打印全文
Processo n.º 173/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 19 de Maio de 2022

Assuntos:

- Diferença entre a autorização para o exercício da medicina na RAEM e a para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, no âmbito do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março


SUMÁRIO:

I – Uma vez que as Recorrentes concluíram o internato complementar de obstetrícia e ginecologia no Centro Hospital Conde de S. Januário e são médicas inscritas nos Serviços de Saúde, estão autorizadas a exercer medicina na RAEM. Quando, em 16 de Dezembro de 2016, as Recorrentes requereram aos Serviços de Saúde a autorização para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, o que elas pediram foi a autorização para a prática de determinados actos médicos, ou seja, aqueles que implicam o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida.
II – Tais actos podem ser enquadrados num campo específico do saber médico que é a chamada medicina de reprodução, a qual, por sua vez, e à luz do enquadramento legal vigente à data da prática dos actos administrativos resultante do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março, não constitui uma especialidade médica, mas apenas, quando muito, uma subespecialidade da especialidade da ginecologia/obstetrícia.
III - Uma iniciativa procedimental das Recorrentes que não reclamava por parte da Administração um verdadeiro acto autorizativo, uma vez que a lei não prevê a competência da Administração para conceder autorização a um médico já licenciado para exercer a profissão para a prática de específicos actos médicos, nem isso, aliás, faria qualquer sentido. Bem vistas as coisas, o acto contenciosamente recorrido não constitui um acto de indeferimento de uma autorização, mas sim consubstancia uma proibição antecipada da prática de determinados actos médicos por parte das Recorrentes.
IV – Nesta matéria, importa distinguir duas realidades diferentes: uma é a actividade de autorização do exercício privado da profissão médica, que é feita ao abrigo das normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M; outra, diferente, é a actividade fiscalização do concreto exercício dessa profissão, que pode resultar em actos de proibição, em regra repressiva ou sucessiva, mas podendo, como no caso em apreço, ser preventiva, cujo fundamento legal seguramente se encontra em outras normas legais que não aquelas antes citadas e que, erradamente, serviram de fundamento jurídico ao acto contenciosamente recorrido.
V - No caso, só esta segunda actividade é que está em causa, pela simples razão de que, por um lado, as Recorrentes já são titulares de licença para o exercício privado da profissão médica, que, potencialmente, as autoriza a praticar todo o tipo de actos médicos, em especial na área da especialidade da ginecologia/obstetrícia e, por outro lado, não está em causa a ampliação dessa licença de modo a abranger outra especialidade médica para além da já licenciada, pelo que, contrariamente ao doutamente decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, a Administração tenha incorrido em erro de direito ao fundar a prática do acto nas normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, o que se impõe à revogação da sentença recorrida e à anulação do acto administrativo ora posto em crise.


O Relator,

_______________
Fong Man Chong



















Processo n.º 173/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 19 de Maio de 2022

Recorrentes : - A
- B

Entidade Recorrida : - Director dos Serviços de Saúde (衛生局局長)

