão de crédito” celebrados entre a 1ª R. e a 2ª R., esta última permite à 1ª R. exercer a actividade de promoção de jogos e a actividade de concessão de crédito nos estabelecimentos por si explorados; (alínea h) dos factos assentes)
i) A 1ª R. constituiu a [Sala VIP] no estabelecimento explorado pela 2ª R.; (alínea i) dos factos assentes)
j) O A. abriu uma conta de jogo junto da [Sala VIP], com o nº XXXXXXXX; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
k) O A. abriu a conta de jogo com o objectivo de depositar numerário e fichas de jogo, facilitando o levantamento durante os jogos; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
l) No dia 21 de Abril de 2015, o A. depositou HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong) em ficha viva na [Sala VIP] explorada pela 1ª R.; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
m) Após o depósito da referida quantia, a 1ª R. emitiu ao A. um “Recibo de depósito de fichas”, de nº XXXXXX, com o seguinte conteúdo: “Certifica-se que A (depositante), nº de cliente: XXXXXXXX, depositou a quantia de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
n) O “Recibo de depósito de fichas” acima referido foi assinado pelo responsável da tesouraria da [Sala VIP] e pela testemunha presente no local, e também dele constava a assinatura do A.; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
o) No dia 21 de Agosto de 2015, o A. depositou novamente uma quantia de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong) em numerário na [Sala VIP] explorada pela 1ª R.; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
p) Após o depósito da referida quantia, a 1ª R. emitiu ao A. um “Recibo de depósito de fichas”, de nº XXXXXX, com o seguinte conteúdo: “Certifica-se que A (depositante), nº de cliente: XXXXXXX, depositou a quantia de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
q) O “Recibo de depósito de fichas” acima referido foi assinado pelo responsável da tesouraria da [Sala VIP] e pela testemunha presente no local, e também dele constava a assinatura do A.; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
r) Desde que efectuou os depósitos na [Sala VIP], respectivamente, nos dia 21 de Abril de 2015 e dia 21 de Agosto de 2015, no valor total de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), o A. nunca levantou tal quantia; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
s) Em Setembro de 2015 o A. pediu à 1ª R. a restituição da quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
t) A 1ª Ré não restituiu ao A. a quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
u) O Autor dirigiu-se pelo menos duas vezes à [Sala VIP] para o levantamento do depósito de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), mas foi sempre recusado pelos funcionários da [Sala VIP]; (resposta ao quesito nº 12 da base instrutória)
v) Desde então, o A. nunca conseguiu levantar a quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong) supracitada. (resposta ao quesito nº 13 da base instrutória)

3. O Direito
Há que apreciar as questões suscitadas pelas recorrentes/Rés.

3.1. Do recurso da 1.ª Ré B
Tal como se pode constatar nas conclusões por si apresentadas, pondo em causa a matéria de facto considerada provada pelo tribunal, a recorrente defende a sua desoneração da obrigação de restituir à Autora a quantia reclamada, alegando que “a admitir a relação de depósito que se fundou num talão, e, estando esses depósitos consubstanciados num registo informático interno da ora Recorrente, também há que aceitar quando o mesmo documento interno pertence à ora Recorrente demonstra que houve um levantamento dessa mesma quantia” e “constitui uma razão de desoneração da Recorrente perante o Recorrido” o facto “notório e conhecido” de ela ter sido “privada de inúmeros documentos e informação atinentes ao funcionamento” e “ter sido alvo de um desfalque na sua tesouraria”.
No acórdão ora recorrido e quanto à impugnação feita pela recorrente da matéria de facto, e após a transcrição dos factos postos em causa, diz o TSI que:
“A 1ª Recorrente criticou o Colectivo por este acreditar no depoimento das testemunhas e não ter valorado devidamente o teor do documento de fls. 160 e 161. Com este ela pretendia demonstrar que a quantia de 6 milhões depositada na conta do Recorrido foi levantada!
Sem mais, comecemos por este raciocínio desta 1ª Recorrente.
1) – Quem é que procedeu a tal levantamento? Não se sabe. Quem deve assumir este ónus de prova? Sem dúvida cabe à Recorrente porque é um facto extintivo do direito alegado pelo Recorrido/Autor. Pela vista, a Recorrente não o cumpriu.
2) – Quem é que tinha todo o poder de controlar o registo de depósito e levantamento de fichas? Sem dúvida era também esta 1ª Recorrente. Mais, o Recorrido/Autor provou o seu direito, procedendo ao depósito do valor na sua conta, aberta na sala da 1ª Recorrente.
3) – Por outro lado, conforme o registo de entradas e saídas constante de fls. 190, 192, 163 a 182 dos autos, data em que foi feito o alegado levantamento de fichas o Recorrido/Autor não estava em Macau.
4) – Conforme os factos considerados assentes, nunca foi dado poder a terceiro para movimentar as quantias depositadas na conta do Recorrido/Executado.
5) – Nesta óptica, não encontramos razões para acreditar as provas produzidas pelo Recorrido/Executado, e também inexistem elementos nos autos que permitam concluir pela apreciação errada das provas produzidas. Aliás, o que esta 1ª Recorrente está a fazer nesta parte do recurso é justamente atacar a convicção do julgador, o que não pode ser feito.
6) – Pelo que, é de julgar improcedente o recurso nesta parte interposto pela Recorrente, mantendo-se as respostas dadas pelo Colectivo aos quesitos 9º e 11º da Base Instrutória.”
Não se nos afigura merecer censura a decisão do TSI.
O que importa é que, face aos elementos probatórios carreados aos autos, se considera provado que o Autor chegou a depositar a quantia reclamada cujo levantamento foi recusado, pelo que improcede o argumento deduzido pela recorrente sobre a desoneração da obrigação de restituição da quantia.
A questão suscitada pela recorrente no presente recurso continua a prender-se com a decisão da matéria de facto.
Desde logo, é de reiterar aqui a posição uniforme deste TUI quanto aos poderes de cognição do TUI sobre a matéria de facto.1
É consabido que, em recurso cível correspondente a 3.º grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância conhece, em princípio, de matéria de direito e não de facto e a sua competência em apreciar a decisão de facto fica limitada, sendo que a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à matéria de facto é, em princípio, intocável, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Por exemplo, “Quando o Tribunal de Segunda Instância considere não provado um facto que esteja provado por meio de prova que constitua prova plena, pode o Tribunal de Última Instância alterar a decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 649.º do Código de Processo Civil”.2
No presente caso, tomando em consideração os elementos probatórios indicados pela recorrente, evidentemente não se vê a verificação da situação prevista na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, que permite a intervenção do TUI na decisão de matéria de facto do TSI.
E a recorrente nem sequer chegou a indicar qualquer norma legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Quanto ao “avultado desvio de fundos” e desaparecimento de “inúmeros documentos internos”, alegado pela recorrente no presente recurso, é de salientar que tal facto, “notório e conhecido” no seu entendimento, não tinha sido alegado no recurso interposto para o TSI, independentemente de se tratar realmente do facto notório, pelo que não foi apreciado e, em consequência, também não pode ser conhecido pelo TUI.
Conclui-se pela manifesta improcedência do recurso.

