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Processo n.º 51/2008 - (A)
(Recurso Penal)

Data: 17/Dezembro/2008
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

    A, arguido e ora recorrente, melhor identificado nos autos, tendo sido notificado do acórdão proferido por este Tribunal, em 3 de Dezembro de 2008, veio, - dizendo que o fazia nos termos e ao abrigo do artigo 360º do Código de Processo Penal (CPP) e do artigo 571º, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente aos presentes autos por força do artigo 4º do CPP (v., ainda, artigos 105º e ss. deste Código) -, invocar a nulidade do acórdão supra referido, tendo concluído da forma seguinte:
    Está-se perante uma nulidade quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou. conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
    A omissão de pronúncia traduz-se, em suma, num non liquet em relação ao objecto contestado, à questão ou situação colocada, legalmente relevante, e que, por isso, tem de ser expressamente decidida.
    A nulidade no presente caso só pode ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença porquanto o acórdão em questão não admite recurso ordinário (v., nesse sentido, art. 571º, n.º 3, do CPC acima citado).
    Sendo entendimento pacífico que o vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material substantivo que os sujeitos tenham expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento.
    Como é fácil de verificar e concluir, o recurso do ora recorrente, no que respeita à sua condenação pela prática de 1 crime de branqueamento de capitais, foi expressamente admitido pelo Tribunal de Segunda Instância, a coberto do despacho de fls. 13022 e ss. proferido pelo Mmo. Juiz Relator daquele Tribunal (cfr., fls. 13028 verso dos presentes autos).
    Logo, salvo o devido respeito, está desprovida de qualquer lógica a argumentação proferida por V. Exas. em sede do acórdão ora proferido de que o recurso do arguido, ora requerente, teria sido o único que não tinha sido admitido pelo TSI.
    E daí que, salvo ainda o devido respeito, desprovida de qualquer lógica igualmente enferma a, referência constante do mesmo acórdão de 3 de Dezembro de 2008 de que ao ora expoente lhe cabia reclamar (dessa decisão de não admissão) para o Presidente do Tribunal que iria julgar esse recurso (alegadamente) não admitido, nos termos do artigo 395º, n.º 1 do CPP, sendo certo que, mesmo nessa hipótese académica, o prazo para esse efeito apenas terminaria no dia 5 de Dezembro de 2008, i.e., dois dias depois da data da, prolação do acórdão posto agora em crise (3/12/2008).
O que significa, ao fim ao cabo, que o TUI como que se antecipou precipitadamente nessa conclusão - de não ter o ora recorrente apresentado qualquer reclamação da decisão de não admissão - e, consequentemente, na decisão de não conhecer o recurso em causa, em momento em que, em boa verdade, o prazo para a reclamação em causa (que, como se viu, não se justificava) ainda se encontrava em curso.
Importa, sim, sublinhar que a apresentação de uma eventual reclamação por parte do arguido, ora recorrente, só era legalmente permitida se porventura o seu recurso não tivesse sido admitido (no que respeita ao crime de branqueamento de capitais de que foi condenado), o que, como vimos, não aconteceu manifestamente; ao invés do que se escreveu no douto acórdão do TUI, o recurso interposto pelo ora expoente (na parte do segmento decisório que o considerou como autor de um crime de branqueamento de capitais) foi admitido pelo Mmo. Juiz Relator do TSI e daí que, em sede de última instância, tinha necessariamente que ser analisado e apreciado.
Conclui-se assim que, no caso sub judice, e salvo o devido respeito, o Tribunal de Última Instância, no douto acórdão de 3 de Dezembro de 2008, não decidiu do recurso do arguido A na parte do segmento decisório que confirmou a sua condenação como autor de um crime de branqueamento de capitais, nem tão pouco sobre ele se pronunciou, sendo certo que o mesmo recurso foi admitido pelo Tribunal de Segunda Instância na parte em questão.
Posto isto, é perfeitamente claro que estamos perante uma situação manifesta de "omissão de pronúncia", se quisermos, de “omissão absoluta de pronúncia” porquanto não resulta do acórdão posto agora em crise que o recurso do arguido A, muito embora tendo sido admitido pelo TSI, tenha sido minimamente apreciado pelo TUI, sendo certo que se impunha ao mesmo Tribunal pronunciar-se sobre todas as questões de direito que lhe foram colocadas pelo ora expoente e sobre as quais o mesmo Tribunal. não poderia forçosamente deixar de tomar conhecimento.
É, pois, esta a nulidade que se invoca expressamente nesta sede, requerendo o recorrente ao douto Tribunal que se digne considerar verificada a "omissão de pronúncia" apontada e declarar a nulidade do acórdão de 3 de Dezembro de 2008, devendo este vício ser sanado por V. Exas. no âmbito de nova conferência.
E, desse modo, decidir-se assim pelo provimento do recurso em causa, no caso de ser perfilhado o entendimento do Mmo. Relator do TSI de que é de admitir o mesmo recurso, absolvendo-se assim o ora, expoente do crime de branqueamento de capitais de que foi condenado nos termos e com base nos fundamentos constantes da respectiva motivação.
A Exma Senhora Procuradora Adjunta, tendo sido notificada do requerimento apresentado pelo arguido A, vem dizer o seguinte:
O arguido veio invocar a nulidade do douto Acórdão proferido em 3 de Dezembro de 2008, alegando que o Tribunal de Última Instância não decidiu, nem tão pouco se pronunciou, do seu recurso na parte do segmento decisório que confirmou a sua condenação como autor de um crime de branqueamento de capitais.
Ora, nos termos da al. d) do n° 1 do art. 571º do Código de Processo Civil de Macau, aplicável ao processo penal por força do disposto no art. 4º do CPPM, o juiz tem obrigação legal de pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas, sob pena de nulidade da sentença.
No entanto, não existe a referida nulidade quando se não conhece de questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra (cfr. Ac. RP, de 14-7-1976, citado no Código de Processo Civil Anotado, de Abílio Neto, IIª Edição, pág. 581).
Salvo o devido respeito, não nos parece que, no caso sub judice, estamos perante uma situação de omissão de pronúncia.
Desde logo, o Tribunal deixou muito claras as questões que importa abordar, sendo uma delas "a admissibilidade dos recursos no segmento decisório penal do acórdão do TSI, objecto de todos os recursos preliminarmente recebidos", salientado que "o objecto dos diversos recursos pressupõe a análise de uma questão prévia e que se prende com a irrecorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI), no que tange à decisão penal condenatória que ela comporta".
E decidiu expressamente o Tribunal não receber o recurso interposto pelo Ministério Público, em que se suscita, entre as outras, a questão do crime de branqueamento de capitais.
As doutas considerações explanadas pelo Tribunal que fundamentaram o não recebimento do recurso do MP são igualmente válidas para o recurso interposto pelo arguido A na parte respeitante à sua condenação pelo crime de branqueamento de capitais.
Da leitura completa do douto Acórdão do TUI resulta que o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre o recurso interposto pelo arguido, não obstante sem a menção expressa na parte decisória da sentença.
Nota-se até na parte final do Acórdão que foi determinado o pagamento pelo arguido de 8UCs, "pelo não recebimento de parte do recurso e pela rejeição da outra parte".
Pelo exposto, entendemos que não se verifica a nulidade invocada pelo arguido, termos em que se deve indeferir o pedido formulado pelo arguido.
Foram colhidos os vistos legais