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
A e B, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 10/11/2021, que julgou improcedente o recurso contencioso, veio, em 07/01/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 190 a 212, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, que julgou improcedente o recurso contencioso em que foi pedida a declaração da nulidade ou a anulação do Despacho do Director dos Serviços de Saúde, que decidiu não autorizar o pedido para a utiiização da PMA, realizado pelas Recorrentes em 16 de Dezembro de 2016;
b) O Tribunal a quo considerou como factos assentos que a Recorrente A e a Recorrente B são médicas inscritas nos Serviços de Saúde, e tinham concluído, com o aproveitamento curso de formação complementar no interior da China;
c) O Digno Magistrado do M.P. emitiu o douto parecer a favor da procedência do presente recurso contencioso, entende que os actos recorridos consubstanciarão uma violação do principio da legalidade, por desrespeitadores do principio da reserva de lei, afigura-se que o recurso interposto merecerá obter provimento, assim se impondo anular o(s) acto(s) recorrido(s);
d) Ao contrário o que o Tribunal a quo entendeu, as Recorrentes não argúem a ilegalidade normativa julgada anteriormente pelo TSI no Proc. n.º 52/2019, mas visam demonstrar a legalidade dos actos de indeferimento em concreto, nomeadamente, as razões para rejeitar a autorização invocadas pela Entidade Recorrida consubstanciam em concreto os dispostos das alínea 2 e 3 do artigo 7.º das Instruções, ou faltam de base legal, ou ainda porque os requisitos da avaliação interna são contrários ao princípio da reserva da lei - cfr. artigos 63.º a 76.º da P.I. do recurso contencioso;
e) Os actos recorridos não podem regular normativa mente as actividades de utilização de técnicas de PMA, mas pretendem limitar e definir, sem qualquer Intervenção do Governo da RAEM, regulamentação de serviços de saúde, no que toca à prestação de tratamentos e cuidados de saúde a casais que querem e merecem ter o direito a constituir uma família e à promoção de um específico serviço de medicina e saúde e ao seu desenvolvimento, nomeadamente através da utilização de técnicas de PMA, por médicos licenciados, limitando-se o acto administrativo a acolher um parecer de uma comissão criada ao nível do subsistema de cuidados de saúde generalizados;
f) Certo é que a Entidade Recorrida sabe bem que o Decreto-Lei n.º 84/90/M não estabelece regras para a utilização de técnicas de PMA, caso contrário, os Serviços de Saúde não precisaria de aprovar as Instruções para a Utilização de Técnicas de PMA, nem necessitaria da consulta pública das Técnicas de PMA, cujo teor principal inclui: orientação legislativa e área de aplicação, normas de utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, requisitos e exigências de funcionamento para as unidades técnicas de prestação das técnicas de PMA, respectiva supervisão e regime sancionatório;
g) O próprio Tribunal Administrativo tinha entendido, no Proc. n.º 2612/17-ADM, que é sempre necessária uma lei no sentido formal, para regular os termos em que os particulares podem prestar serviços de PMA, cobrindo assim, inclusivamente as questão como "quem" o pode fazer (as exigências subjectivas), e como o poder fazer (as exigências objectivas);
h) Por sua vez, o TSI salientou, no Proc. n.º 52/2019, que outro aspecto que importa destacar aqui é o de que, no exercício de atribuições, a Administração Pública competente pode (e deve) fixar padrões uniforme que sirvam de critérios para avaliar as pretensões perante ela formuladas pelos particulares;
i) Nos presentes autos o M.P. entende também que a Entidade Recorrida carecerá de legitimidade/competência, poderes e/ou suporte legal suficiente(s) para actuar da forma-evidenciada nos autos, motivo pelo qual os actos recorridos consubstanciarão uma violação do principio da legalidade, por desrespeitadores do principio da reserva de lei;
j) As Recorrentes não podem deixar de referir que os requisitos exigidos pela Comissão Técnica de Procriação Medicamente Assistida são exactamente os mesmos que foram objecto do anterior recurso e que tocam matérias importantes e mexem com a política de saúde da competência exclusiva do Governo da RAEM;
k) Os critérios que a Comissão Técnica de Procriação Medicamente Assistida adoptou para dizer que as Recorrentes não dispõem de habilitações para utilizar as técnicas de PMA não têm base legal;
I) A única exigência legal é a dos médicos exercerem a sua actividade privada de prestação de cuidados de saúde nos termos do Decreto-Lei n.º 84/90/M, nomeadamente o n.º 2 do artigo 4.° que refere os requisitos legalmente exigidos;
m) Assim, não restam dúvidas de que os SSM antes de existir uma previsão legal criada por quem tem essa competência (que não é obviamente dos SSM) que regule a utilização das técnicas de PMA, e fixar padrões uniforme para a sua avalização/autorização, não podem limitar a prestação de serviços de PMA pelos particulares, e dizer quem o pode fazer e como o poder fazer, sob pena de violar o princípio da reserva da lei;
n) Nestes termos, ao decidir o contrário, a decisão do Tribunal a quo, infringe o artigo 123.° da Lei Básica da RAEM, por violação do princípio da reserva da lei;
o) Por outro lado, as Recorrentes não podem, salvo o devido respeito, concordar com o Tribunal a quo por entender que um ginecologista não pode utilizar as técnicas de PMA por não se tratar das actividades próprias da ginecologia;
p) Não se entende como se pode dizer que os médicos apenas podem ajudar na procriação natural. Pois, como é evidente, para a procriação natural um casal não precisa de ajuda médica. Ou seja, os médicos existem para tratar os doentes cuja cura não depende da natureza, mas sim da ciência médica;
q) Não existe nenhuma especialidade da procriação assistida em área individualizada da medicina, a procriação medicamente assistida pode apenas ser classificada como uma área da especialidade de ginecologia e não como uma nova especialidade médica.
r) A formação especializada de ginecologia e obstetrícia, por força do definido no anexo II, a que se refere o n.º 3 do artigo 35.° do DL n.º 8/99/M, inclui os estágios em medicina materno-fetal, endocrinologia reprodutiva; indicações execução, tratamento e prevenção de complicações das cirurgias ginecológicas; fisiologia e fisiopatologia na gravidez; avaliação do crescimento e desenvolvimento embrionário e fetal, são inequivocamente matérias relevantes para a procriação assistida;
s) Sabemos que não se exigia, nem existia licença, em 2016, para cada uma das subespecialidade ou técnicas de prestação de cuidados de saúde;
t) Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° do DL n.º 84/90/M não exige a formação complementar para a utilização de "subespecialidades" ou de técnicas médicas, ou seja de PMA, como também não existem exigências especiais para técnicas de contracepção masculina ou feminina, a única exigência existe apenas para os médicos das diferentes especialidades, sendo evidente que não existem especialidades de procriação medicamente assistida ou de contracepção;
u) Como a laqueação das trompas, introduções de pessário e de dispositivo intrauterino (DIU) não são técnicas médicas sujeitas a regulamentação especial, e é evidente que os ginecologistas tenham capacidade profissional para realizar as ditas técnicas;
v) Portanto, ao nível da especialidade de Ginecologia e obstetrícia, não se vislumbra uma distinção entre a procriação natural e procriação assistida, porque a ciência médica permite que o ginecologista possa realizar técnicas de procriação assistida que permitem ter filhos aos casais que por, motivos de saúde, não os podem ter de forma natural;
w) Certo é que os médicos de clínica geral, ginecologistas e obstetras, com licença dos Serviços de Saúde, no exercício da sua profissão, respeitando os respectivos princípios deontológicos, podem socorrer-se dos meios e técnicas da que não contrariem a lei;
x) A afirmação do Tribunal a quo sobre a 1.ª Recorrente não ter sido licenciada para a utilização das técnicas da PMA foi feita com base numa errada interpretação do art. 6.°, n.º 2, alínea a) do DL 84/90/M;
y) De facto, as Recorrentes são médicas inscritas nos Serviços de Saúde, estão habilitadas pela respectiva licença ao exercício da medicina, tendo formação complementar de PMA com experiência documentada que as permitem utilizar técnicas de PMA;
z) Na falta da previsão legal que exija uma formação complementar para as técnicas de PMA, as Recorrentes não são obrigadas a frequentar qualquer formação complementar de PMA, nem é obrigatório apresentar diplomas para demonstrar uma experiência profissional de 3 ou mais anos relativa a uma subespecialidade e técnicas de procriação assistida que não existem; e
aa) Deve, por isso, ser dado provimento ao recurso ora interposto e, em consequência, revogada a decisão recorrida e serem anulados os actos administrativos de indeferimento.
*
    A Entidade Recorrida, o Director dos Serviços de Saúde (衛生局局長), veio, 14/02/2022, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 219 a 233, tendo formulado as seguintes conclusões:
i. As Recorrentes vêm imputar à sentença recorrida a violação do artigo 123.° da Lei Básica, por violação do princípio da reserva de lei, e o erro na interpretação da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.
ii. As Recorrentes limitam o objecto do seu recurso aos vícios acima referidos, o que significa que aceitam a decisão do douto Tribunal a quo relativa à improcedência dos restantes argumentos por si aduzidos aquando da petição de recurso, incluindo que a utilização de técnicas de PMA carece, nos termos legais, de autorização prévia dos Serviços de Saúde.
iii. A Entidade Recorrida não pode conformar-se com o entendimento sufragado pelas Recorrentes, pelo que se impugnam todas as alegações de recurso.
iv. Andou bem o Tribunal a quo ao julgar que a questão objecto de apreciação nos presentes autos já não é a da ilegalidade normativa que tenha inquinado de novo os actos praticados, configurada no erro na aplicação das Instruções ilegais ou na violação da reserva de lei, mas sim a da ilegalidade concreta dos actos recorridos.
v. A argumentação das Recorrentes baseia-se nos fundamentos invocados pelos Venerandos Tribunais da RAEM quando foram chamados a pronunciar-se sobre um acto administrativo anterior praticado pela Entidade Recorrida que indeferiu o pedido de autorização para a utilização das técnicas de PMA, acto esse que, contrariamente ao dos presentes autos, foi praticado tendo por único fundamento o disposto nas "Instruções para a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida".
vi. Para fazer valer a sua tese da alegada violação do artigo 123.° da Lei Básica, as Recorrentes citam a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo nos autos de recurso contencioso anterior, ou seja, no Processo n.º 2612/17-ADM, sentença essa que teve por objecto concreto de apreciação a (i)legalidade normativa das Instruções, o que não é o caso dos presentes autos.
vii. As Recorrentes fazem tábua rasa de que o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no Processo n.º 52/2019, e que confirmou a sentença anulatória anterior, julgou ilegais as tão propaladas Instruções por ter entendido que as mesmas continham algumas matérias, em particular nos artigos 2.° e 3.°, cuja regulamentação não pertence aos Serviços de Saúde, mas nunca pôs em causa a competência dos Serviços de Saúde para verificar se as Recorrentes possuem as qualificações necessárias para a utilização de técnicas de PMA, nem dos meios materiais (instalações e equipamentos) que permitam a execução dessas técnicas.
viii. A PMA pressupõe o exercício de um actividade deveras complexa e sensível, onde se misturam questões de ordem ética, emocional e jurídica com matérias estritamente técnicas, daí ser exigida uma necessária especialização aos médicos que pretendam utilizar técnicas de PMA.
ix. Recai sobre os Serviços de Saúde, na qualidade de serviço público competente em matéria de licenciamento das profissões e das actividades privadas de prestação de cuidados de saúde, a tarefa de analisar se os médicos que pretendem utilizar as técnicas de PMA possuem as competências necessárias para o exercício dessa actividade e se dispõem dos meios técnicos (humanos e materiais) que lhes permitam a sua utilização sem colocar em perigo a saúde e a vida dos cidadãos e o interesse público subjacente, podendo para esse efeito fixar critérios uniformes para avaliar as pretensões dos requerentes quanto à utilização destas técnicas, nomeadamente no que se refere às qualificações e experiência profissional exigidas.
x. Competia, nos termos legais, à Comissão Técnica de Procriação Medicamente Assistida fixar os requisitos considerados absolutamente essenciais para a utilização de técnicas de PMA e competia às Recorrentes, segundo o princípio da repartição dos ónus de prova no recurso contencioso, demonstrar que preenchiam os requisitos constitutivos do seu direito à autorização para utilização das técnicas de PMA, demonstração essa que elas se recusaram a fazer apesar do convite da Entidade Recorrida nesse sentido.