3.2. Do recurso da 2.ª Ré C
A recorrente põe em questão a sua condenação solidária no pagamento da quantia reclamada pela Autora.
Imputando a violação e errada aplicação dos art.ºs 29.º e 30.º, al. 5) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, alega a recorrente que, sendo este um regulamento complementar, o seu art.º 29.º regulamenta o n.º 3 do art.º 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação, e não perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo contraídas no exercício da própria empresa, enquanto a omissão do dever da concessionária ou subconcessionária, estabelecido pelo art.º 30.º, al. 5) do Regulamento, de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais do seu promotor de jogo, não explica, justifica, legitima, confere fundamento ou precipita a responsabilização solidária da concessionária ou subconcessionária com o promotor pelo incumprimento das obrigações contratuais deste.
Ora, sobre a questão de responsabilidade solidária da concessionária, este Tribunal de Última Instância já foi chamado, por várias vezes, para emitir a pronúncia, em processos onde se discute também a mesma questão suscitada pela ora recorrente.3
É de lembrar que, no acórdão proferido em 19-11-2021 no Processo n.º 45/2019, já transitado em julgado, o TUI fez uma análise profunda sobre a questão e expôs o seu entendimento quanto à interpretação do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 e da sua relação para com o art.º 23.º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, tendo concluído pela responsabilidade solidária das concessionária perante terceiros, dado que «o art. 23º da Lei n.º 16/2001 (“Lei do jogo”), e o art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, sobre a “actividade de promoção de jogos”, tem sentido e alcance distintos: enquanto no dito art. 23º (da “Lei do jogo”) se prevê uma responsabilidade da concessionária de jogo para com a “entidade concedente”, o art. 29º do referido Regulamento Administrativo impõe àquela uma responsabilidade (solidária) “perante terceiros”» (cfr. sumário do acórdão).
É de manter a posição exposta nesse acórdão, não se vislumbrando razão para a alterar, pelo que remetemos para a fundamentação constante do mesmo acórdão, que se mostra válida e adequada também ao presente caso.
E concluído pela responsabilidade solidária das concessionárias perante terceiros, nos termos do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, independentemente da aplicação da al. 5) do art.º 30.º, não há necessidade de conhecer da questão suscitada pela recorrente e relacionada com a aplicação desta norma.
Acresce que, tal como a própria recorrente fez notar, ela foi condenada pelo acórdão recorrido “com base no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002”.
Improcede o recurso da 2.ª Ré.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos.
Custas pelas recorrentes, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs para cada.
Notifique (enviando-se cópia do acórdão proferido no Processo n.º 45/2019).

28 de Janeiro de 2022
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
                   
1 Cfr. Ac.s do TUI, de 11-3-2008, Proc. n.º 51/2007, de 4-6-2014, Proc. n.º 12/2013, de 10-6-2020, Proc. n.º 48/2020, de 26-6-2020, Proc. n.º 66/2020, de 10-12-2021, Proc. n.º 21/2020 e de 17-12-2021, Proc. n.º 140/2021, entre outros.
2 Ac. do TUI, de 23-4-2003, Proc. n.º 6/2003.
3 Cfr. Ac.s do TUI, de 19-11-2021, Proc. n.º 45/2019, de 12-1-2022, Procs. n.ºs 50/2020 e 76/2020, e de 19-1-2022, Proc. n.º 121/2020.
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Processo n.º 34/2020