Cumpre apreciar
Vem invocada a nulidade do acórdão proferido em 3 de Dezembro último por omissão de pronúncia sobre questão que o recorrente entende não ter sido apreciada.
À partida, não se deixa de anotar que não se compreende que o recorrente venha agora exigir o conhecimento de um recurso e pedir a sua absolvição, quando nas suas alegações - delimitadoras do objecto do recurso - sustentou que o recurso era inadmissível e que só devia ser conhecido se o recurso interposto pelo MP viesse a ser admitido.
Esta conduta não deixa de merecer alguma reprovação.
Trata-se do recurso por si interposto no parte penal relativamente ao crime de branqueamento de capitais.
Não obstante o recorrente servir-se de uma omissão formal na parte decisória relativa à não admissibilidade do recurso por si interposto e numa ou noutra passagem, na parte penal, substantivamente não lhe assiste razão.
É que o seu recurso, na parte penal, relativamente ao branqueamento de capitais, não deixou de ser considerado nem o podia deixar de ser.
Em várias partes do acórdão se referem os recursos penais interpostos preliminarmente.
Desde logo se afirma em I. 4 do acórdão sob análise que os recursos serão conhecidos nos seus segmentos preliminarmente admitidos e a ele se lhe refere o acórdão quando no relatório se transcreve a parte da sua alegação relativa ao recurso penal.
Em II. 2ª fala-se da admissibilidade dos recursos no segmento decisório penal do acórdão do TSI, objecto de todos os recursos preliminarmente recebidos.
Em III. 4.1 reconhece-se que só o recurso relativo aos crimes de corrupção não foi preliminarmente admitido.
A própria condenação em custas leva em conta a não admissão de parte do recurso.
Isto é, perpassa da globalidade do acórdão que o recurso do recorrente A, relativamente à sua condenação pela prática do crime de branqueamento de capitais, não deixou de ser ponderado, ainda que se tivesse omitido a referência ao seu nome, o que se ficou a dever ao tratamento dado no acórdão, não aos recursos de cada um dos arguidos, mas sim aos recursos respeitantes à matérias penal, à indemnização e à perda de bens.
Aliás, resulta óbvio que o tratamento dado ao recurso do MP na parte penal, prejudicou, à partida, o conhecimento de todos os outros recursos penais, dos restantes arguidos, pois que se não era admitido o recurso, face às penas máximas abstractas a relevar para efeitos de interposição de recurso para o TUI (penas não superiores a 8 anos), nos termos exarados no acórdão, pelas mesmas razões não era admissível o recurso interposto pelos arguidos.