xi. Carece, assim, de fundamento legal a narrativa das Recorrentes de que "os requisitos exigidos em causa são exactamente os mesmos que foram objecto do anterior recurso e que tocam matérias importantes e mexem com a política de saúde da competência exclusiva do Governo da RAEM - tal como foi referido pelo Tribunal de Segunda Instância, no Ac. n.º 52/2019" (cfr. artigo 20 das alegações de recurso), até porque as matérias contidas no artigo 7.º das aludidas Instruções dizem respeito às qualificações médicas necessárias para a utilização de técnicas de PMA, matéria essa que é da inteira responsabilidade e competência dos Serviços de Saúde.
xii. Andou bem o douto Tribunal a quo ao julgar improcedente os fundamentos invocados pelas Recorrentes nos artigos 63.º a 76.º da petição inicial, uma vez que nos presentes autos as mencionadas Instruções não foram chamadas à colação como fundamento normativo que vincula a prática dos actos recorridos.
xiii. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido não infringiu o artigo 123.º da Lei Básica, por violação do princípio da reserva de lei, antes analisou cuidadosamente os actos recorridos em concreto e concluiu pela sua legalidade.
xiv. Salvo o devido respeito por opinião diversa, é inequívoco o erro em que incorrem as Recorrentes, que continuam a ignorar a enorme complexidade e as implicações de ordem ética e jurídica inerentes à utilização das técnicas de PMA, equiparando-as, pasme-se, às técnicas utilizadas na procriação natural.
xv. As Recorrentes, pela profissão que exercem, têm obrigação de saber distinguir a procriação natural da procriação medicamente assistida e esta falta de conhecimento acaba por reforçar a decisão da Entidade Recorrida no sentido de que as qualificações de que elas são detentoras não preenchem os requisitos mínimos essenciais na área da PMA.
xvi. Afirmações como "ao nível da especialidade de Ginecologia e obstetrícia, não se vislumbra uma distinção entre a procriação natural e procriação assistida" e "não se entende como se pode dizer que os médicos apenas podem ajudar na procriação natural. Pois, como é evidente, para a procriação natural um casal não precisa de ajuda médica" (cfr., respectivamente, os artigos 32 e 23 das alegações de recurso) são demonstrativas do despudor das Recorrentes, talvez justificado pela falta de argumentos válidos capazes de determinar a procedência dos seus pedidos.
xvii. Ultrapassada a questão da necessidade de autorização prévia pelos Serviços de Saúde para a prática das técnicas de PMA, autorização essa que a Entidade Recorrida sempre defendeu, que o Tribunal a quo sufragou e que nos presentes autos de recurso jurisdicional não é objecto de impugnação por parte das Recorrentes, importa sublinhar a justeza da sentença recorrida quanto ao alcance da autorização atribuída pelas licenças emitidas pelos Serviços de Saúde às Recorrentes.
xviii. Conforme salienta o Tribunal a quo, atento o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, os profissionais de saúde autorizados a exercer a profissão de médico na RAEM só podem praticar as actividades médicas em geral ou as actividades especializadas para as quais demonstraram, no âmbito do respectivo procedimento de licenciamento, possuir as adequadas capacidades profissionais.
xix. As Recorrentes não foram licenciadas para a utilização das técnicas de PMA, mas apenas e tão-só para o exercício das actividades médicas relacionadas com a procriação natural, porquanto o recurso às técnicas de PMA pelas Recorrentes só é possível após a necessária autorização pela entidade competente.
xx. Parafraseando a sentença recorrida, "não é conatural ao exercício da profissão por médico já licenciado a utilização das técnicas da PMA, para a qual é necessária a prática de novo acto de licenciamento, que compete ao Director dos Serviços de Saúde" (cfr. página 19).
xxi. Por força do princípio da competência que rege a actividade administrativa, a utilização das técnicas de PMA carece de autorização administrativa, sendo que os Serviços de Saúde são a entidade competente para apreciar o pedido das Recorrentes para a utilização destas técnicas.
xxii. E, atento o princípio da repartição dos ónus de prova no recurso contencioso, deveriam as Recorrentes ter demonstrado a verificação das condições necessárias ao reconhecimento das habilitações por elas adquiridas fora de Macau ou Portugal, conforme dispõem os artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, o que não aconteceu, como é pormenorizadamente explicado nas páginas 20 a 24 da sentença recorrida, para as quais remetemos por questões de economia processual.
xxiii. O Tribunal a quo fez uma análise aprofundada das habilitações das Recorrentes, concluindo fundamentadamente que os documentos constantes nos autos não são suficientes para comprovar a sua capacidade profissional para o exercício da PMA.
xxiv. As Recorrentes não lograram demonstrar à Entidade Recorrida, no decurso do processo instrutor, nem ao douto Tribunal a quo, no âmbito dos presentes autos de recurso contencioso, que a sua pretensão substantiva merecia acolhimento por estarem reunidos os requisitos legalmente estatuídos no artigo 4.°, na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.° e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, caindo, assim, por terra toda a argumentação das Recorrente quanto à errada interpretação pelo Tribunal a quo da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° do referido diploma.
xxv. Face a tudo o que antecede, andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, visto que a sentença recorrida não viola o artigo 123.° da Lei Básica, não enferma do erro na interpretação da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, nem padece de quaisquer outros vícios.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 242 a 246 dos autos, pugnando pelo provimento do presente recurso jurisdicional.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- As ora Recorrentes são médicas inscritas nos Serviços de Saúde (A com o n.º M-2062, e B, com o n.º M-1498) (conforme os docs. juntos a fls. 85 e 122 do P.A. vol. 1).
- A Recorrente A é titular do curso de Licenciatura em Medicina, quem tenha concluído o internato geral em 1995, e o internato complementar, tendo obtido por conseguinte o grau de Assistente em Obstetrícia e Ginecologia em 2005 (conforme os docs. juntos a fls. 471 e 473 a 475 do P.A. vol. 2).
- A mesma concluiu com aproveitamento um curso de formação complementar no período entre Julho de 2014 e Junho de 2015, em C no interior da China (conforme os docs. 25 e 26 juntos a fls. 75 a 78 dos autos).
- Além disso, concluiu um outro curso de formação no período entre 6/7/2015 e 28/6/2016 em D, no interior da China (conforme o doc. 27 junto a fls. 79 a 80 dos autos).
- A Recorrente B é titular do curso de Licenciatura em Medicina Clínica ministrado pela Universidade E, quem tenha concluído o Internato Geral junto dos Serviços de Saúde em 2013 (conforme os docs. juntos a fls. fls. 437 a 439 do P.A. vol. 2).
- A mesma passou o exame no F, G, adquirindo o Diploma in Family Medicine (conforme o doc. 28 junto a fls. 81 dos autos).
- A mesma concluiu com aproveitamento um curso de formação complementar no período entre Maio de 2013 e Abril de 2015, em C no interior da China (conforme os docs. 29 e 30 juntos a fls. 82 a 85 dos autos).
- Também o curso de formação no período entre 1/9/2016 e 31/8/2017 em D, no interior da China (conforme o doc. 31 junto a fls. 86 a 87 dos autos).
- Em 16/12/2016, as Recorrentes requereram aos Serviços de Saúde a autorização para a utilização das técnicas da procriação medicamente assistida (conforme os docs. juntos a fls. 53 a 88 e 90 a 125 do P.A. vol. 1).
- Em 31/7/2017, pelos ofícios n.ºs 2568/OF/UTLAP/2017 e 2569/OF/UTLAP/2017, foi notificado às Recorrentes o indeferimento dos seus requerimentos apresentados (conforme os docs. juntos a fls. 138 a 141 do P.A. vol. 1).
- Em 29/8/2017, da supra-referida decisão foi interposto pelas Recorrentes o recurso contencioso no Tribunal Administrativo (processo n.º 2612/17-ADM).
- Por sentença proferida em 3/10/2018, foi anulada a decisão recorrida, com base na ilegalidade da norma em que se fundou o acto praticado, sentença essa que veio a ser confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância em 18/7/2019.
- Em 17/4/2020, a Recorrida dirigiu às Recorrentes os ofícios n.º 796/OF/UTLAP/2020 e n.º 797/OF/UTLAP/2020, com o seguinte teor:
“…
就中級法院第52/2019號卷宗之決議,本局重新審議台端申請提供輔助生殖服務之事宜,根據醫學輔助生殖技術委員會之意見,台端在仁伯爵綜合醫院已完成婦產科專科培訓,離職後曾到內地醫院輔助生殖中心接受輔助生殖方面的培訓,而台端所提供的培訓證書只由輔助生殖中心發出,且缺乏相關臨床實踐經驗之證明。故此,台端必須補交以下資料後再作分析:
1.輔助生殖中心所屬醫院簽發之培訓證書,連同培訓的具體資料,包括培訓內容、培訓方式、培訓的病例登記(logbook)、考核形式及分數,以明確台端培訓的實際情況。
2.台端近年臨床實踐的相關資料,包括每年執行多少病例、採取的輔助生殖方式、具體個案及合併症的處理等,以證實台端具備足夠的臨床實踐經驗。
...” (cfr os docs. juntos a fls. 61 a 62 dos autos).
- Em 18/6/2020, as duas Recorrentes responderam o seguinte:
“...
A及B,(兩人以下簡稱“申請人”),於2020年4月26日收到上指發函編號(796/OF/UTLAP/2020)之通知書,當中要求申請人必須補交資料(輔助生殖中心所屬醫院簽發培訓證書,連同培訓的具體資料,以及近年臨床實踐的相關資料)才作分析有關申請輔助生殖服務事宜,現向局長 閣下提出如下闡述,並且要求作出如下解釋及提供相關資訊:
首先,申請人的訴訟代理人於2020年3月13日收到發函編號 (624/OF/UTLAP/2020)之回覆,當中認定“…有關決定A醫生和B醫生提出的申請,現屬衛生局唯一及專屬的權限。... ”,在此必須提及,局長 閣下曾根據2017年5月10日《澳門特別行政區公報》刊登的第12/SS/2017號批示《關於使用醫學輔助生殖技術的指引》中「倘使用醫學輔助生殖技術提供醫療服務,應向本局申請預先許可」而不批准申請人的申請,但該決定最終已被中級法院及行政法院的已確定裁判宣告撤銷及認定《關於使用醫學輔助生殖技術的指引》是違反法律規定而制定。
換言之,在現行澳門法律制度當中,並沒有任何法律或行政法規規範制定限制符合那些資格的實體才可進行醫學輔助生殖技術,故申請人不明白為何局長 閣下認為申請屬衛生局唯一及專屬的權限,現向局長 閣下請求指出「申請屬衛生局唯一及專屬的權限」之相關法律依據及理據。
其次,局長 閣下根據醫學輔助生殖技術委員會之意見要求申請人必須補交發函編號(796/OF/UTLAP/2020)中指出的資料後再作分析申請人的申請,申請人在澳門現行的法律或法規規範中未見有任何規定申請醫學輔助生殖技術項目是必須提交發函編號(796/OF/UTLAP/2020)中指出的資料,故現向局長 閣下請求指出有關申請開展醫學輔助生殖技術項目必須提交的資料之相關規定及附上其內文。
另外,局長 閣下在發函編號(796/OF/UTLAP/2020)中指出補交資料“以證實台端具備足夠的臨床實踐經驗”,為著善意原則及行政當局與私人合作原則,申請人欲了解在醫學輔助生殖技術委員會或衛生局相關部門的審查標準中,何謂「具備足夠的臨床實踐經驗」,例如:是必須每年執行多少病例?或是須曾處理多少個案?才能達到衛生局的要求及才能獲衛生局證實是具備足夠的臨床實踐經驗。因此,現向局長 閣下請求詳細解釋何謂「具備足夠的臨床實踐經驗」,並且具體指出審查的實質標準(包括但不限於是必須每年執行多少病例?必須採取甚麼的輔助生殖方式?曾處理多少個案及合併症? )是為何,以及提供其相關依據及內容。
倘有任何疑問請與申請人聯絡,以及煩請儘快回覆!
…” (cfr. o doc. junto a fls. 63 e v dos autos).
- Em 31/7/2020, a Recorrida dirigiu às Recorrentes os ofícios n.º 1959/OF/UTLAP/2020 e n.º 1960/OF/UTLAP/2020, com o seguinte teor:
“...
台端之來函已收悉,就台端補交資料之事宜要求本局提出相關之法律依據,本局回覆如下:
1.就發出提供衛生護理服務的執照所涉及的職責和權限事宜,根據十一月十五日第81/99/M號法令第八條第二款e)項的規定,本人具有以下權限:
“根據法律之規定,發給、中止及取消從事提供衛生護理及藥物護理之職業及業務所需之准照及執照”
2.另一方面,根據十二月三十一日第84/90/M號法令第二及四條的規定,該法第一條所指之專業人士及實體所提供之衛生護理服務為一項具公共利益之業務,而該業務為澳門特別行政區衛生體系之組成部分。從事相關業務只有在發出執照後才允許,發出執照之目的為審查是否已具備從事職業或業務所要求之法定要件”。而根據同一法令第五條第一款a)項的規定,發出執照的其中一項法定要件是必須具有任職能力,即持有該法令所要求的學歷及/或專業資格,而專科醫生的任職能力是具有授予學士學位或具有依法獲認可具等同於學士學位證書之醫科高等課程,以及專業補充培訓課程及專科補充培訓課程(第六條第二款a)項)。
3.基於澳門並不存在所審議的領域的專科補充培訓課程,考慮到隱藏於相關活動背後之公共利益,衛生局有義務評審申請人所獲得的專科補充培訓課程對其欲於澳門特別行政區從事相關衛生護理的業務是否適宜。
4.綜上所述,根據法律規定,本局有權審查台端的專科培訓是否適宜從事所申請執照所涉及的職業。
...”(cfr. os docs. juntos a fls. 64 a 65v dos autos).
- Por despacho de concordância do Director dos Serviços de Saúde de 30/11/2020, exarado no relatório n.º 2497/NI/UTLAP/2020, datado de 25/11/2020, foram indeferidos os requerimentos das Recorrentes para a autorização da utilização das técnicas da procriação medicamente assistida.
- Do dito relatório consta o seguinte:
“...
就中級法院裁決後A醫生及B醫生申請提供醫學輔助生殖服務之事宜,本科提供資料及意見如下:
1.遵照局長於2019年12月13日在第2783/NI/UTLAP/2019號內部工作備註的同意 批示,為跟進中級法院之裁判而有必要重新審議A醫生及B醫生申請提供醫學輔助生殖服務資格之事宜,本局分別發出第3855/OF/UTLAP/2019號及 3856/OF/UTLAP/2019號信函予A醫生及B醫生,通知有關事宜及提交補充資料。(見附件一)
2.於2020年1月6日收到A醫生及B醫生授權律師之來函,就衛生局跟進中級法院裁決之行為提出不滿。醫學輔助生殖技術委員會於2020年3月13日就 二人授權律師之來函進行會議討論。本科遵照局長於2020年4月17日在第 478/NI/UTLAP/2020號內部工作備註的同意批示,分別發出第796/OF/UTLAP/2020號及797/OF/UTLAP/2020號信函A醫生及B醫生,通知根據醫學輔助生殖技術委員會之意見,要求二人提交指定的補充資料後再分析其提供輔助生殖服務之資格。(見附件二)
3.於2020年6月23日收到A醫生及B醫生之聯名來函,要求本局提出關 於審批資格之相關法律依據。醫學輔助生殖技術委員會於2020年6月30日就二 人聯名來函進行會議討論。遵照局長於2020年7月31日在第1427/NI/UTLAP/2020號內部工作備註作出同意批示,本局透過第1959/OF/UTLAP/2020號信函及第1960/OF/UTLAP/2020號信函,將醫學輔助生殖技術委員會之意見分別回覆A醫生及B醫生。(見附件三)
4.於2020年8月18日收到A醫生及B醫生聯名來函,就本局發出之第 1959/OF/UTLAP/2020號信函作出回應及提問,故此,本科於2020年9月16日上呈第1918/NI/UTLAP/2020號內部工作備註,提請法律辦公室就草擬的第 2472/OF/UTLAP/2020號及第2473/OF/UTLAP/2020號函件(回覆A醫生及B醫生)提供技術意見。(見附件四)
5.應法律辦公室之口頭意見,於2020年10月16日醫學輔助生殖技術委員會進行會議,就2020年8月18日收到A醫生及B醫生聯名來函之事宜作出討論 (見上述第4點),該會議記錄轉交法律辦公室(見附件五)。
6.本科於2020年11月19日收到法律辦公室第103/GJ/2020號意見書,就本科第 1918/NI/UTLAP/2020號內部工作備註作出回應(見上述第4點),該意見書之簽 署人(法律辦公室協調員)指出由於其為負責分析A醫生及B醫生申請之委員會成員,建議局長收回審理現分析之問題。(見附件六)
7.本科於2020年11月19日收到行政法院之423號函件,有關案卷編號 438/20-DPAALD,函件指衛生局可就A醫生及B醫生之請求提交答辯。(見附件七)
8.於2020年11月24日醫學輔助生殖技術委員會舉行會議,對A醫生及B醫生申請提供輔助生殖技術服務之事宜作出審批建議。根據醫學輔助生殖技術委員會的討論結果,委員會認為根據現有的申請資料及澳門醫學專科學院的名單資料,A醫生具備婦產科專科學院院士資格,而B醫生不具備婦產科專科學院院士資格。同時,A醫生及B醫生沒有提交培訓科室所屬醫院簽發之培訓證書及培訓的具體資料,包括培訓內容、培訓方式、培訓的病例登記(logbook)、考核形式及分數,委員會無法了解其培訓的實際情況。另外,A醫生及B醫生也沒有提交近年臨床實踐的相關資料,包括每年執行多少病例、採取的輔助生殖方式、具體個案及合併症的處理等,以證實其具備足夠的臨床實踐及經驗。現時委員會無法確定二人曾有三年持續接受醫學輔助生殖培訓或具有近期不少於三年醫學輔助生殖領域的工作經驗,建議否決A醫生及B醫生申請提供醫學輔助生殖服務之事宜。(見附件八)
9.倘若上級同意上述第8點有關醫學輔助生殖技術委員會之審議意見,不予批准A醫生及B醫生提供醫學輔助生殖技術服務,現為快捷起見,本科草擬第 3204/OF/UTLAP/2020號及第3205/OF/UTLAP/2020號函件予A醫生及B醫生,並草擬第3264/OF/UTLAP/2020號信函回覆二人之授權律師(見附件九),告知有關不予批准之決定。
…” (cfr. o doc. junto a fls. 583 a 585 do P.A. vol. 3).
- Por ofícios n.º 3204/OF/UTLAP/2020, e n.º 3205/OF/UTLAP/2020, ambos datados de 30/11/2020, foi notificada às Recorrentes a supra-referida decisão (cfr. os doc.s juntos a fls. 25 a 28 dos autos).
- Em 4/1/2021, da dita decisão foi interposto pelas Recorrentes o presente recurso contencioso.
* * *
    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:

I. Relatório

Recorrentes A e B melhor id. nos autos,
interpuseram o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade recorrida, Director dos Serviços de Saúde que, pelo seu despacho datado de 30/11/2020, decidiu não autorizar a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida.
*
Alegaram as Recorrentes com os fundamentos de fls. 2 a 16 dos autos, em síntese,
- a nulidade do acto recorrido pela ofensa ao direito fundamental dos inférteis;
- a anulabilidade do acto por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3.º do CPA;
- a violação do princípio da boa-fé e da colaboração; e
- a falta da fundamentação.
Concluíram, pedindo que seja declarado nulo ou anulado o acto recorrido.
*
A Entidade recorrida apresentou a contestação com os fundamentos de fls. 100 a 126 dos autos, na qual pugnou pela legalidade do acto, concluiu no sentido de ser o presente recurso julgado improcedente.
*
Ambas as partes apresentaram alegações facultativas, mantendo as conclusões anteriormente formuladas.
*
O Digno Magistrado do M.º P.º emitiu douto parecer a fls. 165 a 168v, promovendo no sentido de proceder o presente recurso, cujo teor aqui se transcreve:
“A e B, ambas médicas em exercício com autorização dos Serviços de Saúde, apresentaram recurso de decisão proferida pelo Director dos Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau, datada de 30 de Novembro de 2020, que lhes foi comunicada através dos ofícios nºs 3204/OF/UTLAP/2020 e 3205/OF/UTLAP/2020, e pela qual foram indeferidos os pedidos que tinham apresentado para utilização de técnicas de procriação medicamente assistida; a decisão ora sob recurso não só se baseia em Parecer emitido pela Comissão Técnica de Procriação Medicamente Assistida como se fundamenta também no facto de não terem apresentado junto da sobredita Comissão as informações que às ora Recorrentes tinham sido solicitadas para efeitos de apreciação das respectivas pretensões.
No recurso ora sob apreciação e para além do mais, as Recorrentes formulam abundantes conclusões que, seguindo-se a feliz síntese apresentada pela Entidade Recorrida na respectiva contestação, se podem resumir nas seguintes traves mestras:
– violação do direito fundamental de procriação de quem é infértil, consagrado no artigo 38.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
– violação do princípio da legalidade ínsito no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo;
– violação dos princípios da boa-fé e da colaboração consagrados, respetivamente, nos artigo 8.º e 9.º do CPA, e
– falta de fundamentação por violação do artigo 115.º do CPA.
Conforme melhor resulta de fls. 100 a 125, inclusive, a Entidade Recorrida apresentou contestação, rebatendo o argumentário das Recorrentes, intentando defender a legalidade do acto recorrido, assim concluindo pela improcedência do recurso contencioso ora sob análise.

Tendo sido, no momento próprio, reconhecido que os autos continham todos os elementos necessários à prolacção de decisão de mérito e tendo ambas as partes juntado aos autos alegacões, conforme disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, de harmonia com o estatuído no 69.º do mesmo diploma, passa-se a emitir parecer, nos seguintes termos:

No que à suposta violação do direito fundamental de procriação de quem é infértil, consagrado no artigo 38.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e ressalvado o devido respeito por distinto e melhor entendimento, afigura-se que o raciocínio das Recorrentes não poderá proceder, na exacta medida em que o mesmo parece confundir o direito de qualquer pessoa a, legitimamente, ter filhos (recorrendo, para o efeito e se tal for necessário/adequado a técnicas como a procriação medicamente assistida) com um eventual e correspondente “direito” de “qualquer pessoa” – desde que titular de diploma de medicina e legalmente autorizada a exercer em Macau – a prestar tal tipo de assistência numa área tão sensível como a da procriação, situação ainda mais delicada quando estaremos em face de pessoas que vivem um drama pessoal de dificuldade (quando não absoluta impossibilidade) em realizar aquele objectivo.
Na realidade, uma coisa é o direito de qualquer pessoa a ter filhos, outra coisa completamente distinta será, quer-se crer, o direito – ou o reconhecimento da possibilidade – de qualquer médico desenvolver actividades relacionadas com a procriação medicamente assistida, pois enquanto no primeiro caso estaremos a falar de um direito pessoal, ou pessoalíssimo, que poderá ser concretizado (ou concretizável) mediante o recurso a técnicas que exigem um específico conhecimento médico, no segundo caso não se vislumbra como o facto de o exercício de tais práticas apenas ser autorizado a determinados médicos e/ou em determinadas condições, por si só, violará aquele direito.
Não se ignora que a parte final do artigo 123.º da Lei Básica expressamente dispõe que “As associações sociais e os particulares podem prestar, nos termos da lei, serviços de medicina e saúde de qualquer tipo”, assim como não se ignora que inexiste, no sistema jurídico macaense, um regime que discipline especificamente a forma e requisitos da prática ou exercício da procriação medicamente assistida.
Mas tal não poderá significar que qualquer pessoa titular de diploma médico, ainda que reconhecido em Macau, possa exercer tal actividade, tanto mais que o normativo que se acaba de citar, pese embora se refira à prestação genérica de serviços medicina e de saúde de qualquer tipo, expressamente pressupõe, também, que tal(ais) actividade(s) seja(m) desenvolvida(s) nos termos da lei.
Assim sendo e mais se registando que, em sede da respectivas alegacões voluntárias, as Recorrentes “deixaram cair” o argumento acima referido, deverá considerar-se – como bem regista a Entidade Recorrida, devidamente respaldada, para além do mais, nos ensinamentos de José Cândido de Pinho – que se mostra restringido o anteriormente delineado âmbito do recurso, motivo pelo qual nada mais cumprirá dizer a tal respeito.

Isto posto e inexistindo qualquer diploma legal que regule a realização ou prestação de actividades relacionadas com a procriação medicamente assistida prestação e não cuidando aqui de recuperar as questões que se mostram já decididas por este mesmo Tribunal e /ou pelo TSI – cfr., respectivamente, fls. 29 a 38 e 39 a 56 – impõe-se esclarecer se, na realidade, a actuação da Entidade Recorrida enferma dos vícios que as Recorrentes lhe imputam?
Encontrando-se o licenciamento para licenciamento do exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde no território de Macau regulamentado pelo D.L. 84/90/M, de 31 de Dezembro, à luz do respectivo regime e na parte que ora releva, verifica-se que podem exercer a profissão de médico os indivíduos que possuam capacidade profissional, pressupondo esta as habilitações previstas no diploma em referência e que no caso constarão de “curso superior de medicina que confira o grau de licenciatura ou diploma reconhecido, nos termos da lei, neste grau, e formação complementar de profissionalização, tratando-se de médico de clínica geral, acrescida de formação complementar de especialização, se se tratar de médico especialista”, tudo como melhor resulta dos respectivos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, e 9.º.
Por sua vez, o D.L. n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, estabelece a estrutura orgânico-funcional dos Serviços de Saúde de Macau, cujas atribuições consistem, para além do mais, em “preparar e executar as acções necessárias à promoção e defesa da saúde e à prevenção da doença” e “Proceder à supervisão e apoiar as entidades que exercem actividades na área da saúde” – cfr., respectivamente, alíneas a) e d) do n.º 1 do respectivo artigo 3.º – sendo que, paralelamente e de harmonia com o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma, compete especialmente ao director dos SSM “Conceder, suspender e cancelar, nos termos da lei, as licenças e os alvarás previstos para o exercício das profissões e das actividades privadas de prestação de cuidados de saúde e farmacêuticos” (sublinhado do signatário).
Acresce, ainda, que “A apreciação técnica dos processos respeitantes à concessão de licenças ou alvarás para o exercício de profissões ou actividades privadas na área da saúde e ao registo de medicamentos é feita por comissões constituídas por técnicos experientes e com conhecimentos específicos”, cuja constituição e composição resultam de despacho do Director dos Serviços de Saúde de Macau, que mais tem competência para criar comissões técnicas que não as expressamente previstas na lei – cfr. n.ºs 1, 2 e 5 do artigo 26.º do diploma ora em referência.
À luz destes elementos e mesmo admitindo-se que os Serviços de Saúde de Macau terão procurado definir critérios de licenciamento para o exercício de uma “especialidade” tão sensível como é a do recurso a técnicas de procriação medicamente assistida, da forma mais objectiva possível e aplicáveis/aplicados de forma uniforme a todos os clínicos que pretendam obter autorização para disponibilizar tais técnicas, impõe-se não só reconhecer que persiste a inexistência de lei que regulamente, de forma expressa, o desenvolvimento de actividades de procriação medicamente assistida, como mais se impõe reconhecer o facto de as decisões postas em crise terem por base, conforme ab initio referido, um Parecer emitido pela Comissão Técnica de Procriação Medicamente Assistida.
Tendo-se como seguro que o desejável será que o legislador tome em mãos o encargo de definir, clara, objectiva e tão brevemente quanto possível, uma matéria tão sensível como a que está em apreço quando se fala em técnicas de procriação medicamente assistida, em que se entrelaçam os mais profundos problemas emocionais e éticos com questões de estrita componente técnica, impõe-se concluir afirmando que, enquanto tal não suceder, se afigura que a Entidade Recorrida carecerá de legitimidade/competência, poderes e/ou suporte legal suficiente(s) para actuar da forma evidenciada nos autos, motivo pelo qual os actos recorridos consubstanciarão uma violação do princípio da legalidade, por desrespeitadores do princípio da reserva de lei.
Assim sendo, sem necessidade de outros considerandos mas não se podendo deixar de registar, lamentando, o clima de “guerrilha” existente entre Recorrentes e Entidade Recorrida – assim se mostrando quebrados os princípios da boa fé e da colaboração (cfr., respectivamente, artigos 8.º e 9.º do Código do Procedimento Administrativo) que devem, também, reger as relações entre a Administração e os particulares – e ressalvado distinto e melhor entendimento, afigura-se que o recurso interposto merecerá obter provimento, assim se impondo anular o(s) acto(s) recorrido(s).”
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Fundamentação
1. Matéria de facto

Dos autos resulta provada a seguinte factualidade pertinente:
(...)
***

2. Matéria de direito

Do que se trata aqui é de um acto renovatório praticado na sequência da anulação judicial do acto anterior em que se tinha indeferido o pedido de autorização para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida.