Não é verdade que é o próprio recorrente, tanto na resposta ao recurso do MP, como no seu próprio recurso, na parte penal, que se manifesta expressa e inequivocamente pela irrecorribilidade da decisão proferida em 2ª Instância?
Para afirmar ainda que só se vier a ser admitido o recurso do MP, pede, então, que se analisem as questões colocadas quais sejam a da integração típica e da medida da pena.
Como bem anota a Senhora Procuradora Adjunta nem se deve considerar que há omissão de pronúncia quando não se conhece de uma questão que se mostra prejudicada por outra.
Ora, tanto bastaria para que o ora recorrente perdesse razão ao pretender pronúncia sobre o recurso que ele próprio entende não admissível e por que propugna.
Ao não ter sido recebido o recurso do MP, pelas razões expostas no acórdão e que aqui se dão integralmente por reproduzidas, tanto bastaria para que por essas mesmas razões não só não viesse a ser conhecido o recurso, face à posição do recorrente, como, sempre, o mesmo recurso teria de se ter como inadmissível.

Não obstante o facto de se entender que o tratamento dado ao recurso do Ministério Público dispensaria até o conhecimento do recurso do ora recorrente, pois que ele condicionou o conhecimento do seu recurso à admissibilidade do do MP, o facto é que não se deixou de ter em consideração a prejudicialidade de tal conhecimento sobre todos os restantes recursos penais, incluindo o do A, não obstante, por lapso, a omissão dessa referência.

Em todo o caso, apreciando a questão que ora vem colocada e suprindo as omissões formais decorrentes do acórdão ora escrutinado, quanto ao recurso da decisão penal interposto por A, consigna-se expressamente que esse recurso, na parte penal, relativamente ao branqueamento de capitais, tal como preliminarmente admitido, mostra-se abrangido pelas razões aduzidas e que levaram à não admissibilidade do recurso do MP, nos termos e fundamentos expostos, nomeadamente de III. 2.1 a III. 2. 17.1.

Tais razões, como é óbvio e como resulta de uma leitura medianamente inteligente, são igualmente válidas para o julgamento a que se procedeu e ora se reafirma, no sentido de considerar inadmissíveis os recursos interpostos, no segmento em análise, da decisão penal, não só pelos restantes arguidos B, C e D, como para A.

Em nome do rigor formal, procede-se assim ao esclarecimento e supressão dos lapsos que poderiam inculcar no sentido de omissão de pronúncia, decidindo-se declarar apenas o que não ficou expresso, no sentido de não ser admitido o recurso interposto por A.
Sem custas, vistas as apontadas irregularidades formais.
Notifique.
17/12/2008
51/2008-TUI-(A) 10/10