Relativamente a este novo acto que venha a ser praticado, foram assacados por ora Recorrentes os múltiplos vícios de ilegalidade, que essencialmente convergem no seguinte:
- o exercício da actividade da procriação medicamente assistida por entidade privada (profissionais individuais ou entidades) que tenha obtido a autorização através do licenciamento ao abrigo das normas ínsitas no DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro não carece da nova autorização administrativa (conforme se alega nos artigos 29.º a 31.º, 34.º a 46.º da petição inicial),
- sem se conceder, para o caso de se entender ser necessária a autorização prévia, a Recorrida não é a entidade competente legalmente habilitada (conforme se alega nos artigos 48.º a 55.º da petição inicial),
- por outro lado, as ora Recorrentes nos termos do disposto das normas invocadas pela Recorrida, designadamente os artigos 4.º e 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, já detêm as habilitações necessárias para o exercício da actividade em causa (conforme se alega nos artigos 56.º a 62.º da petição inicial),
- o acto recorrido da recusa é ainda ilegítimo por tentar contornar a sentença anulatória anterior por ter buscado fundamentos nas “Instruções para a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida”, cuja ilegalidade fora judicialmente decretada (conforme se alega nos artigos 63.º a 76.º da petição inicial).

Como se vê, as ora Recorrentes para além de impugnar os fundamentos alegadamente “extra-legais” do acto recorrido – aquilo que decorriam da utilização camuflada das “instruções”, não deixaram de pôr em causa ainda os fundamentos legais do mesmo – as normas previstas nos artigos 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro. Estas últimas, embora não resultem directamente do acto recorrido datado de 30/11/2020, notificado através dos ofícios n.ºs 3204/OF/UTLAP/2020 e 3205/OF/UTLAP/2020, são aquelas que foram anteriormente referidas nos ofícios n.ºs 1959/OF/UTLAP/2020, e 1960/OF/UTLAP/2020, quando a Recorrida, à solicitação das Recorrentes, respondeu indicando fundamentos normativos nos termos dos quais lhes dirigiu o convite para apresentar os necessários elementos suplementares.

Assim, perfilhando a posição assumida pelo douto Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 44/2017, se tendo em consideração não apenas o teor literal do acto recorrido, como também os outros “elementos igualmente relevantes para a fixação do seu sentido e alcance, as circunstâncias que rodearam a sua prolação, nomeadamente os seus antecedentes procedimentais, o tipo de acto, bem como os elementos posteriores que revelem o sentido que a própria Administração lhe atribuiu”, as razões concretas nele invocadas não o fundamentam autonomamente, mas ao invés disso, concretizam ou densificam os preceitos legais que antes pela Recorrida foram invocados para justificar a sua exigência da entrega dos demais elementos comprovativos, e na falta desses elementos, o consequente indeferimento do requerido.

Neste sentido, sejam ou não da invocação adequada, as especificas razões referidas no acto recorrido que até pudessem coincidir materialmente com as exigências contempladas pelas ditas “instruções”, apenas deveriam ser apreciadas dentro daquele quadro legal concretamente aplicado pela Recorrida. Por outras palavras, ao contrário do que afirmaram as Recorrentes (conforme se alega nos artigos 63.º a 76.º da petição inicial), o que temos aqui já não é a questão da “ilegalidade normativa” que tenha inquinado de novo o acto praticado - o erro na aplicação das “instruções” ilegais ou a violação da reserva da lei - assim como sucedeu com a actuação administrativa anterior (Porque neste caso, não foram as mesmas chamadas à colação como fundamento normativo que vincula a prática do acto recorrido, mas sim o conjunto de factores de referência que orientam a emissão do parecer destinado ao mesmo acto, constante das fls. 523 a 524 do processo administrativo), mas sim a da ilegalidade concreta – tudo depende se a Recorrida fez uma boa aplicação das respectivas normas legais, quando lhes atribuir aquele alcance desejado. Pelo que devem improceder os fundamentos aqui invocados.

Apurada a fundamentação concreta em que se baseia o acto recorrido, vejamos as questões colocadas pelas Recorrentes. Começamos por analisar se o requerimento merecerá a autorização face ao quadro legal invocado – os artigos 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.

Na verdade, por deficiente que possa parecer, o dito diploma legal que veio ser substituído em parte pela Lei n.º 18/2020 (Regime da qualificação e inscrição para o exercício de actividade dos profissionais de saúde), ao momento da sua emanação, teve por intenção de introduzir uma regulamentação completa do exercício de prestação de actividades de saúde em regime privado, “aproveita-se a oportunidade para eliminar deficiências e lacunas que, com alguma frequência, têm gerado situações de dúvida, designadamente, no domínio do controlo que a Administração deve exercer sobre aquelas actividades” – conforme se depreende do respectivo preâmbulo.

Parece que à partida a utilização das técnicas da procriação medicamente assistida (doravante designada por “PMA”) por um médico privado, seja enquadrável, como “actividade prestador de cuidado de saúde em regime individual”- integra o âmbito da regulamentação a que se refere o artigo 1.º, n.º 1 do dito diploma. Assim, o exercício dessa actividade “só é permitido após licenciamento” que “tem por finalidade verificar se estão preenchidos os requisitos legalmente exigidos para o exercício da profissão ou da actividade” – nos termos do disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma. E na ausência das delegações das competências relativas à matéria em causa, a Recorrida – Director dos Serviços de Saúde – é a entidade competente para o licenciamento, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do dito diploma e do artigo 8.º, n.º 2, alínea e) do DL n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.

Ora, do que se patenteia do acto recorrido no caso dos autos, foi decidido o indeferimento dos requerimentos das Recorrentes para a autorização da utilização das técnicas da “PMA”. Como vimos, esses requerimentos dirigidos à Recorrida em 16/12/2016 tinham sido objecto do indeferimento notificado por ofícios n.ºs 2568/OF/UTLAP/2017 e 2569/OF/UTLAP/2017, que viria a ser anulado pelo Tribunal Administrativo. Foi, por conseguinte, em sede da execução da sentença anulatória transitada, praticado o acto renovatório de indeferimento, com base na inexistência ou insuficiência dos elementos demonstrativos da sua capacidade profissional para o exercício da actividade requerido – nos termos dos artigos 2.º, 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.

De acordo com a doutrina mais autorizada, quando no recurso se discute a validade de um acto de conteúdo negativo que “se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apesentada pelo particular”, importa ter presente que “neste domínio, não tem lugar a inversão, no plano processual das posições substantivas das partes a que atrás nos reportámos: como efeito, o recorrente é, aqui, o titular da pretensão substantiva, que pretende ver satisfeita com a emissão de um acto administrativo favorável”. E, conforme os casos em que a resposta da Administração por impugnações ou excepções - “se a Administração respondeu ao requerente por impugnação, alegando que não se preenchiam os pressupostos da pretensão do interessado e é isso que ele vem contestar no recurso, sobre o recorrente deve recair o risco da falta de prova do preenchimento dos pressupostos – para o que, naturalmente, se poderá valer dos elementos contidos no próprio processo burocrático do acto…”1.

Na subsunção do caso ao dito teorema, deverá caber às Recorrentes, a fim de fazer valer a sua posição substantiva, demonstrar que preenchiam dos pressupostos constitutivos do seu direito à autorização para utilização das técnicas da PMA, nos termos das normas legais que se invoca (conforme se alega nos artigos 56.º a 62.º da petição inicial).
Quanto a isto, temos por desde logo adquirido que as duas Recorrentes são ambas médicas licenciadas pelos Serviços de Saúde. A primeira questão é saber se as licenças que tenham sido concedidas ao abrigo do referido diploma legal são títulos bastantes para a utilização das técnicas da PMA.

O licenciamento para o exercício da profissão de médico em regime individual, a que se refere o artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do diploma, depende da verificação dos requisitos subjectivos elencados no artigo 5.º, n.º 1, entre os quais se destaca o de requerente ser possuidor da capacidade profissional – alínea a). “Possuir a capacidade profissional”, ao abrigo da cláusula geral estabelecida no n.º 1 do artigo 6.º, é “ser titular das habilitações académicas e ou profissionais exigidas neste diploma para o exercício da profissão a que respeita o licenciamento”, e além disso, “não sofrer das doenças impeditivas do exercício da profissional”.

A referida norma do artigo 6.º, no seu n.º 2, alínea a) mais exige no que respeita às habilitações necessárias para o exercício da profissão de médico o seguinte:
- “curso superior de medicina que confira o grau de licenciatura ou diploma reconhecido, nos termos da lei, neste grau,” e
- “formação complementar de profissionalização, tratando-se de médico de clínica geral, acrescida de formação complementar de especialização, se se tratar de médico especialista.”

Face a tal normativo, não obstante não terem sido identificadas de modo inequívoco nas licenças emitidas – onde se circunscreveu apenas à menção de “está autorizado(a) a exercer na Região Administrativa Especial de Macau a profissão de Médico” (conforme resulta dos docs. juntos a fls. 328 e 476 do processo administrativo) – ao que nos parece, não deixa de ser restrito o alcance da autorização atribuído pelas mesmas, que deva ser limitado às actividades médicas em geral ou às actividades especializadas para cujo licenciamento foram oportunamente demonstradas as capacidades profissionais aquando da decisão proferida no respectivo procedimento (Neste sentido, pela evidência das coisas, um ginecologista licenciado, por exemplo, não se encontra autorizado por força dessa licença, por exemplo, para exercer as actividades próprias da pediatria).

A actividade que aqui está em causa, a chamada Procriação Medicamente Assistida ou PMA distingue-se, por natureza, da procriação natural ou não assistida (“a que resulta da fecundação da célula reprodutiva feminina ou óvalo pela célula reprodutiva masculina ou espermatozóide através de relações sexuais entre um homem e uma mulher ainda mais frequentemente de homem e mulher que constituem um casal”), sendo aquela “a que resulta da fecundação da célula reprodutiva feminina ou óvulo pela célula reprodutiva masculina ou espermatozóide com assistência médica, tendo surgido inicialmente para auxiliar casais inférteis ou estéreis a procriar” 2. Pois, do que se trata aqui são das terapêuticas inovadoras introduzidas na sequência das investigações profundas efectuadas por autores ingleses sobre os fenómenos ligados à reprodução nos anos 60 e 70 do século passado, como sendo, por exemplo, hoje em dia utilizadas em Portugal – Inseminação Artificial (IA); Fertilização in Vitro (FIV); Microinjeção Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI); Transferência de Embriões Criopreservados (TEC).3

Parece-nos que a ora Recorrente A, melhor habilitada do que a outra segundo o que resulta dos autos, sendo titular do curso de Licenciatura em Medicina, quem tenha concluído não só o internato geral em 1998, como ainda o internato complementar, tendo obtido por conseguinte o grau de Assistente em Obstetrícia e Ginecologia em 2005, não foi licenciada para a utilização das técnicas da PMA. Por outras palavras, pelo licenciamento, a mesma tinha apenas capacidade profissional para a procriação natural, não a procriação assistida. Aliás, a matéria não se encontra incluída no âmbito do internato complementar que tinha sido concluído.4
Se isso é verdade, muito menos foi habilitada para a utilização das técnicas da PMA outra Recorrente B, que era titular do curso de Licenciatura em Medicina Clínica ministrado pela Universidade E, quem tenha concluído apenas o Internato Geral5 junto dos Serviços de Saúde em 2013, até que lhe foi autorizada a exercer a profissão de médico em 2014.

Em face do até aqui exposto, deve-se concluir que não é conatural ao exercício da profissão por médico já licenciado a utilização das técnicas da PMA, para a qual é necessária a prática do novo acto de licenciamento, que compete ao Director dos Serviços de Saúde.

A questão que vem em seguida é se para a utilização das técnicas da PMA, as ora Recorrentes lograram demonstrar sua capacidade profissional mediante os comprovativos das habilitações profissionais, no procedimento administrativo ou neste processo.

Importa que a norma do artigo 6.º, n.ºs 3 e 4 do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro não deixa de concretizar a exigência sobre os cursos considerados habilitação académica ou profissional para o exercício da respectiva profissão, nestes termos:
“…
3. Os cursos referidos no número anterior somente são considerados habilitação para o exercício da respectiva profissão se tiverem sido feitos em estabelecimentos de ensino de Macau ou de Portugal, legalmente autorizados a ministrá-los e forem oficialmente reconhecidos como válidos para o exercício da profissão ou, tratando-se de cursos obtidos fora de Macau ou de Portugal, tiverem sido feitos em estabelecimentos de ensino reconhecidos como idóneos para os ministrar por uma organização internacional e garantirem uma formação equivalente à dos cursos feitos em Macau ou Portugal.
4. São considerados idóneos os estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo.
…”

Além disso, acrescenta-se, em matéria da prova das habilitações, no artigo 7.º do diploma, o seguinte teor:
“Artigo 7.º
Prova das habilitações
A prova das habilitações faz-se por um dos seguintes meios:
a) Quando obtidas em estabelecimentos de ensino de Macau ou de Portugal, através de documento emitido pelo respectivo estabelecimento.
b) Nos restantes casos, mediante certificado de reconhecimento emitido pela Direcção dos Serviços de Educação ou pela Direcção dos Serviços de Saúde, consoante se trate de habilitações académicas ou profissionais, respectivamente.”

A partir da leitura conjunta das duas normas, a relevância das habilitações para o exercício da profissão regulada neste diploma consiste na verificação dos requisitos que tanto dizem respeito ao respectivo estabelecimento de ensino, como incidem sobre os cursos nele ministrados.

Ou melhor dizendo, tratando-se dos cursos feitos em estabelecimentos de ensino de Macau ou de Portugal, são conhecidos como habilitação, desde que se demonstra a existência dos seguintes elementos:
a. a autorização legal para que os estabelecimentos possam ministrar os cursos,
b. o reconhecimento oficioso desses cursos como válidos para o exercício da profissão.

Por sua vez, quanto aos cursos feitos fora de Macau ou de Portugal, carece da intervenção do acto de reconhecimento, cuja prática se encontra condicionada pelos seguintes requisitos:
a. a idoneidade dos respectivos estabelecimentos, reconhecida por uma organização internacional (em relação aos estabelecimentos da República Popular da China, o reconhecimento será oficialmente feito pelo respectivo governo),
b. a garantia de uma formação equivalente à dos cursos feitos em Macau ou Portugal.

É de realçar que o acto de reconhecimento acima referido praticado pela Direcção dos Serviços de Educação6 ou pelos Serviços de Saúde é destacável, - embora inserido num procedimento tendente à produção duma decisão final (a de licenciamento), acarreta, só por si, efeitos ou modificações insuperáveis ou irremediáveis7 - sendo portanto autonomamente impugnável. A prática de tal acto, na situação vertente, não tendo sido devidamente descartada, apenas ocorreu no acto final, quando a Recorrida entendeu que os diplomas apresentados pelas Recorrentes, se considerando a respectiva substância (o teor da formação, o modo, os termos da prova realizada etc.), não poderiam ser considerados como habilitações válidas para o exercício da actividade da PMA, denegando, com base nisso, as suas pretensões.

E assim, voltamos à tese perfilhada no início quanto à repartição dos ónus de prova no recurso contencioso: caberá às Recorrentes que pretendam fazer valer as suas habilitações adquiridas no exterior (fora de Macau ou Portugal), demonstrar a verificação das condições necessárias ao reconhecimento – a idoneidade dos respectivos estabelecimentos para ministrar os cursos, e a garantia dada pelos mesmos para uma formação equivalente aos cursos feitos em Macau ou Portugal, a fim de comprovar a sua capacidade profissional para o exercício da PMA.

Ora, dos elementos juntos aos autos pelas duas Recorrentes resulta o seguinte:
Em relação à Recorrente A,
- a mesma concluiu com aproveitamento um curso de formação complementar no período entre Julho de 2014 e Junho de 2015, em C no interior da China (conforme os docs. 25 e 26 juntos a fls. 75 a 78 dos autos),
- além disso, concluiu um outro curso de formação no período entre 6/7/2015 e 28/6/2016 em D, no interior da China (conforme o doc. 27 junto a fls. 79 a 80 dos autos).

Por sua vez, em relação à Recorrente B,
- a mesma passou o exame no F, G, adquirindo o Diploma in Family Medicine (conforme o doc. 28 junto a fls. 81 dos autos),
- a mesma concluiu com aproveitamento um curso de formação complementar no período entre Maio de 2013 e Abril de 2015, em C no interior da China (conforme os docs. 29 e 30 juntos a fls. 82 a 85 dos autos),
- também o curso de formação no período entre 1/9/2016 e 31/8/2017 em D, no interior da China (conforme o doc. 31 junto a fls. 86 a 87 dos autos).

Os referidos elementos – os diplomas ou certificados outorgados pelas instituições do interior da China ou pelas de Hong Kong – nada nos dizem quanto à reconhecida idoneidade das instituições para ministrar o curso de formação destinado à utilização profissional das técnicas da PMA8. E por outro lado, com as escassas informações que possam resultar da apreciação dos ditos diplomas, ficou muito menos demonstrado quanto ao segundo requisito necessário ao reconhecimento – no sentido de se verificar o paralelismo ou a equivalência na formação concluída através daqueles cursos feitos no interior da China com os feitos em Macau ou Portugal. Aliás, a falta dos elementos comprovativos nunca chegou a ser suprida no respectivo procedimento, uma vez que as ora Recorrentes mesmo sendo convidadas para o efeito através dos ofícios n.ºs 796/OF/UTLAP/2020 e 797/OF/UTLAP/2020, de 17/4/2020 preferiram não acatar ao convite.

De forma sintética, diríamos que os critérios para a autorização existem e se encontram definidos na Lei que as Recorrentes não podem desconhecer. Pelo contrário, deviam as mesmas ao menos procurar demonstrar a este Tribunal que sua pretensão substantiva mereça acolhimento por terem sido reunidos todos os requisitos constitutivos nos termos da Lei. Mas agora, dada a falha na demonstração dos requisitos previstos nos artigos 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, é inelutável que deve naufragar a sua pretensão formulada. E nesta conformidade, improcede-se os fundamentos do recurso vertidos nos artigos 34.º a 76.º da petição inicial.

Sem prejuízo do que antecede, compreende-se pela leitura da petição inicial, que a impugnação organizada pelas Recorrentes se foca no patamar anterior, no sentido de não ser necessário o licenciamento para o exercício da actividade em causa, por se situar no domínio de direito privado em que se prevalece o princípio de “aquilo que não é proibido é permitido” – o que não é verdade pelo que referímos acima, porquanto estamos no âmbito das “profissões reguladas” pelo DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, e não no das chamadas “profissões livres não sujeitas às regras especiais, mas só as regras gerais do Direito”.9

E se sempre em fidelidade a tal ideia de se colocaremos na zona de “laissez-faire”, livre da regulação e do controlo do poder público, como foi desde o princípio tornado claro nos requerimentos iniciais das Recorrentes datados de 16/12/2016 perante a Recorrida (como se vê, as mesmas apenas por cautela pediram a autorização ao Director dos Serviços de Saúde para a utilização das técnicas da PMA, visto que em seu entender, a autorização não era necessária), nunca deveriam as mesmas ter provocado a autorização junto da Administração, sabendo de antemão que a mesma não poderia autorizar um determinado pedido para o qual sem competência interventiva – de acordo com o princípio de competência.

Daí, uma razão acrescida para relativizar a sua tese da violação do princípio da legalidade pelo acto recorrido com base na desnecessidade do licenciamento – não se tratando do vício pertinente face ao acto administrativo de indeferimento.
*
Cremos que os restantes fundamentos também não devem proceder. Procuremos demonstrar em breves linhas.

No que respeita à nulidade do acto recorrido por ofensa ao direito fundamental dos inférteis consagrado no artigo 38.º da Lei Básica (corresponde ao alegado nos artigos 17.º a 33.º da petição inicial), tal tese, a nosso ver, seria interessante noutro contexto – quando a actuação administrativa impugnada por um determinado cônjuge infértil que se sente lesado por aquela actuação.

Já que “a nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado” (sublinhado nosso, cfr. o artigo 123.º, n.º 2 do CPA) e se considera como interessado os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos lesados pela actuação administrativo, que “tem legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele” (cfr. o artigo 55.º, n.º 1 do CPA). Aliás, a redacção adoptada na norma do artigo 33.º do CPAC quanto à legitimidade activa para interpor o recurso contencioso é semelhante.
Neste processo, é fora de dúvida que as ora Recorrentes não são titulares daquele direito fundamental alegadamente lesado pela actuação administrativa – o direito de constituir a família e de livre procriação, não sendo portanto interessados com legitimidade para impugnar o acto recorrido na vertente que atinja o direito do terceiro (nem sequer identificável).

Assim sendo, é manifesto que o argumento não merece o nosso apoio.
*
Relativamente à violação dos princípios da boa-fé, e da colaboração, alegam as Recorrentes, em síntese, que o acto é anulável porque a Administração retardou o procedimento decisório mediante as sucessivas exigências para a apresentação dos novos comprovativos sem que estes sejam especificados na lei.

Como já vimos, as exigências para a apresentação do comprovativo sucessivamente feitas pela Recorrida não são de todo impertinentes. Aliás, neste tipo de procedimento desencadeado por iniciativa dos particulares, são eles próprios onerados com o encargo de demonstrar que merece deferimento a pretensão.

Além disso, as Recorrentes contentando-se com uma formulação vazia, não densificaram de que modo os comportamentos imputados como “dilatórios” da Administração lesaram os valores fundamentais de direito a ponderar a este propósito, isto é, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa, e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida, a que se refere no artigo 8.º, n.º 2 do CPA.

Portanto, improcede também este argumento.
*
Por fim, quanto à invocada falta da fundamentação, entendem as Recorrentes que tal falta se deve à omissão da indicação das normas legais que sustentam o acto recorrido, em violação do disposto na norma do artigo 115.º do CPA.

Em matéria de fundamentação do acto, estando-se perante um acto praticado no sentido de não autorizar a utilização das técnicas da PMA pelas Recorrentes, a norma do artigo 114.º, n.º 1, alínea c) do CPA prevê o dever legal de fundamentação, segundo a qual devem ser fundamentados os actos administrativos que “Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado”. E além disso, exige-se no disposto do artigo 115.º, n.º 1 do CPA, como requisitos legais da fundamentação, que a mesma seja expressa e contenha uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

Como se tem entendido na generalidade da doutrina, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo, e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.

De acordo com a consolidação jurisprudencial da RAEM que tem vindo a ser feita em torno do dever legal de fundamentação, que se considera cumprido este dever sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa sindicar o acto de forma esclarecida. (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Acórdão do TSI, Processo n.º 375/2016, de 9/11/2017)

Como já vimos no início da abordagem do problemático em causa, a fundamentação do acto recorrido não é nada feliz, pelo facto de não terem sido indicados os fundamentos de direito da decisão de acordo com a exigência contemplada no artigo 115.º, n.º 1 do CPA e por ter referido a algum elemento concreto sem relevância jurídica para o caso (a nosso ver, por exemplo, tal referência como necessária a comprovação da qualidade de ser membro da Academia Médica). Mas também já vimos atrás, que essa falta poderia ser ultrapassada mediante a interpretação contextual do acto recorrido.

Neste sentido, porém, se acompanhando a jurisprudência portuguesa que se vem entendendo não ser necessária a indicação (numerada ou específica) das normas tidas por aplicáveis, mas apenas da disciplina jurídica com base na qual se decidiu, ou até nem sequer ser precisa a invocação da disciplina legal aplicável, se o destinatário do acto conhece o quadro legal em que ele foi praticado10, poderíamos até admitir que não se opera a omissão da exposição do fundamento de direito, uma vez que as ora Recorrentes nem por isso deixam de conhecer o quadro legal aplicável in casu – os artigos 4.º, 5.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro (conforme se alega nos artigos 56.º a 57.º da petição inicial).

Assim, parece-nos que a fundamentação do acto recorrido como tal satisfez o critério da suficiência formal, e deve improceder o vício invocado.

Tudo visto, resta decidir.
***

III. Decisão

Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente o presente recurso contencioso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
*
Custas pelas Recorrentes, com taxa de justiça fixada em 8UC.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
      “1.
      A e B, ambas melhor identificadas nos presentes autos, interpuseram recurso contencioso do acto praticado pelo Director dos Serviços de Saúde que decidiu não autorizar a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida por parte das Recorrentes.
      Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 169 a 183 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado improcedente.
      Inconformadas com a dita sentença, vieram as Recorrentes interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação da dita sentença.
      
      2.
      2.1.
      A primeira questão que vem colocada pelas Recorrentes é a de saber se a douta decisão recorrida infringiu ou não a norma contida no artigo 123.º da Lei Básica.
      No entender das Recorrentes, os Serviços de Saúde, enquanto não existir uma previsão legal que regule a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida e fixe padrões uniformes para a sua autorização, não podem limitar a prestação de serviços que recorram a tais técnicas pelos particulares e dizer quem o pode fazer e como o pode fazer, sob pena de violar o princípio da reserva de lei.
      Salvo o devido respeito, não nos parece.
      De acordo com o disposto no artigo 123.º da Lei Básica, entre nós, a prestação de serviços de medicina e saúde de qualquer tipo não é uma actividade livre, mas, ao invés, uma actividade cujo exercício é regulado: apenas pode ter lugar nos termos da lei.
      Não vale, portanto, neste particular sector de actividade o princípio da liberdade, segundo o qual os particulares podem fazer tudo aquilo que não seja proibido por lei. O que se compreende. A actividade em causa é de evidente interesse público, nela estando em causa a prestação de serviços que tocam em direitos e interesses muito relevantes, nomeadamente a vida e a integridade física e psíquica dos cidadãos e que exigem, portanto, uma intervenção reguladora pública que, desde logo e no que agora importa sublinhar, afaste a possibilidade de tais serviços serem prestados fora de um enquadramento legal previamente definido.
      Por isso, o Meritíssimo Juiz a quo andou bem ao decidir que a prestação dos serviços médicos com recurso à utilização de técnicas de procriação medicamente assistida não é de exercício livre e está, por isso, sujeita a intervenção reguladora por parte da Administração nos termos resultantes da lei (como veremos de seguida, essa intervenção administrativa tem lugar a título autorizativo ou de licenciamento e a título fiscalizador do concreto exercício da actividade).
      A questão não é, contrariamente ao sustentado pelas Recorrentes, de eventual violação do princípio da reserva de lei, porquanto, como teremos oportunidade de ver em maior detalhe, existe lei que regula a matéria e que foi invocada pela Administração na fundamentação dos actos administrativos contenciosamente atacados. Diferentemente, a questão é, antes, a do modo como a lei foi aplicada no caso concreto e, mais especificamente, a de saber se as normas legais mobilizadas pela Administração constituem suficiente respaldo habilitante relativamente àqueles actos.
      Daí que nos pareça, para fechar este ponto, que a douta sentença recorrida não incorreu na invocada violação do artigo 123.º da Lei Básica, devendo, pois, improceder este primeiro fundamento do recurso.
      
      2.2.
      (i)
      A segunda questão que vem colocada pelas Recorrentes é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação e aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.
      Vejamos.
      O referido diploma legal regula o licenciamento para o exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde na Região. É o que se encontra expressamente afirmado no respectivo artigo 1.º.
      Por sua vez, a norma do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo Decreto-Lei, entretanto revogada pela Lei n.º 18/2020, mas vigente no momento da prática dos actos impugnados, estabelece os requisitos, positivos e negativos, para o licenciamento do exercício da actividade de prestação de cuidados de saúde. Merece atenção o requisito positivo a que alude a alínea a) do n.º 1 que exige a capacidade profissional como requisito para o exercício da profissão.
      A lei não deixou à Administração a densificação casuística do conceito de capacidade profissional, tendo optado por defini-la no artigo 6.º, n.º 1 do citado Decreto-Lei: «Têm capacidade profissional os indivíduos que sejam titulares das habilitações académicas e ou profissionais exigidas neste diploma para o exercício da profissão a que respeita o licenciamento e não sofram de doença, física ou psíquica, que impeça aquele exercício».
      Sobre as habilitações exigidas para o exercício da profissão de médico, que é a que releva no presente contexto, a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º dispõe serem as mesmas as seguintes: «curso superior de medicina que confira o grau de licenciatura ou diploma reconhecido, nos termos da lei, neste grau, e formação complementar de profissionalização, tratando-se de médico de clínica geral, acrescida de formação complementar de especialização, se se tratar de médico especialista».
      Como nos parece bom de ver, estas são normas que habilitam a Administração, uma vez verificados os pressupostos nelas abstractamente previstos, a licenciar o exercício privado da profissão médica. Essa autorização ou licenciamento tem uma natureza genérica, abrangendo, portanto, todos os actos que são próprios do exercício da profissão médica concretamente licenciada, seja a de médico de clínica geral, seja a de médico especialista.
      (ii)
      No caso em apreço, flui dos autos que as Recorrentes, concluíram o internato complementar de obstetrícia e ginecologia no Centro Hospital Conde de S. Januário.
      Além disso, elas são médicas inscritas nos Serviços de Saúde, estando, por isso, autorizadas por esses Serviços a exercer medicina em na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
      Em 16 de Dezembro de 2016, as Recorrentes requereram aos Serviços de Saúde a autorização para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, sendo que, nesse momento, já estavam autorizadas para o exercício privado de profissão médica na RAEM.
      (iii)
      Perante este quadro fáctico, uma questão desde logo se nos suscita e que é a de saber qual o exacto alcance do requerimento dirigido pelas Recorrentes aos Serviços de Saúde e bem assim da decisão que sobre o mesmo veio a recair e que foi contenciosamente impugnada nos presentes autos.
      Parece-nos relativamente pacífico que as requerentes, através do mencionado requerimento, não pretenderam obter autorização para o exercício da profissão médica, pela simples razão de que já eram titulares dessa autorização.
      O que elas pediram foi a autorização para a prática de determinados actos médicos, mais concretamente aqueles que implicam o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida.
      Ora, esses actos podem ser enquadrados num campo específico do saber médico que é a chamada medicina de reprodução, a qual, por sua vez, ao menos entre nós e no enquadramento legal vigente à data da prática dos actos administrativos resultante do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março, não constitui uma especialidade médica, mas apenas, quando muito, uma subespecialidade da especialidade da ginecologia/obstetrícia.
      Em todo o caso, e para o que agora interessa, não existindo entre nós aquela especialidade da medicina da reprodução e sendo de considerar que esta se enquadra no campo mais vasto da ginecologia/obstetrícia, parece-nos claro que, estando as Recorrentes já autorizadas ao exercício privado da profissão médica temos como certo que as mesmas não fizeram um novo pedido que as autorizasse a exercer uma profissão que já estavam autorizadas a exercer. Mais. As Recorrentes nem sequer careciam de pedir a autorização que pediram.
      Por isso, em bom rigor, a iniciativa das Recorrentes junto dos Serviços de Saúde não teve nem podia ter o alcance de um verdadeiro pedido de autorização do exercício da profissão médica, uma vez que não faz sentido pedir uma autorização para fazer algo que já foi autorizado. Do que na realidade se tratou e assim deveria ter sido considerado pelos Serviços de Saúde foi de um desnecessário pedido de autorização para, no exercício da sua profissão médica já autorizada, praticarem determinados actos médicos, no caso, actos com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida.
      Em todo o caso, uma iniciativa procedimental das Recorrentes que não reclamava por parte da Administração um verdadeiro acto autorizativo, uma vez que a lei não prevê a competência da Administração para conceder autorização a um médico já licenciado para exercer a profissão para a prática de específicos actos médicos, nem isso, aliás, faria qualquer sentido.
      O que faz sentido, ao invés, é que a lei habilite a Administração, enquanto entidade reguladora do exercício privado dos cuidados de saúde e do exercício da medicina, a fiscalizar o modo como determinada pessoa já autorizada ao exercício privado da profissão médica exerce essa actividade, e, nomeadamente, que fiscalize se os actos médicos que concretamente são praticados cabem ou não no âmbito da autorização ou se, pelo contrário, dele extravasam.
      E foi essa, bem vistas as coisas, a competência que a Administração exerceu. Na verdade, o acto contenciosamente recorrido, correctamente interpretado, não constitui um acto de indeferimento de uma autorização, mas consubstancia, em vez disso, uma proibição antecipada da prática de determinados actos médicos por parte das Recorrentes. Em nosso modesto entendimento e contrariamente ao decidido na douta sentença impugnada, o acto administrativo recorrido, sendo aparentemente negativo, é, na realidade, um acto positivo.
      A Administração, confrontada com a comunicação (pedido) das Recorrentes de que tencionavam praticar actos médicos com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida no âmbito do exercício já licenciado da sua profissão, proibiu-as, a título preventivo, de o fazer.
      (iv)
      Acontece que, não obstante os actos em causa consubstanciarem uma proibição do exercício em determinados termos da profissão médica e não o indeferimento de uma autorização para esse exercício, eles fundaram-se nas normas legais do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, já citado.
      Ora, como é bom de ver, essas normas não lhe dão suficiente cobertura habilitante. Para demonstrarmos o acerto desta nossa conclusão basta pensarmos numa hipótese, não de proibição preventiva como a que aqui está em causa, mas de proibição sucessiva ou repressiva da prática de determinados actos médicos (exemplo: os Serviços de Saúde detectam que um médico de clínica geral pratica actos de neurocirurgia ou que um médico dentista pratica actos de cirurgia maxilo-facial e proíbem-no de o continuar a fazer). Nessa hipótese, é evidente, parece-nos, que os Serviços de Saúde não praticariam o acto de proibição ao abrigo das referidas normas, justamente porque elas não habilitam a Administração a exercer uma competência de natureza ablativa como a que aqui está em causa, mas, ao contrário, ampliativa.
      Há-de ser, pois, com base noutra(s) norma(s) que a Administração, no exercício sua actividade reguladora poderá exercer a competência fiscalizadora do concreto exercício privado da profissão médica por parte das Recorrentes. Uma coisa é a actividade de autorização do exercício privado da profissão médica, que é feita ao abrigo das normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M. Outra coisa, diferente, é a actividade fiscalização do concreto exercício dessa profissão, que pode resultar em actos de proibição, em regra repressiva ou sucessiva, mas podendo, como no caso em apreço, ser preventiva, cujo fundamento legal seguramente se encontra em outras normas legais que não aquelas antes citadas e que, erradamente, serviram de fundamento jurídico ao acto contenciosamente recorrido.
      Ora, no caso sujeito, só esta segunda actividade está em causa, pela simples razão de que, por um lado, as Recorrentes já são titulares de licença para o exercício privado da profissão médica, que, potencialmente, as autoriza a praticar todo o tipo de actos médicos, em especial na área da especialidade da ginecologia/obstetrícia e, por outro lado, não está em causa a ampliação dessa licença de modo a abranger outra especialidade médica para além da já licenciada pois que, como vimos, não é disso que aqui se trata. Daí que, a nosso ver, contrariamente ao doutamente decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, a Administração tenha incorrido em erro de direito ao fundar a prática do acto nas normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M.
      
      3.
      Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional.”
      
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a sentença recorrida enferma dos vícios imputados e como tal é de conceder provimento ao recurso contencioso, revogando-se a sentença e anulando-se a decisão administrativa viciada.
*
Síntese conclusiva:
I – Uma vez que as Recorrentes concluíram o internato complementar de obstetrícia e ginecologia no Centro Hospital Conde de S. Januário e são médicas inscritas nos Serviços de Saúde, estão autorizadas a exercer medicina na RAEM. Quando, em 16 de Dezembro de 2016, as Recorrentes requereram aos Serviços de Saúde a autorização para a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida, o que elas pediram foi a autorização para a prática de determinados actos médicos, ou seja, aqueles que implicam o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida.
II – Tais actos podem ser enquadrados num campo específico do saber médico que é a chamada medicina de reprodução, a qual, por sua vez, e à luz do enquadramento legal vigente à data da prática dos actos administrativos resultante do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março, não constitui uma especialidade médica, mas apenas, quando muito, uma subespecialidade da especialidade da ginecologia/obstetrícia.
III - Uma iniciativa procedimental das Recorrentes que não reclamava por parte da Administração um verdadeiro acto autorizativo, uma vez que a lei não prevê a competência da Administração para conceder autorização a um médico já licenciado para exercer a profissão para a prática de específicos actos médicos, nem isso, aliás, faria qualquer sentido. Bem vistas as coisas, o acto contenciosamente recorrido não constitui um acto de indeferimento de uma autorização, mas sim consubstancia uma proibição antecipada da prática de determinados actos médicos por parte das Recorrentes.
IV – Nesta matéria, importa distinguir duas realidades diferentes: uma é a actividade de autorização do exercício privado da profissão médica, que é feita ao abrigo das normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M; outra, diferente, é a actividade fiscalização do concreto exercício dessa profissão, que pode resultar em actos de proibição, em regra repressiva ou sucessiva, mas podendo, como no caso em apreço, ser preventiva, cujo fundamento legal seguramente se encontra em outras normas legais que não aquelas antes citadas e que, erradamente, serviram de fundamento jurídico ao acto contenciosamente recorrido.
V - No caso, só esta segunda actividade é que está em causa, pela simples razão de que, por um lado, as Recorrentes já são titulares de licença para o exercício privado da profissão médica, que, potencialmente, as autoriza a praticar todo o tipo de actos médicos, em especial na área da especialidade da ginecologia/obstetrícia e, por outro lado, não está em causa a ampliação dessa licença de modo a abranger outra especialidade médica para além da já licenciada, pelo que, contrariamente ao doutamente decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, a Administração tenha incorrido em erro de direito ao fundar a prática do acto nas normas do n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, o que se impõe à revogação da sentença recorrida e à anulação do acto administrativo ora posto em crise.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se a decisão administrativa ora posta em crise.
*
Sem custa por isenção subjectiva
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 19 de Maio de 2022.
_________________________ _________________________
Fong Man Chong Mai Man Ieng
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Tong Hio Fong
1 Mário Aroso de Almeida, Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de actos administrativos, Caderno de Justiça Administrativa n.º 20, Março/Abril, 2000
2 Cfr. Manuel Trigo, Lições de Direito da Família das Sucessões, Volume I. pp. 305 a 306.
3Veja-se, o site do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, https://www.cnpma.org.pt/cidadaos/Paginas/tecnicas-de-pma.aspx.
4 De acordo com o definido no anexo II a que se refere o n.º 3 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março,
“Ginecologia e obstetrícia — Duração global: 6 anos
Formação básica — Duração: 2 anos
Medicina interna 3 meses
Cirurgia geral 4 meses
Urologia 3 meses
Pediatria e cuidados intensivos de neonatologia 3 meses
Medicina de urgência 3 meses
Anatomia patológica 3 meses
Radiologia e imagiologia 3 meses
Medicina familiar 2 meses
Formação complementar — Duração: 4 anos
Estágios em ginecologia, obstetrícia, medicina de urgência em ginecologia e obstetrícia, medicina materno-fetal, endocrinologia reprodutiva, oncologia ginecológica e estágios opcionais. 48 meses
Domínio dos seguintes conhecimentos, metodologias e técnicas:
1. Etiologia, fisiopatologia, anatomia patológica, manifestações clínicas, diagnóstico, diagnóstico diferencial, terapêutica, prognóstico e prevenção das doenças ginecológicas;
2. Selecção e interpretação dos diversos exames complementares ginecológicos;
3. Indicações, execução, tratamento e prevenção de complicações das cirurgias ginecológicas;
4. Fisiologia e fisiopatologia na gravidez; avaliação do crescimento e desenvolvimento embrionário e fetal; diagnóstico, monitorização, tratamento, prevenção e avaliação da gravidez de alto risco e suas complicações;
5. Intervenção e execução do parto e tratamento e prevenção das suas complicações;
6. Selecção, execução e interpretação dos diversos exames complementares de diagnóstico pré-natal.”
5 De acordo com o definido no anexo I a que se refere o n.º 4 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 8/99/M, de 15 de Março,
“Definição e tempo de duração dos estágios do internato geral
Área de Medicina Interna, compreende 5 meses de estágio em Medicina Interna;
Área de Cirurgia, compreende 3 meses de estágio em Cirurgia Geral;
Área de Obstetrícia/Ginecologia, compreende 3 meses de estágio no serviço de Obstetrícia e Ginecologia;
Área de Pediatria/Neonatologia, compreende 3 meses de estágio em serviço de Pediatria e Neonatologia;
Área de Cuidados Primários, compreende 3 meses de estágio em serviço de Cuidados de Saúde Primários.”
6 Com a entrada em vigor do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, em especial, do artigo 3.º a competência para o reconhecimento das habilitações académicas foi deferida às entidades públicas que condiciona o exercício da actividade profissional. Neste caso, é entidade competente os Serviços de Saúde.
7 Quanto à noção do acto destacável, veja-se Mário Esteves de Oliveira Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição, pp. 136 a 137.
8 Não se vê, na realidade, a conexão que o primeiro diploma adquirido pela Recorrente B apresenta com a matéria da procriação medicamente assistida. E quanto às outras habilitações profissionais apresentadas por ambas as Recorrentes, C e D são instituições oficiosamente reconhecidas pela National Health Commission of the People’s Republic of China, para desenvolverem as actividades da PMA (veja-se a Lista das Instituições reconhecidas para o efeito no site: http://www.nhc.gov.cn/cms-search/xxgk/getManuscriptXxgk.htm?id=0cf528f318f84eafaf19b6e18ac2c44f). No entanto as mesmas não se encontram, pelo que temos conseguido alcançar através da pesquisa, credenciadas como centro idóneo para ministrar o curso de formação dos profissionais da PMA (Veja-se, a Lista do Centro de Formação reconhecidas pelo antigo Ministério de Saúde em 2007, disponível no site: http://www.ahwsjd.cn/ebook/jsymy/html/001/064.html), o que até nos leva a crer que os ditos títulos auferidos pelas mesmas não sejam bastantes para demonstrar a capacidade profissional que urge demonstrar quer no prévio procedimento administrativo, quer no presente processo.
9 Veja-se a propósito dos graus da intensidade de profissão regulada, Fernando Sainz Moreno, apud. João Pacheco de Amorim, Direitos Fundamentais e Ordens Profissionais, Em especial, Do Direito de Inscrição nas Ordens, Almedina, pp. 266 a 294.
10 Veja-se neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, p. 602.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

2022-173-autorização-procriação-assistida 35